Acessibilidade / Reportar erro

Uso do questionário de freqüência na avaliação do consumo alimentar pregresso

Using food frequency questionnaire in past dietary intake assessment

Resumos

Objetivou-se discutir qual o melhor estimador da dieta pregressa: o relato retrospectivo ou a dieta recente. Foram analisados 13 artigos, publicados entre 1984 e 1997, selecionados a partir de outras revisões sobre o assunto e de pesquisa na base de dados MEDLINE. O critério de seleção foi a utilização de questionário de freqüência do consumo de alimentos (QFCA) no estudo de validação de relatos retrospectivos da dieta do passado remoto. A maioria dos estudos analisados concorda que o relato retrospectivo é melhor estimador da dieta pregressa do que a dieta recente, e que o padrão de consumo e a estabilidade da dieta foram os fatores mais fortemente associados com o relato da dieta prévia. Os resultados das investigações analisadas indicam que os alimentos usados com maior e menor freqüência são relatados com maior precisão, enquanto que aqueles consumidos com freqüências intermediárias são recordados com maior dificuldade. O QFCA foi considerado um instrumento de grande utilidade quando se deseja estudar o papel da dieta na etiologia das doenças crônicas.

Consumo de alimentos; Dieta pregressa; Epidemiologia nutricional; Câncer


This paper aims to discuss which one is the best estimator of past diet: a retrospective report or a recent diet recall. The analysis included 13 articles published between 1984-1997 and selected from a MEDLINE search and from other reviews on this subject. The selection criterion was the use of a food frequency questionnaire (FFQ) in a validation study of retrospective report of dietary intake in remote past. Literature review shows that even taking into account misclassification, retrospective report of diet usually yields to a more reliable estimate of past diet pattern than current report. Past diet recall was strongly influenced by current intake and by diet patterns change. Analyzed investigations indicate that agreement between original and retrospective report was higher either for foods eaten rarely or frequently and lower for foods moderately consumed. This review allows considering the FFQ as a valuable instrument when studying the role of diet on the etiology of chronic diseases.

Food frequency questionnaire; Past diet; Nutritional epidemiology; Cancer


Revisão

Review

Uso do questionário de freqüência na avaliação do consumo alimentar pregresso

Using food frequency questionnaire in past dietary intake assessment

Rosângela A Pereira e Sérgio Koifman

Instituto de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ - Brasil (RAP), Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ - Brasil (SK)

Descritores
Consumo de alimentos. Dieta pregressa. Epidemiologia nutricional. Câncer. Resumo
Objetivou-se discutir qual o melhor estimador da dieta pregressa: o relato retrospectivo ou a dieta recente. Foram analisados 13 artigos, publicados entre 1984 e 1997, selecionados a partir de outras revisões sobre o assunto e de pesquisa na base de dados MEDLINE. O critério de seleção foi a utilização de questionário de freqüência do consumo de alimentos (QFCA) no estudo de validação de relatos retrospectivos da dieta do passado remoto. A maioria dos estudos analisados concorda que o relato retrospectivo é melhor estimador da dieta pregressa do que a dieta recente, e que o padrão de consumo e a estabilidade da dieta foram os fatores mais fortemente associados com o relato da dieta prévia. Os resultados das investigações analisadas indicam que os alimentos usados com maior e menor freqüência são relatados com maior precisão, enquanto que aqueles consumidos com freqüências intermediárias são recordados com maior dificuldade. O QFCA foi considerado um instrumento de grande utilidade quando se deseja estudar o papel da dieta na etiologia das doenças crônicas. Keywords
Food frequency questionnaire. Past diet. Nutritional epidemiology. Cancer Abstract
This paper aims to discuss which one is the best estimator of past diet: a retrospective report or a recent diet recall. The analysis included 13 articles published between 1984-1997 and selected from a MEDLINE search and from other reviews on this subject. The selection criterion was the use of a food frequency questionnaire (FFQ) in a validation study of retrospective report of dietary intake in remote past. Literature review shows that even taking into account misclassification, retrospective report of diet usually yields to a more reliable estimate of past diet pattern than current report. Past diet recall was strongly influenced by current intake and by diet patterns change. Analyzed investigations indicate that agreement between original and retrospective report was higher either for foods eaten rarely or frequently and lower for foods moderately consumed. This review allows considering the FFQ as a valuable instrument when studying the role of diet on the etiology of chronic diseases.

INTRODUÇÃO

A avaliação do consumo alimentar pregresso tem sido um aspecto cada vez mais referido quando se trata de estimar a associação entre os fatores da dieta e o câncer, uma vez que se acredita que o período de indução dessa enfermidade pode ocorrer muitos anos antes de sua manifestação clínica.

Muitas investigações sobre o papel da dieta no desenvolvimento de doenças crônicas, especialmente no caso de alguns tipos de câncer, utilizam o desenho de estudo de caso-controle em que a dieta é geralmente avaliada a partir das informações referentes ao consumo alimentar no período imediatamente anterior ao diagnóstico ou ao aparecimento dos sintomas. A premissa subjacente a esta abordagem é a de que os indivíduos relatam com maior precisão a dieta relativa ao passado imediato do que a referente ao passado distante, e pressupõe, ainda, uma relativa estabilidade da dieta ao longo dos anos6,22.

Entretanto, a dieta atual ou recente pode não representar o padrão alimentar praticado na época em que se supõe que tenham ocorrido as fases de iniciação ou de promoção do câncer. Uma alternativa para superar esse obstáculo consiste em estimar o consumo alimentar pregresso através de um relato retrospectivo. O valor da informação retrospectiva sobre consumo de alimentos depende da validade do instrumento utilizado na sua estimação.

O presente trabalho propõe-se a revisar estudos que tiveram como objetivo analisar a validade de um questionário de freqüência do consumo de alimentos (QFCA) em investigações do consumo dietético no passado remoto.

Investigações sobre o consumo de alimentos que utilizam instrumentos idênticos em períodos diferentes são considerados estudos de aferição da validade, tendo em vista que os hábitos alimentares são altamente passíveis de mudanças e que respostas diferentes podem não significar falta de precisão, mas, simplesmente, alteração no padrão de consumo alimentar. Portanto, estudos de repetibilidade não são adequados em investigações que envolvam a estimação da dieta do passado remoto devido às eventuais mudanças no padrão alimentar.

Os artigos incluídos na presente revisão foram todos os selecionados em pesquisa na base de dados MEDLINE considerando o período 1987-1998. Foram utilizados os termos: dietary assessment and validation; dietary recall and validation; food frequency questionnaire and validation; food frequency questionnaire and remote diet; food frequency questionnaire and past diet; food frequency questionnaire and retrospective study; food frequency questionnaire and retrospective recall, que relataram a utilização do QFCA como método de investigação retrospectiva do consumo de alimentos; foram analisados também artigos referidos em outras revisões sobre o assunto7,14,21 que contemplaram o mesmo critério de seleção. A revisão limitou-se às investigações que utilizaram QFCA tendo em vista a importância que esse método tem ganhado na pesquisa epidemiológica que relaciona o consumo de alimentos, nutrientes ou outros componentes alimentares e o risco de doença.

O QFCA, que pode ser quantitativo, semi-quantitativo ou apenas qualitativo, consiste numa lista definida de itens alimentares para os quais os respondentes devem indicar a freqüência do consumo num período de tempo determinado. A freqüência do consumo costuma ser relatada, por exemplo, através de categorias definidas, que objetivam caracterizar um gradiente de ingestão, como por exemplo: mais de três vezes ao dia, 2-3 vezes ao dia, 1 vez por dia, 5-6 vezes por semana; 2-4 vezes por semana; 1 vez por semana; 1-3 vezes por mês; raramente ou nunca.

O registro da dieta habitual de períodos anteriores será definido no presente trabalho como a investigação de base. Posteriormente, esses indivíduos relatam retrospectivamente o seu consumo alimentar da época da investigação de base, sendo esse segundo registro da dieta denominado de segunda investigação. Nessa ocasião, os participantes da pesquisa, descrevem, também, a sua dieta atual ou do período imediatamente anterior.

Será considerada como dieta, consumo ou relato original ou de base, aquela que foi registrada previamente na investigação de base; dieta, consumo ou relato retrospectivo, refere-se ao relato posterior do consumo alimentar original, e a dieta, consumo ou relato recente ou atual, é a alimentação descrita como praticada no período imediatamente anterior ou na época da segunda investigação.

Estudos analisados

Em três dos 13 artigos analisados, os indivíduos incluídos no estudo eram controles de pesquisa do tipo caso-controle sobre a associação entre dieta e câncer2,6,15. Outros 7 estudos investigaram casos e controles que participavam de estudos de caso-controle ou de coorte prospectivo10,11,17,18,19,20,22. Duas pesquisas de coorte prospectiva originaram quatro artigos5,6,10,11. Por fim, um dos trabalhos investigou indivíduos que procuraram um serviço de saúde para exame anual de rotina13. O intervalo de tempo entre a investigação de base e a segunda investigação variou de 1 ano até 44 anos (Tabela 1)

O critério para a inclusão de estudos foi a utilização de QFCA na segunda investigação. Na investigação de base, a história dietética foi citada em 2 artigos5,6, o registro de 7 dias foi usado na pesquisa de Sobell et al.10 (1989). Willett et al.20 (1988) usaram na investigação de base 4 registros com pesagem durante uma semana em cada oportunidade, coletados num período de um ano, associados com um QFCA de 61 itens alimentares.

QFCA idênticos foram aplicados na investigação primária e na secundária em 6 dos trabalhos analisados10,11,13,15,16,19; em outros 2, foram utilizados QFCA diferentes nas duas pesquisas2,18. Wilkins III & Bunn22 (1997) não especificaram o método de avaliação do consumo de alimentos na investigação de base; relatam, entretanto, que o consumo de alimentos nesta ocasião foi investigado por telefone.

Todos os artigos tiveram como objetivo avaliar a validade do relato da dieta de períodos anteriores, e determinar qual o melhor preditor das práticas alimentares do passado: o relato da dieta recente ou o relato retrospectivo da dieta prévia. Para avaliar a validade do QFCA na estimação do consumo alimentar pregresso, as investigações compararam a dieta original com a dieta relatada retrospectivamente. Para avaliar as possíveis mudanças na dieta no intervalo entre as duas investigações, os estudos compararam a dieta original com a dieta recente ou atual.

Quatro dos estudos analisaram informações de casos e controles com a finalidade de avaliar as diferenças na capacidade de relatar a dieta do passado nesses dois grupos de indivíduos10,11,19,22. Outros 2 artigos preocuparam-se em observar as variações na capacidade de relatar o consumo alimentar prévio relacionadas com as modificações dos hábitos alimentares2,15.

Dwyer et al.5 (1989) explicitaram como objetivo descrever as características individuais que melhor explicariam a variabilidade da associação entre o relato original e o recente. Por sua vez, Dwyer e Coleman6 (1997) procuraram avaliar se o declínio da memória para consumo de alimentos é invariável ao longo do tempo.

A Tabela 2 resume os procedimentos de análise dos dados desenvolvidos nos diferentes estudos.

Resultados dos estudos

A Tabela 3 apresenta resultados de correlações obtidas para o consumo de nutrientes entre os relatos original e retrospectivo, e a Tabela 4 demonstra essas correlações para o consumo de alimentos.

Rohan e Potter16 (1984) obtiveram coeficientes de correlação que variavam entre 0,25 (proteínas) e 0,87 (álcool) e observaram que as diferenças entre o consumo original e o relato retrospectivo não foram estatisticamente significativas. Segundo esses mesmos autores, variações pequenas no relato da freqüência do consumo de alimentos, que são consumidos irregularmente e extremamente ricos em determinados nutrientes, levam a distorções nas estimativas do consumo retrospectivo e a grandes diferenças na comparação deste com a dieta original: um exemplo típico é o consumo de retinol derivado da ingestão de fígado. A diferença obtida entre os dois relatos de consumo de meia porção de fígado por mês foi suficiente para determinar a discrepância na ingestão de retinol da ordem de 300mg entre as estimativas das duas investigações. Esse exemplo ilustra a sensibilidade das medidas absolutas do consumo estimado de nutrientes com relação às variações no relato da freqüência do consumo dos itens alimentares.

McKeown-Eyssen et al.13 (1986) obtiveram as maiores correlações, exceto para retinol/vitamina A; observaram coeficientes de correlação que variaram entre 0,47 (retinol) e 0,90 (leite e derivados) (Tabela 4). Observe-se que o trabalho em referência foi o que referiu um menor intervalo entre as duas investigações (1 ano). Esses autores consideraram que para o consumo de fibra e gordura, a melhor predição da dieta do passado foi obtida através do relato retrospectivo, mesmo considerando que houve sub-relato, isto é, subestimação da ingestão.

Os resultados obtidos por Byers et al.2 (1987) evidenciaram que para a maioria dos itens alimentares considerados, os relatos originais se correlacionaram melhor com a dieta retrospectiva do que com a dieta atual. Em 15 dos 47 itens analisados, as correlações foram estatisticamente significativas (Tabelas 3 e 4). Ao utilizar a classificação em quintis para analisar a concordância entre os relatos de consumo de gorduras, vitamina A e fibras, esses autores observaram que na comparação entre a dieta original e a retrospectiva houve concordância dentro de ±1 quintil em 71% dos relatos de ingestão de gorduras, 74% dos relatos de ingestão de vitamina A e 78%, no caso do consumo de fibras.

Os achados de Thompson et al.18 (1987) revelaram que os coeficientes de correlação obtidos na comparação entre os relatos original e retrospectivo variaram entre 0,30 (gorduras e óleos) e 0,51 (leite e derivados). Esses autores observaram que a concordância entre a dieta original e a retrospectivamente relatada foi maior para os alimentos que nunca ou raramente são consumidos, e para aqueles utilizados com as maiores freqüências. Níveis mais baixos de concordância foram observados para os alimentos utilizados com freqüência moderada. No citado estudo, a proporção de relatos exatamente concordantes entre a investigação de base e a retrospectiva variou de 26,7% (para gorduras e óleos) até 55,3% (para bebidas alcoólicas) (Tabelas 3 e 4).

Willett et al.20 (1988) obtiveram coeficientes de correlação que variaram entre 0,38 (vitamina A) e 0,61 (carboidratos) quando compararam os relatos de consumo de nutrientes original e retrospectivo sem considerar um conjunto de perguntas abertas que inquiriam ao respondente as marcas de alguns itens alimentares. Nesse trabalho, os autores concluíram que o QFCA pode fornecer informação útil sobre o consumo de nutrientes de 3 ou 4 anos atrás (Tabela 3).

Na Tabela 3 são apresentados alguns dos coeficientes de correlação obtidos por Sobell et al.17 (1989) quando compararam o consumo de nutrientes estimado no relato original e no retrospectivo do grupo que respondeu ao questionário através de uma entrevista. Sobell et al.17 obtiveram valores que variaram entre 0,45 (cálcio) e 0,75 (ácidos graxos saturados) e observaram que as correlações foram mais elevadas entre os indivíduos entrevistados do que para aqueles em que o questionário foi auto-administrado; também salientaram que as estimativas das médias do consumo de nutrientes na observação retrospectiva eram próximas daquelas do relato original. Mesmo entre os que responderam o questionário pelo correio, tal observação levou à conclusão de que a comparação das médias de consumo pode não ser um bom estimador da acurácia dos relatos de consumo alimentar. Ao analisarem os dados de concordância entre relatos do consumo de alimentos por grupos de idade, Sobell et al.17 (1989) não encontraram suporte para a hipótese de que pessoas mais velhas sejam menos capazes de lembrar da dieta num período pregresso.

Dwyer et al.5 (1989) compararam relatos com intervalos médios de 44, 30 e 20 anos e obtiveram coeficientes de correlação medianos crescentes na medida em que se reduzia o tempo entre o relato de base e a segunda investigação. Na comparação entre o relato original e o retrospectivo, a mediana do coeficiente de correlação foi 0,12 quando o intervalo médio era de 44 e de 30 anos; quando o período de tempo entre as investigações original e retrospectiva era de 20 anos, o coeficiente de correlação mediano foi 0,24. Na Tabela 4 são apresentadas as correlações obtidas entre relatos com um intervalo de 20 anos que variaram entre 0,01 (vegetais ricos em vitamina A) e 0,78 (álcool). Para Dwyer et al.5 (1989) o sexo, a escolaridade e a participação na compra e no preparo dos alimentos contribuíram para a explicação da variância do relato de alguns alimentos, mas não da sua maioria.

Para Lindsted e Kuzma10,11 (1989, 1990), a capacidade de recordar a dieta pregressa foi similar quando foram analisados dados com um intervalo de 8 e de 24 anos. Lindsted e Kuzma10 relataram que a capacidade de recordar o consumo alimentar prévio esteve associada às mudanças nos hábitos alimentares, idade e padrão alimentar vegetariano. O sexo, contudo, não demonstrou ter importância para o ato recordatório. Para os autores, indivíduos vegetarianos tiveram melhor capacidade de relatar o consumo prévio porque: a variabilidade dia-a-dia de sua dieta era menor; seus hábitos alimentares tinham sofrido menos alterações; e tinham um maior grau de informação sobre alimentação do que os não-vegetarianos.

Comparando informações sobre a dieta originalmente registrada e a retrospectivamente relatada após 24 anos, Lindsted e Kuzma10 (1989) observaram que para a maioria dos 21 itens alimentares do QFCA não houve diferença significativa entre as médias de consumo nos dois relatos. Para os casos foram observadas diferenças significativas em 8 alimentos (frutas, vegetais, cereais, frituras, arroz, macarrão, peixe e leite) e, para os controles, em 5 (vegetais, cereais, arroz, macarrão e peixe). Por outro lado, a correlação entre os dois relatos tendeu a ser maior para o grupo dos controles do que para os casos, enquanto a concordância absoluta entre os dois relatos foi similar para casos e controles.

Alguns dos coeficientes de correlação obtidos por Lindsted e Kuzma10 (1989) entre as estimativas do consumo de alimentos, de acordo com os relatos original e retrospectivo, são apresentadas na Tabela 2. Estes variavam entre 0,13 (chá) e 0,75 (carnes) para os casos e entre 0,19 (panquecas) e 0,74 (carnes), para os controles.

Lindsted e Kuzma11 (1990) assinalaram que os indivíduos mais novos - que tinham menos doenças crônicas, maior grau de escolaridade, menos mudanças na dieta ao longo da vida e eram mais magros - foram capazes de lembrar melhor a dieta pregressa. Salientaram, também, que as mudanças na dieta parecem ter forte correlação com a capacidade de recordar a dieta pregressa, o que pode ter contribuído para a lembrança incompleta dos grupos alimentares que sofreram grandes mudanças no seu consumo no intervalo entre as duas investigações.

Investigando diferenças na habilidade de relatar a dieta do passado segundo a condição de caso e controle, Lindsted e Kuzma11 não encontraram divergências consistentes entre os dois grupos. Embora os casos tendessem a relatar um pouco mais fielmente a dieta pregressa do que os controles, esta diferença foi reduzida substancialmente após uma ponderação segundo as mudanças na dieta, uma vez que os controles alteraram os hábitos alimentares com maior freqüência do que os casos, e seria esta, provavelmente, a razão do relato menos fiel entre os controles.

Lindsted e Kuzma11 observaram que o percentual de concordância entre os relatos de base e o retrospectivo foi em média de 42%. Os casos relataram 21 itens alimentares com concordância absoluta; entre os controles este índice foi observado em 14 dos 35 alimentos investigados. Ao analisarem as correlações obtidas para 35 itens alimentares no relato retrospectivo da dieta de casos e controles, assinalaram que os controles apresentaram correlações mais elevadas em 19 alimentos, e os casos, em 16 deles (Tabela 4).

Os achados de Persson et al.15 (1990) evidenciaram que os respondentes que aumentaram o seu consumo alimentar no período de 4 anos entre as duas entrevistas superestimaram o consumo prévio; por outro lado, tendência inversa foi observada naqueles que reduziram o consumo no período, sugerindo forte influência do consumo atual na recordação do consumo alimentar pregresso. Os autores analisaram que tanto o uso da informação sobre o consumo atual de alimentos como o uso do relato retrospectivo da dieta podem levar a erros de classificação similares quando comparados em termos de sensibilidade e de especificidade. Ponderaram, entretanto, que nos estudos epidemiológicos as conseqüências de utilizar uma ou outra abordagem dependem também das diferenças entre os relatos de casos e de controles. Nos estudos caso-controle, a estimativa da exposição só ocorre após a identificação dos casos, e a doença sob investigação pode ter afetado os seus hábitos alimentares. Esse fato poderia acarretar grandes erros de classificação baseados nas informações sobre a dieta correntemente praticada entre os casos e os controles, levando a concluir que o relato retrospectivo da dieta seria um estimador mais apropriado.

Wilkens et al.19 (1992) observaram que tanto no grupo dos casos como dos controles cerca de 25% relataram o consumo prévio com diferenças que variavam ±2,5% em relação ao consumo de base; cerca de 50% dos respondentes forneceram respostas dentro de uma faixa de variação de ±5,0% do registro original. Os referidos autores relataram que etnia, mudança nos hábitos alimentares e o intervalo de tempo entre as duas observações tiveram efeito sobre o relato retrospectivo; observaram diferenças significativas nos relatos de casos e controles quando o intervalo entre as duas investigações era maior que 8 anos, sugerindo que a experiência de ter um diagnóstico de uma enfermidade de prognóstico grave como o câncer poderia afetar a capacidade de relatar a dieta do passado.

Segundo Wilkens et al.19, os respondentes substitutos foram bons informantes do consumo dietético. Para essa citada investigação, os pesquisadores utilizaram como substitutos pessoas que viveram com o indivíduo índice nos 5 anos que antecederam a entrevista original e que referiram sentir-se à vontade para relatar a dieta deste, o que incluiu cônjuges e outros parentes. Os coeficientes de correlação ajustados obtidos por Wilkens et al.19 variaram entre 0,17 (gordura saturada) nos casos e 0,40 (carboidratos) nos controles (Tabela 3).

Dwyer e Coleman6 (1997) demonstraram que as correlações entre a dieta original e o relato retrospectivo apresentaram tendência de redução com o aumento do intervalo de tempo entre as duas investigações. Assinalaram que a memória alimentar varia de alimento para alimento; para alguns, como arroz, café e frutas cítricas, o relato retrospectivo da infância e da adolescência não foi necessariamente menos válido do que o obtido para a idade adulta. A Tabela 4 apresenta alguns dos coeficientes de correlação estimados pelo citado estudo, tomando como base relatos de consumo de alimentos quando os entrevistados tinham em média 30 anos, comparados com relatos retrospectivos com a idade média de 55 anos; esses resultados variaram entre 0,10 (café) e 0,80 (álcool), e a mediana dos coeficientes calculados foi 0,24.

Os erros de omissão (deixar de relatar um alimento que foi consumido no passado) parecem ocorrer em proporção muito menor que os de comissão (relatar como ingerido um alimento que não fazia parte do relato original), principalmente no caso de alimentos que foram incorporados à dieta no intervalo entre as duas investigações, concluíram Dwyer e Coleman6.

Não foram observadas diferenças substanciais no tamanho e na direção dos erros dos relatos da dieta durante a gravidez de mães de casos de câncer cerebral e de mães de controles na investigação de Wilkins III e Bunn22 (1997). Contudo, notaram-se diferenças nos relatos oferecidos pelos pais sobre o consumo alimentar das crianças, segundo sua condição de caso ou de controle, para a maioria dos componentes da dieta estudados por Wilkins e Bunn22. Os resultados sugeriram que o uso do relato retrospectivo, por parte dos pais, sobre os hábitos alimentares prévios de crianças pode não ser apropriado em estudos caso-controle, especialmente quando se trata do consumo de crianças que haviam falecido antes do primeiro inquérito.

A Tabela 5 apresenta os coeficientes de correlação obtidos na comparação entre os relatos original e atual dos 6 estudos que exploram estas informações2,5,6,11,13,16. As correlações entre a dieta original e a retrospectivamente relatada são quase sempre maiores que entre a original e a atual, o que confere maior poder ao relato retrospectivo, em relação à dieta atual, quanto à estimação da dieta pregressa.

Rohan e Potter16 (1984) notaram que os coeficientes de correlação dos relatos dos homens foram semelhantes quando comparados os retrospectivo-original e os original-atual (Tabelas 3 e 5). Contudo, entre as mulheres, as correlações obtidas entre os relatos retrospectivo-original foram consistentemente maiores do que aquelas entre o consumo original-atual de nutrientes (dados não apresentados).

McKeown-Eyssen et at.13 (1986) observaram que o consumo atual de nutrientes foi menor que o consumo estimado nos relatos original e retrospectivo.

Byers et al.2 (1987) assinalaram que os níveis de consumo de nutrientes, retrospectivamente relatados, eram maiores do que aqueles baseados nos relatos original e atual. Entretanto, o consumo original de nutrientes apresentou correlação maior com o relato retrospectivo da dieta comparativamente ao relato da dieta atual. Na comparação entre a dieta original e a dieta atual, utilizando a classificação em quintis, observaram concordância dentro de ±1 categoria em 66% dos relatos de consumo de gorduras, em 70% dos relatos de consumo de vitamina A e em 72% dos relatos do consumo de fibras.

Thompson et al.18 (1987) avaliaram a concordância entre os consumos de alimentos atual e original através do percentual médio de concordância exata e observaram que este variou entre 26,7% (gorduras e óleos de adição) e 52,2% (álcool). Alguns alimentos apresentaram estabilidade no consumo, como o peixe (44,4% de concordância absoluta) e frango (42,4%); outros itens tiveram alterações nos níveis de consumo entre as duas investigações, tais como os ovos (26,8% e concordância absoluta) e os vegetais (27,9%) (Tabela 5).

Dwyer et al.5 (1989) analisaram relatos de consumo de alimentos com intervalos médios de 44, 30 e 20 anos; comparando os relatos original e atual, obtiveram coeficientes de correlação medianos de 0,04, 0,08 e 0,16, respectivamente, considerando os intervalos de tempo indicados. Quando analisaram o consumo, considerando grupos de alimentos, tiveram resultados um pouco melhores para o intervalo médio de 20 anos, mas não para os períodos mais longos; os coeficientes de correlação medianos assim estimados foram de 0,03; 0,06 e 0,21 para cada um dos períodos investigados.

Lindsted e Kuzma11 (1990) observaram que o percentual de concordância entre os relatos original e atual foi, em média, 39%. Na Tabela 5 são apresentados alguns dos coeficientes de correlação estimados ao se cotejar essas duas informações: observa-se que casos e controles obtêm valores próximos, tendo os autores verificado uma forte similaridade entre estas correlações e aquelas observadas entre os relatos original e retrospectivo (Tabela 4). Quando um alimento tinha correlação reduzida entre os relatos original e atual, indicando grandes mudanças nos hábitos alimentares, também apresentava coeficiente de correlação reduzido entre os relatos original e retrospectivo, demonstrando capacidade de recordação limitada no que diz respeito a esse item.

Dwyer e Coleman6 (1997) observaram que os coeficientes de correlação obtidos para a comparação entre o consumo original e o consumo atual foram sempre menores que aqueles obtidos na comparação entre o consumo original e o retrospectivamente relatado (Tabelas 3 e 5). No citado estudo foi desenvolvida uma regressão linear na qual os relatos retrospectivos do consumo alimentar pregresso (com a idade de 30 anos) foram comparados com o seu registro original e com o consumo de alimentos atual. Assim, a variável dependente foi o consumo original e as variáveis independentes o relato retrospectivo e o recente. Os resultados obtidos nessa análise de regressão linear indicaram claramente que o relato retrospectivo prediz o consumo alimentar pregresso mais acuradamente do que o consumo atual ou recente.

Em resumo, a maioria dos estudos analisados concorda que o relato retrospectivo é melhor estimador da dieta do passado do que a dieta atual, mesmo sujeito à classificação incorreta. Uma das razões que levaram a esta conclusão foi a constatação da existência de importantes mudanças nos hábitos alimentares ao longo dos anos2,6,10,13,16,20. Em dois dos artigos estudados15,17, o uso das informações obtidas através do relato retrospectivo da dieta prévia apresentou grau de classificação incorreta e índices-validade similares aos das informações referentes à dieta atual.

A análise conjunta dos dados não permitiu afirmar que maiores correlações foram obtidas quando os questionários das duas investigações eram iguais, como foi o caso de três dos estudos13,16,19.

A avaliação da concordância entre os relatos originais e retrospectivos através da classificação ordinal em quintis mostrou que os erros de classificação são menores nos quintis extremos do que nos intermediários2,20. Esse achado corrobora a observação de que os alimentos usados com maior e menor freqüência são relatados com maior precisão, enquanto aqueles consumidos em freqüências intermediárias são recordados com maior dificuldade6,11,18.

Embora a freqüência do consumo pareça ser determinante na acurácia do relato retrospectivo, o padrão de consumo é, provavelmente, o fator mais importante. Por exemplo, o hábito de comer peixe às sextas-feiras, feijoada aos sábados ou macarronada aos domingos é um padrão de consumo facilmente recordado; outro exemplo são os pratos típicos de datas festivas.

Outra evidência que esteve presente na maior parte das investigações foi a constatação de que o relato retrospectivo da dieta sofre influência dos hábitos alimentares atuais, independente da ordem e da forma de encaminhamento das perguntas no instrumento utilizado2,5,6,11,15.

Observa-se que para um mesmo alimento ou nutriente as correlações obtidas nos diferentes estudos é extremamente variável, enquanto dentro de cada estudo os coeficientes de correlação tendem a manter uma certa uniformidade. Tais resultados sugerem que esse estimador não depende do tipo de alimento ou nutriente em consideração, mas das condições sob as quais ocorreram as investigações de base e secundária; consistiriam possíveis exceções o álcool e o retinol. No caso do álcool obtém-se, freqüentemente, correlações mais elevadas, por que o seu consumo é marcado por forte conotação social e psicológica, portanto, a sua recordação parece ser mais fidedigna. Quanto ao retinol, são obtidas correlações mais fracas, provavelmente devido ao fato de ser um nutriente que se concentra em poucos alimentos e, quando ocorre o relato incorreto de algum destes, o desvio entre os consumos original e retrospectivo estimados tende a ser elevado.

COMENTÁRIOS

Os estudos de validação de instrumentos de avaliação do consumo pregresso de alimentos resultam da análise da concordância entre o consumo de alimentos/nutrientes estimado retrospectivamente pelo instrumento em teste, e o consumo de alimentos/nutrientes registrado anteriormente e considerado de referência, cuja estimativa também pode estar sujeita a erros. A validade do relato da dieta do passado é o reflexo não apenas da capacidade do instrumento a ser testado, mas também das imperfeições dos dados de referência.

Freqüentemente são obtidos coeficientes de correlações moderados nesses estudos, variando entre 0,4-0,7. Porém, Block1 (1994) assinala que essas correlações encontram-se na mesma faixa de variação daquelas obtidas para várias medidas fisiológicas, como por exemplo, a pressão sangüínea, o colesterol sérico, o sódio urinário e a gordura corporal.

O consumo dos alimentos encontra-se amplamente distribuído na população e as estimativas de risco obtidas nos estudos caso-controle envolvendo dieta e doença são, em geral, moderadas, variando entre de 0,5 a 2,0. Esses riscos são usualmente baseados em diferenças nas médias da ingestão de alimentos/nutrientes de casos e de controles, cujos valores situam-se em torno de 5%. Nesse contexto, é fácil admitir que erros na estimativa da exposição da ordem 3-4% possam distorcer seriamente a associação entre fator e evento de interesse3,21.

Por outro lado, afirma-se com freqüência que em estudos epidemiológicos a estimação precisa do consumo de alimentos não seria sempre necessária. Uma descrição válida do consumo do grupo de estudo como um todo, e a correta classificação dos indivíduos em categorias de consumo, seriam mais importantes, especialmente se o que se pretende é analisar a associação entre dieta e doença. Deste ponto de vista, alguns erros de memória poderiam ser tolerados, por exemplo, omitir alimentos consumidos raramente ou superestimar outros consumidos freqüentemente. Desta maneira, os erros de classificação seriam pequenos e os resultados válidos para estimar riscos relativos4.

Parece evidente que o relato do consumo alimentar prévio é um processo mental que está subjugado aos valores e símbolos que perpassam os hábitos e padrões alimentares. Uma evidência disso é que não foram constatados fatores que definitivamente modificavam a qualidade do relato, exceto a estabilidade da dieta e o padrão de consumo.

Os estudos analisados indicaram que as características individuais explicam pouco a variância do relato da dieta prévia; a idade parece não limitar a capacidade de lembrar a dieta pregressa. Por outro lado, o intervalo de tempo entre a dieta original e o relato retrospectivo teve influência nos coeficientes de correlação observados, que eram menores quanto maior o intervalo entre as duas investigações.

O que mais influenciou o relato da dieta do passado foi o padrão atual de consumo e a modificação dos hábitos alimentares ocorrida entre a investigação de base e a secundária. Embora não tenham sido encontradas discrepâncias importantes entre o consumo prévio relatado por casos e controles, alguns estudos sugerem que a condição de caso, especialmente em alguns tipos de câncer, pode afetar a capacidade de relatar o consumo prévio de alimentos.

Os artigos referidos demonstraram que a investigação retrospectiva do consumo alimentar através de questionários de freqüência do consumo de alimentos não é um artefato, mas uma maneira útil de se obter este tipo de informação, e que a sua validade relativa não é muito diversa da que se obtém em relatos da dieta recente. Foram obtidos coeficientes de correlação semelhantes aos observados nos estudos de validação de instrumentos que investigam a dieta atual, sendo o mesmo o observado com relação à proporção de indivíduos classificados incorretamente21.

Friedenreich8 (1994) destaca a necessidade de se conduzir investigações que reconheçam os fatores capazes de predizer relatos retrospectivos confiáveis e de sugerir maneiras de melhorá-los. Para reduzir erros nos relatos de dieta pregressa, têm sido desenvolvidas pesquisas que buscam compreender os processos relacionados com a lembrança alimentar. Para Dwyer et al.4, 4 achados consistentes emergem dos estudos de validação do relato da dieta prévia: (a) os indivíduos deixam de relatar o consumo de alimentos que realmente foram consumidos; (b) os indivíduos relatam alimentos que eles não haviam comido no período de referência; (c) os relatos das quantidades e dos tipos de alimentos são incorretos e (d) a dieta atual influencia a lembrança da dieta prévia.

A psicologia cognitiva tem contribuído para o aperfeiçoamento dos instrumentos de avaliação do consumo alimentar, e considera que os estágios envolvidos na resposta a uma pergunta são: (a) a compreensão da questão, (b) a recuperação da informação, (c) a estimação e o julgamento e (d) a formulação da resposta8.

O primeiro estágio envolve, portanto, a interpretação do sentido da pergunta, podendo a idade, o sexo, a escolaridade e as experiências pessoais ter influência nesse estágio. Uma vez recuperada a informação na memória, há um momento em que o respondente avalia a sua adequação como resposta à pergunta formulada; nessa etapa, um provável determinante da qualidade da resposta é o intervalo de tempo desde o evento em referência. Também são importantes o tipo de informação desejada, o nível de detalhamento esperado, a freqüência e a regularidade da experiência-alvo. Finalmente, durante a formulação da resposta, os fatores que são ponderados pelo respondente incluem a relevância social da resposta, a percepção do que é uma resposta "correta" e o nível de constrangimento proporcionado pelo assunto em pauta8.

Para melhorar a qualidade das questões formuladas e das respostas obtidas têm sido propostas técnicas que incluem, por exemplo, o uso de linguagem simples e adequada, o fornecimento de instruções mais detalhadas ao entrevistador e ao respondente. Outros procedimentos envolvem a estimulação de atitudes nos entrevistados como solicitar que pensem alto enquanto respondem às questões, ou que expliquem como chegaram àquelas respostas. O entrevistador pode pedir ao respondente para repetir a questão com suas próprias palavras ou para atribuir um grau de confiança as suas respostas. Outros recursos que o entrevistador pode utilizar são, por exemplo, citar palavras ou acontecimentos que ajudem a lembrança do evento de referência e discutir previamente com o respondente os tópicos da entrevista9.

Ganhar a confiança do entrevistado, procurar motivá-lo para a entrevista e tentar criar um compromisso com a confiabilidade das respostas são atitudes que levam à melhoria da qualidade da entrevista7.

A validade do relato da dieta pregressa foi investigada com mais intensidade na década de 80 e nos primeiros anos da década atual. Aparentemente o crescente desenvolvimento de estudos prospectivos sobre dieta e doenças crônicas, incluindo em seus protocolos a utilização de biomarcadores, arrefeceu o interesse neste tipo de investigação. Contudo, para algumas doenças raras, de rápida evolução e prognóstico reservado, como por exemplo, tumores do sistema nervoso central, o desenho caso-controle continua sendo uma alternativa viável para o estudo dos seus fatores etiológicos.

Para apreender o papel da dieta praticada em momentos precoces da vida no aparecimento das diversas doenças crônicas que afligem uma extensa proporção da população adulta e idosa, ainda é necessário o desenvolvimento e a avaliação de metodologias de investigação retrospectiva do consumo alimentar, visto que os estudos prospectivos somente mostrarão resultados daqui a muitas décadas e o seu alto custo inviabiliza sua execução nos países em desenvolvimento.

A importância da investigação da dieta prévia nos estudos de desenho caso-controle permanece relevante, sem prejuízo para o emprego dos estudos de coorte e do uso de biomarcadores. O presente trabalho permite reconhecer que o uso do QFCA em pesquisas desta natureza é uma ferramenta prática, por vezes desconhecida ou desacreditada, mas que pode ser um instrumento de grande valia para aumentar a acurácia das estimativas das exposições pregressas aos componentes da dieta.

Estudos que comparam o relato prévio da dieta de casos e de controles podem fornecer informação útil sobre a interpretação dos estudos de caso-controle, permitindo uma investigação mais detalhada sobre a ocorrência do viés de memória. Qualquer estudo que tente obter informações sobre eventos que ocorreram no passado pode estar sujeito a esta tendenciosidade. O viés de memória pode ser afetado pelo intervalo de tempo desde a exposição, o grau de detalhe sobre a exposição que está sendo requerido, pelas características pessoais dos respondentes, se o assunto em questão obedece a padrões socialmente desejáveis de resposta e pelo simbolismo e o significado emocional dos eventos sob estudo, podendo afetar diferencialmente as respostas obtidas de casos e de controles.

Existem vários fatores que podem contribuir para o relato diferenciado entre ambos. A motivação para participar pode ser maior em casos do que em controles (os primeiros buscam uma razão para a sua doença). Os casos poderiam refletir melhor sobre as exposições passadas, ou já terem sido inquiridos anteriormente sobre a exposição investigada pelo clínico ou já foram informados sobre a associação existente entre esta e a doença em questão. Os controles, raramente, estiveram propensos a pensar sobre a exposição, embora, muitas vezes, os hábitos alimentares sejam intensamente discutidos na mídia como relacionados com o risco de adoecer. O viés de memória é derivado, ainda, da tendência para mudanças no comportamento alimentar em razão do diagnóstico ou do tratamento, influenciando a acurácia da lembrança entre os casos3,12.

Os resultados analisados sugerem fortemente que a investigação retrospectiva do padrão alimentar é um estimador mais confiável do consumo alimentar pregresso do que a estimativa da dieta atual. Para alguns18, inclusive na ausência dos dados históricos, o relato retrospectivo é preferível ao uso do consumo atual como preditor dos padrões alimentares do passado remoto; e, embora a classificação incorreta esteja presente, as diferenças de risco permanecem detectáveis em pesquisas com tamanhos amostrais razoáveis.

É recomendável a avaliação da validade do QFCA a ser usado, apesar das limitações impostas pela pequena disponibilidade de registros históricos da dieta e da dificuldade de localizar indivíduos que participaram de inquéritos anteriores. Na validação desses questionários, algumas questões devem ser abordadas: as diferenças na capacidade de recordar a dieta pregressa que podem ocorrer entre os indivíduos, considerando os seus atributos como idade, sexo e status em relação à doença. Também merece análise apropriada a variabilidade na concordância entre os relatos original e retrospectivo segundo o intervalo de tempo entre ambos e de acordo com o nível de modificações nos hábitos alimentares. Quando a utilização de respondentes substitutos é uma imposição da natureza da doença ou do estudo, esse aspecto deve ser considerado na validação desses instrumentos.

Com base nas informações apresentadas, pode-se considerar particularmente oportuna a utilização do QFCA quando se deseja investigar a exposição pregressa aos alimentos e seus componentes em estudos caso-controle. A avaliação do consumo alimentar prévio através do QFCA demonstrou ser capaz de produzir uma classificação relativa dos indivíduos investigados com um nível aceitável de validade, sendo, portanto, de grande utilidade em estudos sobre o papel da dieta na etiologia das doenças crônicas.

AGRADECIMENTOS

À Dra. Rosely Sichieri, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - (IMS/UERJ). À Dra. Gulnar Azevedo e Silva Mendonça do IMS/UERJ e do Instituto Nacional do Câncer e ao Dr. Evandro Coutinho do IMS/UERJ e da Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz - (ENSP/FIOCRUZ) pelas sugestões oferecidas.

Correspondência/Correspondence to:

Rosângela A Pereira

Rua Prof. Hernani Melo, 43 / 1403

24210-130 Niterói, RJ - Brasil

Email: rpereira@nitnet.com.br

Recebido em 20.8.1998. Reapresentado em 17/5/1999. Aprovado em 24.6.1999.

  • 1. Block G. Improving diet methods, improving epidemiologic methods. Ann Epidemiol 1994;4:257-8.
  • 2. Byers T, Marshall J, Anthony E, Fiedler R, Zielezny M. The reliability of dietary history from the distant past. Am J Epidemiol 1987;125:999-1011.
  • 3. Coggon D. Case-control and cross-sectional studies. In: Margetts BM, Nelson M, editors. Design concepts in nutritional epidemiology New York: Oxford University Press; 1991. p. 354-68.
  • 4. Dwyer JT, Krall EA, Coleman KA. The problem of memory in nutritional epidemiology research. J Am Diet Assoc 1987;8:1509-12.
  • 5. Dwyer JT, Gardner J, Halvorsen K, Krall EA, Cohen A, Valadian I. Memory of food intake in the distant past. Am J Epidemiol 1989;130:1033-46.
  • 6. Dwyer JT, Coleman KA. Insights into dietary recall from a longitudinal study: accuracy over four decades. Am J Clin Nutr 1997;65 Suppl:1153S-8S.
  • 7. Friedenreich CM, Slimani N, Riboli E. Measurement of past diet: review of previous and proposed methods. Epidemiol Rev 1992;14:177-96.
  • 8. Friedenreich CM. Improving long-term recall in epidemiologic studies. Epidemiology 1994;5:1-4.
  • 9. Jobe JB, Mingay DJ. Cognitive research improves questionnaires. Am J Public Health 1989;79:1053-5.
  • 10. Lindsted KD, Kuzma JW. Long-term (24-year) recall reliability in cancer cases and controls using a 21-item food frequency questionnaire. Nutr Cancer 1989;12:135-49.
  • 11. Lindsted KD, Kuzma JW. Reliability of eight-year diet recall in cancer cases and controls. Epidemiology 1990;1:392-401.
  • 12. Margetts BM. Basic issues in designing and interpreting epidemiological research. In: Margetts BM, Nelson M, editors. Design concepts in nutritional epidemiology New York: Oxford University Press; 1991. p. 13-52.
  • 13. McKeown-Eyssen GE, Yeung KS, Bright-See E. Assessment of past diet in epidemiologic studies. Am J Epidemiol 1986;124:94-103.
  • 14. Nelson M. Past intake. In: Margetts BM, Nelson M, editors. Design concepts in nutritional epidemiology New York: Oxford University Press; 1991. p. 167-91.
  • 15. Persson P-G, Ahlbom A, Norell SE. Retrospective versus original information on diet: implications. Int J Epidemiol 1990;19:343-8.
  • 16. Rohan TE, Potter JD. Retrospective assessment of dietary intake. Am J Epidemiol 1984;120:876-87.
  • 17. Sobell J, Block G, Koslowe P, Tobin J, Andres R. Validation of a retrospective questionnaire assessing diet 10-15 years ago. Am J Epidemiol 1989;130:173-87.
  • 18. Thompson FE, Lamphiear DE, Metzner HL, Hawthorne VM, Oh MS. Reproducibility of reports of frequency of food use in the Tecumseh Diet Methodology Study. Am J Epidemiol 1987;125:658-71.
  • 19. Wilkens LR, Hankin JH, Yoshizawa CN, Kolonel LN, Lee J. Comparison of long-term dietary recall between cancer cases and noncases. Am J Epidemiol 1992;136:825-35.
  • 20. Willett W, Sampson L, Browne ML, Stampfer MJ, Rosner B, Hennekens CH et al. The use of a self-administered questionnaire to assess diet four years in the past. Am J Epidemiol 1988;127:188-99.
  • 21. Willett W. Nutritional epidemiology 2nd ed. New York: Oxford University Press; 1998.
  • 22. Wilkins III JR, Bunn JY. Comparing dietary recall data for mothers and children obtained on two occasions in a case-control study of environmental factors and childhood brain tumours. Int J Epidemiol 1997;26:953-63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Dez 1999

Histórico

  • Aceito
    24 Jun 1999
  • Recebido
    20 Ago 1998
  • Revisado
    17 Maio 1999
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@usp.br