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Prevalência da hipovitaminose A em pré-escolares no Estado de Sergipe, 1998

Resumos

OBJETIVO: Determinar a prevalência da deficiência de vitamina A em uma amostra de base populacional de crianças. MÉTODOS: Trata-se de um estudo de corte transversal realizado de maio a junho de 1998, no Estado de Sergipe, envolvendo 607 crianças de seis a 60 meses de idade. As informações foram obtidas por meio de entrevistas domiciliares com os responsáveis pelas crianças. A coleta de sangue foi realizada por venipuntura e a dosagem do retinol sérico pelo método da cromatografia líquida de alta resolução. Para a análise simultânea das variáveis do estudo, aceitou-se o valor de p<0,05 para testar as associações de significância estatística. RESULTADOS: Encontrou-se um valor médio de retinol sérico de 0,87 µmol/l (±0,38) entre as crianças investigadas. A prevalência de níveis considerados baixos (0,35 a 0,69 µmol/l) foi de 22,5% e de níveis considerados deficientes (<0,35 µmol/l), de 9,6%, resultando em 32,1% de crianças com níveis inadequados de retinol sérico. A distribuição de retinol sérico se mostrou associada com a renda per capita e o indicador peso/idade. Não foi encontrada associação estatisticamente significante com idade e sexo das crianças e com as variáveis maternas. CONCLUSÃO: A deficiência de vitamina A das crianças pré-escolares constitui um importante problema de saúde pública. A hipovitaminose-A está relacionada principalmente à baixa renda per capita da família e baixo peso infantil.

Deficiência de vitamina A; Deficiência de vitamina A; Vitamina A; Prevalência


OBJECTIVE: To determine the prevalence of vitamin A deficiency in a population-based sample. METHODS: This was a cross-sectional study conducted in the State of Sergipe, northeastern Brazil, in May and June, 1998. It involved 607 children aged 6 to 60 months. The information was obtained by means of interviews with the persons responsible for these children, in their homes. Blood samples were collected via venous puncture and serum retinol assays were carried out by means of high performance liquid chromatography (HPLC). In simultaneous analyses of the study variables, p<0.05 was accepted for testing statistically significant associations. RESULTS: A mean serum retinol value of 0.87 µmol/l (±0.38) was found among the children investigated. The prevalence of levels considered low (0.35 to 0.69 µmol/l) was 22.5% and the prevalence of levels considered deficient (<0.35 µmol/l) was 9.6%. Inadequate serum retinol levels were therefore seen in 32.1% of the children. The serum retinol level showed an association with per capita family income and the weight/age indicator. No statistically significant association was found for serum retinol level in relation to the child's age and sex, or the mother's variables. CONCLUSION: Vitamin A deficiency among preschool children is an important public health problem. Hypovitaminosis A is mainly related to low per capita family income and low infant weight.

Vitamin A deficiency; Vitamin A deficiency; Vitamin A; Prevalence


ARTIGOS ORIGINAIS

Prevalência da hipovitaminose A em pré-escolares no Estado de Sergipe, 1998

Maisa Cruz MartinsI; Leonor Maria Pacheco SantosII; Ana Marlúcia Oliveira AssisI

IEscola de Nutrição. Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA, Brasil

IIMinistério da Saúde. Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos. Brasília, DF, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maisa Cruz Martins Rua do Russel, 344 apto. 405-A Glória 22210-010 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: maimar@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a prevalência da deficiência de vitamina A em uma amostra de base populacional de crianças.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo de corte transversal realizado de maio a junho de 1998, no Estado de Sergipe, envolvendo 607 crianças de seis a 60 meses de idade. As informações foram obtidas por meio de entrevistas domiciliares com os responsáveis pelas crianças. A coleta de sangue foi realizada por venipuntura e a dosagem do retinol sérico pelo método da cromatografia líquida de alta resolução. Para a análise simultânea das variáveis do estudo, aceitou-se o valor de p<0,05 para testar as associações de significância estatística.

RESULTADOS: Encontrou-se um valor médio de retinol sérico de 0,87 µmol/l (±0,38) entre as crianças investigadas. A prevalência de níveis considerados baixos (0,35 a 0,69 µmol/l) foi de 22,5% e de níveis considerados deficientes (<0,35 µmol/l), de 9,6%, resultando em 32,1% de crianças com níveis inadequados de retinol sérico. A distribuição de retinol sérico se mostrou associada com a renda per capita e o indicador peso/idade. Não foi encontrada associação estatisticamente significante com idade e sexo das crianças e com as variáveis maternas.

CONCLUSÃO: A deficiência de vitamina A das crianças pré-escolares constitui um importante problema de saúde pública. A hipovitaminose-A está relacionada principalmente à baixa renda per capita da família e baixo peso infantil.

Descritores: Deficiência de vitamina A, diagnóstico. Deficiência de vitamina A, epidemiologia. Vitamina A, crianças. Prevalência.

INTRODUÇÃO

A vitamina A é um micronutriente essencial nos processos de diferenciação e manutenção da integridade epitelial. É conhecida, sobretudo, pelos catastróficos efeitos de sua carência sobre a visão. Contudo, os transtornos associados à deficiência dessa vitamina não se restringem à cegueira. Estão relacionados também ao aumento da morbimortalidade na infância.

A hipovitaminose A é uma das deficiências nutricionais mais prevalentes no mundo subdesenvolvido (FAO/WHO,6 1992; WHO,14 1995). Baseada na ocorrência clínica de sinais ou sintomas oculares e na prevalência dos níveis deficientes de retinol sérico, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que a deficiência de vitamina A era endêmica em 39 países (WHO,14 1995), incluindo o Brasil.

No País, atinge em especial a região Nordeste principalmente crianças pré-escolares. A premissa de que a ocorrência da hipovitaminose A se circunscreve apenas a essa região pode não ser verdadeira. Entretanto, apesar de não haver inquéritos de caráter nacional, os estudos publicados são unânimes em apontar a carência marginal de vitamina A como um importante problema em pré-escolares do Nordeste brasileiro.

A OMS considera que uma prevalência igual ou maior a 20% de níveis de retinol sérico <0,70 µmol/l indica um problema grave de saúde pública (WHO,15 1996). Presume-se que 2,8 a 3 milhões de crianças em idade pré-escolar em todo o mundo sejam clinicamente afetadas pela hipovitaminose A e que 251 milhões apresentem a forma subclínica dessa deficiência (WHO,14 1995).

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) têm preconizado a necessidade de instituir programas de prevenção e controle da deficiência desse micronutriente. A vitamina A reduz a taxa de mortalidade (Beaton,3 1993), a incidência e a gravidade das infecções, em especial, das doenças diarréicas em pré-escolares (Barreto,2 1994).

A necessidade de combater a deficiência de vitamina A ganhou uma nova dimensão nos últimos tempos. Evidências de hipovitaminose A e xeroftalmia têm sido documentadas, sobretudo na região Nordeste (Dricot D'ans et al,5 1988; Santos et al,11 1996; INAN/MS-IMIP,7 1998). Ainda assim, os dados disponíveis sobre a prevalência da deficiência de vitamina A nessa região são esparsos. Para os estados de Piauí, Maranhão, Alagoas e Sergipe não se dispunham de informações a respeito do problema até 1998.

O presente estudo teve como objetivo estimar a prevalência da deficiência de vitamina A em uma amostra representativa de pré-escolares, fornecendo dados que possibilitem a definição de políticas públicas e racionalização da aplicação de recursos no combate à deficiência de vitamina A.

MÉTODOS

O estudo, de corte transversal, foi realizado no período de maio a junho de 1998, no Estado de Sergipe. Integra uma investigação mais ampla, intitulada "III Pesquisa de Saúde Materno Infantil e Nutrição do Estado de Sergipe", planejada para obter indicadores estaduais de saúde e nutrição para crianças menores de cinco anos e mulheres de 15 a 49 anos de idade (SES/SE – UFBA,12 2001).

O tamanho amostral – de 383 crianças – foi calculado com base na prevalência crítica de 20% de deficiência de vitamina A (considerada pela OMS como indicativa de problema grave de saúde pública). Admitiu-se uma variabilidade na estimativa de ±4% e um grau de confiança de 95%. Para esse procedimento utilizou-se o software Epi Info 6.02.

Foram selecionados 20 conglomerados nos 75 municípios do Estado por meio de técnica de amostragem por conglomerados, com probabilidade proporcional ao tamanho da população de crianças menores de cinco anos de idade, baseado na contagem da população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 1996. Utilizando-se da combinação das técnicas aleatória e sistemática de amostragem, em cada conglomerado foram selecionados oito setores censitários, estratificados segundo as áreas urbana e rural de cada município, de acordo com o tamanho de suas populações.

Foram pesquisados, portanto, 160 setores censitários em 16 municípios, 68,8% deles localizados na área urbana e 31,2% na rural. Correspondiam, respectivamente, à proporção de 70,2 e 29,8% da população urbana e rural; distribuição compatível com a contagem populacional do IBGE para o Estado em 1996. Em cada setor censitário visitou-se um número de domicílios suficiente para fornecer uma amostra de seis crianças. Quando no domicílio era encontrada mais de uma criança na faixa etária estudada procedia-se ao sorteio de uma criança índice, totalizando uma amostra de 607 crianças menores de cinco anos de idade para análise do retinol sérico.

Durante a visita domiciliar, nutricionistas, especialmente treinadas, explicavam aos pais ou responsáveis pelas crianças os propósitos da investigação, deixando-os livres para decidirem sobre a participação de seus filhos no estudo. Para a coleta de sangue foi solicitada autorização por escrito dos responsáveis pelas crianças.

A coleta de sangue foi aprazada para o dia posterior à visita domiciliar, em local apropriado (posto ou centro de saúde), sendo fornecidas orientações sobre o jejum da criança.

Foram coletados 5 ml de sangue das crianças, em jejum, por venipuntura, com agulha e seringa descartáveis. Após retração do coágulo, o sangue foi centrifugado e uma alíquota do soro foi colocada em tubos apropriados. Em seguida, as amostras foram congeladas (-20ºC) no laboratório de referência da capital e todo o procedimento foi realizado na semi-obscuridade. As amostras coletadas em regiões distantes da capital e/ou em área rural, após passarem pelo processo relatado, foram devidamente conservadas com retentores de frio (-18ºC) até seu deslocamento para o laboratório. Após o término do trabalho de campo, as amostras foram transportadas para o laboratório de Bioquímica da Nutrição da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia. As determinações laboratoriais de retinol sérico foram realizadas utilizando-se o método da cromatografia líquida de alta resolução, empregando-se um Cromatógrafo Shimadzu, modelo LC 10AS.

As medidas antropométricas do peso e da estatura/comprimento foram realizadas obedecendo-se às recomendações técnicas (Lohman,9 1988), utilizando-se, respectivamente, balanças eletrônicas portáteis e antropômetros fabricados especialmente para esse fim. Os instrumentos de medição foram aferidos antes e rotineiramente durante o desenvolvimento dos trabalhos de campo. Os indicadores utilizados para avaliação do estado antropométrico foram peso/idade e altura/idade. Adotou-se o ponto de corte de =2DP para caracterizar a desnutrição segundo os indicadores analisados. Tomou-se como base o padrão da população de referência do National Center of Health Statististics (NCHS). As crianças em risco nutricional e as desnutridas, identificadas durante a investigação, foram encaminhadas ao serviço de saúde local para o atendimento pertinente.

Análise dos dados

Os dados coletados foram digitados utilizando o software Epi Info 6.02. Procedeu-se digitação dupla de 10% dos dados. Foram adotadas a prevalência e o odds ratio (OR), respectivamente, como medidas de ocorrência e de associação estatísticas. O qui-quadrado de Mantel Haenszel foi usado na análise descritiva, para testar a significância estatística entre as proporções, aceitando-se um p<0,05. Para a análise simultânea das variáveis de interesse, com o cálculo das medidas ajustadas, utilizou-se a regressão logística. A significância estatística das associações analisadas foi estabelecida com base no p valor <0,05. Para os cálculos estatísticos foi utilizado o software SPSS for windows 8.0, e para a análise dos dados antropométricos utilizou-se o módulo Epinut do software Epi Info 6.02.

Os aspectos éticos do presente estudo foram aprovados pelo Ministério da Saúde, Unicef e pelo Comitê de Ética do Conselho Regional de Medicina de Sergipe.

RESULTADOS

Observou-se que 22,5% dos pré-escolares apresentaram níveis séricos de retinol considerados baixos (0,35 a 0,69 µmol/l), enquanto que os níveis considerados deficientes (<0,35 µmol/l) foram detectados em 9,6% dos casos. No total, foi encontrada prevalência de deficiência de vitamina A de 32,1% (Tabela 1). Detectou-se média de retinol sérico de 0,87 µmol/l (DP=0,38) entre as crianças investigadas. A distribuição média de retinol por faixa etária foi de 0,85 µmol/l (DP=0,39) e 0,89 µmol/l (DP=0,37) para as crianças de seis a 24 meses e 25 a 60 meses de idade, respectivamente. Esses valores médios são inferiores ao definido pela OMS (>1,05 µmol/l) para caracterizar a normalidade do estado nutricional relativo à vitamina A.

Nos últimos quatro meses que antecederam a pesquisa, 9,3% das crianças utilizaram medicamentos contendo vitamina A. Contudo, não se constataram diferenças estatisticamente significantes entre os níveis de retinol sérico dessas crianças e daquelas que não adotaram essa prática (c2=0,344 p=0,558), indicando que esse fato não teve interferência na prevalência encontrada.

A distribuição dos níveis de retinol sérico, segundo a faixa etária, não alcançou significância estatística. Contudo, as crianças de seis a 24 meses de idade apresentaram um percentual mais elevado (34,8%) de níveis de retinol sérico baixos e deficientes (<0,70 µmol/l) quando comparado àquelas de 25 meses ou mais (30,5%) (Tabela 1).

Observa-se que a distribuição dos níveis de retinol sérico baixo e deficiente, segundo escolaridade materna, diminui à medida que aumentam os anos de estudo. No entanto, não se detectou significância estatística entre essas variáveis (Tabela 1); condição similar foi observada com a idade materna.

Identificou-se que 10,0 e 11,5% dos pré-escolares investigados eram, respectivamente, portadores de déficit antropométrico de grave e moderada intensidades (=2DP), quando avaliados segundo o indicador peso/idade e altura/idade. Dentre as crianças com déficit no indicador peso/idade, 49,2% apresentaram deficiência de vitamina A; entre os eutróficos, essa prevalência declinou para 30,2% (Tabela 1). O déficit no indicador peso/idade (OR=2,235; IC 95%: 1,31-3,81) mostrou-se associado com o déficit nos níveis séricos de retinol na análise bivariada (Tabela 1). Embora não tenha sido observada associação estatisticamente significante entre o indicador altura/idade e os níveis de retinol sérico, notou-se que as crianças com déficit nesse indicador apresentaram chance mais elevada de terem níveis inadequados de retinol sérico quando comparados com aquelas eutróficas (OR=1,477; IC 95%: 0,88-2,46).

Levando-se em consideração a renda per capita familiar, observou-se uma prevalência da deficiência de retinol sérico mais elevada entre as crianças que foram classificadas nas categorias de menor renda familiar (Tabela 1). A análise de regressão logística bivariada indicou que renda familiar per capita, situada tanto no intervalo de 0,50-0,25 do salário-mínimo (OR=1,741; IC 95%: 1,004-3,017) quanto àquelas menores do que 0,25 do salário-mínimo (OR=1,888; IC 95%: 1,137-3,136), associaram-se com o déficit nos níveis séricos de retinol (Tabela 1).

Após o ajuste do modelo com a inclusão apenas daquelas variáveis cujos valores de p foram menores do que 30 na análise bivariada, permaneceram o indicador antropométrico peso/idade e renda per capita familiar. Embora as categorias da escolaridade materna tenham apresentado um p de valor superior àquele previamente definido, foram mantidas no modelo pela conhecida associação dessa condição com o estado nutricional na infância. De fato, esse procedimento propiciou um melhor ajuste e significância estatística do modelo. Assim, após os procedimentos de ajuste, observou-se que o déficit no indicador antropométrico peso/idade (situado abaixo de -2 DP) elevou o risco em 2,22 (IC 95%: 1,035-4,761) vezes de a criança apresentar níveis inadequados de vitamina A, quando comparado com as crianças eutróficas (Tabela 2).

Notou-se também que a chance da criança apresentar níveis inadequados de vitamina A é 1,87 (IC 95%: 1,086-3,208) vezes mais elevada quando o rendimento per capita familiar está situado abaixo de 0,25 do salário-mínimo, quando comparada com aquela de crianças cuja família tem rendimento maior ou igual a 0,50 salário-mínimo per capita (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Considerados os critérios revisados pela WHO15 (1996), a prevalência de níveis inadequados de vitamina A detectada nessa população (32,1%) classifica a deficiência de vitamina A como importante problema de saúde no Estado de Sergipe.

Os resultados obtidos evidenciam que a deficiência de vitamina A é também um problema de saúde pública para mais um Estado do Nordeste brasileiro, cuja dimensão era até então desconhecida. Para outros Estados dessa região a deficiência de vitamina A tem sido mapeada para algumas áreas geográficas. A partir de um estudo realizado em amostra representativa da população de menores que cinco anos no Estado de Pernambuco pôde-se constatar que 19,3% dessas crianças tinham níveis séricos de retinol abaixo de 0,70 µmol/l, e 3% apresentaram níveis abaixo de 0,35 µmol/l (INAN/MS-IMIP,7 1998). Constitui, portanto, um problema de saúde pública para o Estado. No Estado da Bahia, Santos et al11 (1996), em estudo realizado no semi-árido com crianças de zero a 72 meses, concluíram que a carência de vitamina A poderia ser considerada importante problema de saúde na infância, tanto pela prevalência de níveis inadequados de retinol (54,7%), como pela dimensão da inadequação dietética. Assis et al1 (1997), investigando crianças de seis a 72 meses em localidades dessa mesma região do Estado, encontraram prevalências semelhantes: 40,4% das crianças eram portadoras de níveis séricos de retinol considerados baixos (0,35-0,69 µmol/l), e 4,3% de níveis considerados deficientes (<0,35 µmol/l). Apenas os resultados obtidos por Diniz4 (1997), em estudo com amostra representativa das crianças menores de cinco anos de idade na Paraíba, mostraram que a deficiência de vitamina A poderia ser enquadrada no limiar da endemicidade (prevalência de 16,0%). O autor atribuiu essa menor prevalência às campanhas periódicas de administração de doses massivas de vitamina A naquele Estado.

Os presentes resultados indicam que a ocorrência da deficiência de vitamina A entre os pré-escolares no Estado de Sergipe é similar à observada em outros Estados da região Nordeste. Reforçam o argumento de que essa deficiência constitui problema importante de saúde pública no Nordeste brasileiro. Colocam em evidência que esse grupo de crianças está exposto a riscos mais elevados de morbimortalidade na infância, dado o papel protetor que a vitamina A exerce na sobrevivência de crianças pré-escolares (Beaton et al,3 1993).

A renda familiar é indicadora de processos estruturais na sociedade e constitui fator determinante das condições de saúde e nutrição das crianças e de suas famílias. Assim, as condições de pobreza representam fatores de risco para uma série de carências nutricionais, inclusive a deficiência de vitamina A (ACC/SCN,10 1997). No presente estudo, o nível da renda familiar per capita mostrou associação inversa com os níveis de retinol sérico, indicando que à medida que diminui a renda familiar per capita, aumenta o risco da deficiência de vitamina A nos pré-escolares. Em especial, a renda menor do que 0,25 do salário-mínimo, mesmo quando ajustada pelas demais variáveis do modelo, permaneceu como uma preditora dessa deficiência.

Além dos fatores econômicos e estruturais da sociedade em que vivem a criança e sua família, outros fatores ligados à condição de morbidade contribuem também para a depleção dos níveis de retinol sérico. Entre eles, destacam-se as infecções, que aumentam o requerimento ou estimulam a perda endógena desse micronutriente; e a desnutrição energética protéica, que afeta a síntese da proteína de enlace de retinol (Retinol Binding Protein – RBP), proteína que tem meia vida curta (Lee et al,8 1993), diminuindo assim a disponibilidade de retinol. No presente estudo, foi observada associação estatisticamente significante entre os níveis de retinol sérico e estado antropométrico quando avaliado pelo indicador peso/idade, indicando que o baixo peso eleva em 2,22 vezes a chance de a criança apresentar depleção dos níveis de retinol sérico.

Nas últimas décadas tem sido observada redução significante nos índices de mortalidade e desnutrição na infância no Brasil. Contudo, as condições de vida, saúde e nutrição das crianças nordestinas continuam precárias (Unicef,13 1995) e vêm se materializando nas altas taxas de deficiência de micronutrientes, particularmente de vitamina A e ferro.

Deve-se considerar ainda que as crianças que apresentam deficiência específica de um micronutriente normalmente são portadoras de múltiplas carências. A desnutrição pode estar associada a outros fatores socioeconômicos que contribuem para o aumento do déficit pondo-estatural da criança.

Esses resultados comprovam uma forte evidência da necessidade de fortalecer e ordenar as ações de saúde, no sentido de torná-las mais efetivas, por meio da sistematização de medidas de prevenção e tratamento para reduzir a prevalência da deficiência de vitamina A.

AGRADECIMENTOS

À Secretaria de Saúde do Estado de Sergipe, pelo apoio institucional e parceria.

Recebido em 4/11/2002

Reapresentado 7/1/2004

Aprovado em 15/4/2004

Financiado parcialmente pelo Ministério da Saúde e pelo Fundo Nacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef)

Baseado em dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia, 2001.

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  • Endereço para correspondência
    Maisa Cruz Martins
    Rua do Russel, 344 apto. 405-A Glória
    22210-010 Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Revisado
      07 Jan 2004
    • Recebido
      04 Nov 2002
    • Aceito
      15 Abr 2004
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