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Braquiterapia intracoronariana. Tratamento da reestenose intra-stent com o sistema Beta-Cath: experiência inicial na América Latina

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a segurança e eficácia da braquiterapia intracoronariana usando o sistema Beta-CathTM na prevenção da recorrência de restenose intra-stent (RIS), por meio da análise dos resultados clínicos, angiográficos e pelo ultra-som intracoronariano (USIC). MÉTODO: Foram submetidos à angioplastia com cateter-balão, seguida de beta-radiação intracoronariana com o sistema Beta-CathTM (90Sr/Y) 30 pacientes com RIS em artérias coronárias nativas e, posteriormente, avaliados. RESULTADOS: Incluíram-se lesões reestenóticas complexas (77% do tipo difuso-proliferativo) com extensão elevada (18,66±4,15 mm). O sucesso da braquiterapia foi de 100%. A dose média utilizada foi de 20,7±2,3 Gy, liberada em um período médio de 3,8±2,1 min. No seguimento tardio, o diâmetro luminal mínimo (DLM) intra-stent diminuiu discretamente (1,98±0,30mm para 1,84±0,39 aos 6 meses, p=0,13), com uma perda tardia de 0,14±0,18 mm. O DLM intra-segmentar foi significativamente menor do que o intra-stent (1,55±0,40mm vs.1,84±0,39mm, p=0,008), associando-se à perda tardia (0,40±0,29mm vs. 0,14±0,18mm; p=0,0001). No USIC, observou-se discreto incremento do tecido neointimal em 6,8±14,3 mm³ aos 6 meses (p=0,19) e a percentagem de obstrução volumétrica aumentou em 4,7±7,5%. A reestenose binária e a revascularização do vaso-alvo recorreram em 17% dos casos; houve 1 caso (3%) de oclusão tardia, associada a infarto do miocárdio. A sobrevida livre de eventos foi de 80%. CONCLUSÃO: O manejo da reestenose intra-stent com a beta-radiação intracoronariana mostrou-se procedimento seguro e eficaz, com alta taxa de sucesso imediato, representando uma opção terapêutica para a inibição da hiperplasia neointimal.

reestenose intra-stent; braquiterapia; sistema Beta-CathTM


OBJECTIVE: To assess the safety and efficacy of intracoronary brachytherapy using the Beta-Cath systemTM for preventing recurrence of in-stent restenosis (ISR), by analyzing clinical, angiographic, and intracoronary ultrasound (ICUS) results. METHODS: This study assessed 30 patients with ISR in native coronary arteries who underwent balloon catheter angioplasty followed by intracoronary beta radiation with the Beta-Cath systemTM (90Sr/Y). RESULTS: The study comprised complex, extensive (18.66±4.15 mm) restenotic lesions, 77% of which were of the diffuse-proliferative type. Brachytherapy was successful in 100% of the cases. The mean radiation dose used was 20.7±2.3 Gy, released for a mean period of 3.8±2.1 minutes. On late follow-up, the in-stent minimum luminal diameter (MLD) slightly decreased (from 1.98±0.30 mm to 1.84±0.39 mm at 6 months; P=0.13), with a late loss of 0.14±0.18 mm. The intrasegmentary MLD was significantly smaller than the in-stent diameter (1.55±0.40 mm vs 1.84±0.39 mm; P=0.008), and was associated with a more significant late loss (0.40±0.29 mm vs 0.14±0.18 mm; P=0.0001). On ICUS, a mild increase of 6.8±14.3 mm³ in the neointimal tissue was observed at 6 months (P=0.19), and the percentage of volumetric obstruction increased by 4.7±7.5%. Binary restenosis and revascularization of the target vessel recurred in 17% of the cases; late occlusion associated with myocardial infarction occurred in 1 case (3%). Event-free survival was 80%. CONCLUSION: The management of in-stent restenosis with intracoronary beta radiation proved to be a safe and effective procedure, with a high rate of immediate success, representing a therapeutic option for inhibiting neointimal hyperplasia.

in-stent restenosis; brachytherapy; Beta-Cath system


ARTIGO ORIGINAL

Braquiterapia intracoronariana. Tratamento da reestenose intra-stent com o sistema Beta-Cath. experiência inicial na América Latina

Juan Simon Muñoz; Fausto Feres; Alexandre C. Abizaid; Luiz A. Mattos; Rodolfo Staico; Marinella Centemero; Luiz F. Tanajura; Ibraim Pinto; Amanda G.M.R. Sousa; J. Eduardo Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Juan Simon Muñoz Av. Dante Pazzanese, 500 São Paulo – SP Cep 04012-909 E-mail: jsmuro@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a segurança e eficácia da braquiterapia intracoronariana usando o sistema Beta-CathTM na prevenção da recorrência de restenose intra-stent (RIS), por meio da análise dos resultados clínicos, angiográficos e pelo ultra-som intracoronariano (USIC).

MÉTODO: Foram submetidos à angioplastia com cateter-balão, seguida de beta-radiação intracoronariana com o sistema Beta-CathTM (90Sr/Y) 30 pacientes com RIS em artérias coronárias nativas e, posteriormente, avaliados.

RESULTADOS: Incluíram-se lesões reestenóticas complexas (77% do tipo difuso-proliferativo) com extensão elevada (18,66±4,15 mm). O sucesso da braquiterapia foi de 100%. A dose média utilizada foi de 20,7±2,3 Gy, liberada em um período médio de 3,8±2,1 min. No seguimento tardio, o diâmetro luminal mínimo (DLM) intra-stent diminuiu discretamente (1,98±0,30mm para 1,84±0,39 aos 6 meses, p=0,13), com uma perda tardia de 0,14±0,18 mm. O DLM intra-segmentar foi significativamente menor do que o intra-stent (1,55±0,40mm vs.1,84±0,39mm, p=0,008), associando-se à perda tardia (0,40±0,29mm vs. 0,14±0,18mm; p=0,0001). No USIC, observou-se discreto incremento do tecido neointimal em 6,8±14,3 mm3 aos 6 meses (p=0,19) e a percentagem de obstrução volumétrica aumentou em 4,7±7,5%. A reestenose binária e a revascularização do vaso-alvo recorreram em 17% dos casos; houve 1 caso (3%) de oclusão tardia, associada a infarto do miocárdio. A sobrevida livre de eventos foi de 80%.

CONCLUSÃO: O manejo da reestenose intra-stent com a beta-radiação intracoronariana mostrou-se procedimento seguro e eficaz, com alta taxa de sucesso imediato, representando uma opção terapêutica para a inibição da hiperplasia neointimal.

Palavra-chave: reestenose intra-stent, braquiterapia, sistema Beta-CathTM

Embora o implante de stent coronariano tenha-se tornado o procedimento percutâneo predominante de revascularização miocárdica nas últimas décadas, a presença de reestenose persiste como sua maior limitação e sua resolução constitui um dos maiores desafios da cardiologia intervencionista contemporânea 1. A recorrência de estenose após implante de stent coronariano varia entre 7 a 37% dos casos, dependendo das características clínicas do paciente, morfológicas da lesão e técnicas do procedimento2-4. A reestenose intra-stent é causada, principalmente, pela proliferação do tecido neo-intimal distribuído de forma focal ou difusa4,5. A incidência de eventos cardíacos maiores, em especial revascularização do vaso alvo, após tratamento convencional da reestenose intra-stent é elevada (30%-80%), independentemente da técnica e do instrumental utilizado6-9.

A braquiterapia é um tratamento promisor para redução de nova reestenose intra-stent, fundamentando-se no potencial de inibição que a radiação exerce sobre a proliferação das células musculares lisas, principal constituinte do tecido neo-intimal10. Atua por meio de um isótopo ativo, liberado para bloquear a fase mitótica do ciclo celular, causando uma dupla ruptura da cadeia do DNA da célula muscular lisa11,12.

Em estudos prévios, a angioplastia com cateter balão, seguida de radiação gama intracoronariana com irídio-1929,13,14 ou radiação beta-intracoronariana com estrôncio/ytrio 90 (Sr90/Y90)15 relatou redução da recorrência clínica e angiográfica nas recidivas difusas.

Nosso objetivo foi avaliar a segurança e viabilidade da braquiterapia intracoronariana após angioplastia com cateter balão, usando o sistema Beta-CathTM (Novoste Corp., Norcross, Georgia), bem como analisar os resultados clínicos, angiográficos e do ultra-som intracoronariano imediatamente após a intervenção e aos 180 dias do seguimento tardio.

Método

De agosto/2001 a setembro/2002 foram incluídos 30 pacientes com reestenose intra-stent, com antecedentes de implante de stent em artérias coronárias nativas, apresentando sintomas de angina ou isquemia silenciosa. Os critérios angiográficos de inclusão foram: estenose de > 50% no local da lesão intra-stent, diâmetro de referência entre 2,5mm e 4,0mm, extensão da lesão <25 mm e sucesso angiográfico (estenose residual <50%) imediatamente após angioplastia com balão. Excluíram-se os pacientes com disfunção ventricular esquerda importante (fração de ejeção <30%), infarto agudo do miocardio recente (<72h), evidência de trombos pela angiografia, presença de múltiplas lesões no vaso alvo e radioterapia torácica prévia. Durante o processo de inclusão, aqueles que não preencheram o criterio angiográfico de sucesso, não receberam tratamento intracoronariano com radiação beta, porém não foram excluídos do registro. Todos os pacientes foram previamente informados das características do procedimento e assinaram o termo de consentimento antes da inclusão.

Todos receberam ácido acetilsalicílico (325mg/dia) na véspera do procedimento. Administrou-se heparina intravenosa (100 UI/Kg) antes da intervenção, para manter o tempo de coagulação ativado > 300s. O regime terapêutico pós-intervenção consistiu de ácido acetilsalicílico e tienopiridínicos (ticlopidina:500mg/dia ou clopidogrel:75mg/dia) por no mínimo 4 meses.

Antes da intervenção, documentamos, angiograficamente (> 2 projeções), a extensão e a gravidade da lesão, assim como o diâmetro luminal nos segmentos de referência proximal e distal.

O sistema Beta-Cath™ disponível no nosso serviço (Novoste Corp., Norcross, Georgia) consiste de uma serie de 16 sementes cilíndricas independentes e radiopacas, que contém emissor beta puro estrôncio/ytrio 90 (90Sr/ 90Y), limitados por 2 marcadores de ouro radiopacos, separados por 40mm, constituindo a extensão da fonte. O perfil do cateter é de 5 French e o sistema da fonte não é centralizado. A liberação da dose ocorre a 2mm da fonte e é adaptada ao diâmetro do vaso15.

Após a angioplastia com cateter-balão, realizamos ultra-som intracoronariano com administração intracoronariana prévia de dinitrato de isosorbida (0,2 mg). Em seguida, avançamos o cateter liberador da fonte (beta-railTM) pré-montado sobre o fio-guia, colocado de forma "chis-distante", desde o centro do segmento que recebeu injúria até 7mm além de suas bordas, pela visão angiográfica dos marcadores da fonte (40mm). Após a retirada do fio-guia, a fonte é transportada hidraulicamente até a porção distal do cateter liberador e seu posicionamento sempre documentado angiograficamente. Imediatamente após o término do tempo de radiação calculado pelo oncologista (tab. I), a fonte é retirada e o cateter liberador (beta-railTM) removido. Repetimos a avaliação angiográfica nas mesmas projeções ortogonais e o ultra-som intracoronariano, finalizando assim a intervenção.

O sucesso angiográfico foi definido como a presença de estenose residual < 50%, sem intercorrência técnica durante o processo de radiação. O sucesso da braquiterapia foi caracterizado pela liberação completa (>90%) da dose de radiação estabelecida. O sucesso clínico foi definido como a ausência de eventos cardíacos maiores (óbito, infarto agudo do miocárdio, documentado por critérios eletrocardiográficos e enzimáticos [CK-MB > 10-13 U/L ou >5% da CK atividade e/ou elevação de troponina T-I] e revascularização do vaso alvo) durante a hospitalização. Definiu-se sucesso do procedimento após braquiterapia como a associação dos três anteriores.

A análise pela angiografia coronariana quantitativa foi realizada pelo método off-line usando o sistema QCA-CMSâ versão 5.1 (MEDIS - Medical Imaging Sistems Inc. - AJ Leiden, The Netherlands), no laboratório de dados e análises hemodinâmicas de nossa Instituição. Todas as angiografias foram realizadas após administração prévia de nitrato intracoronariano, calculando-se o diâmetro luminal mínimo, a percentagem de estenose (%DS) e o diâmetro de referência. O ganho luminal agudo foi determinado como o diâmetro luminal mínimo após o tratamento – diâmetro luminal mínimo inicial e a perda tardia foi calculada como o diâmetro luminal mínimo após tratamento – diâmetro luminal mínimo tardio. Angiograficamente, a definição de aneurisma se baseou na presença de diâmetro luminal no segmento tratado 25% maior do que o diâmetro da luz nos segmentos de referência adjacentes 16.

Ainda em relação ao diâmetro luminal mínimo, aferiram-se: 1) diâmetro luminal mínimo intra-stent: compreendido pelo segmento alvo - margem distal e proximal da lesão alvo; 2) diâmetro luminal mínimo intra-segmentar: compreendido pelo segmento que recebeu injúria, localizado entre as marcas proximal e distal do balão. Outros parâmetros avaliados foram o segmento irradiado, limitado pelas marcas proximal e distal do cateter de radiação e o segmento do vaso, limitado por duas referências anatômicas (ramos) nos quais incluíram-se o segmento alvo, segmento que recebeu injúria e o segmento irradiado. A aplicação desta classificação tem sido comumente utilizada em outros estudos clínicos17 (fig. 1).


O ultra-som intracoronariano foi realizado rotineiramente antes da intervenção, após a angioplastia com cateter balão, pós-braquiterapia e no seguimento tardío. Os estudos foram realizados pelo sistema CVIS (Boston Scientific Corp., Maple Grove, MN) incorporando um transdutor de 30 MHz com uma rotação de 1800rpm. Para obter a sequência de imagens, o transdutor de ultra-som foi tracionado por um equipamento automático à velocidade de 0,5mm/s. A reconstrução tridimensional da imagem foi processada por meio de um sistema computarizado (IndecSystems, Mountain View, CA).

As análises volumétricas foram calculadas a partir da fórmula de Simpson: Volume=S Área total do vaso, indentificada pela membrana elástica externa, stent, placa (membrana elástica externa – stent), hiperplasia neo-intimal (HNI) e lúmen. Para avaliar as mudanças volumétricas de cada elemento do vaso, aos 6 meses, o valor para cada medida foi calculado em delta (Dvolume), resultando da diferença entre os valores volumétricos obtidos no seguimento tardio e após intervenção. Da mesma forma, calculou-se a percentagem de obstrução volumétrica (%Obstrução= [volume HNI/volume stent] x 100), para os 3 períodos de avaliação (pré, pós-intervenção e aos 6 meses)17-18. Ao ultra-som intracoronariano, a formação de aneurisma foi definido como a presença de área luminal máxima no local tratado 50% maior do que a área luminal no segmento de referencia normal16.

A posição incompleta do stent foi definido como 1 ou mais hastes do stent claramente separadas da parede do vaso, com evidência ultra-sonográfica de fluxo sangüíneo atrás da haste19,20.

Aferiu-se a ocorrência de falha do vaso alvo –FVA- (óbito, infarto agudo do miocárdio, reestenose pelo critério binario [lesão >50%] e revascularização do vaso alvo) e a percentagem de obstrução volumétrica aos 180 dias após a braquiterapia.

A análise estatística foi realizada utilizando o programa SPSS versão 8.0.0 (SPSS Inc, Chicago, Illinois, USA). As variáveis continuas foram expressas como médias e desvio padrão, enquanto as categóricas foram apresentadas como freqüências absolutas e percentagens. As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste do qui-quadrado com correção de continuidade ou pelo teste exato de Fisher, quando apropriado. A comparação entre as variáveis continuas foi feita por meio do teste t de "Student"com correção do test de Welch, quando necessário; medidas que não apresentassem distribuição normal foram analisadas pelo teste não-paramétrico de Mann-Whiteney. O nível de significância foi de p <0,05. As correlações entre as mudanças das varíaveis continuas foram realizadas pelo teste de correlação de Pearson.

Resultados

As características clínicas e angiográficas dos 30 pacientes incluídos encontram-se na tabela II. Dez (33%) pacientes apresentavam diabetes mellitus, 44% apresentavam angina estável, 4(13%) já tinham mais de uma intervenção para o tratamento de reestenose intra-stent e o tempo medio transcorrido desde a última intervenção foi de 7,3±2,3 meses. Predominaram as lesões complexas: 60% foram difusas, 17% proliferativas, 17% focais e 6% sob a forma de oclusão 3.

A angioplastia com cateter balão foi realizada em todas as lesões intra-stent. Em um dos procedimentos realizou-se aterectomia rotacional antes da dilatação com balão. No nosso estudo, não houve nenhum caso de estenose residual > 50% imediatamente após do procedimento. Observou-se uma dissecção tipo A (não fluxo-limitante), que não necessitou tratamento adicional. Em relação à braquiterapia, a aplicação foi realizada em 100% dos pacientes, sem apresentar alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia miocárdica durante o procedimento. Foi utilizada a fonte de 40mm de extensão, com uma dosagem média de 20,7±2,3 Gy, aplicada em 3,8±2,1min.

A extensão do segmento alvo e o segmento que recebeu injúria foram de 18,6±4,1mm e 23,3±3,8mm, respectivamente. O diâmetro luminal mínimo intra-stent e o intra-segmentar aumentaram significativamente após intervenção (ambos p<0,0001), resultando em ganhos luminais agudos de 0,91±0,41mm e 0,85±0,40mm, respectivamente (tab. III). Aos 6 meses, o seguimento angiográfico foi realizado na totalidade dos casos. O diâmetro luminal mínimo intra-stent diminuiu de forma não significante (1,98±0,30mm para 1,84±0,39mm aos 6 meses; p=0,13), associando-se com uma perda tardia de 0,14±0,18mm. O diâmetro luminal mínimo intra-segmentar foi significativamente menor que o intra-stent aos 6 meses do tratamento (1,55±0,40mm versus 1,84±0,39mm, p=0,008), associando-se com maior perda tardia intra-segmentar (0,40±0,29mm versus 0,14±0,18mm; p=0,0001). Observaram-se cinco casos com reestenose angiográfica (17%) no seguimento tardio. Um paciente apresentou reestenose na extremidade distal do stent, outro, 2 lesões reestenóticas (intra-stent e em sua extremidade distal) e um terceiro apresentou reestenose no corpo da endoprótese. Dois casos apresentaram lesões estenóticas na extremidade proximal do segmento irradiado.

O ultra-som intracoronariano foi realizado em 87% (26/30) dos pacientes imediatamente após intervenção e aos 180 dias do seguimento tardio. Aos seis meses, o volume do tecido neointimal aumentou discretamente (DHNI=+6,75±14,3mm3; p=0,19), associando-se com uma redução não significativa do volume da luz intra-stent (Dlumen= -10,38±15,7mm3; p=0,18) (tab. IV). Houve um aumento quantitativo tanto do volume do vaso como da placa aos 6 meses, porém sem atingir significância estatística. O percentual de obstrução volumétrica foi reduzido de 61,1±8,1% para 26,8±7,2% após a intervenção (p<0,0001), elevando-se para 30,5±8,0%, aos 6 meses de seguimento clínico (D%Obstrução= +4,7±7,5%; p=0,09). Não foram observados aneurismas nem aposição incompleta tardia dos stents.

Aos 6 meses, o volume do vaso apresentou uma correlação positiva com as mudanças no volume da placa (r=0,963, p=0,01).

Não houve eventos cardíacos maiores durante o período de hospitalização (48,8±6,2h), nem foram registrados casos de trombose subaguda. Dos 30 casos analisados no seguimento clínico tardio houve 1 (3%) caso de trombose tardia (aos 46 dias após intervenção), que cursou com infarto agudo do miocárdio sem onda Q, e 5 casos de revascularização do vaso alvo (17%), dos quais 60% (3/5 casos) foram realizados por via percutânea. Em total o percentual de falha do vaso alvo foi de 20% nesta série, determinando uma sobrevida livre de eventos de 80% aos 6 meses de evolução clínica (tab. V).

Discussão

Em nosso estudo, a utilização da braquiterapia intracoronariana com o sistema Beta-Cath sugere ser um procedimento técnicamente seguro e viável, apresentando-se com resultados favoráveis no manejo da reestenose intra-stent21,22 aos seis meses seguimento clínico (fig. 2).


As reestenoses difusas e proliferativas, que representaram 77% dos nossos casos, são as de pior prognóstico após manejo percutâneo. No estudo de Mehran e cols.3, esses casos apresentaram nova recidiva em 50-80% dos casos após a angioplastia com cateter balão, contrastando com nossos resultados, onde a taxa de recidiva 6 meses após a braquiterapia foi de 17%, sugerindo a superioridade da braquiterapia sobre o tratamento convencional com balão e confirmando os resultados de investigações prévias 21-23.

A dosagem de radiação pré-estabelecida foi liberada totalmente em todas as lesões. Todos os pacientes receberam terapia antiplaquetária (ácido acetilsalicílico indefinidamente) e tienopiridínicos por um tempo mínimo de 4 meses; não ocorreram eventos cardíacos maiores durante o primeiro mês. Observou-se uma (3%) oclusão trombótica tardia, manifestada como infarto agudo do miocárdio sem onda Q, percentagem inferior do que a dos estudos WRIST, Long-WRIST, SVG-WRIST, GAMMA-1 e BETA-WRIST (9,1% aos 5 meses após o procedimento)24 e semelhante à dos estudos WRIST-PLUS25 e INHIBIT26. Apenas, uma dissecção (não fluxo-limitante) foi documentada no final do procedimento, sem requerer tratamento adicional, embora, tardiamente, ela tenha-se associado com uma das reestenoses observadas (extremidade distal do stent). O impacto no prognóstico das dissecções não fluxo-limitantes em pacientes que realizam braquiterapia ainda é desconhecido. Em duas séries de 16 pacientes cada uma, a presença de dissecção aguda após angioplastia com balão e beta-radiação persistiu em aproximadamente 50% dos pacientes aos 6 meses de seguimento clínico27,28, não apresentando associação na recorrência da angina ou com qualquer evento clínico em particular28.

Em relação aos eventos clínicos aqui documentados, nossos resultados foram similares aos encontrados em estudos prévios que utilizaram a beta-radiação intracoronariana, nos quais a incidência de eventos cardíacos maiores situou-se entre 18% e 33%: START(18%)29, INHIBIT(22%)26 e BETA-WRIST(33%)30. De forma análoga, a taxa de reestenose nesses estudos variou entre 15% e 29%22,26,30.

Quando é comparada a perda tardia entre os segmentos definidos angiograficamente, evidenciou-se que o diâmetro luminal mínimo intra-segmentar apresentou uma redução estatísticamente maior que o diâmetro luminal mínimo intra-stent, em decorrência da lesão causada pelo balão nos segmentos adjacentes ao stent. Esse fenômeno, descrito como "perda geográfica", observado em 13% dos nossos casos, é caracterizado principalmente por uma radiação inadequada no segmento que recebeu injúria31. Teoricamente, esta condição ocorre quando danificam-se as extremidades do segmento irradiado, nos quais, por definição, a dose emitida é muito baixa. Em uma análise restrospectiva31 de 50 pacientes consecutivos tratados com radiação beta após angioplastia com cateter balão ou stent, a incidência deste fenômeno foi de 32%.

A análise volumétrica pelo ultra-som intracoronariano mostrou que o crescimento do tecido neointimal foi discreto aos 6 meses do seguimento clínico, resultado semelhante ao de outros estudos32. Quanto ao crescimento do vaso (+21,4±27,8 mm3), observado aos 180 dias de tratamento, sugere que a radiação beta intracoronariana induziu um remodelamento positivo da pared arterial, caracterizado por um processo "acomodativo" da placa (correlação no aumento do Dmembrana elástica externa vs. Dplaca, r=0,963, p<0,01), preservando o volume da luz intra-stent. Dados experimentais têm sugerido que a radiação tem um efeito no remodelamento do vaso devido à modificação da resposta celular na camada adventícia33,34. O remodelamento positivo, acomodando o crescimento neo-intimal após 6 meses, tem sido demonstrado pelas análises ultrassonográficas35, considerando-se que outros estudos não relataram mudanças da área total do vaso ou da placa atrás do stent27.

Comparada com a radiação gama, a radiação beta apresenta menor profundidade de penetração, minimizando a exposição de radiação para pacientes e operadores e, conseqüentemente, menor requerimento de rádio-protecção. Porém, a queda rápida da dose de radiação beta dentro dos 2-5mm de profundidade está associada a uma liberação de dose menos homogênea32. Além disto, o "efeito de escudo" produzido pelas hastes do stent estaria associado a uma atenuação da dose de radiação através das suas hastes, maior do que 15%36. Quando foram comparados os resultados pelo ultra-som intracoronariano em dois grandes estudos13,15, observou-se que a radiação beta apresentou maior beneficio que a gama na prevenção da hiperplasia neo-intimal no interior do stent37,38.

Por fim, é importante ressaltar que a participação latino-americana no desenvolvimento desta inovadora opção terapéutica no manejo das lesões estenóticas, tem sido determinante. A primeira experiência clínica registrada com radiação em arterias coronárias humanas foi realizada por Condado e cols., na Venezuela39, que introduziram uma guia de192 iridio no interior de um cateter não centralizado na luz do vaso, por meio de um dispositivo de liberação manual, demonstrando assím, que a administração de radiação no interior da arteria coronária era factível e segura, embora com elevadas taxas de restenose observada nesta experiência inicial.

Este estudo consistiu de uma serie inicial e consecutiva de casos de reestenose intra-stent tratados no nosso serviço, com evolução clínica tardia limitada a 6 meses. Devido ao número relativamente pequeno de pacientes avaliados e pelo desenho do estudo (não aleatorizado, sem grupo controle, excluindo-se casos de maior complexidade), os resultados aqui documentados não devem ser extrapolados para a totalidade dos casos que cursam com esta afecção.

Apesar dos eventos clínicos observados no seguimento tardio não diferirem com os dos grandes estudos randomizados, não se pode afirmar que são clinicamente equivalentes, pois o tamanho da nossa amostra inviabiliza esta conclusão. Independentemente das observações já citadas, este registro permitiu-nos uma experiência clínica inicial satisfatória com o uso desta técnica. Os pacientes do estudo permanecem em evolução clínica, e novos casos são incorporados progressivamente.

Concluindo, o presente estudo sugere que a braquiterapia intracoronariana usando o sistema Beta-CathTM após angioplastia com cateter balão representa uma opção terapêutica segura e eficaz para pacientes com reestenose intra-stent. Desta forma, em casos com as características clínicas e angiográficas semelhantes às deste estudo, a braquiterapia intracoronariana pode ser considerada parte do arsenal terapêutico de escolha no tratamento desta afecção. Estes resultados iniciais somam-se aos de estudos clínicos randomizados previamente realizados, atestando a segurança, factibilidade e pertinência do método.

Recebido para Publicação 16/4/03

Aceito 6/7/03

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  • Endereço para correspondência
    Juan Simon Muñoz
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Jul 2004

    Histórico

    • Aceito
      06 Jul 2003
    • Recebido
      16 Abr 2003
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