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Caso 3/2002 - Mulher de 82 anos, portadora de hipertensão arterial sistêmica, fibrilação atrial e que apresentou acidente vascular cerebral recorrente e fatal (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP, São Paulo)

CORRELAÇÃO ANATOMOCLÍNICA

Correlação Anatomoclínica

Caso 3/2002 - Mulher de 82 anos, portadora de hipertensão arterial sistêmica, fibrilação atrial e que apresentou acidente vascular cerebral recorrente e fatal (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP, São Paulo)

Jaime Freitas Bastos; Luiz Alberto Benvenuti

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência: Jaime Freitas Bastos InCor Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo, SP E-mail: cegbastos@incor.usp.br

Mulher de 82 anos de idade foi internada (16/11/00) por rebaixamento do nível de consciência após acidente vascular cerebral e convulsão.

A paciente sabia ser portadora de hipertensão arterial, fazia uso diário de 150mg de captopril, 160mg de verapamil, 300mg de ácido acetilsalicílico e associação hidroclorotiazida 50mg com amilorida 5mg havia três anos.

Há 19 meses (abril/99) sofreu hemiparesia esquerda, com predomínio braquiofacial e hemianopsia temporal esquerda. Na ocasião foi detectada fibrilação atrial.

Os exames laboratoriais (abril/99) revelaram 12,9g/dL de hemoglobina, hematócrito 38%, volume corpuscular médio 97 µm³, concentração de hemoglobina corpuscular média 32g/dL, 7800 leucócitos/µm³, 199000 plaquetas/mm³, índice normalizado da relação de tempos de protrombina 1,06, relação de tempos de tromboplastina parcial ativada 0,88. As taxas séricas de sódio foram 140 mEq/L, de potássio 3,3 mEq/L, de uréia 38 mg/dL, de creatinina 1,1 mg/dL e de glicose 96 mg/dL.

A tomografia de crânio horas após a instalação do quadro clínico não revelou anormalidades. Foi feito o diagnóstico de acidente vascular cerebral isquêmico, atribuído a embolia a partir de câmaras cardíacas. A hemiparesia evoluiu em 24h, e restou discreta hemiparesia.

O eletrocardiograma (27/4/99) revelou ritmo de fibrilação atrial, freqüência cardíaca média de 90bpm, duração de QRS de 0,11s, SÂQRS + 20° para trás, área eletricamente inativa paredes septal, anterior e lateral (QS V1 a V4 e ondas R de baixa voltagem em V5 e V6) (fig. 1).


O ecocardiograma (30/11/99) revelou espessura septal e de parede posterior de ventrículo esquerdo 10mm, diâmetro diastólico de ventrículo esquerdo 49mm, e sistólico de 31mm, fração de ejeção de ventrículo esquerdo 0,74; diâmetro de aorta de 35mm e de átrio esquerdo de 40mm. O ventrículo direito foi considerado normal (25mm). Foi detectado aumento do átrio direito. Havia sinais de hipertensão pulmonar e a pressão estimada do ventrículo direito foi de 54mmHg.

Em consultas médicas posteriores queixava-se de dispnéia aos médios esforços. Os níveis elevados de pressão arterial persistiram, em torno de 170/90mmHg, e por vezes 220/120mmHg, apesar do uso diário de 75mg de captopril, 160mg de verapamil e 300mg de ácido acetilsalicílico. Em abril/00 foi iniciada a prescrição de warfarina.

A avaliação laboratorial na evolução (jun/00) revelou o nível sérico do hormônio estimulador da tireóide foi 0,6 µU/mL, o de tiroxina livre 1,2 ng/dL, sódio 144mEq/L, potássio 3.4 mEq/L, uréia 34mg/dL e creatinina 1mg/dL. A glicemia foi de 152mg/dL, os níveis de triglicérides de 174mg/dL, o colesterol total 306mg/dL (HDL 56 mg/dL, LDL 215mg/dL e VLDL de 35mg/dL). O índice normalizado da relação de tempos de protrombina foi 6,2. A dose de warfarina foi diminuída de 5mg diários para 2,5mg. Houve orientação para a paciente repetir o exame de tempo de protrombina quinzenalmente

Dezenove meses depois do quadro inicial, a paciente apresentou hemiparesia direita e disfasia. A tomografia dentro das primeiras 24h de evolução não revelou alteração. Houve regressão quase completa do déficit neurológico. Foi feito o diagnóstico de novo acidente vascular cerebral isquêmico.

Na evolução, momentos antes de ser submetida a nova avaliação tomográfica, apresentou convulsões tônico-clônicas de início parcial depois generalizadas, seguidas de acentuada queda do nível de consciência e respiração irregular. Houve necessidade de intubação orotraqueal para apoio respiratório e a paciente foi transferida para o InCor. A tomografia logo após esse episódio não demonstrou anormalidades.

O exame físico (16/10/00) revelou paciente com intubação orotraqueal, pressão arterial de 150/80mmHg e freqüência cardíaca 110bpm. Foram detectados roncos pulmonares difusos, com murmúrio vesicular presente em todas as áreas do tórax. O exame do coração não revelou ritmo irregular. O exame do abdome e dos membros inferiores foi normal.

O eletrocardiograma (16/11/00) revelou ritmo de fibrilação atrial, freqüência cardíaca de 120bpm, baixa voltagem dos complexos QRS no plano frontal, SÂQRS indeterminado no plano frontal, distúrbio da condução intraventricular do estímulo, áreas inativas ântero-septal e lateral (fig. 2). Em eletrocardiograma em data posterior (19/11/00) houve regressão do distúrbio de condução.


Na evolução a paciente permaneceu com rebaixamento da consciência. A avaliação inicial revelou: abertura dos olhos com estímulo doloroso (2); sem verbalização aos estímulos dolorosos (1), e com movimento de retirada ao estímulos dolorosos (4) - Glasgow 7 (tab. I). Nos dias subseqüentes houve deterioração do nível de consciência (dois dias depois não ocorria abertura ocular (AO=1), nem verbalização (RV= 1) e rigidez em descerebração (RM= 2) aos estímulo dolorosos, escore total de 4. O reflexo cutâneo plantar era em flexão no pé direito e ausente no esquerdo.

A tomografia de crânio foi repetida e revelou área hipodensa na região têmporo-parieto-occipital direita acometendo os núcleos da base homolaterais; acentuação de sulcos corticais e cisternas; sistema ventricular de forma e dimensões normais e não havia calcificações patológicas ou desvio da linha média. O quadro foi considerado compatível com infarto isquêmico na região têmporo-parieto-occipital direita.

A paciente manteve-se com discreta hipertermia, leucocitose, baixo débito urinário e houve elevação das enzimas hepáticas (tab. II). As gasimetrias em sangue arterial e paciente com fração inspirada de O2 de 40% demonstraram pO2 ao redor de 90mmHg e níveis de pCO2 entre 33 e 36mmHg.

Foram administrados 4g de ceftriaxone diários; 300mg de fenitoína, 4mg de lanatosídeo C, 80mg de enoxaparina. Em 18/11 ocorreu distensão abdominal, com parada de eliminação de fezes e drenagem de líquido bilioso pela sonda nasogástrica. A ultra-sonografia do abdome revelou distensão das alças intestinais no hemi-abdome esquerdo, não havia líquido na cavidade peritoneal e ausência cirúrgica de vesícula biliar. A radiografia do abdome não revelou pneumoperitôneo. No 4º dia de internação (20/11/00) houve aumento da freqüência respiratória e parada cardíaca em assistolia.

Eletrocardiograma - As alterações eletrocardiográficas no primeiro traçado podem ser devidas a sobrecarga de ventrículo direito em vez de verdadeira perda de forças septais e anteriores. Esse aspecto se repete no segundo traçado, com aparecimento de atraso final de condução. No 3º eletrocardiograma há desaparecimento do distúrbio de condução que pode ser devido à anulação das forças ventriculares direitas por sobrecarga esquerda.

(Dr. Paulo Jorge Moffa)

Aspectos clínicos - Trata-se de mulher de 82 anos, hipertensa, portadora de fibrilação atrial que num período de 19 meses apresentou dois eventos cerebrovasculares.

A fibrilação atrial é um distúrbio do ritmo cardíaco extremamente freqüente, afetando 2% da população de adultos acima de 30 anos e mais de 5% das pessoas acima de 69 anos 1-12. Dos 5.209 indivíduos do Framingham Heart Study, a incidência cumulativa de fibrilação atrial durante um seguimento de 22 anos foi de 21,5 por 1.000 homens e 17,1 por 1.000 mulheres.6-12

A fibrilação atrial pode ou não estar associada à cardiopatia. Na grande maioria das vezes é associada à cardiopatia isquêmica, à doença reumática, à hipertensão, a valvopatias e às formas dilatadas destas cardiopatias 7-12. Condições extracardíacas também levam à fibrilação atrial, como disfunções tireoideanas, certas drogas e consumo de álcool 4-6. Num pequeno número de vezes a fibrilação atrial apresenta-se sem evidência de doença cardíaca ou sistêmica: lone atrial fibrillation 3.

Em análises multivariadas de dados do Framingham Heart Study 6, seis variáveis clínicas foram identificadas como preditoras independentes para desenvolvimento de fibrilação atrial: aumento de idade; diabetes mellitus; hipertensão arterial; insuficiência cardíaca; infarto agudo do miocárdio ou doença arterial coronariana e valvopatias

A fibrilação atrial pode estar relacionada ao aumento do risco de morte súbita, como na síndrome de Wolf-Parkinson-White e na cardiomiopatia hipertrófica 12.

Além das alterações hemodinâmicas, o risco de embolias sistêmicas, decorrentes da formação de trombos no átrio esquerdo ou no apêndice atrial, pela estase circulatória, é outra consideração clínica, como observado no caso ora em discussão. Novamente citando Framingham, o risco de acidente vascular cerebral foi 5,6 vezes maior em pacientes com fibrilação atrial 6-12.

A taxa anual de acidente vascular cerebral em pacientes com fibrilação atrial e pelo menos um fator de risco adicional, é de no mínimo 4%. Assim, por exemplo, fibrilação atrial na estenose mitral é de 6% ao ano e quando a fibrilação atrial está associada à coronariopatia ou insuficiência cardíaca congestiva, as taxas são até três vezes maiores que na fibrilação atrial não acompanhada de outro fator de risco 6-7-12.

Pacientes mais jovens que 65 anos, com ecocardiografia normal e nenhum outro fator de risco têm um risco menor que 1% ao ano 6-9. Ou seja, o risco de acidente vascular cerebral no paciente com fibrilação atrial não é uniforme.

Há risco semelhante de acidente vascular cerebral entre os pacientes com fibrilação atrial intermitente, comparados aos portadores de fibrilação atrial crônica, como mostrado pelos estudos BAATAF e SPAF 13,14-16. (não temos registro eletrocardiográfico, mas nossa paciente estava em ritmo cardíaco regular em outubro/00).

O risco de novo fenômeno embólico após um primeiro evento é grande. No estudo Framingham, a recorrência de acidente vascular cerebral foi duas vezes maior nos pacientes com fibrilação atrial do que naqueles em ritmo sinusal 6. No estudo SPAF, tromboembolismo prévio foi fator de risco independente para a ocorrência de novo acidente vascular cerebral 13.

Devemos recordar que 75% a 80% dos casos de acidente vascular cerebral em portadores de fibrilação atrial são de origem cardiogênica 12.

A magnitude do acidente vascular cerebral (infarto embólico), depende do tamanho do fragmento embólico e de onde este se aloja. Os êmbolos do coração se alojam na artéria cerebral média ou em seus ramos em 80% dos casos. Em 10% das vezes, na cerebral posterior e seus ramos e em 10% na artéria vertebral ou ramos. Tais êmbolos podem ser tão grandes como 3 a 4mm, o suficiente para ocluir o tronco da cerebral média e promover acidente vascular cerebral extenso, envolvendo tanto substancia branca como cinzenta. Porém podem ser pequenos com oclusão de apenas ramos arteriais corticais ou perfurantes 2-8.

Caracteristicamente, o coágulo embólico é de plaqueta e fibrina, tem a tendência de migrar, sofrer lise, dispersar, o que explica a flutuação de sinais e sintomas, e em alguns casos, a completa recuperação do déficit isquêmico. Lembramos que a nossa paciente apresentou há 19 meses hemiparesia súbita, regredindo quase totalmente em 24h 8.

Se lembrarmos um pouco a respeito das manifestações clínicas da embolia vemos que a instalação do déficit é repentino, muitas vezes máximo, com possíveis oscilações, podendo haver regressão completa em 24h, definindo o episódio isquêmico transitório, ou não, definido acidente vascular cerebral instalado 2-8.

Alguns dados de exame neurológico podem sugerir embolia como causa de acidente vascular cerebral: por exemplo, variações na localização do território envolvido. A paciente em questão apresentava-se com déficit agudo à direita 19 meses após déficit agudo revertido à esquerda 8; defeito repentino do campo visual, sugere embolia comprometendo ramos da artéria cerebral posterior 8 (a paciente apresentou hemianopsia temporal esquerda há 19 meses); crises convulsivas após acidente vascular cerebral ocorrem mais freqüentemente após infarto embólico. Entretanto, são infreqüentes no início e antes do 6º mês, tendo pico de incidência exatamente 19 meses depois do evento agudo 15. Dados do The Copenhagen Stroke Study mostraram que, surpreendentemente, não se relacionou a aumento de mortalidade e ao contrário foi preditor de melhor evolução em pacientes com grandes áreas isquêmicas 15.

Grandes êmbolos, localizados no tronco da artéria cerebral média com comprometimento de núcleos da base substância branca profunda e superfície cortical, podem se associar com edema intenso, aumento da pressão intracraniana, rápida queda do nível de consciência, coma e morte 2-8.

O que não pode ser esquecido, é que existe a forte possibilidade de doença vascular cerebral intrínseca concomitante associada à doença coronariana e esta à fibrilação atrial 7. A paciente em questão tinha 82 anos, apresentava, no decorrer de sua história clínica, queixa de dispnéia para médios esforços, era hipertensa, dislipidêmica e apresentava em eletrocardiograma prévios, regiões eletricamente inativas em paredes septal, anterior e lateral. Assim, além do alto risco para fenômenos embólicos, tinha fatores de risco e sinais indiretos de doença arterial coronariana. Hinton e cols. encontraram 46% de doença arterial coronariana associada à fibrilação atrial 12.

O infarto agudo do miocárdio, independente da presença de fibrilação atrial está relacionado a pelo menos 15% das embolias cardiogênicas, sendo que tal fato relaciona-se à presença de infartos anteriores extensos, com formação de trombos intramurais 7-12. É claro, a taxa de eventos embólicos aumenta principalmente se existe história de fenômeno tromboembólico prévio ou fibrilação atrial intermitente.

Descreve-se na literatura comprometimento cerebrovascular agudo paralelamente ou muito próximos ao episódio coronariano agudo, onde por muitas vezes o infarto agudo do miocárdio apresenta-se assintomático e o que se manifesta clinicamente é o rebaixamento do nível de consciência associado ou não a sinais deficitários neurológicos regionais. Para dificultar o diagnóstico, muitas vezes não sabemos se as alterações eletrocardiográficas (como depressão do segmento ST, inversão da onda T, distúrbios da condução) que já foram observadas com incidência de quatro a sete vezes maior em portadores de acidente vascular cerebral, quando comparadas a pacientes-controle, pareados por idade, sejam devidas à ICO aguda, ou decorrentes de alterações cerebrais, tais como a hipertensão intracraniana 5.

Nossa paciente apresentou importante alteração eletrocardiográfica no dia 16/11/00: distúrbio de condução intraventricular, desaparecendo 3 dias depois, e elevação CKMB 24h após. Aqui são cabíveis uma série de indagações. Nossa paciente sofreu infarto do miocárdio, entrou em fibrilação atrial novamente e fez um acidente vascular cerebral? Ou já estava em fibrilação atrial, desenvolveu um infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral na evolução? Ou é simplesmente um acidente vascular cerebral embólico secundário à fibrilação atrial e as alterações eletrocardiográficas e enzimáticas achados inespecíficos e associados ao comprometimento cerebral extenso? Poderiam estar acontecendo embolias sistêmicas em regiões nas quais a lesão isquêmica implicaria em aumento da CKMB, como musculatura uterina ou de intestino delgado? Nossa paciente evoluiu com quadro abdominal; teria ele sido resultante de um quadro séptico ou embolia sistêmica?

A paciente evoluiu em coma, com Glasgow 7; comprovou-se, por tomografia de crânio, comprometimento extenso têmporo-parieto-occipital direito, quadro de provável infecção respiratória e urinária, sinais de septicemia, distensão abdominal, com parada de eliminação de gazes e fezes e no 4º dia de internação desenvolvem parada cardiorrespiratória em assistolia.

Revendo dados da literatura, pacientes com acidente vascular cerebral desenvolvem complicações clínicas e neurológicas. Conclusões do estudo RANTTAS 5, recentemente publicado, se assemelham às da literatura, revelam que pelo menos 95% de todos os acidente vascular cerebral isquêmicos desenvolvem no mínimo uma complicação com mortalidade de 4% em 3 meses. Das complicações médicas, a pneumonia foi a mais freqüente. Das neurológicas, as mais freqüentes foram novo infarto cerebral ou extensão do acidente vascular cerebral em relação à admissão. Estas 2 complicações podem ter acontecido com a paciente em questão.

Como acreditamos que provavelmente a fibrilação atrial pode ter sido a causadora do acidente vascular cerebral, a única dúvida é se a paciente estava devidamente anticoagulada nos dias 18 e 19/11/00 com INR de 6,2 em junho/00. Se fizemos revisão dos principais estudos 10-14,16 que avaliaram a eficácia da terapia profilática com antiagregantes (ácido acetilsalicílico) e anticoagulantes (warfarina): AFASAK, SPAF I e II, BAATAF, SPINAF, CAFA, entre outros, observamos: qualquer paciente com fibrilação atrial que tenha pelo menos um fator de risco: fenômeno tromboembólico prévio, TIA, valvopatias, hipertensão arterial sistêmica, idade acima de 75 anos, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca congestiva ou qualquer anormalidade estrutural do coração devem ser tratados com anticoagulação com warfarina para conseguirem um INR de 2-3 . Se por algum motivo não for possível submeter o paciente à anticoagulação, este pode ser tratado com uma dose mínima de 325mg de ácido acetilsalicílico ao dia, como alternativa, com base em estudos como o SPAF I (67% de redução de eventos embólicos com ácido aceltilsalicílico em relação ao placebo) e o SPAF II e III. Para pacientes abaixo de 75 anos sem fatores de risco é seguro apenas o uso de ácido acetilsalicílico. Para pacientes com idades menores que 60-65 anos, sem nenhum fator de risco, ecocardiografia normal, até o momento não existem dados concretos na literatura médica disponível que justifique, para a fibrilação atrial isolada, o uso rotineiro de profilaxia para fenômeno tromboembólico, podendo ser uma opção o uso individualizado de ácido acetilsalicílico.

(Dr. Jaime Freitas Bastos)

Hipótese diagnóstica - Acidente vascular cerebral embólico; infarto agudo do miocárdio; complicações clínicas e neurológicas do acidente vascular cerebral: infecção pulmonar, urinária e septicemia; embolias sistêmicas.

(Dr. Jaime Freitas Bastos)

Necropsia

O coração pesou 460g, havendo moderada hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo, calcificação do anel da valva mitral, discreta dilatação de ambos átrios e trombose recente da aurícula esquerda (fig. 3). As artérias coronárias não apresentavam lesões ateroscleróticas significativas. O exame histológico do miocárdio evidenciou discreta miocardioesclerose e hipertrofia de cardiomiócitos. O encéfalo pesou 920g, sendo evidente discreta atrofia cortical generalizada, extenso infarto recente na região dos núcleos da base e cápsulas interna e externa à direita (fig. 4), e pequeno infarto cortical antigo, em hipocampo direito. Havia infartos recentes, multifocais, em ambos rins e no baço. O exame histológico dessas áreas evidenciou a presença de tromboêmbolos em arteríolas (fig. 5). O intestino delgado apresentava extensas áreas de infarto hemorrágico recente (fig.6), com peritonite aguda. Encontrou-se tromboembolismo recente, focal, em lobos superior e inferior do pulmão direito.





Outros achados da necropsia foram: aterosclerose moderada da aorta, com calcificação do segmento abdominal e artérias ilíacas; cálculo coraliforme em rim direito, com moderada dilatação pielocalicial; bócio adenomatoso; e traqueíte aguda erosiva, com dilatação aneurismática focal da parte membranácea.

(Dr. Luiz Alberto Benvenuti)

Diagnósticos anatomopatológicos - Cardiopatia hipertensiva compensada; calcificação do anel da valva mitral; trombose recente da aurícula esquerda; embolia sistêmica múltipla, com infartos recentes do cérebro, rins, baço e intestino delgado; tromboembolia pulmonar; nefrolitíase; bócio adenomatoso.

(Dr. Luiz Alberto Benvenuti)

Comentários

Paciente idosa, portadora de cardiopatia hipertensiva compensada (hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo), calcificação do anel da valva mitral e fibrilação atrial crônica. Apresentou na evolução embolia sistêmica múltipla, provavelmente a partir de trombos localizados em átrio esquerdo, com infartos recentes no cérebro, rins, baço e intestino delgado. Apesar das manifestações clínicas estarem relacionadas fundamentalmente às lesões cerebrais, o infarto intestinal era particularmente extenso, e provavelmente contribuiu decisivamente para a evolução fatal, assim como a tromboembolia pulmonar, ocorrida na fase terminal da evolução da paciente.

A fibrilação atrial crônica é relativamente comum em pacientes com idade superior a 69 anos (>5%), estando freqüentemente associada a doença isquêmica do coração ou hipertensão arterial 17. A formação de trombos em átrio esquerdo, principalmente na aurícula é complicação conhecida da fibrilação atrial crônica, assim como a embolia sistêmica, particularmente para o território cerebral 18,19 interessante estudo morfológico da aurícula esquerda em pacientes com fibrilação atrial crônica evidenciou remodelamento estrutural nesse nível, o que favoreceria a trombose 20. No presente caso havia trombo recente preenchendo totalmente a aurícula esquerda, sendo ainda possível que houvessem outros trombos, localizados da parede livre dos átrios, e que teriam se desprendido totalmente, ocasionando tanto a embolia sistêmica quanto a pulmonar.

A calcificação do anel da valva mitral é comum em idosos, e assim como a nefrolitíase e o bócio adenomatoso não teve participação ativa no óbito da paciente. A traqueíte aguda erosiva deveu-se à entubação orotraqueal, sendo curioso a formação de dilatação aneurismática focal da parte membranácea da traquéia.

(Dr. Luiz Alberto Benvenuti)

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Editor da Seção: Alfredo José Mansur (ajmansur@incor.usp.br)

Editores Associados: Desidério Favarato (dclfavarato@incor.usp.br), Vera Demarchi Aiello (anpvera@incor.usp.br)

  • E
    ndereço para correspondência:
    Jaime Freitas Bastos
    InCor
    Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44
    05403-000 – São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2003
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