Acessibilidade / Reportar erro

Análise das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, SP: I - Descrição do plano amostral e avaliação da amostra

Analysis of standards of living and health in the urban population of Botucatu, S.Paulo State (Brazil): I - Description and evaluation of the sample

Resumos

Descreve-se o processo de amostragem para o levantamento das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, SP (Brasil), pelo método de entrevistas domiciliárias. Analisa-se a representatividade da amostra, segundo a distribuição percentual da população por estrato e segundo as variáveis sexo e idade. Comparam-se os critérios externos de estratificação sócio-econômica com a renda familiar e per capita das famílias entrevistadas. Comenta-se as dificuldades de operacionalizar o conceito de classe social através de zonas sócio-espaciais, em investigações domiciliares e em estudos epidemiológicos que utilizam dados de registro rotineiros.

Inquéritos epidemiológicos; Amostragem; Fatores sócio-econômicos


The sampling methodology used in an evaluation of the standards of living and health in the urban population of Botucatu, SP, Brazil is discribed. Data were obtained through domiciliar interviews and the accuracy of sampling was evaluated for each different stratum and in accord with age and sex. External criteria for socio-economic stratification of the population such as family or "per capita" income were compared. It was found difficult to work with the concept of social classes when using socio-spacial zoning in domiciliar interviews or epidemiological studies based on the normal registers.

Health surveys; Sampling studies; Socioeconomic factors


ARTIGO ORIGINAL

Análise das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, SP. I - Descrição do plano amostral e avaliação da amostra

Analysis of standards of living and health in the urban population of Botucatu, S.Paulo State (Brazil). I - Description and evaluation of the sample

Luana CarandinaI; Odécio SanchesII; José da Rocha CarvalheiroIII

IDo Departamento de Medicina Legal e Medicina em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Campus de Botucatu - 18610 - Rubião Júnior - Botucatu, SP - Brasil

IIDa Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - Campus de Ribeirão Preto - 14100 - Ribeirão Preto, SP - Brasil

IIIDo Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Campus do Ribeirão Preto - 14100 - Ribeirão Preto, SP - Brasil

RESUMO

Descreve-se o processo de amostragem para o levantamento das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, SP (Brasil), pelo método de entrevistas domiciliárias. Analisa-se a representatividade da amostra, segundo a distribuição percentual da população por estrato e segundo as variáveis sexo e idade. Comparam-se os critérios externos de estratificação sócio-econômica com a renda familiar e per capita das famílias entrevistadas. Comenta-se as dificuldades de operacionalizar o conceito de classe social através de zonas sócio-espaciais, em investigações domiciliares e em estudos epidemiológicos que utilizam dados de registro rotineiros.

Unitermos: Inquéritos epidemiológicos. Amostragem. Fatores sócio-econômicos.

ABSTRACT

The sampling methodology used in an evaluation of the standards of living and health in the urban population of Botucatu, SP, Brazil is discribed. Data were obtained through domiciliar interviews and the accuracy of sampling was evaluated for each different stratum and in accord with age and sex. External criteria for socio-economic stratification of the population such as family or "per capita" income were compared. It was found difficult to work with the concept of social classes when using socio-spacial zoning in domiciliar interviews or epidemiological studies based on the normal registers.

Uniterms: Health surveys. Sampling studies. Socioeconomic factors.

INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa "Análise das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, S.Paulo" subdivide-se em 7 sub-projetos, assim discriminados:

1: "Condições de vida e de trabalho da força de trabalho na área urbana de Botucatu - SP."

2: "Estudo da percepção da doença na população urbana de Botucatu, SP."

3: ''Estudo da utilização dos Serviços de Saúde pela população urbana de Botucatu, SP".

4: "Prevalência de sintomas respiratórios sugestivos de doenças respiratórias agudas e doenças respiratórias crônicas inespecífícas na população urbana de Botucatu, SP".

5: "Estudo dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais na população urbana de Botucatu, SP".

6: "Estudo do aleitamento materno na população urbana de Botucatu, SP".

7: "Estudo antropométrico em crianças de O a 60 meses na área urbana do Município de Botucatu, SP".

O planejamento e desenvolvimento dessa pesquisa tiveram início no ano de 1982, sob a coordenação do Departamento de Medicina Legal e Medicina em Saúde Pública da Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu - UNESP.

Para um trabalho de investigação de caráter epidemiológico, tão complexo nos seus objetivos, a melhor possibilidade de obtenção de informações fidedignas a respeito da população de interesse e que possam receber um tratamento estatístico válido, é através do uso de técnicas adequadas de amostragem. No setor saúde, em nosso País, quer a nível regional quer a nível municipal, o sistema de registro de dados é ainda precário. Mesmo nos municípios que dispõem de informações fidedignas, estas raramente possibilitam a consolidação de dados a nível intra-municipal: por bairros, áreas, estratos de renda e outros, consolidação essa que se torna indispensável aos propósitos de trabalhos de natureza semelhante aos supra referidos.

Dentre as técnicas, a amostragem domiciliária em estudos epidemiológicos foi abordada, entre outros, por Carvalheiro e Sanches6, que salientam suas vantagens.

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO URBANA DE BOTUCATU (SP) E CRITÉRIOS DE ESTRATIFICAÇÃO

Segundo o Censo Demográfico de 1980, realizado pela Fundação IBGE8, a população residente no Município de Botucatu, Estado de São Paulo, era de 64.476 habitantes, dos quais 58.251 (90,35%), residentes na zona urbana, estavam distribuídos num total de 65 setores censitários.

Foi possível obter, junto à agência local da Fundação IBGE, o mapa da cidade dividido em setores censitários, com as delimitações utilizadas no censo demográfico de 1980. Desta forma, conseguiu-se determinar e localizar 9 setores chamados "especiais", não constituídos por residências particulares (praças , hospitais, escolas e outros) e que deveriam ser excluídos do processo de amostragem. Outros 3 setores, considerados "dispersos", também foram excluídos, em virtude das dificuldades operacionais e de custo que iriam acarretar. Deste modo, a população de interesse ficou reduzida a 53 setores censitários urbanos, de onde seriam sorteadas as residências para compor a amostra. Estes 53 setores continham um total de 14.496 domicílios particulares.

Com o objetivo de garantir a representatividade da população, na amostra a ser constituída, decidiu-se estabelecer um modo de estratificação da população segundo as características sócio-econômicas predominantes nos setores.

Já de início, foi excluída a possibilidade de se aplicar um processo de amostragem a partir de listas de entidades públicas prestadoras de serviços (Prefeitura Municipal, Companhia Paulista de Força e Luz, Companhia de Saneamento Básico e outros), por considerá-las incompletas e não representativas de todos os estratos sócio-econômicos da população.

Também o critério unicamente geográfico de distribuição da população, por bairros, foi considerado pouco satisfatório, para se ter uma amostra com a representatividade desejada, considerando-se a grande heterogeneidade de alguns bairros.

Para a classificação dos estratos sócio-econômicos, procedeu-se à consulta de "árbitros" escolhidos entre profissionais que trabalhavam em estreito contato com os diversos bairros e setores censitários: pessoal da agência local da Fundação IBGE e fiscais da Prefeitura. As impressões manifestas por estes "árbitros" foram concordes quanto à definição dos estratos de níveis sócio-econômicos alto e baixo. Difícil foi obter uma definição mais detalhada do estrato intermediário que foi definido, por estas fontes, como médio "sensu lato".

Decidiu-se, então, ir a campo e percorrer os 53 setores, rua por rua, e classificá-los segundo os critérios de presença ou não de: esgoto a céu aberto, remoção de lixo, pavimentação de ruas, iluminação pública, abastecimento de água pela rede pública e pelo aspecto externo das construções das residências.

Apesar dos critérios utilizados estarem, ainda, sujeitos a uma certa dose de subjetividade dos observadores, permitiram classificar os setores censitários em estratos. Esta metodologia foi considerada aceitável para a finalidade da amostragem. A Tabela 1, mostra esta distribuição.

Desta distribuição resulta uma média de 274 domicílios por setor, com uma densidade média de, aproximadamente, 4 hab./dom., segundo os dados do censo de 1980.

DESCRIÇÃO DO PLANO AMOSTRAL E TAMANHO DA AMOSTRA

Em conseqüência do número de sub-projetos componentes da pesquisa, da complexidade dos objetivos fixados e em função das características urbanas da cidade de Botucatu, decidiu-se por uma amostragem por áreas, em dois estágios: os setores censitários seriam as unidades amostrais de primeiro estágio e, os domicílios, as unidades amostrais de segundo estágio, ou unidades amostrais elementares.

O único setor pertencente ao denominado estrato alto entraria na amostra com certeza, isto é, com probabilidade 1.

Os textos clássicos de amostragem7,9,10 indicam que, em levantamentos de múltiplos objetivos, como é o caso destes projetos de pesquisa, com grande quantidade de variáveis de estudo e parâmetros a serem estimados, é praticamente impossível a determinação de critérios "ótimos" de amostragem.

Por esta razão, o critério utilizado para a determinação do tamanho da amostra foi exclusivamente a disponibilidade de recursos, em função do custo por unidade amostral e o tempo disponível para o levantamento dos dados.

A partir desse critério, decidiu-se trabalhar com uma amostra correspondente a uma fração amostral, mensal, de 1% da população recenseada em 1980, de tal forma que, procedendo-se a um levantamento por mês, se teria, ao longo de um ano, uma fração amostral total igual a 12% dos domicílios. Deste modo, a amostra passou a ser constituída por 150 domicílios ao mês, correspondendo, em média, a 600 pessoas amostradas mensalmente.

Decidiu-se também constituir um painel de amostragem de 4.000 domicílios, ou seja, pouco mais que o dobro dos domicílios a serem amostrados anualmente.

Excluindo o estrato alto, constituído por um único setor, o número de setores a serem considerados na amostra, nos demais estratos, a fim de manter a proporcionalidade, foi obtido pela utilização da seguinte expressão, arredondado o resultado para o maior inteiro mais próximo:

Número de setores num dado estrato = • c onde:

é a percentagem do estrato na população c é uma constante dada por:

em nossa pesquisa

A Tabela 2, mostra a constituição da amostra mensal, por estratos.

O sorteio dos setores censitários dentro de cada estrato, excluindo o primeiro, foi feito com probabilidade proporcional ao tamanho, utilizando-se a soma acumulada do número de domicílios e uma tabela de números aleatórios.

O número de domicílios por setor amostrado foi proporcional ao tamanho do setor com uma amostragem sistemática, para o primeiro mês de levantamento. A partir do segundo mês, era sempre tomado o domicílio seguinte ao amostrado no mês anterior.

UNIVERSO DAS NOVAS CONSTRUÇÕES

Considerando o período de desenvolvimento do projeto de 2 anos, a cada levantamento, nos setores pertencentes à amostra, foi registrado o número das novas construções surgidas.Os domicílios correspondentes a estas novas construções serão estudados como elementos de estratos à parte, estratos estes que constituem o "Universo das Novas Construções".

AVALIAÇÃO DA AMOSTRA

O projeto desenvolveu-se na seqüência das etapas recomendadas pela metodologia adotada:

- seleção e treinamento de pessoal, divulgação, listagem ;

- elaboração dos questionários gerais e validação de alguns específicos;

- novo treinamento do pessoal, visando aos objetivos gerais e específicos do projeto e à aplicação dos questionários;

- nova divulgação, realização e avaliação do pré-teste ou piloto;

- realização das entrevistas domiciliárias mensais, durante 12 meses, sob supervisão contínua e sob a coordenação de uma equipe interna de trabalho;

- processamento e análise dos resultados.

A aplicação da metodologia de inquérito epidemiológico das condições de saúde da população por entrevistas domiciliárias - cujas vantagens e dificuldades foram amplamente analisadas, por Carvalheiro3,4 – foi feita, procurando reduzir ao mínimo os fatores determinantes de "bias" evitáveis, principalmente em relação à qualidade dos questionários, treinamento, reciclagens periódicas e supervisão contínua do pessoal de campo.

Com o objetivo de avaliar a representatividade da amostra, cujo processo de seleção utilizou critérios "externos" de classificação sócio-econômica predominantes entre os moradores dos setores censitários, uma vez concluída a fase de campo, procedeu-se a algumas comparações.

Inicialmente, estudou-se a cobertura da população amostrada. No período de maio de 1983 a abril de 1984, foram realizadas 1.769 entrevistas, isto é, 98,3% das 1.800 planejadas. A taxa de recusa foi da ordem de 1,7%.

A Tabela 3 mostra a distribuição percentual das famílias entrevistadas, segundo o estrato, em comparação com a percentagem de domicílios, por estrato, da população urbana de Botucatu, apresentada na Tabela 1.

A distribuição percentual, por estrato, dos domicílios da amostra entrevistada, foi bastante semelhante àquela da população total. As pequenas diferenças para mais e para menos explicam-se pelos critérios adotados, antes de iniciar a fase de campo: de reposição, na eventualidade de casa vaga ou com os moradores permanentemente ausentes no período da entrevista, após três tentativas em dias e horários diferentes; e não reposição das recusas, após confirmação da supervisão.

Esta semelhança na distribuição percentual por estrato e a cobertura geral obtida de 12,14%, frente ao esperado de 12% da população urbana de Botucatu, segundo o censo de 1980, permitem concluir que a cobertura da amostra foi satisfatória e que sua representatividade por estrato foi preservada.

A seguir, procedeu-se à comparação da população entrevistada e da população geral do Município, segundo variáveis biológicas.

A Tabela 4 e os histogramas da Figura 1 mostram a distribuição das duas populações, segundo o sexo e a idade. As colunas dos totais da Tabela 4 apresentam pequenas diferenças percentuais nas faixas etárias de 10 a 20 e de 30 a 40 anos. As variações percentuais das outras faixas etárias, estão restritas à primeira casa decimal. Pequenas variações, entre as duas populações, também são observadas nas colunas dos sexos. O fato da população da amostra ser exclusivamente urbana e da população geral do Município abranger a zona rural, pode explicar as pequenas diferenças. Os histogramas da Figura 1 sugerem que a amostra é representativa da população geral, quanto às variáveis: sexo e idade.


Tendo em vista que os critérios externos adotados para estratificação dos setores censitários poderiam, como já foi mencionado, propiciar interpretações incorretas e subjetivas, uma vez completados dez meses de investigação, procedeu-se à confrontação da estratificação inicial com a renda familiar e per capita da amostra entrevistada.

Os resultados são apresentados nas Tabelas 5, 6, 7 e nos gráficos das Figuras 2 e 3. Os valores da renda foram informados em cruzeiros e transformados em número de salários mínimos, segundo o valor vigente no mês da entrevista. Pelos dados apresentados na Tabela 5, observa-se que mais de 59% das famílias residentes no estrato alto referiram renda familiar superior a 10 salários mínimos, enquanto mais de 50% daquelas residentes no estrato baixo apresentavam renda familiar inferior a 3 salários mínimos. No estrato alto apenas 11% informaram renda familiar inferior a 3 salários e no estrato baixo apenas 2,9% referiram renda de mais de 10 salários mínimos. Nos estratos médios predominaram as rendas familiares na ampla faixa de 1 a 10 salários mínimos. Entretanto, nos estratos médio-alto e médio foi maior a percentagem de famílias com renda familiar de 3 a 10 salários mínimos, e no estrato médio-baixo houve predominância da faixa de renda entre 1 e 5 salários mínimos. Observa-se ainda que a percentagem de famílias com renda acima de 10 salários mínimos foi superior a 15% nos estratos médio-alto e médio, sendo de apenas 5,4% no estrato médio-baixo. Os gráficos da Figura 2 evidenciam melhor as principais tendências da renda familiar por estrato. Assim, observa-se a ascendência da curva dos valores da renda nas famílias do estrato alto e a descendência da mesma no estrato baixo. O comportamento das curvas dos estratos médio-alto e médio é bastante semelhante, predominando a faixa de 1 a 10 salários mínimos, quase que num patamar da mesma altitude para os dois estratos. Já o estrato médio-baixo apresenta uma curva intermediária entre o médio e o baixo, sem patamar e com tendência descendente. Uma análise mais cuidadosa, através de um estudo de associação, evidencia esses achados. Os dados da Tabela 5, excluindo-se as categorias "não sabe informar" e "não tem", mostram uma forte associação entre categorias de renda familiar e estrato (X2 = 157,08, com 12 g.l.; P < 0,001).



Uma decomposição da Tabela 5 em tabelas menores, evidencia que os estratos médio-alto e médio se comportam, estatisticamente, de modo homogêneo em relação às várias categorias de renda (X2 = 9,76 com 6 g.l., 0,10 < P < 0,25). A mesma homogeneidade é observada para os estratos médio-baixo e baixo (X2 = 7,90 com 6 g.l.; 0,10 < P < 0,25).

Após essa análise, é possível redistribuir os dados amostrais segundo uma nova estratificação, apresentada na Tabela 6.

A Tabela 7 apresenta a distribuição da renda per capita das famílias entrevistadas, segundo os estratos sócio-econômicos previamente estabelecidos. Observa-se que 67,8% das famílias do estrato baixo apresentaram renda per capita inferior a um salário mínimo. Já no estrato alto esta percentagem foi de 22,2% e nos estratos médios foi, respectivamente, de 43,2%, 37,7% e 51,8%.

Apesar da pequena inversão, também observada para a renda familiar, entre os estratos médio-alto e médio, a tendência da renda per capita, inferior a um salário mínimo é nitidamente ascendente do estrato alto para o baixo.

Por outro lado, estabelecendo-se como limite mínimo de condições de vida, o valor de um salário mínimo per capita, verifica-se que 44,8% das famílias amostradas encontrava-se abaixo deste limite.

Os gráficos da Figura 3 mostram que a maior percentagem da renda per capita correspondeu à faixa de 5 a 10 salários mínimos no estrato alto; 1 a 2 salários mínimos nos estratos médio-alto e médio; 1/2 a 1 salário mínimo no estrato médio-baixo, o mesmo sendo observado no estrato baixo, porém em nível superior ao anterior e com queda da curva mais abrupta em direção aos valores mais elevados da renda per capita.

Procedendo-se novamente ao estudo de associação, os resultados diferem dos observados para a renda familiar. Em relação aos dados da Tabela 7, excluída a categoria "sem informação", também se observa uma associação altamente significante entre as categorias de renda per capita e estrato (X2 =241,3 com 36 g.l; P < 0,001).

Entretanto e contrariamente ao verificado para a renda familiar, a decomposição da Tabela 7 em tabelas menores mostra, que:

a) os estratos médio-alto e médio comportam-se, estatisticamente, de modo não homogêneo em relação às várias categorias de renda (X2 = 16,75 com 8g.l.; 0,025 < P < 0,05);

b) os estratos médio-baixo e baixo, analogamente, também não tem o comportamento homogêneo demonstrado na renda familiar (X2 = 17,53 com7g.l.; 0,01 < P < 0,025).

A discrepância do comportamento desses estratos, no tocante às variáveis "renda familiar" e "renda per capita", levou a investigar a distribuição do tamanho familiar e do número de membros com participação na renda das famílias.

Em sua totalidade, a amostra populacional entrevistada resultou em 1.769 famílias e 7.075 pessoas, com uma média de 4 pessoas por família. Esta média é igual à verificada em Botucatu pela Fundação IBGE no censo de 1980.

A Tabela 8 mostra a composição familiar, por estrato, das famílias entrevistadas no período de maio de 1983 a janeiro de 1984. Definindo-se como "numerosas" as famílias compostas de 6 pessoas e mais, verifica-se que estas foram mais freqüentes no estrato baixo (25,6%) e no estrato médio-alto (19,6%). Estes resultados sugerem que o tamanho familiar depende de um conjunto de variáveis e padrões sócio-culturais cuja análise foge aos objetivos do presente trabalho.

A Tabela 9 mostra o número de membros que contribuiam para a renda familiar nos diversos estratos. Verifica-se que a participação na renda de 4 e mais pessoas aumenta progressivamente do estrato alto para o baixo. Chama a atenção o comportamento das famílias dos estratos médio-alto e médio-baixo. O estrato médio-alto ocupou o segundo lugar percentual em relação às famílias ' numerosas", mas permaneceu em quarto lugar no comprometimento de maior número de membros para a renda familiar que, talvez por esta razão, não diferiu estatisticamente daquela verificada para o estrato médio.

O estrato médio-baixo registrou uma percentagem de famílias "numerosas", inferior àquela do estrato médio e semelhante à do estrato alto, entretanto, situa-se em segundo lugar em relação ao número de membros, 4 e mais, comprometidos com a renda familiar. Possivelmente, está no valor baixo dos salários e outras rendas das famílias deste estrato, a explicação para a sua semelhança com as famílias do estrato baixo, seja na renda familiar, seja na renda per capita.

A respeito das famílias em que nenhum membro contribuia para a renda familiar, a maior percentagem encontrada no estrato alto pode ser atribuída à pequena casuística deste estrato e à omissão voluntária da informação, o que pode ter ocorrido, eventualmente, também em outros estratos ou à situação circunstancial das famílias por ocasião da entrevista.

COMENTÁRIOS

Estudos da natureza do proposto esbarram com sérias dificuldades quando se ultrapassam os limites dos modelos funcionalistas de análise. Incorporando o social como processo ao modelo analítico de distribuição de doenças ou de consumo de bens e serviços de saúde defrontamo-nos com uma primeira dificuldade: como operacionalizar a classe social em investigações domiciliares. Questões desta natureza já foram analisadas em diversos contextos11. Na área específica da saúde, o trabalho sobre morbidade e consumo de medicamentos1, desenvolvido em Ribeirão Preto, já se preocupou com essa importante questão. Em trabalhos posteriores desta série voltaremos ao tema.

Interessa ainda refletir sobre a freqüente aproximação espacial intramunicipal do conceito de classe social. Ao analisar a epidemia de meningite ocorrida na cidade de São Paulo, na década de 70, Carvalheiro5 explicita a questão, partindo da bastante usada divisão do Município em anéis concêntricos: central (burguesia), intermédio (proletariado), periférico (sub-proletariado). Descreve os processos epidêmicos em cada anel e, de suas diferenças, extrai considerações fundadas numa concepção de determinação social das epidemias. Diversos estudos realizados, tanto no Brasil quanto no exterior, procedem de maneira semelhante: uma vez conseguida a estrutura do espaço intramunicipal pode-se realizar estudos epidemiológicos utilizando dados de registros rotineiros, agregados de maneira a operacionalizar o conceito de classe social através de zonas sócio-espaciais. Esta aproximação, embora grosseira, tem servido a análises que buscam captar o processo social de distribuição da doença e do consumo de serviços de saúde. De certa maneira, o desenvolvimento recente da Epidemiologia social resgata a importância da Epidemiologia descritiva. O processo saúde-doença em sua dimensão coletiva há de ser encarado como "síntese de um conjunto de determinações que operam numa sociedade concreta e que produzem, em diferentes zonas sócio-espaciais e nos grupos que as habitam, o aparecimento de riscos e potencialidades características"2.

CONCLUSÕES

- Os critérios adotados para a estratificação dos setores censitários foram considerados os mais adequados para a definição de uma amostra que satisfizesse aos objetivos dos projetos.

- A cobertura total da amostra planejada foi também satisfatória, tendo sido preservada sua representatividade por estrato.

- A amostra das famílias entrevistadas pode ser considerada representativa da população geral quanto às variáveis sexo e idade.

O confronto da pré-estratificação sócio-econômica dos moradores, com a renda familiar das famílias amostradas, mostrou que, em relação a esta variável, estatisticamente, poderiam ter sido considerados apenas três estratos: alto, médio e baixo. Entretanto, a divisão em cinco estratos mostrou-se útil para o estudo da variável "renda per capita", cujo comportamento diferiu em cada estrato.

– A abordagem das variáveis: renda, composição familiar e participação de seus membros na renda, neste trabalho introdutório, foi apenas inicial. Seu estudo será aprofundado durante as análises inerentes aos sub-projetos que, em seu conjunto e à luz de múltiplas variáveis, permitirão a caracterização das condições de saúde, de vida e trabalho da população urbana de Botucatu, SP.

Recebido para publicação em 10/06/1986

Aprovado para publicação em 09/09/1986

Projeto financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP-Convênio n.° 4.1.83.0232.00)

  • 1. BARROS, M.B.A. Saúde e classe social: um estudo sobre a morbidade e consumo de medicamentos. Ribeirão Preto, 1983. [Tese de Doutorado - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP].
  • 2. BREILH, J. et al. Ciudad y muerte infantil Quito, Centro de Estudios y Asesoria en Salud, 1983.
  • 3. CARVALHEIRO, J. da R. Levantamento de condições de saúde por entrevistas domiciliárias. Ribeirão Preto, 1975. [Tese de Livre Docência - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP].
  • 4. CARVALHEIRO, J. da R. Investigação epidemiológica e entrevistas domiciliarias. Rev.Saúde públ., S.Paulo, 15: 543-50,1981.
  • 5. CARVALHEIRO, J. da R. Processo migratório e disseminação de doenças. In: Textos de Apoio. Ciências sociais 1. Rio de Janeiro, PEC.ENSP/ABRASCO, 1983. p. 27-55.
  • 6. CARVALHEIRO, J. da R. & SANCHES, O. Amostragem domiciliar contínua em estudos epidemiológicos e no ensino. Rev.Saúde públ., S.Paulo, 13: 195-202, 1979.
  • 7. COCHRAN, W.G. Sampling techniques. New York, JohnWiley, 1977.
  • 8
    FUNDAÇÃO IBGE. Sinopse preliminar do censo demográfico. Rio de Janeiro, 1981, v. 1, t.1, n.° 18. (9.° Recenseamento Geral do Brasil, 1980).
  • 9. HANSEN, M.H. et al. Sample survey methods and theory. New York, John Wiley, 1953. (Methods Applications, 1).
  • 10. KISH, L. Survey sampling. New York, John Wiley, 1967.
  • 11. SANTOS, N. Pobreza urbana. São Paulo, Hucitec, 1978.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1986

Histórico

  • Aceito
    09 Set 1986
  • Recebido
    10 Jun 1986
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@usp.br