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Uso da cetamina na depressão resistente ao tratamento: uma revisão sistemática

Use of ketamine in treatment-resistant depression: a systematic review

RESUMO

Objetivo

A cetamina apresenta-se como uma alternativa promissora contra a depressão resistente ao tratamento (DRT), no entanto o conhecimento de sua aplicação como antidepressivo ainda é restrito. Diante disso, objetivou-se investigar sua eficácia em pacientes com DRT.

Métodos

A busca da literatura foi efetuada na base de dados MedLine. Os critérios de inclusão foram: estudos clínicos controlados e randomizados dos últimos cinco anos e em inglês. Excluímos os artigos que não responderam à pergunta PICO e aqueles com tamanho de amostra e metodologia de estudo destoantes, quando comparados aos ensaios que basearam esta revisão.

Resultados

Considerando uma amostra final de seis artigos, observou-se uma melhor resposta à cetamina (principalmente em ganho de humor), quando comparada ao tratamento convencional contra a DRT. Já com sua primeira infusão, na dose de 0,5 mg/kg, foi possível perceber seus efeitos antidepressivos. A manutenção desses efeitos parece ser obtida com a administração de 0,5 mg/kg do medicamento, três vezes por semana. Por outro lado, a redução de tal dosagem pode diminuir ou anular os efeitos.

Conclusões

O uso da cetamina apresentou resultados efetivos na melhora do quadro de DRT, com efeitos adversos de pequena gravidade e de fácil controle. Entretanto, outros estudos, com amostras maiores e métodos diferentes, são necessários, para uma conclusão de maior consistência.

Cetamina; transtorno depressivo resistente a tratamento; terapêutica

ABSTRACT

Objective

Ketamine presents itself as a promising alternative against treatment-resistant depression (TRD), however, the knowledge of its application as an antidepressant is still restricted. Therefore, the objective was to investigate its effectiveness in patients with TRD.

Methods

The literature search was carried out in the MedLine database. Inclusion criteria were: controlled and randomized clinical studies from the last five years and in English. We excluded articles that did not answer the PICO question and those with different sample size and study methodology, when compared to the tests that based this review.

Results

Considering a final sample of six articles, a better response to ketamine was observed (mainly in mood gain), when compared to conventional treatment against TRD. With its first infusion, at a dose of 0.5 mg/kg, it was possible to notice its antidepressant effects. The maintenance of these effects seems to be achieved with the administration of 0.5 mg/kg of the drug, three times a week. On the other hand, the reduction of such a dosage can diminish or cancel the effects.

Conclusions

The use of ketamine showed effective results improving the condition of TRD, with adverse effects of small severity and easy control. However, further studies, with larger samples and different methods, are needed, for a more consistent conclusion.

Ketamine; depressive disorder; treatment-resistant; therapeutics

INTRODUÇÃO

A depressão resistente ao tratamento (DRT), um transtorno depressivo de grande relevância entre os tipos conhecidos, é definida como uma falha em responder a dois ou mais ensaios de monoterapia com fármaco antidepressivo ou ainda uma ausência de resposta a quatro ou mais ensaios de diferentes terapias antidepressivas11. Johnston KM, Powell LC, Anderson IM, Szabo S, Cline S. The burden of treatment-resistant depression: A systematic review of the economic and quality of life literature. J Affect Disord. 2019;242:195-210.,22. Cooper MD, Rosenblat JD, Cha DS, Lee Y, Kakar R, McIntyre RS. Strategies to mitigate dissociative and psychotomimetic effects of ketamine in the treatment of major depressive episodes: a narrative review. World J Biol Psychiatry. 2017;18(6):410-23.. Sua prevalência estimada é de 350 milhões de diagnósticos no mundo22. Cooper MD, Rosenblat JD, Cha DS, Lee Y, Kakar R, McIntyre RS. Strategies to mitigate dissociative and psychotomimetic effects of ketamine in the treatment of major depressive episodes: a narrative review. World J Biol Psychiatry. 2017;18(6):410-23..

Ainda assim, existem medidas terapêuticas alternativas para pacientes diagnosticados com DRT, como, por exemplo, a terapia eletroconvulsiva (ECT, em inglês)33. Altinay M, Karne H, Anand A. Administration of Sub-anesthetic Dose of Ketamine and Electroconvulsive Treatment on Alternate Week Days in Patients with Treatment Resistant Depression: A Double Blind Placebo Controlled Trial. Psychopharmacol Bull. 2019;49(1):8-16.,44. Haq AU, Sitzmann AF, Goldman ML, Maixner DF, Mickey BJ. Response of depression to electroconvulsive therapy: a meta-analysis of clinical predictors. J Clin Psychiatry. 2015;76(10):1374-84.. Tal procedimento é baseado na indução de convulsões por meio de corrente elétrica, a fim de reorganizar as conexões neuronais do cérebro. Apesar de seguro e de apresentar resultados efetivos para diversos transtornos mentais, a ECT é associada a efeitos deletérios e a uma ação demorada55. Verwijk E, Obbels J, Spaans HP, Sienaert P. [Doctor, will I get my memory back? Electroconvulsive therapy and cognitive side-effects in daily practice]. Tijdschr. Psychiatr. 2017;59(10):632-7..

Contudo, nos últimos anos, percebeu-se que um conhecido anestésico também poderia ter efeito antidepressivo, inclusive em casos resistentes66. Naughton M, Clarke G, O’Leary OF, Cryan JF, Dinan TG. A review of ketamine in affective disorders: current evidence of clinical efficacy, limitations of use and pre-clinical evidence on proposed mechanisms of action. J Affect Disord. 2014;156:24-35.,77. Han Y, Chen J, Zou D, Zheng P, Li Q, Wang H, et al. Efficacy of ketamine in the rapid treatment of major depressive disorder: a meta-analysis of randomized, double-blind, placebo-controlled studies. Neuropsychiatr Dis Treat. 2016;12:2859-67.. Trata-se da cetamina, descoberta na década de 1960, a princípio usada como anestésico e, em menor proporção, como analgésico. No entanto, anos depois, sua ação antagonista de receptores do glutamato/aspartato (receptores N-metil-D-aspartato ou NMDA) foi evidenciada, sendo o glutamato um importante neurotransmissor envolvido na modulação de variadas atividades cerebrais88. Mohammed A, Mansour IA. Could ketamine be the answer to treating treatment-resistant major depressive disorder? Gen Psychiatr. 2020;33(5):e100227.. Assim, a cetamina passou a ser alvo de diversas pesquisas para entender seu potencial de regulação neuronal para transtornos mentais e possibilitar outra alternativa ao tratamento da DRT.

Em tal contexto, algumas pesquisas já indicaram que a cetamina, infundida em doses baixas, apresentou rápido efeito antidepressivo; nos Estados Unidos, a Food And Drug Administration (FDA), agência federal de regulação e controle de medicamentos, aprovou, em 2019, a comercialização de um isômero da cetamina para a terapia da DRT88. Mohammed A, Mansour IA. Could ketamine be the answer to treating treatment-resistant major depressive disorder? Gen Psychiatr. 2020;33(5):e100227..

Desse modo, nosso estudo busca analisar os achados de ensaios recentes que fizeram uso controlado da cetamina como antidepressivo em pacientes diagnosticados com DRT, além de comparar suas possíveis vantagens e desvantagens em relação a métodos terapêuticos já conhecidos. Esperamos, assim, contribuir para o estabelecimento de informações com maior peso científico sobre a dosagem, o tempo de ação, os efeitos adversos e/ou as interações medicamentosas da cetamina no tratamento da depressão resistente.

MÉTODOS

Desenho do estudo e estratégia de busca

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura e, por isso, não foi necessária aprovação de um Comitê de Ética e Pesquisa. A princípio, definimos a seguinte pergunta PICO: “O uso da cetamina, quando comparado aos tratamentos convencionais, apresenta melhora no quadro de depressão resistente ao tratamento?”, a qual guiou esta revisão. A busca da literatura foi efetuada no período de agosto a setembro de 2020, na base de dados MedLine, a partir dos descritores controlados obtidos no MeSH, sendo eles: “Ketamine” e “Depressive Disorder, Treatment Resistant”. Para isso, uma busca prévia foi realizada na base de dados selecionada para verificar a disponibilidade de estudos para cada descritor escolhido, e posteriormente realizamos a associação entre tais palavras e seus sinônimos com os operadores booleanos AND e OR, estabelecendo, desse modo, a frase de pesquisa.

A frase obtida está destacada a seguir:

(Ketamine OR “2-(2-Chlorophenyl)-2-(methylamino)cyclohexanone” OR “CI-581” OR “CI 581” OR CI581 OR Ketalar OR Ketaset OR Ketanest OR Calipsol OR Kalipsol OR Calypsol OR “Ketamine Hydrochloride”) AND (“Depressive Disorder, Treatment Resistant” OR “Depressive Disorders, Treatment-Resistant” OR “Disorder, Treatment-Resistant Depressive” OR “Disorders, Treatment-Resistant Depressive” OR “Treatment-Resistant Depressive Disorder” OR “Treatment-Resistant Depressive Disorders” OR “Refractory Depression” OR “Depression, Refractory” OR “Depressions, Refractory” OR “Refractory Depressions” OR “Therapy-Resistant Depression” OR “Depression, Therapy-Resistant” OR “Depressions, Therapy-Resistant” OR “Therapy Resistant Depression” OR “Therapy-Resistant Depressions” OR “Treatment Resistant Depression” OR “Depression, Treatment Resistant” OR “Depressions, Treatment Resistant” OR “Resistant Depression, Treatment” OR “Resistant Depressions, Treatment” OR “Treatment Resistant Depressions”).

Critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos estudos clínicos controlados e randomizados, necessariamente publicados nos últimos cinco anos e escritos em inglês. Excluímos os artigos que analisaram unicamente o enantiômero escetamina, os que não comparavam a cetamina com os tratamentos convencionais contra a DRT, os que utilizavam o fármaco para tratar de outras doenças, os que abordavam exclusivamente a farmacodinâmica da droga, além dos que estudaram a cetamina apenas como anestésico. Por fim, aqueles com tamanho de amostra e metodologia de estudo destoantes, quando comparados à maioria dos estudos incluídos, também foram retirados desta revisão.

Identificação e seleção dos estudos

Quatro pesquisadores independentes realizaram a busca nas bases de dados e fizeram a leitura dos títulos e resumos de cada trabalho incluído, identificando, separadamente, artigos que atendessem aos objetivos deste estudo e, consequentemente, respondessem à pergunta PICO. Discordâncias seriam debatidas entre o grupo e posteriormente com o orientador da pesquisa.

Extração dos dados e avaliação do rigor metodológico

A coleta de dados foi realizada a partir de instrumento validado99. Ursi ES. Prevenção de lesões de pele no perioperatório: revisão integrativa da literatura [dissertação]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 2005.,1010. Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein (São Paulo). 2010;8(1):102-6., sendo feita por quatro pesquisadores. Seguem características extraídas dos estudos: título do artigo, título do periódico, país, idioma, ano de publicação, instituição sede do estudo, características metodológicas do estudo (incluindo tipo de publicação, objetivo ou questão de identificação, amostra, intervenções realizadas, resultados, implicações e nível de evidência). Por fim, realizou-se uma avaliação do rigor metodológico (considerando a clareza no delineamento do estudo, tamanho da amostra, análise estatística realizada e a presença de vieses).

RESULTADOS

Como pode ser visto na figura 1, após os critérios serem aplicados, definiram-se seis estudos, e todos apresentaram escolha randômica de participantes e grupo controle. Também é pertinente ressaltar que, nesses ensaios, todos os voluntários selecionados receberam diagnóstico de DRT.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos artigos para análise.

A princípio, segundo os estudos de Phillips et al.1111. Phillips JL, Norris S, Talbot J, Birmingham M, Hatchard T, Ortiz A, et al. Single, Repeated, and Maintenance Ketamine Infusions for Treatment-Resistant Depression: A Randomized Controlled Trial. Am J Psychiatry. 2019;176(5):401-9. (2019), percebeu-se que, a partir de infusões únicas de cetamina em 41 voluntários – divididos em dois grupos, no qual um recebeu cetamina e outro, um placebo ativo –, tais participantes tiveram uma diminuição média de 10,9 pontos, em relação às pontuações pré-infusão, no escore total da Escala de Depressão de Montgomery-Asberg (MADRS, em inglês)1212. Lobo A, Chamorro L, Luque A, Dal-Ré R, Badia X, Baró E, et al. Validación de las versiones en español de la Montgomery-Asberg Depression Rating Scale y la Hamilton Anxiety Rating Scale para la evaluación de la depresión y de la ansiedad. Med Clin (Barc). 2002;118(13):493-9., a qual está representada na tabela 1. Em uma segunda fase dos testes, 39 dos 41 participantes completaram o curso completo de infusões. O resultado principal para a fase 2 foi a mudança nas pontuações da MADRS ao longo de seis infusões seguidas (sendo uma por semana), de modo que o desfecho foi a diminuição média de dois pontos por cada administração da cetamina. Por fim, na etapa 3 (fase de manutenção), participaram os indivíduos que tiveram redução de 50% nessa escala, em relação às pontuações anteriores aos estudos, havendo uma estabilidade no escore dos indivíduos entrevistados.

Tabela 1
Escala de Depressão de Montgomery-Asberg

Analogamente, de acordo com Singh et al.1313. Singh JB, Fedgchin M, Daly EJ, De Boer P, Cooper K, Lim P, et al. A Double-Blind, Randomized, Placebo-Controlled, Dose-Frequency Study of Intravenous Ketamine in Patients With Treatment-Resistant Depression. Am J Psychiatry. 2016;173(8):816-26. (2016), após um estudo duplo-cego contendo 67 participantes, foi possível notar que os grupos que receberam cetamina duas vezes por semana tiveram uma queda média na pontuação da MADRS de 18,4 pontos, sendo de 5,7 para os que receberam placebo. Paralelo a isso, os grupos que receberam três infusões de cetamina por semana tiveram uma diminuição média de 17,7 pontos, reduzindo 3,1 nos que receberam placebo. Além disso, os voluntários que participaram da fase de rótulo aberto obtiveram diminuição de 12,2 pontos no questionário da MADRS (com duas doses semanais) e de 14,0 pontos com três doses semanais. Por fim, o estudo revelou também que a administração de duas ou três doses de cetamina, a 0,5 mg/kg em uma semana, manteve um efeito antidepressivo durante 15 dias.

Em adição, segundo Cao et al.1414. Cao Z, Lin CT, Ding W, Chen MH, Li CT, Su TP. Identifying Ketamine Responses in Treatment-Resistant Depression Using a Wearable Forehead EEG. IEEE Trans Biomed Eng. 2019;66(6):1668-79. (2019), a partir de um ensaio que contou com 55 pacientes, divididos entre um grupo que recebeu placebo (grupo controle) e outros dois grupos que receberam infusões de cetamina (variando-se apenas a dose: 0,5 mg/kg de cetamina para o grupo A e 0,2 mg/kg para o grupo B), relatou-se uma diminuição considerável na pontuação da MADRS em 16 desses voluntários. Já para aqueles que não apresentaram respostas fisiológicas à cetamina e para o grupo controle, não foram notadas mudanças significativas em tal escala. Além disso, apontou-se ainda que os efeitos foram percebidos majoritariamente entre os indivíduos do grupo A e que dois pacientes que estavam recebendo placebo apresentaram melhora no quadro depressivo.

Já no estudo de Mathew et al.1515. Mathew SJ, Wilkinson ST, Altinay M, Asghar-Ali A, Chang LC, Collins KA, et al. ELEctroconvulsive therapy (ECT) vs. Ketamine in patients with Treatment-resistant Depression: The ELEKT-D study protocol. Contemp Clin Trials. 2019;77:19-26. (2019), o qual foi realizado em 400 pacientes, dividindo-os igualmente em grupos a serem tratados com ECT e com cetamina, 120 participantes de cada grupo foram classificados como respondentes aos respectivos tratamentos. Entre os respondentes do grupo que recebeu a cetamina, 96 participaram de uma fase posterior de acompanhamento, na qual se percebeu que o uso da droga por um longo período e em doses altas, embora demonstre manutenção da resposta antidepressiva, pode estar associado a um comprometimento cognitivo.

Também é válido considerar, em consonância com o ensaio de Lonescu et al.1616. Lonescu DF, Bentley KH, Eikermann M, Taylor M, Akeju O, Swee MB, et al. Repeat-dose ketamine augmentation for treatment-resistant depression with chronic suicidal ideation: A randomized, double blind, placebo controlled trial. J Affect Disord. 2019;243:516-24. (2019) – o qual envolveu 26 voluntários, divididos igualmente entre um grupo que recebeu placebo e outro no qual foi administrada a cetamina –, que dois dos pacientes que receberam a droga e um do grupo controle foram considerados em remissão da depressão. Além disso, após acompanhamento de três meses, outros dois pacientes de cada grupo apresentaram redução dos sintomas depressivos.

Por fim, nota-se que, de acordo com Zhong et al.1717. Zhong X, He H, Zhang C, Wang Z, Jiang M, Li Q, et al. Mood and neuropsychological effects of different doses of ketamine in electroconvulsive therapy for treatment-resistant depression. J Affect Disord. 2016;201:124-30. (2016), em estudo realizado com três grupos – um recebendo apenas cetamina na concentração de 0,8 mg/kg, outro recebendo doses conjuntas de cetamina (0,5 mg/kg) e propofol (0,5 mg/kg) e o terceiro, apenas propofol (0,8 mg/kg) –, houve redução na pontuação da Escala de Avaliação de Hamilton para Depressão (HDRS, em inglês)1212. Lobo A, Chamorro L, Luque A, Dal-Ré R, Badia X, Baró E, et al. Validación de las versiones en español de la Montgomery-Asberg Depression Rating Scale y la Hamilton Anxiety Rating Scale para la evaluación de la depresión y de la ansiedad. Med Clin (Barc). 2002;118(13):493-9. em todos esses grupos, sugerindo, assim, uma melhora no humor dos voluntários. O grupo que recebeu apenas a cetamina apresentou pontuações significativamente mais baixas da HDRS da segunda à oitava infusão. Além disso, análises estatísticas indicaram reduções nos sintomas psicopatológicos de todos os pacientes e pontuações mais baixas na subescala de ansiedade-depressão, sobretudo para aqueles que receberam apenas a cetamina.

DISCUSSÃO

Considerando os resultados extraídos e o objetivo desta revisão, é possível destacar os aspectos mais pertinentes para o tema proposto. Desse modo, inicialmente, é importante evidenciar que, repetidas vezes, os grupos tratados com cetamina responderam de maneira positiva em relação à DRT. Os resultados de vários autores demonstraram que a maioria dos pacientes teve significativa diminuição dos sintomas depressivos1111. Phillips JL, Norris S, Talbot J, Birmingham M, Hatchard T, Ortiz A, et al. Single, Repeated, and Maintenance Ketamine Infusions for Treatment-Resistant Depression: A Randomized Controlled Trial. Am J Psychiatry. 2019;176(5):401-9.,1313. Singh JB, Fedgchin M, Daly EJ, De Boer P, Cooper K, Lim P, et al. A Double-Blind, Randomized, Placebo-Controlled, Dose-Frequency Study of Intravenous Ketamine in Patients With Treatment-Resistant Depression. Am J Psychiatry. 2016;173(8):816-26.,1515. Mathew SJ, Wilkinson ST, Altinay M, Asghar-Ali A, Chang LC, Collins KA, et al. ELEctroconvulsive therapy (ECT) vs. Ketamine in patients with Treatment-resistant Depression: The ELEKT-D study protocol. Contemp Clin Trials. 2019;77:19-26.,1717. Zhong X, He H, Zhang C, Wang Z, Jiang M, Li Q, et al. Mood and neuropsychological effects of different doses of ketamine in electroconvulsive therapy for treatment-resistant depression. J Affect Disord. 2016;201:124-30., sendo esses dados confirmados por escalas de avaliação da depressão internacionalmente reconhecidas, como a MADRS e a HDRS. No entanto, segundo outros estudos, apenas a menor parcela dos voluntários (em torno de 20%) experimentou melhora de humor após o uso da cetamina1414. Cao Z, Lin CT, Ding W, Chen MH, Li CT, Su TP. Identifying Ketamine Responses in Treatment-Resistant Depression Using a Wearable Forehead EEG. IEEE Trans Biomed Eng. 2019;66(6):1668-79.,1616. Lonescu DF, Bentley KH, Eikermann M, Taylor M, Akeju O, Swee MB, et al. Repeat-dose ketamine augmentation for treatment-resistant depression with chronic suicidal ideation: A randomized, double blind, placebo controlled trial. J Affect Disord. 2019;243:516-24.. É válido ressaltar, ainda, que um desses ensaios apresentou amostra consideravelmente pequena1616. Lonescu DF, Bentley KH, Eikermann M, Taylor M, Akeju O, Swee MB, et al. Repeat-dose ketamine augmentation for treatment-resistant depression with chronic suicidal ideation: A randomized, double blind, placebo controlled trial. J Affect Disord. 2019;243:516-24., limitando seus resultados.

Com relação à posologia da cetamina contra a DRT, pôde-se perceber que diferentes dosagens do fármaco resultam em efeitos clínicos também diversos nos pacientes. Ainda assim, alguns autores afirmaram que a concentração de 0,5 mg/kg apresenta resultados antidepressivos eficazes – com estabilidade em seus efeitos – e que concentrações inferiores a essa não alcançam resultados consistentes1313. Singh JB, Fedgchin M, Daly EJ, De Boer P, Cooper K, Lim P, et al. A Double-Blind, Randomized, Placebo-Controlled, Dose-Frequency Study of Intravenous Ketamine in Patients With Treatment-Resistant Depression. Am J Psychiatry. 2016;173(8):816-26.,1414. Cao Z, Lin CT, Ding W, Chen MH, Li CT, Su TP. Identifying Ketamine Responses in Treatment-Resistant Depression Using a Wearable Forehead EEG. IEEE Trans Biomed Eng. 2019;66(6):1668-79.. Contudo, houve um estudo em que a dosagem de 0,8 mg/kg apresentou superioridade significativa à de 0,5 mg/kg, no que se refere à diminuição dos sintomas da DRT1717. Zhong X, He H, Zhang C, Wang Z, Jiang M, Li Q, et al. Mood and neuropsychological effects of different doses of ketamine in electroconvulsive therapy for treatment-resistant depression. J Affect Disord. 2016;201:124-30.. Dessa forma, faz-se necessário analisar ensaios de maior duração, para uma conclusão mais precisa acerca da concentração terapêutica ideal para a cetamina como antidepressivo.

Já no que diz respeito ao número mínimo de infusões de cetamina – necessário para o surgimento de efeito antidepressivo significativo –, com base nos estudos, houve divergências. Segundo alguns autores, somente a partir da segunda infusão foi possível notar mudança considerável no humor dos pacientes, revelando, inclusive, estabilidade nesses resultados1111. Phillips JL, Norris S, Talbot J, Birmingham M, Hatchard T, Ortiz A, et al. Single, Repeated, and Maintenance Ketamine Infusions for Treatment-Resistant Depression: A Randomized Controlled Trial. Am J Psychiatry. 2019;176(5):401-9.,1717. Zhong X, He H, Zhang C, Wang Z, Jiang M, Li Q, et al. Mood and neuropsychological effects of different doses of ketamine in electroconvulsive therapy for treatment-resistant depression. J Affect Disord. 2016;201:124-30.. Por outro lado, um ensaio atestou, em apenas quatro horas após a primeira administração da cetamina, já perceber seus efeitos antidepressivos1414. Cao Z, Lin CT, Ding W, Chen MH, Li CT, Su TP. Identifying Ketamine Responses in Treatment-Resistant Depression Using a Wearable Forehead EEG. IEEE Trans Biomed Eng. 2019;66(6):1668-79.. É válido ressaltar que esse último estudo foi limitado pela inclusão de somente voluntários asiáticos, de modo que se fazem necessárias mais pesquisas, focadas em definir tal aspecto da droga, com amostras maiores e heterogêneas.

Além disso, no âmbito da quantidade de dias por semana em que a cetamina deve ser administrada, visando a um tratamento duradouro da DRT, houve concordância entre os estudos que abordaram tal aspecto. De tal modo, um dos ensaios – conduzido com aplicações da droga duas ou três vezes por semana – demonstrou que o uso do fármaco em um número menor de dias por semana parece ser mais eficaz para o objetivo proposto1313. Singh JB, Fedgchin M, Daly EJ, De Boer P, Cooper K, Lim P, et al. A Double-Blind, Randomized, Placebo-Controlled, Dose-Frequency Study of Intravenous Ketamine in Patients With Treatment-Resistant Depression. Am J Psychiatry. 2016;173(8):816-26., mantendo concordância com outro estudo, no qual infundir a droga apenas uma vez por semana foi suficiente para a estabilização dos resultados antidepressivos1111. Phillips JL, Norris S, Talbot J, Birmingham M, Hatchard T, Ortiz A, et al. Single, Repeated, and Maintenance Ketamine Infusions for Treatment-Resistant Depression: A Randomized Controlled Trial. Am J Psychiatry. 2019;176(5):401-9.. Contudo, vale considerar que, nesse último ensaio, considerando a MADRS, os participantes tiveram uma resposta antidepressiva menos relevante em relação àqueles do primeiro estudo citado, o que pode ter ocorrido pela diferença na quantidade de infusões semanais.

Por outro lado, tratando-se dos efeitos adversos da cetamina contra a DRT, uma consequência negativa analisada por alguns estudos foi a perda de memória, visto que esse é um efeito adverso frequente do tratamento convencional (ECT), sendo, assim, interessante investigá-lo também no uso da cetamina. Dessa forma, segundo um dos ensaios – o qual contou com um período de seis meses utilizando e acompanhando os efeitos da droga –, houve notificação de perda de memória quando o fármaco foi usado por vários meses e com altas dosagens1515. Mathew SJ, Wilkinson ST, Altinay M, Asghar-Ali A, Chang LC, Collins KA, et al. ELEctroconvulsive therapy (ECT) vs. Ketamine in patients with Treatment-resistant Depression: The ELEKT-D study protocol. Contemp Clin Trials. 2019;77:19-26.. No entanto, evitando essa forma de uso e considerando os benefícios revelados pela cetamina na melhora do humor, indicou-se sua utilização, apesar do risco de surgimento de tal efeito adverso1515. Mathew SJ, Wilkinson ST, Altinay M, Asghar-Ali A, Chang LC, Collins KA, et al. ELEctroconvulsive therapy (ECT) vs. Ketamine in patients with Treatment-resistant Depression: The ELEKT-D study protocol. Contemp Clin Trials. 2019;77:19-26.. Logo, o fármaco parece apresentar poucos efeitos negativos, sendo, nessa perspectiva, viável para o quadro de DRT, embora se deva ressaltar que, entre a maioria dos estudos considerados nesta revisão, houve poucas ponderações sobre sua eficácia relacionada com seus efeitos adversos.

Por fim, é importante destacar a dificuldade de discutir alguns aspectos pertinentes para o tema desta revisão, em virtude de limitações dos estudos analisados, como o pequeno número de voluntários1414. Cao Z, Lin CT, Ding W, Chen MH, Li CT, Su TP. Identifying Ketamine Responses in Treatment-Resistant Depression Using a Wearable Forehead EEG. IEEE Trans Biomed Eng. 2019;66(6):1668-79.,1616. Lonescu DF, Bentley KH, Eikermann M, Taylor M, Akeju O, Swee MB, et al. Repeat-dose ketamine augmentation for treatment-resistant depression with chronic suicidal ideation: A randomized, double blind, placebo controlled trial. J Affect Disord. 2019;243:516-24. e a inexistência de uma avaliação sobre a interação da cetamina com medicamentos adjuvantes, de modo a, por exemplo, reduzir seus efeitos adversos ou prolongar suas ações antidepressivas1111. Phillips JL, Norris S, Talbot J, Birmingham M, Hatchard T, Ortiz A, et al. Single, Repeated, and Maintenance Ketamine Infusions for Treatment-Resistant Depression: A Randomized Controlled Trial. Am J Psychiatry. 2019;176(5):401-9.,1313. Singh JB, Fedgchin M, Daly EJ, De Boer P, Cooper K, Lim P, et al. A Double-Blind, Randomized, Placebo-Controlled, Dose-Frequency Study of Intravenous Ketamine in Patients With Treatment-Resistant Depression. Am J Psychiatry. 2016;173(8):816-26.

14. Cao Z, Lin CT, Ding W, Chen MH, Li CT, Su TP. Identifying Ketamine Responses in Treatment-Resistant Depression Using a Wearable Forehead EEG. IEEE Trans Biomed Eng. 2019;66(6):1668-79.

15. Mathew SJ, Wilkinson ST, Altinay M, Asghar-Ali A, Chang LC, Collins KA, et al. ELEctroconvulsive therapy (ECT) vs. Ketamine in patients with Treatment-resistant Depression: The ELEKT-D study protocol. Contemp Clin Trials. 2019;77:19-26.

16. Lonescu DF, Bentley KH, Eikermann M, Taylor M, Akeju O, Swee MB, et al. Repeat-dose ketamine augmentation for treatment-resistant depression with chronic suicidal ideation: A randomized, double blind, placebo controlled trial. J Affect Disord. 2019;243:516-24.
-1717. Zhong X, He H, Zhang C, Wang Z, Jiang M, Li Q, et al. Mood and neuropsychological effects of different doses of ketamine in electroconvulsive therapy for treatment-resistant depression. J Affect Disord. 2016;201:124-30..

CONCLUSÃO

Logo, como conclusão principal dos resultados discutidos anteriormente, a cetamina, de acordo com a maioria dos estudos analisados, apresentou-se como um medicamento respondente ao quadro de DRT, com resultados consideravelmente rápidos e com poucos efeitos adversos. Contudo, é necessário evidenciar que, embora apresentassem número pequeno de participantes nos testes clínicos, alguns desses ensaios descreveram uma ação inconsistente da cetamina na mudança de humor dos voluntários. Além disso, pode-se afirmar que a dosagem mínima da droga para o tratamento da DRT não está estabelecida, mas que já possui uma estimativa com resultados homogêneos. Por fim, ressalta-se que, apesar de seus efeitos promissores, são válidas novas pesquisas sobre o tema, a fim de estabelecer outras características posológicas da cetamina contra a DRT, como, por exemplo, o número de infusões semanais e o período de uso necessários para um resultado terapêutico efetivo.

AGRADECIMENTOS

Os autores declaram não haver agradecimentos a serem feitos.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2021
  • Aceito
    31 Jan 2022
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