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Assistência ambulatorial geriátrica: hierarquização da demanda

Resumos

No Brasil, o rápido crescimento da população de idosos vem produzindo grande impacto no sistema de saúde, com elevação dos custos e da utilização dos serviços. A ineficiência dos modelos tradicionais de assistência ao idoso torna imprescindível a mudança no paradigma de atenção à saúde dessa população, por meio do desenvolvimento de novos modelos de atenção que incorporem a identificação, a avaliação e o tratamento de idosos com perfis mórbidos e funcionais variados, passíveis de serem aplicados nas diversas modalidades assistenciais. Propõe-se um modelo ambulatorial, em duas etapas, que se diferencia pela profundidade e abrangência das ações, organizadas em níveis crescentes de complexidade e capazes de selecionar subgrupos de indivíduos que, por suas características de risco, devem progredir, diferenciadamente, na estrutura de atenção. Descreve-se a primeira etapa, que pressupõe a captação e identificação de risco de grandes grupos de idosos, por meio de um fluxo hierarquizado de ações e o uso de instrumentos de avaliação com sensibilidades e especificidades adequadas. O indivíduo com 65 anos ou mais, captado por demanda espontânea ambulatorial, captação domiciliar ou busca telefônica, é classificado segundo avaliação de risco, denominada Triagem Rápida, composta de oito itens. Dependendo do risco encontrado, o indivíduo será encaminhado para acompanhamento clínico usual e atividades em centros de convivência de idosos (risco baixo e médio) ou para outra etapa da avaliação funcional (riscos médio-alto e alto). A segunda etapa será tema de artigo posterior.

Serviços de saúde para idosos; Saúde do idoso; Assistência ambulatorial; Determinação de necessidades de cuidados de saúde; Triagem


In Brazil, the rapid growth of the elderly population has been causing a great impact on the healthcare system, with increased costs and service utilization. The inefficiency of traditional models for geriatric healthcare has made it essential to change the healthcare concepts for this population. This can take place through the development of new healthcare models that include the means to identify, assess and treat elderly patients with a variety of morbid and functional conditions, and which can be applied diverse healthcare scenarios. An outpatient model is proposed, with two stages that differ in the depth and coverage of their actions. These stages are organized as increasing levels of complexity and are capable of selecting subgroups of individuals that, because of their risk characteristics, should follow different paths through the healthcare structure. This paper discusses the first stage of this model, which involves risk identification among large groups of elderly people, by means of structuring a hierarchical flow of actions and using assessment tools of adequate sensitivity and specificity. Individuals aged 65 years or over who are detected through walk-in outpatient consultation, home visits or telephone interview are classified using a rapid screening risk evaluation instrument composed of eight items. Depending upon the level of risk presented, the individual will either be referred to another level of functional evaluation (medium-high and high risk levels), or to normal clinical care and old people's community centers (low and medium risk levels). The second stage will be the subject of a subsequent paper.

Health services for the aged; Aging health; Needs assessment; Ambulatory care; Triage


ATUALIZAÇÃO

Assistência ambulatorial geriátrica: hierarquização da demanda

Roberto Alves LourençoI; Cláudia de Souza Ferreira MartinsII; Maria Angélica S SanchezIII; Renato Peixoto VerasIV

IDepartamento de Epidemiologia. Faculdade de Ciências Médicas. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIDepartamento de Nutrição. Universidade Salgado de Oliveira. São Gonçalo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIUniversidade Aberta da Terceira Idade. UERJ. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IVInstituto de Medicina Social. UERJ. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Roberto Alves Lourenço Policlínica Piquet Carneiro - UERJ Av. Marechal Rondon, 38 20950-000 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: lourenco@uerj.br

RESUMO

No Brasil, o rápido crescimento da população de idosos vem produzindo grande impacto no sistema de saúde, com elevação dos custos e da utilização dos serviços. A ineficiência dos modelos tradicionais de assistência ao idoso torna imprescindível a mudança no paradigma de atenção à saúde dessa população, por meio do desenvolvimento de novos modelos de atenção que incorporem a identificação, a avaliação e o tratamento de idosos com perfis mórbidos e funcionais variados, passíveis de serem aplicados nas diversas modalidades assistenciais. Propõe-se um modelo ambulatorial, em duas etapas, que se diferencia pela profundidade e abrangência das ações, organizadas em níveis crescentes de complexidade e capazes de selecionar subgrupos de indivíduos que, por suas características de risco, devem progredir, diferenciadamente, na estrutura de atenção. Descreve-se a primeira etapa, que pressupõe a captação e identificação de risco de grandes grupos de idosos, por meio de um fluxo hierarquizado de ações e o uso de instrumentos de avaliação com sensibilidades e especificidades adequadas. O indivíduo com 65 anos ou mais, captado por demanda espontânea ambulatorial, captação domiciliar ou busca telefônica, é classificado segundo avaliação de risco, denominada Triagem Rápida, composta de oito itens. Dependendo do risco encontrado, o indivíduo será encaminhado para acompanhamento clínico usual e atividades em centros de convivência de idosos (risco baixo e médio) ou para outra etapa da avaliação funcional (riscos médio-alto e alto). A segunda etapa será tema de artigo posterior.

Descritores: Serviços de saúde para idosos. Saúde do idoso. Assistência ambulatorial. Determinação de necessidades de cuidados de saúde. Triagem.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento é um desafio do mundo atual, que afeta tanto os países ricos quanto os pobres. O processo de envelhecimento da população mundial tem as suas origens enraizadas nas transformações socioeconômicas vividas pelas nações desenvolvidas no século passado, e que, no entanto, só produziram modificações significativas nas suas variáveis demográficas na virada no século XX.11,15,25

Seguindo os padrões observados em outros países, no Brasil, a queda da fecundidade e o aumento da expectativa de vida resultaram, nos últimos 30 anos, no aumento absoluto e relativo da população idosa. No ano 2020, seus habitantes com 60 anos ou mais irão compor um contingente estimado de 32 milhões de pessoas. O crescimento desse segmento populacional situará o Brasil na sexta posição entre os países com maiores índices de envelhecimento humano.10,15,25

O rápido crescimento da população de idosos, no Brasil, causa importante impacto em toda a sociedade, principalmente nos sistemas de saúde. Entretanto, a infra-estrutura necessária para responder às demandas desse grupo etário, quanto a instalações, programas específicos e recursos humanos adequados, quantitativa e qualitativamente, ainda é precária. Acompanhando as transformações demográficas, o Brasil tem experimentado alterações relevantes no seu quadro de morbi-mortalidade, conhecidas como transição epidemiológica,23 fazendo com que as doenças crônico-degenerativas ocupem hoje as principais posições de ocorrência de doenças e causas de mortalidade.

O objetivo do presente trabalho é descrever um modelo de atenção à saúde do idoso baseado na aplicação sistemática de instrumentos de avaliação de riscos de adoecimento e perda funcional, estratificando a população-alvo em categorias com distintas chances de morbidade e mortalidade e permitindo assim segmentar as intervenções em função dessas categorias de risco. Propõe-se um modelo ambulatorial, em duas etapas, que se diferenciam pela profundidade e abrangência das ações, organizadas em níveis crescentes de complexidade e capazes de selecionar subgrupos de indivíduos que, por suas características de risco, devem progredir, diferenciadamente, na estrutura de atenção. Descreve-se no presente estudo a primeira etapa, que pressupõe a captação e identificação de risco de grandes grupos de idosos, por meio do fluxo hierarquizado de ações e do uso de instrumentos de avaliação com sensibilidades e especificidades adequadas.

CUSTOS DO ENVELHECIMENTO

Como parte da crise global do sistema de saúde, a assistência ao idoso apresenta um importante estrangulamento, que é a demanda altamente reprimida por atendimentos ambulatoriais especializados, criando uma dificuldade crescente na correta identificação de idosos com risco de adoecer e morrer precocemente. Acresce-se a esse fato o pequeno número de profissionais de saúde habilitados a tratar de idosos, o que tem contribuído decisivamente para as dificuldades na abordagem adequada desse paciente.

A maioria das instituições brasileiras de ensino da área de saúde ainda não despertou para o atual processo de transição demográfica e epidemiológica e suas conseqüências médico-sociais, não oferecendo conteúdo gerontológico adequado em seus cursos de graduação. Com isso, amplia-se a carência de recursos técnicos e humanos para enfrentar a explosão desse grupo populacional nas próximas décadas.

O sistema de saúde não está estruturado para atender à demanda crescente desse segmento etário. É sabido que os idosos consomem mais dos serviços de saúde, suas taxas de internação são bem mais elevadas e o tempo médio de ocupação do leito é muito maior quando comparados a qualquer outro grupo etário.10 A falta de serviços domiciliares e/ou ambulatoriais faz com que o primeiro atendimento ocorra em estágio avançado, no hospital, aumentando os custos e diminuindo as chances de prognóstico favorável. Em outras palavras, consomem-se mais recursos do que seria preciso, elevam-se os custos, sem que necessariamente se obtenham os resultados esperados em termos de recuperação da saúde e melhoria da qualidade de vida.27

Ressaltam-se, como exemplos, os recursos investidos em internações hospitalares. Segundo dados fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 2002, 18,6% do total de internações apuradas pelas Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs) foram registradas na faixa etária de 60 anos ou mais de idade, para uma população de idosos de apenas 8,5%, em comparação com 20,9% de internações na faixa de zero a 14 anos para uma população de 29,6% e 60,5% de internações na faixa de 15 a 59 anos (61,8% da população total). Os demais indicadores também mostram a mesma tendência, isto é, maior pressão desse segmento etário sobre vários aspectos dos custos das internações hospitalares (Tabela 1, Figuras 1 e 2).



Destaca-se que em 2002, cerca de 23% do total de internações foram devidas a parto e puerpério, que predominam no segmento etário de 15 a 59 anos e não são ocasionadas, em sua maioria, por doenças, inflacionando o número de internações nesse segmento.

Quaisquer que sejam os indicadores observados, os custos e utilização dos serviços são sempre maiores para os idosos. No trabalho realizado por Gordilho et al10 também se verificou semelhante tendência. Analisando-se algumas séries históricas, é possível observar que enquanto alguns indicadores melhoram nas demais faixas etárias, tal comportamento não se reflete entre os idosos. Tais séries históricas, colocados à disposição pelo Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), evidenciam a evolução temporal dos indicadores descritos acima, em que, ao longo dos cinco anos analisados, os idosos configuram-se como grandes consumidores do setor saúde. A pressão da demanda desse segmento etário não é, portanto, um fato recente.

IDOSOS SAUDÁVEIS E IDOSOS FRÁGEIS

A imensa maioria dos idosos está bem de saúde. Veras,28 em estudo realizado no Rio de Janeiro, encontrou que 82,5% dos idosos não relataram perda de sua capacidade funcional, dado coerente com outros trabalhos que utilizaram semelhante metodologia.7,25,26

Entretanto, a generalização dessa característica é enganosa, pois os idosos não constituem uma população homogênea no que diz respeito ao uso dos serviços de saúde. Uma parcela substancial da utilização deve-se à demanda gerada por um subgrupo relativamente pequeno.

É necessário, portanto, formular novas concepções de assistência à saúde da população idosa, que consigam englobar as diferentes condições de saúde desse segmento etário, respeitando suas características especiais e peculiares. Os clássicos modelos de promoção, prevenção, assistência e reabilitação não podem ser mecanicamente transportados para grupos de indivíduos idosos sem que algumas adaptações importantes e significativas sejam realizadas.

O cuidado ambulatorial e o domiciliar, as instâncias intermediárias de apoio, e a estrutura hospitalar são fundamentais para se restabelecer a saúde. A compreensão de que se deve priorizar ações de saúde voltadas para o idoso saudável, aliadas a programas qualificados para os já doentes, é uma concepção de cuidado aceita por muitos gestores da saúde, mas ainda pouco implementada.

A mudança no paradigma de atenção à saúde da população idosa é imprescindível, pois os modelos tradicionais centrados na assistência hospitalar e/ou asilar já demonstraram sua ineficiência. A insistência na manutenção do atual modelo, longe de solucionar tal questão, termina por agravá-la.

Por outro lado, na construção desse novo modelo, é imprescindível levar em consideração a heterogeneidade da situação de saúde dos indivíduos idosos. Se, por um lado, em torno de 80% da população idosa pode ser considerada saudável, estudos mostram que entre 10 e 25% dessa população são portadores de condições clínicas que os identificam como indivíduos frágeis, que necessitam de cuidados intensivos e de custos elevados. É essa diversidade de riscos e de uso dos sistemas de saúde que faz com que, nos Estados Unidos da América (do Norte), 5% a 10% dos idosos sejam responsáveis por 60% a 70% dos gastos totais de saúde com a população idosa.4,9

A fragilidade, como síndrome clínica, deve ser vista como conjunto de manifestações – tais como perda de peso, fraqueza, fadiga, inatividade, redução na ingestão de alimentos, sarcopenia, distúrbio de equilíbrio e marcha, condicionamento físico precário, osteopenia, e outros – que, em conjunto, são altamente preditivas de eventos adversos variados, como hospitalização, doenças agudas, quedas, fraturas e mortalidade elevada.9

Dessa forma, deve-se ter um enfoque especial para os idosos frágeis, devendo-se buscar um modelo de atenção à saúde do idoso que incorpore entre os seus objetivos a identificação, avaliação e tratamento desse segmento, e que possa ser aplicado nas mais variadas modalidades assistenciais. Do ponto de vista da saúde pública, esse tipo de prática surge baseada em um novo conceito de saúde, mais adequado para instrumentalizar e operacionalizar uma política de atenção a saúde do idoso.8,10,12,18

NOVO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE DO IDOSO

Com a demanda crescente do segmento etário mais envelhecido, a rede de serviços de saúde deve adaptar-se ao atual perfil demográfico e epidemiológico, ampliando a oferta de atendimento especializado de geriatria com forte enfoque na reabilitação. A rede de atenção básica deve ser capaz de identificar idosos fragilizados, isto é, aqueles com maior risco de desenvolver incapacidade funcional. Deve, ainda, acompanhar de forma eficiente os de menor risco, paralelamente ao desenvolvimento de ações e atividades de educação e promoção de saúde.

Um modelo eficiente de atenção à saúde do idoso precisa, portanto, ser construído a partir de uma lógica própria, que compreenda atividades organizadas num fluxo hierarquizado. Tais atividades, embora possam ser executadas de forma independente, se inter-relacionam.

Esse conjunto de ações é constituído por um fluxo de atividades de promoção de saúde, prevenção, acompanhamento e tratamento de doenças e referenciamento para centros de avaliação e reabilitação geriátricas.

Tal modelo incorpora tecnologias atuais em relação à identificação, avaliação e tratamento de idosos, refletindo as mudanças no paradigma do cuidado à população idosa.

O modelo proposto é de caráter ambulatorial, em duas etapas que se diferenciam pela profundidade e abrangência das ações, organizadas em níveis crescentes de complexidade e capazes de selecionar subgrupos de indivíduos que, por suas características de risco, devem progredir diferenciadamente na estrutura de atenção.

A primeira etapa, discutida em detalhes no presente trabalho, pressupõe a captação e identificação de risco de grandes grupos de idosos. A segunda etapa, apenas esboçada aqui será apresentada em detalhes posteriormente, em artigo específico, o qual discutirá ações voltadas para a avaliação, o diagnóstico, o planejamento e a execução de intervenções terapêuticas entre os indivíduos selecionados na etapa anterior (Figura 3).* * O cuidado hospitalar não é contemplado na proposta apresentada nesses artigos.


O envelhecimento populacional não se encontra limitado a um determinado estrato da população. Dessa forma, o modelo não deve se restringir a um determinado setor, podendo ser aplicado tanto no setor público quanto no setor privado de saúde. Igualmente, propõe-se um fluxo de atividades e procedimentos considerado ideal e que funciona como um conjunto de ações organizadas e hierarquizadas. Entretanto, isso não significa que as etapas não funcionem de forma isolada, podendo ser adaptadas de acordo com as necessidades dos serviços.

Ao pensar em um diferente modo de atenção à saúde da população idosa, é necessário que possa ser utilizado em diferentes cenários, em diferentes modelos assistenciais, flexível o suficiente para adaptar-se às suas características, sem perder sua identidade própria. Dessa forma, a atenção ambulatorial ao idoso pode, dentro do sistema público de saúde, ser realizada dentro dos modelos mais tradicionais e hegemônicos, até os mais inovadores, como o Programa de Saúde da Família que, priorizando o domicílio, configura-se como excelente estratégia para a identificação do idoso fragilizado.17

Com o objetivo de abranger um grande contingente de idosos e ser viabilizada nas diferentes estruturas de serviços de saúde existentes no Brasil, são concebidas três possibilidades de entrada do idoso nessa nova estrutura de atenção. Na primeira delas, ele pode ser identificado quando procurar uma unidade de saúde, por uma demanda específica. A segunda forma de acesso é a captação domiciliar, por intermédio de agentes comunitários de saúde, dentro da estratégia de Saúde da Família. Finalmente, a terceira possibilidade, busca adaptar-se às necessidades das operadoras de saúde do setor privado, que possuem serviços de call-centers implantados e estruturados, podendo atingir o seu cliente por meio do telefone.

PRIMEIRA ETAPA – CAPTAÇÃO E TRIAGEM RÁPIDA

Populações idosas e a probabilidade de reinternações hospitalares

Boult et al,1 em 1993, estudaram a probabilidade de reinternações hospitalares (Prh) em metade de uma amostra probabilística de múltiplos estágios (idosos com 70 anos ou mais de idade). Entre as variáveis analisadas, oito mostraram-se preditivas de múltiplas internações hospitalares, quando aplicadas, posteriormente, na outra metade da amostra,1 em usuários de sistemas públicos,21 ou em usuários de planos privados de saúde.22 Ainda, a confiabilidade teste-reteste da Prh foi alta quando o questionário era enviado novamente pelo correio, três semanas após.3

Da mesma forma, os indivíduos considerados de alto risco (Prh>0,40) foram beneficiados por intervenções de reabilitação em unidades geriátricas especiais, quando comparados com aqueles que não receberam esses cuidados;2,5 tais intervenções foram feitas com custos razoáveis e produzindo satisfação entre os clientes.4

Assim, pode-se afirmar que os trabalhos de Boult et al1 sugeriram um instrumento curto de aferição de probabilidade de reinternações hospitalares, e que esse método mostrou-se um proxy para quadros de fragilidade clínica, sugerindo que seu uso é adequado como parte de avaliações de risco de populações idosas.

Idosos e rastreamento de riscos

O conjunto de variáveis utilizadas por Boult et al1 pareceu, então, possuir as características adequadas para a etapa de captação, já que: 1) foi testado previamente em populações idosas de origens diferentes no sistema de saúde; 2) é de aplicação rápida – dois a três minutos; 3) categoriza os indivíduos avaliados em classes de risco; 4) permite organizar por meio de critérios objetivos diferentes níveis de intervenção; 5) possibilita a determinação de prioridades na atenção; 6) é de fácil padronização; 7) é de fácil compreensão no treinamento dos entrevistadores; e 8) pode ser aplicado face-a-face com o entrevistado, por telefone ou por carta.

Após a tradução direta a partir do original em língua inglesa, as oito variáveis, aqui nomeadas Triagem Rápida (TR),** ** Cópia do questionário Triagem Rápida poderá ser obtida com o primeiro autor do presente artigo. foram testadas, ainda preliminarmente, em uma população ambulatorial, avaliando-se, sobretudo, algumas de suas características operacionais.28-30

Não obstante o caráter bastante inicial desses trabalhos, alguns aspectos apontaram nitidamente para a adequação desse instrumento aos objetivos pretendidos, sugerindo o seu uso em outras "portas" do sistema, como, por exemplo, os três modos de captação anteriormente relacionados (Figura 3).

Nesses ambientes diversos, a TR pode ser aplicada em todos os indivíduos idosos usuários desses setores do sistema de saúde. A TR permite uma grande flexibilidade, visto que os entrevistadores poderão ser auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde ou telefonistas, treinados, nos modos ambulatorial, de Saúde da Família e de busca telefônica, respectivamente.

No Fluxo de Atenção Integral à Saúde do Idoso (Figura 3), em qualquer um dos três modos de captação, dependendo do grau de risco, proceder-se-á à marcação de consulta, na qual será realizada outra etapa de avaliação funcional. Os usuários de baixo risco passam a fazer parte de um arquivo de controle, disponível para contato posterior, ou serão encaminhados para atividades variadas num centro de convivência para idosos.6,14,24

Na definição de pontos de corte do instrumento, Boult et al1 levaram em consideração a especificidade e sensibilidade encontradas. Os autores sugerem um limite de 0,5 para caracterizar os grupos como de alto ou baixo risco, de maneira a otimizar a relação entre o número de indivíduos selecionados e os resultados que se espera controlar. Por outro lado, para encaminhamento de idosos para unidades de avaliação e reabilitação geriátricas utilizaram 0,40 como ponto de corte.5

Porém, no modelo aqui apresentado, centrado fortemente na organização abrangente da demanda, propõe-se como hipótese de trabalho, que quatro pontos de corte sejam utilizados para organizar as múltiplas demandas de saúde da população idosa, de maneira a identificar os idosos fragilizados ou com riscos de fragilização e criar categorias diferenciadas de risco. Dessa forma, possibilita nítida separação entre aqueles de maior risco e, portanto, com necessidade de intervenção imediata, e aqueles portadores de condições que permitem um agendamento para intervenção posterior. Assim, essa ordenação permite estabelecer prioridades de atendimento e otimizar o uso de recursos diagnósticos e de reabilitação.

O questionário é capaz de identificar indivíduos com doenças graves ou em risco de desenvolvê-las e os valores obtidos, quando colocados em uma linha ordenada, definem aqueles de maior ou menor risco. Pode-se assumir tal progressividade, já que conforme aumenta a probabilidade (valor numérico), aumenta o risco. Os limites propostos são descritos na Tabela 2, sendo atendidos prioritariamente os idosos que apresentem risco alto, escalonando os demais atendimentos, de forma que aqueles identificados com maior risco, sejam atendidos anteriormente aos de menor.

Essa preocupação é mais relevante, ainda, se lembrarmos que, em certos ambientes operacionais, tais como os ambulatórios da rede pública, a demanda por consultas ultrapassa a oferta das mesmas, sendo necessária a criação de critérios de prioridade que estejam vinculados à natureza da demanda e não a simples e inoperante regra da hora de chegada na fila de espera. Assim, esse instrumento também funcionará como um organizador dos serviços, além de fornecer informações para a maior eficiência nas salas de atendimento.

SEGUNDA ETAPA – AVALIAÇÃO FUNCIONAL BREVE

Após a aplicação da TR, o agendamento das consultas proceder-se-á, conforme já descrito, a partir de priorização por critério de risco. Enquanto o cliente aguarda a consulta, no espaço da sala de espera, serão realizadas atividades características, enfatizando-se aspectos relevantes e pertinentes quanto à promoção da saúde e prevenção de doenças.

Como parte do processo terapêutico, as atividades de sala de espera se constituem em excelente mecanismo de educação em saúde, podendo colaborar sobremaneira com o envolvimento do usuário nas ações de saúde que são indicadas para a manutenção de sua autonomia e independência. Ao mesmo tempo, utiliza-se espaço e tempo preciosos para o usuário, enquanto aguarda atendimento pelos profissionais que compõem a equipe.

Pode-se dizer que a atividade de sala de espera é informal; seu objetivo principal se concentra na democratização da informação, seguindo o viés da promoção de saúde e prevenção de doenças. Esse tipo de atividade ambulatorial pode ser feito por qualquer integrante da equipe de saúde. Consiste em espaço de troca de experiências e de aprendizado sobre temas relevantes e capazes de auxiliar o usuário a tornar-se consciente do processo de envelhecimento e das repercussões em sua saúde.

Os temas, preferencialmente, serão aqueles inerentes ao processo de envelhecimento, enfatizando as síndromes geriátricas e os problemas de saúde mais comuns nesse estrato etário, como por exemplo, diabetes, hipertensão, osteoporose, entre outros. Além disso, podem e devem ser selecionados temas sugeridos pelos próprios usuários.

Antes da consulta médica, o idoso é atendido por um profissional de saúde, adequada e previamente treinado, que avaliará o seu desempenho funcional por meio de um instrumento de rastreamento, de avaliação da capacidade funcional, denominado Avaliação Funcional Breve - AFB (Figura 3).

A AFB é um instrumento composto por 11 itens, cada um avaliando uma área específica. São elas: a visão, a audição, a função dos braços e pernas, a continência urinária, a nutrição, o estado mental, os distúrbios do afeto, as atividades de vida diária, o ambiente no domicílio e a rede de suporte social.13,16 Trata-se de um conjunto de questões e testes de desempenho que, avaliados em outras realidades, mostraram-se altamente sensíveis para a detecção de distúrbios nas áreas pertinentes.19,20

No Brasil, após tradução direta do original, a AFB vem sendo utilizada para rastreamento de distúrbios funcionais em ambulatórios geriátricos universitários.16

No presente modelo, a AFB será analisada pelo médico clínico que, após treinamento, estará habilitado a identificar se o idoso pode ser acompanhado nesta unidade de saúde ou se, devido aos importantes distúrbios funcionais e/ou síndromes geriátricas identificadas, deve ser encaminhado para os centros especializados ou locais onde haja profissionais qualificados em avaliação e reabilitação geriátricas. Serão realizados nesses locais procedimentos específicos, habitualmente sistematizados na avaliação geriátrica ampla.

Quando não forem identificados distúrbios ou alterações funcionais, o acompanhamento poderá ser feito pelo clínico, com atenção especial para modificações nesse quadro inicial. A correta identificação daqueles de menor risco permite o adequado acompanhamento dos mais fragilizados, que melhor se beneficiariam do atendimento realizado por especialistas, porém, que existem ainda, em número não suficiente frente ao crescente número de idosos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O grande atraso na agenda social do País e, como subproduto, na agenda da saúde, em particular aquela com as tarefas destinadas à produção de modelos e estruturas de atenção ao idoso, torna esta necessidade urgente e imperiosa. No entanto, não se deve descuidar da qualidade na elaboração desses modelos, de tal sorte a, embora aproveitando experiências já existentes, não se descuidar da sua avaliação rigorosa na realidade brasileira e da busca de soluções alternativas às já existentes.

A força da proposta aqui apresentada está, genericamente, na profunda compreensão da heterogeneidade que caracteriza a população idosa, do alto custo dos procedimentos de saúde destinados a esta população, da diversidade dos gastos em subgrupos dessa população. Por outro lado, seu valor encontra-se, também, na certeza de que sem uma abordagem preventiva, que associe a reflexão epidemiológica e o planejamento sistemático de ações de saúde, não há saída possível para a crise de financiamento do setor.

De maneira mais específica, a qualidade positiva do presente trabalho é a tentativa de identificar instrumentos padronizados que podem ser utilizados de maneira sistemática e organizados de forma a produzir séries de risco de complexidade crescente. Por outro lado, a abrangência das ações propostas permitirá dar conta dos problemas de saúde de grande parte da população idosa.

Embora portadora de uma validade de face que se impõe entre especialistas em envelhecimento, as oito variáveis identificadas por Boult et al1 como, significativamente, relacionadas à probabilidade de múltiplas internações hospitalares e provável proxy de fragilidade clínica, não deve, a priori, gozar de universalidade. Impõe-se que, no Brasil, esforços semelhantes avaliem um número maior de características da realidade do País, verificando sua adequação aos objetivos de qualificação funcional e de morbidades de nossa população envelhecida.

Recebido em 2/12/2003. Aprovado em 17/8/2004.

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  • Endereço para correspondência

    Roberto Alves Lourenço
    Policlínica Piquet Carneiro - UERJ
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    20950-000 Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Recebido
      02 Dez 2003
    • Aceito
      17 Ago 2004
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