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Estudo da história natural da hipertrofia miocárdica e sua associação com hiperinsulinismo em filhos de mães diabéticas

Study of the natural history of myocardial hypertrophy and its association with hyperinsulinism in infants of diabetic mothers

Resumos

OBJETIVO: Testar a hipótese de associação entre hipertrofia miocárdica e níveis aumentados de insulina no soro de filhos de mães diabéticas, além de determinar a freqüência de regressão espontânea e o momento de sua ocorrência. MÉTODOS: Foram estudados 72 pacientes (54 filhos de mães diabéticas e 18 controles). O diagnóstico de hipertrofia miocárdica foi realizado por ecocardiografia pré-natal, uni e bidimensional. Os registros da insulina amniótica foram obtidos de um estudo pré-natal prévio sobre hipertrofia miocárdica, pois a participação das gestantes era comum aos dois projetos. RESULTADOS: Houve 10 (18,52%) casos de hipertrofia miocárdica entre os filhos de mães diabéticas. As medidas do septo foram significantemente diferentes entre os grupos (filhos de mães diabéticas e controles) na avaliação com 1 mês (p=0,04). A insulina manteve-se elevada nos filhos de diabéticas até 3 meses de idade, período em que era significativamente diferente em relação aos controles (p=0,003 e p=0,001, com 1 mês e 3 meses, respectivamente). A associação entre a regressão do septo interventricular e a regressão dos níveis de insulina ocorreu até 1 mês de idade. CONCLUSÃO: Houve regressão espontânea das medidas do septo interventricular até 6 meses de idade e a associação entre hiperinsulinismo e hipertrofia miocárdica esteve presente até 1 mês de idade.

feto; hipertrofia miocárdica; hiperinsulinismo; diabetes mellitus


PURPOSE: To test the hypothesis that myocardial hypertrophy is associated with increased serum insulin levels in children of diabetic mothers and to determine the frequency and timing of this spontaneous regression. METHODS: Seventy-two patients were studied (54 children of diabetic mothers and 18 controls). Diagnosis of myocardial hypertrophy was made by fetal echocardiography. Amniotic fluid insulin levels were obtained from a previous prenatal study on hypertrophic cardiomyopathy, since the participation of the mothers was common to both projects. RESULTS: There were 10 cases of myocardial hypertrophy among children of diabetic mothers (18.52%). Septal thickness was significantly different between the 2 groups (children of diabetic mothers and controls) in the evaluation performed at the age of 1 month (p=0.04). Insulin levels were still increased in children of diabetic mothers until the age of 3 months. During this period insulin levels were significantly higher than those of controls (p=0.003 and p=0.001, at 1 and 3 months, respectively). The association between regression of ventricular septum thickness and the decrease of insulin levels occurred up to the age of 1 month. CONCLUSION: There was spontaneous regression of ventricular septum thickness in children of diabetic mothers during the first 6 months of life. The association between hyperinsulinism and hypertrophic cardiomyopathy was present up to the first month of life.

fetus; myocardial hypertrophy; hyperinsulinism; diabetes mellitus


Artigo Original

Estudo da História Natural da Hipertrofia Miocárdica e sua Associação com Hiperinsulinismo em Filhos de Mães Diabéticas

Paulo Zielinsky, Martha H. Leal da Costa, Leandro Turra Oliveira, Fernanda Paiva Bonow, Nilza Iracema Telles da Silva, Lauro Luís Hagemann

Porto Alegre, RS

OBJETIVO: Testar a hipótese de associação entre hipertrofia miocárdica e níveis aumentados de insulina no soro de filhos de mães diabéticas, além de determinar a freqüência de regressão espontânea e o momento de sua ocorrência.

MÉTODOS: Foram estudados 72 pacientes (54 filhos de mães diabéticas e 18 controles). O diagnóstico de hipertrofia miocárdica foi realizado por ecocardiografia pré-natal, uni e bidimensional. Os registros da insulina amniótica foram obtidos de um estudo pré-natal prévio sobre hipertrofia miocárdica, pois a participação das gestantes era comum aos dois projetos.

RESULTADOS: Houve 10 (18,52%) casos de hipertrofia miocárdica entre os filhos de mães diabéticas. As medidas do septo foram significantemente diferentes entre os grupos (filhos de mães diabéticas e controles) na avaliação com 1 mês (p=0,04). A insulina manteve-se elevada nos filhos de diabéticas até 3 meses de idade, período em que era significativamente diferente em relação aos controles (p=0,003 e p=0,001, com 1 mês e 3 meses, respectivamente). A associação entre a regressão do septo interventricular e a regressão dos níveis de insulina ocorreu até 1 mês de idade.

CONCLUSÃO: Houve regressão espontânea das medidas do septo interventricular até 6 meses de idade e a associação entre hiperinsulinismo e hipertrofia miocárdica esteve presente até 1 mês de idade.

Palavras-chave: feto, hipertrofia miocárdica, hiperinsulinismo, diabetes mellitus

Study of the Natural History of Myocardial Hypertrophy and its Association with Hyperinsulinism in Infants of Diabetic Mothers

PURPOSE: To test the hypothesis that myocardial hypertrophy is associated with increased serum insulin levels in children of diabetic mothers and to determine the frequency and timing of this spontaneous regression.

METHODS: Seventy-two patients were studied (54 children of diabetic mothers and 18 controls). Diagnosis of myocardial hypertrophy was made by fetal echocardiography. Amniotic fluid insulin levels were obtained from a previous prenatal study on hypertrophic cardiomyopathy, since the participation of the mothers was common to both projects.

RESULTS: There were 10 cases of myocardial hypertrophy among children of diabetic mothers (18.52%). Septal thickness was significantly different between the 2 groups (children of diabetic mothers and controls) in the evaluation performed at the age of 1 month (p=0.04). Insulin levels were still increased in children of diabetic mothers until the age of 3 months. During this period insulin levels were significantly higher than those of controls (p=0.003 and p=0.001, at 1 and 3 months, respectively). The association between regression of ventricular septum thickness and the decrease of insulin levels occurred up to the age of 1 month.

CONCLUSION: There was spontaneous regression of ventricular septum thickness in children of diabetic mothers during the first 6 months of life. The association between hyperinsulinism and hypertrophic cardiomyopathy was present up to the first month of life.

Key-words: fetus, myocardial hypertrophy, hyperinsulinism, diabetes mellitus

A hipertrofia miocárdica é definida como a forma de miocardiopatia encontrada em recém-nascidos de mães com diabetes, cujo defeito primário é a hipertrofia idiopática do septo interventricular (SIV) 1. Este espessamento do SIV em filhos de mães diabéticas tem sido bem documentado 1-7, inclusive em estudos intra-útero 8, sendo sua prevalência de 10-35% desses recém-nascidos 1,9.

Na fisiopatogenia deste processo, o hiperinsulinismo fetal assume papel fundamental 6,10. A principal função da insulina fetal parece ser o crescimento do feto 11,12 e, devido à influência da elevada glicose materna que, atravessando a placenta por difusão provoca hiperglicemia fetal, existe um estímulo às ilhotas pancreáticas para aumentar a produção de insulina 13. Os recém-nascidos de mães diabéticas têm maior número de receptores para insulina nos monócitos do sangue do cordão e aumento da afinidade da insulina aos tecidos, o que parece ser responsável pelo desenvolvimento exagerado em relação ao observado em fetos normais 14. Assim sendo, a principal alteração de filhos de mães diabéticas é a macrossomia, que ocorre em 20 a 40% das gestações diabéticas de classes A, B, e C 15 e que está relacionada ao hiperinsulinismo fetal em resposta à hiperglicemia materna 16-18.

Esta macrossomia é mais acentuada nos tecidos moles, com visceromegalias ocorrendo, principalmente, no coração e fígado 19-21. O coração fetal exibe crescimento mais acentuado quando comparado com o tamanho de outros órgãos 21, devendo-se este aumento mais à hipertrofia miocárdica que ao depósito de glicogênio 15. Atualmente, acredita-se num mecanismo mais complexo para a hipertrofia septal, atribuindo-se à hiperinsulinemia fetal e sua associação com receptores de insulina normalmente aumentados no coração do feto, a hiperplasia e a hipertrofia das células miocárdicas 14,19,22,23.

Como estudos de acompanhamento ecocardiográfico e laboratorial de recém-nascidos de mães diabéticas com diagnóstico pré-natal de hipertrofia miocárdica, associada a concentrações aumentadas de insulina no líquido amniótico, não têm sido relatados, este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a regressão da hipertrofia miocárdica em filhos de mães com diabetes prévio ou gestacional, comparando-os com uma população de recém-nascidos de mães não diabéticas.

Métodos

Foi estudada longitudinalmente uma amostra de recém-nascidos de mães com diabetes prévio ou gestacional, comparando-os com um grupo de recém-nascidos cujas mães não tinham diabetes e considerados como controles.

Foram considerados critérios de inclusão a realização de ecocardiograma (ECO) pré-natal para mensuração ecocardiográfica do SIV fetal (fig. 1), a obtenção de líquido amniótico, através de amniocentese, na mesma idade gestacional do ECO fetal e registros hospitalares da mãe e do recém nascido, dos grupos de gestantes atendidas no Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, em Porto Alegre/RS, de março/92 a junho/94. Os controles foram neonatos normais, nascidos no mesmo período, de mães hipertensas e sem diabetes que tivessem realizado as mesmas avaliações pré-natais. Foram excluídos os recém-nascidos que não preenchessem os critérios mencionados e/ou apresentassem malformações congênitas, cardiovasculares ou não, distúrbios metabólicos e asfixia perinatal grave (APGAR no 5º minuto £3).


A amostra inicial constou de 82 recém-nascidos, sendo que 54 possuíam dosagem prévia de insulina no líquido amniótico 10 (33 de mães diabéticas e 21 de mães não diabéticas). Dois destes neonatos foram excluídos pois apresentavam cardiopatia congênita diagnosticada no ECO pós-natal, outros dois porque as mães recusaram-se a continuar no estudo e seis não compareceram à avaliação de controle pós-natal. Restaram, portanto, 72 recém-nascidos (54 filhos de mães diabéticas e 18 controles de mães não diabéticas).

Os ECO foram realizados em um ecocardiógrafo comercialmente disponível, de alta resolução, uni e bi dimensional, com capacidade para Doppler pulsado e contínuo e mapeamento de fluxos a cores, seguindo a técnica de abordagem seqüencial segmentar 24,25. As medidas ecocardiográficas do SIV foram obtidas na 1ª semana de vida e repetidas com 1, 3 e 6 meses, sendo comparadas com padrões normais para a idade, através de gráfico adaptado de Feigenbaum 26.

Nesses mesmos períodos, foram realizadas as dosagens de glicose, que foram determinadas por teste enzimático colorimétrico (glicose oxidase e peroxidase) utilizando-se o reagente glicose enz colorâ (Biodiagnóstica Indústria Química Clínica Ltda, Pinhais, PR, Brasil).

A insulina no soro foi determinada por radioimunoensaio, utilizando-se kit Immu ChemTM Insulin RIA® (IVN Pharmaceuticals, INC, Costa Mesa, CA, USA) e os valores expressos em mUl/ml.

Na análise dos dados obtidos referente às diferenças observadas entre os grupos foi utilizado o teste "t" de Student para amostras independentes. O teste do qui-quadrado e a análise da variância não paramétrica de Friedman foram usados para analisar os dados obtidos nas avaliações evolutivas. O nível de significância estatística convencionado foi de 0,05.

Resultados

Os 72 recém-nascidos foram divididos segundo a presença ou não de diabetes materno (tab. I). Estes grupos não apresentaram diferença estatística significativa entre as médias para o peso ao nascimento, parto cesáreo, sexo, idade gestacional obstétrica, avaliação pediátrica pelo método de Capurro e o escore de APGAR no 1º e no 5º minutos.

A prevalência de hipertrofia miocárdica fetal foi 18,52% (10/54) entre as gestantes com diabetes gestacional ou prévio, não sendo observada entre os fetos de gestantes não diabéticas (0/18).

O comparecimento dos pacientes nas avaliações pós-natais foi: na 1ª semana, 51,39% (37/72); com 1 mês, 100%; com 3 meses, 98,61% (71/72) e aos 6 meses, 91,67% (66/72).

As medidas do SIV foram significativamente diferentes entre os grupos na avaliação com um mês (p=0,04), não se verificando o mesmo nos controles posteriores (tab. II). Em relação ao comportamento do SIV dos pacientes com miocardiopatia hipertrófica, segundo a análise da variância de Friedman, ocorreu regressão septal significativa entre esses bebês ao longo dos primeiros seis meses (p=0,03). Nos filhos de mães diabéticas com ou sem hipertrofia miocárdica foram encontradas diferenças significativas entre as médias das medidas septais pré-natais e dos controles, realizadas com um mês e três meses de idade (p=0,000 para as 3 avaliações). Não se observou significância entre as médias dos controles com uma semana (p=0,09) e com seis meses de idade (0,17).

Já as médias das concentrações de insulina no soro não mostraram diferença significativa quando realizadas com uma semana (p=0,33) e aos 6 meses (p=0,102), mas foram significativamente diferentes com um mês e três meses entre os dois grupos (tab. III). Em relação ao acompanhamento dos níveis séricos de insulina, estes diminuíram significativamente nos filhos de mães diabéticas (p=0,02), não se alterando nos controles (p=0,63) (fig. 2).

Houve associação significativa entre hipertrofia miocárdica e hiperinsulinismo na avaliação realizada na 1ª semana de vida (x2=6,13, p=0,04). Nas outras etapas não se observou esta associação (fig. 2).

Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, quanto às médias de peso e glicemia, e a hipoglicemia neonatal manifestou-se em 14,28% dos recém-nascidos de mães diabéticas, não sendo evidenciada entre os controles.

Discussão

Estudos da miocardiopatia hipertrófica no período pós-natal têm sido realizados por vários autores nas últimas décadas 1-7,19,27. A relação entre a hipertrofia miocárdica em filhos de mães diabéticas e os níveis de insulina no plasma têm obtido atenção dos pesquisadores 6,19,22,27.

Apesar do interesse despertado pelo assunto, atualmente, ainda pouco se sabe sobre o tempo de início da hipertrofia miocárdica na vida intra-uterina, seus efeitos sobre a circulação fetal e a possível associação com hiperinsulinismo neste período.

O estudo transversal realizado por Hagemann e Zielinsky 10, com gestantes diabéticas possuidoras desta condição, como possível causa de hiperinsulinismo fetal, e comparando-as com grupo controle de gestantes normais, avaliou a prevalência de hipertrofia miocárdica fetal nessas populações. O presente trabalho foi concebido a partir destes referenciais para estudo da história natural da hipertrofia miocárdica em filhos de mães diabéticas que possuíam diagnóstico pré-natal, acompanhando-os do ponto de vista evolutivo ecocardiográfico a fim de verificar o seu comportamento e a possível associação com alterações metabólicas.

A hipertrofia miocárdica fetal tem sido reconhecida e analisada através de ecocardiografia pré-natal. Muitos estudos têm estabelecido nomogramas com padrões normais de crescimento cardíaco fetal 28,29. A hipertrofia miocárdica em fetos de gestantes diabéticas é caracterizada pelas medidas do SIV, ao final da diástole, superiores a dois desvios-padrão em relação à idade gestacional. Este critério é o mais amplamente aceito e utilizado. Em estudo realizado por Zielinsky 8, foi usado o parâmetro de medida do SIV fetal >5mm, independente da idade gestacional, como indicativo de hipertrofia miocárdica. Este valor é superior a dois desvios-padrão até o final da gestação, o que aumenta a especificidade. No presente estudo, identificamos 10 casos de hipertrofia miocárdica em fetos de gestantes diabéticas, cujas medidas do SIV foram >5mm. As medidas ecográficas e sua acurácia em reproduzir as dimensões das estruturas cardíacas estão bem estabelecidas 8.

O sexo masculino predominou entre os neonatos com hipertrofia miocárdica (7/10), contrariando observações anteriores 30-32, em que o sexo feminino era mais freqüente.

A hipertrofia miocárdica teve prevalência de 18,52%, sendo semelhante aos achados na literatura internacional 6-8,33 e nos estudos desenvolvidos em nosso meio 8,30-38. Ela está virtualmente ausente em fetos de gestantes sem o fator de risco. Way e col 1 referem uma estimativa de 10 a 20% dos filhos de mães diabéticas com sintomas cardiorrespiratórios. Sheenan e col 39 relataram 35% de prevalência de hipertrofia miocárdica, não encontrando sintomas relacionados ao espessamento do SIV na população estudada.

Os resultados do presente estudo não demonstraram diferenças significativas quanto às médias de peso de nascimento e de neonatos grandes para a idade gestacional entre os dois grupos.

Estudos têm demonstrado que o adequado controle metabólico de gestantes diabéticas pode diminuir a presença de hipoglicemia neonatal e macrossomia, permanecendo o risco de desenvolver hipertrofia cardíaca, particularmente evidente ao nível do SIV 40-43. Weber e col 44 demonstraram que o adequado controle glicêmico de gestantes diabéticas insulino-dependentes resultava em crescimento cardíaco fetal, peso de nascimento e enchimento diastólico ventricular normais, sugerindo que o enchimento diastólico de ambos os ventrículos e sua evolução maturacional esperada poderiam estar retardados nos fetos de mães diabéticas, apesar da aparência normal de crescimento cardíaco. Estes achados contrariam outros estudos, inclusive trabalho anterior dos autores 40.

No presente estudo, não houve diferença significativa entre os fetos com hipertrofia miocárdica, quanto à presença de hiperinsulinismo. Entre os 10 pacientes com hipertrofia miocárdica, em oito foram dosadas as concentrações de insulina amniótica, sendo que quatro eram hiperinsulinêmicos. A ausência de associação entre hipertrofia miocárdica em fetos de gestantes diabéticas e hiperinsulinismo, encontrada em nosso estudo, difere dos achados de Hagemann e Zielinsky 10. Os grupos participantes dos dois estudos eram semelhantes, mas dois pacientes com hipertrofia miocárdica e hiperinsulinismo do estudo citado não participaram deste, um por apresentar cardiopatia congênita e outro pela não participação da mãe. Estes achados provavelmente são divergentes pois a amostra foi pequena e, talvez, pela inclusão de outros dois pacientes em que não foi possível estabelecer relação com hiperinsulinismo, havendo diferença na composição dos grupos de recém-nascidos com miocardiopatia hipertrófica.

Na vida fetal, o espessamento do SIV é normalmente aumentado e a regressão ocorre ainda intra-útero à medida que a gestação se aproxima do término. Assim sendo, especula-se que possivelmente este mecanismo estaria retardado nos filhos de mães diabéticas, mantendo-se aumentada a espessura do septo na vida pós-natal. Se este fato é verdadeiro, então, a regressão da espessura septal ocorreria em algum momento após o nascimento. Na avaliação pré-natal, observamos que com a idade gestacional média de 30 a 31 semanas nos dois grupos 10, os fetos apresentavam médias de espessura do SIV significativamente diferentes. O controle posterior com uma semana não mostrou diferença significativa entre as médias das medidas da espessura septal (tab. II). Seria correto pensar que talvez alguns destes pacientes teriam apresentado regressão da espessura do SIV em algum momento, após o diagnóstico pré-natal e a realização do controle pós-natal na 1ª semana? As avaliações posteriores das medidas septais mostraram que diferenças significativas entre os grupos persistiam com um mês de idade. Os casos com hipertrofia miocárdica e os outros filhos de mães diabéticas mantiveram médias de espessura do SIV, significativamente diferentes, em relação aos controles, refletindo talvez um "retardo" na regressão das medidas septais em alguns bebês. Nas avaliações realizadas com três e seis meses, as médias das medidas da espessura do SIV foram semelhantes nos grupos. Este achado permite a conclusão de que a hipertrofia miocárdica, ainda presente com um mês de vida no grupo de mães diabéticas, não mais seria evidente com três e seis meses.

O comportamento evolutivo da insulina sérica mostrou que, no controle com uma semana, as diferenças nas concentrações entre os grupos não foram significativas. As médias das concentrações de insulina entre os recém-nascidos de mães diabéticas foram elevadas nesta avaliação, apresentando grande desvio-padrão (fig. 2). A ser verdadeira a possível passagem transplacentária de anticorpos maternos antiinsulínicos para o feto 11,12, a detecção de níveis muito elevados de insulina, logo após o nascimento, poderia sofrer a influência de sua presença, permitindo a interpretação equivocada dos resultados.

Se os filhos de mães diabéticas apresentam hiperinsulinismo in utero, seria esperado encontrar níveis elevados de insulina no período após o nascimento. O momento no qual ocorreria a queda dos níveis de insulina no período pós-natal não está bem estabelecido. Nos recém-nascidos de mães diabéticas, a insulina se mantém por algum tempo interferindo na regulação dos níveis séricos de glicose, sendo esperado observar-se sua regressão. Os filhos de mães diabéticas apresentaram níveis de insulina médios elevados nas avaliações até os três meses, sendo significativamente diferentes do grupo controle, com um mês e três meses. Aos seis meses, os níveis médios de insulina entre os filhos de mães diabéticas eram normais e semelhantes aos do grupo controle.

O comportamento comparativo da evolução das medidas do SIV e dos níveis de insulina demonstrou que nas avaliações com uma semana não houve, em ambos, diferença significativa. A regressão da espessura septal e de insulina poderia ter ocorrido anteriormente ao nascimento ou, logo após, para alguns pacientes, tornando as diferenças não significativas. No controle com um mês, as duas variáveis (septo e insulina) foram significativamente diferentes entre os 2 grupos (tab. II e III). A comparação aos três meses evidenciou que a insulina era significativamente diferente, mas o septo não. Na última etapa (6 meses), ambos tiveram comportamento semelhante, sem significância.

O comportamento dos recém-nascidos com hipertrofia miocárdica, quanto à espessura do SIV comparados com os demais filhos de mães diabéticas, mostrou significância das medidas obtidas no pré-natal, com um mês e aos três meses. Nas avaliações com uma semana e seis meses, esta diferença não foi significativa. Na interpretação destes achados é possível cogitar que, na avaliação pós-natal com uma semana, tenha ocorrido regressão do septo de alguns bebês entre o estabelecimento do diagnóstico e esta avaliação. Nas etapas seguintes (um mês e três meses), encontraram-se diferenças significativas entre as medidas septais destes grupos, talvez relacionadas à persistência de hipertrofia miocárdica e, possivelmente, à regressão "normal" do septo dos outros filhos de diabéticas.

A comparação das medidas septais e dos níveis de insulina entre os filhos de mães diabéticas, observadas no período estudado, mostrou associação significativa na avaliação da primeira (p=0,046), não sendo, posteriormente, observado o mesmo. A comparação entre regressão da hiperptrofia miocárdica e insulina não foi significativa, talvez porque a amostra foi pequena, ou por que outros mecanismos poderiam estar presentes, influenciando os resultados.

Neste estudo pudemos documentar a presença de regressão da espessura do SIV em lactentes com hipertrofia miocárdica diagnosticada no período pré-natal e cujas mães apresentavam diabetes com o fator complicando a gestação e a associação de hipertrofia miocárdica e níveis de insulina, evidenciada na evolução pós-natal, até um mês de idade. A melhor compreensão dos mecanismos envolvidos na gestação diabética e seus efeitos sobre o feto, facilitada pelas melhores condições atuais de acesso ao ambiente fetal, contribuem para a obtenção de novos conhecimentos e, conseqüentemente, para uma atenção pré-natal mais completa.

Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia

Correspondência: Paulo Zielinsky - Unidade de Pesquisa - Av. Princesa Isabel, 395 - 90620-001 - Porto Alegre, RS

Recebido para publicação em 17/4/97

Aceito 2/10/97

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jan 2001
  • Data do Fascículo
    Dez 1997

Histórico

  • Aceito
    02 Out 1997
  • Recebido
    17 Abr 1997
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