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Valor do corante vital Rosa Bengala como auxiliar no diagnóstico de xerose conjuntival em provas de triagem

The value of Rose Bengal as a screening aid to diagnosis of conjunctival xerosis

Resumos

Demonstrou-se o valor do corante vital Rosa Bengala no diagnóstico da xerose conjuntival e determinou-se a prevalência de lesões oculares devidas à hipovitaminose A. Estudou-se uma amostra representativa (501 crianças) da população de 3 a 6 anos do Município de Cotia, SP (Brasil). Realizaram-se exames com e sem o uso de Rosa Bengala nas 501 crianças. As positivas para qualquer das técnicas foram submetidas a prova terapêutica (200.000 UI de vitamina A oral). Examinaram-se as córneas com fluoresceína, quando necessário. Realizou-se dosagem de vitamina A pelo método de Carr-Price. Não se observaram outras lesões, além de xerose conjuntival. Verificou-se que as prevalências de resultados positivos foram de 10,0% sem Rosa Bengala e 18,2% com o corante. As provas terapêuticas revelaram sensibilidade e especificidade baixas para o exame sem Rosa Bengala (18,5% e 14,3%, respectivamente) e altas para o exame com Rosa Bengala (81,5% e 89,0%, respectivamente), o que o indica como método diagnóstico auxiliar para provas de triagem.

Xeroftalmia; Rosa Bengala


The present paper was designed to demonstrate the value of Rose Bengal in the diagnosis of conjunctival xerosis and at the same time determine the prevalence of ocular lesions due to vitamin A deficiency. A representative sample (501 children) between 3 and 6 years of age drawn from the population of the city of Cotia, SP, Brazil, was studied. Ocular examinations with and without the aid of Rose Bengal were performed on the 501 children. Those that presented positive results were submitted to a therapeutic test (200.000 IU of vitamin A orally). Whenever necessary corneae were examined with fluorescein. Vitamin A blood levels were determined by the Carr-Price method. No lesions beyond conjunctival xerosis were found. Examinations performed without the aid of Rose Bengal rendered 10.0% positive results whereas Rose Bengal tests rendered 18.2% positive results. Therapeutic tests showed low sensitivity and low specificity for the examinations without Rose Bengal (18.5% and 14.3%, respectively) and high sensitivity and specificity for examinations performed with Rose Bengal (81.5% and 89.0%, respectively). Based on our results the ocular examinations without the aid of Rose Bengal are not recommended for screening tests, whereas those performed with Rose Bengal are.

Xerophthalmia; Rose Bengal


ARTIGO ORIGINAL

Valor do corante vital Rosa Bengala como auxiliar no diagnóstico de xerose conjuntival em provas de triagem1 1 Trabalho subvencionado pelo Convênio n.o 08/81, realizado entre o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN) e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Apresentado no VII Congreso Latinoamericano de Nutrición, Brasilia, DF, novembro de 1984 2 Fabricado por R.P. Scherer Pty. Ltd., Melbourne, Austrália, para a UNICEF

The value of Rose Bengal as a screening aid to diagnosis of conjunctival xerosis

Donald Wilson; Maria José Roncada

Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil.

RESUMO

Demonstrou-se o valor do corante vital Rosa Bengala no diagnóstico da xerose conjuntival e determinou-se a prevalência de lesões oculares devidas à hipovitaminose A. Estudou-se uma amostra representativa (501 crianças) da população de 3 a 6 anos do Município de Cotia, SP (Brasil). Realizaram-se exames com e sem o uso de Rosa Bengala nas 501 crianças. As positivas para qualquer das técnicas foram submetidas a prova terapêutica (200.000 UI de vitamina A oral). Examinaram-se as córneas com fluoresceína, quando necessário. Realizou-se dosagem de vitamina A pelo método de Carr-Price. Não se observaram outras lesões, além de xerose conjuntival. Verificou-se que as prevalências de resultados positivos foram de 10,0% sem Rosa Bengala e 18,2% com o corante. As provas terapêuticas revelaram sensibilidade e especificidade baixas para o exame sem Rosa Bengala (18,5% e 14,3%, respectivamente) e altas para o exame com Rosa Bengala (81,5% e 89,0%, respectivamente), o que o indica como método diagnóstico auxiliar para provas de triagem.

Unitermos: Xeroftalmia, diagnóstico. Rosa Bengala.

ABSTRACT

The present paper was designed to demonstrate the value of Rose Bengal in the diagnosis of conjunctival xerosis and at the same time determine the prevalence of ocular lesions due to vitamin A deficiency. A representative sample (501 children) between 3 and 6 years of age drawn from the population of the city of Cotia, SP, Brazil, was studied. Ocular examinations with and without the aid of Rose Bengal were performed on the 501 children. Those that presented positive results were submitted to a therapeutic test (200.000 IU of vitamin A orally). Whenever necessary corneae were examined with fluorescein. Vitamin A blood levels were determined by the Carr-Price method. No lesions beyond conjunctival xerosis were found. Examinations performed without the aid of Rose Bengal rendered 10.0% positive results whereas Rose Bengal tests rendered 18.2% positive results. Therapeutic tests showed low sensitivity and low specificity for the examinations without Rose Bengal (18.5% and 14.3%, respectively) and high sensitivity and specificity for examinations performed with Rose Bengal (81.5% and 89.0%, respectively). Based on our results the ocular examinations without the aid of Rose Bengal are not recommended for screening tests, whereas those performed with Rose Bengal are.

Uniterms: Xerophthalmia, diagnosis. Rose Bengal.

INTRODUÇÃO

A hipovitaminose A pode produzir alterações oculares que se manifestam interna ou externamente. No primeiro caso, há diminuição da sensibilidade da retina à exposição luminosa, causando cegueira noturna. No segundo, as alterações ocorrem no epitélio conjuntival ou corneal, ocasionando a xeroftalmia, a qual, nos casos mais avançados, pode levar à cegueira, parcial ou total, resultante de ulceração corneal, de opacidade corneal ou de ceratomalácia.

O grupo etário mais exposto ao risco dessa deficiência nutricional é o pré-escolar, no qual a busca dos sintomas de cegueira noturna em inquéritos nutricionais não é aconselhada, dada a subjetividade da informação. Quanto aos sinais de xeroftalmia, sua identificação torna-se mais fácil, quanto mais graves eles se apresentarem, o que é indesejável, já que devem ser surpreendidos na fase inicial para debelar suas graves seqüelas.

A xerose conjuntival é um dos sinais mais iniciais da deficiência de vitamina A; entretanto, seu diagnóstico nem sempre é fácil, principalmente nas formas leves. Conseqüentemente, a pesquisa de indicadores das manifestações iniciais de xeroftalmia é medida que se impõe, dada sua importância não só no que se refere ao diagnóstico precoce dessa doença carencial, como também para a implantação de um sistema de vigilância nutricional.

A procura de meios auxiliares para o diagnóstico das lesões iniciais da xeroftalmia surgiu há mais de meio século. Assim, em 1930, Mouriquand e col.4 sugeriram o uso de lâmpada de fenda; em 1935, Sweet e K'Ang10 propuseram a raspagem do epitelio ocular, com exame do material colhido; em 1950, Nogueira Jr.5 desenvolveu uma técnica para o índice de ceratinização da conjuntiva bulbar.

Em 1977, Chouhan2 utilizou para a detecção precoce da xeroftalmia o kajal, um corante preto gorduroso muito usado na índia como cosmético, recomendando-o para trabalhos de campo.

Porém, foi só depois dos trabalhos de Norn7 sobre o uso de corantes vitais em oftalmología que se desenvolveu, na década de 70, sua aplicação em trabalhos de campo, tendo Sauter9 (1976) proposto sua utilização para a detecção de sinais iniciais de xeroftalmia, quando aplicou tópicamente, em trabalho realizado no Kenya, os corantes vitais Rosa Bengala e lissamine verde.

Em seguida, Kusin e col.3 (1977) utilizaram uma combinação de fluoresceína e Rosa Bengala em estudos na Indonésia, relatando ser este último um auxiliar promissor no diagnóstico de xerose conjuntival e concluindo, após várias considerações favoráveis ao seu uso, que uma mancha corada na conjuntiva, claramente visível a uma distância de 0,5 a l metro, deveria ser considerada como específica.

O Rosa Bengala é um derivado tetraclorado e tetraiodado da fluoresceína sódica (C2oH2Cl4I4O5), corando em rosa células degeneradas, células mortas e muco7. As células íntegras eliminam prontamente o corante, enquanto as células degeneradas demoram longo tempo para se descorarem6 (em torno de 30 minutos).

Em 1978, na India, Vijayaraghavan e col.11 usaram o Rosa Bengala num trabalho em que examinaram crianças hospitalizadas e crianças em trabalho de campo; os resultados de ambos os estudos mostraram a utilidade do corante como um instrumento simples e sensível para detectar a xerose conjuntival. Os autores recomendaram ainda seu uso em inquéritos nutricionais de larga escala, uma vez que o teste tem a vantagem de ser objetivo e poder ser usado por pessoal paramédico para a triagem de crianças com xerose conjuntival.

No Brasil, em pesquisa realizada também em 1978, com pré-escolares institucionalizados na Capital do Estado de São Paulo, e publicada em 1981, Wilson e col.12 testaram o uso do Rosa Bengala a 1% em condições de campo. Concluíram que, não obstante dificuldades técnicas e o fato de muitos casos positivos à Rosa Bengala encontrados não poderem ser atribuídos à hipovitaminose A, recomendavam seu uso para o diagnóstico de lesões oculares devidas à carência de vitamina A.

Recentemente, Wilson e Nery13 (1983) utilizaram um aperfeiçoamento da técnica empregada por Sauter9, em trabalho realizado na Área Metropolitana de Porto Alegre, RS, onde, ao invés de instilar o colírio de Rosa Bengala, usaram tiras de papel impregnadas com o corante, secas, esterilizadas e reumidecidas no instante do uso com soro fisiológico, obtendo bons resultados.

Entretanto, apesar de inúmeros pesquisadores terem se valido do Rosa Bengala como auxiliar na detecção de xerose conjuntival, ainda se carece de estudos mais detalhados sobre a especificidade e sensibilidade do método. Este é um dos objetivos deste trabalho, além de determinar a prevalência de lesões oculares por hipovitaminose A em pré-escolares. Ambos vêm ao encontro dos interesses do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição — INAN.

METODOLOGIA

População Estudada

Estudou-se uma amostra da população urbana do Município de Cotia. As características da localidade encontram-se descritas em trabalho realizado anteriormente 8.

Amostragem

Após cadastramento da localidade, foram excluídas as famílias que não contavam com um pré-escolar de 3 a 6 anos de idade, na sua composição. Das famílias restantes, extraiu-se uma amostra casual simples. A extração da amostra foi feita de forma a conter 501 pré-escolares.

Exame Ocular

A. Exame sem corante vital

As 501 crianças foram examinadas sem o uso de corante vital, buscando-se lesões conjuntivais (xerose e manchas de Bitot) e lesões corneáis (xerose, ulcerações, ceratomalácia, leucomas, nébulas e ftisis bulbi).

B. Exame com corante vital

a) Rosa Bengala

Logo após o exame ocular sem corante vital, todas as crianças foram reexaminadas utilizando-se o corante vital Rosa Bengala para o diagnóstico de xerose conjuntival. A aplicação do corante foi realizada por meio de tiras de papel de filtro Whatman n.° 4, em que uma das pontas foi impregnada com uma solução a 10% do corante, com posterior esterilização com raios gama. As tiras eram umidecidas no momento de usar, com DacrioseR, "pincelando-se" a conjuntiva da pálpebra inferior. Mandava-se o paciente piscar seguidamente durante cerca de 15 segundos. A leitura era feita um minuto após a aplicação do corante. Examinava-se a conjuntiva à vista desarmada à distância de cerca de 50 cm. Considerava-se como resultado positivo a impregnação da conjuntiva em um ou mais pontos pelo corante. Este método já demonstrou ser eficiente e, embora podendo ser aplicado por enfermeiras13, no presente trabalho o foi pelo médico da equipe. Os exames sem corante eram realizados em primeiro lugar e anotados por um auxiliar. Em seguida, processava-se o exame com o corante. Dada a objetividade deste exame (cora ou não cora, observando-se os critérios estabelecidos — leitura após um minuto à distância de 0,5 m) estava garantida a independência dos resultados. Os demais exames eram realizados sem que o examinador tivesse conhecimento de resultado anterior; o caso a ser examinado poderia ser um retorno ou um caso ainda não examinado. Dado o espaçamento entre os exames e o volume de trabalho, não era possível ao examinador saber se o caso era novo ou se já tinha sido examinado.

b) Fluoresceína

Sempre que havia suspeita de lesão corneal, aplicava-se fluoresceína nos olhos e examinava-se em recinto obscuro, com auxílio de uma luz azul proveniente de uma lanterna a pilha, munida de filtro adequado.

Níveis Sangüíneos de Vitamina A

O método de dosagem de vitamina A plasmática foi o de Carr-Price1. A prova bioquímica foi realizada em apenas 362 crianças, por motivos vários.

Prova Terapêutica

Todos os indivíduos positivos por qualquer das técnicas de exame conjuntival receberam uma dose de 200.000 UI de vitamina A por via oral, em solução oleosa (cápsula de 200.000 UI de vitamina A, mais 40 UI de vitamina E).2 1 Trabalho subvencionado pelo Convênio n.o 08/81, realizado entre o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN) e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Apresentado no VII Congreso Latinoamericano de Nutrición, Brasilia, DF, novembro de 1984 2 Fabricado por R.P. Scherer Pty. Ltd., Melbourne, Austrália, para a UNICEF Havendo persistência dos resultados clínicos positivos após três semanas, recebiam os pacientes nova dose igual da vitamina.

Os indivíduos positivos com Rosa Bengala mas negativos sem seu uso foram divididos aleatoriamente em dois sub-grupos: o primeiro recebeu vitamina A imediatamente após o exame e foi reexaminado três semanas, pelo menos, mais tarde; o segundo, nada recebeu a título de medicação e foi também reexaminado daí a três semanas, no mínimo. Havendo persistência do resultado positivo recebiam mais 200.000 UI de vitamina A e eram submetidos a novo exame, decorrido um prazo mínimo de três semanas.

Os positivos ao exame sem corante vital mas negativos ao exame com Rosa Bengala, assim como os positivos, concomitantemente, pelos dois métodos, não foram divididos em sub-grupos e receberam a mesma terapêutica dispensada ao primeiro sub-grupo dos positivos ao Rosa Bengala e negativos sem o seu uso.

Registro de Dados

Todos os dados colhidos foram registrados em fichas apropriadas, planejadas para este trabalho e, posteriormente, apurados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram examinadas 501 crianças, de 3 a 6 anos de idade. Não se observaram manchas de Bitot, nem lesões corneáis em ambos os tipos de exames oculares realizados (sem e com corantes vitais). Constatou-se apenas xerose conjuntival em ambas as modalidades de exames, com freqüências diferentes, e que serão objeto da análise que se segue.

Exame sem corante vital

O exame das crianças sem corante vital revelou 50 casos positivos para xerose conjuntival (10,0%) e 451 negativos (90,0%). Considera-se positivo todo paciente que apresentar áreas da conjuntiva sem o brilho característico, o que é tido como secura, ou que apresente conjuntivas pregueadas (o que traduziria também secura, porém, mais prolongada). Todas as crianças consideradas positivas apresentaram conjuntivas pregueadas e nenhuma apresentou áreas sem brilho. O significado deste sinal clínico será discutido mais adiante. Com relação à falta de brilho e aparência de secura, é opinião do grupo que realizou esta pesquisa, que o diagnóstico deste sinal é extremamente difícil, a não ser quando realizado com o auxílio de uma lâmpada de fenda, quase impossível de ser utilizada em trabalhos de campo em que se estudam populações.

Exame com corante vital

Os resultados das 501 crianças examinadas com Rosa Bengala (Tabela 1) revelaram 91 crianças positivas (18,2%) e 410 negativas (81,8%). À primeira vista haveria um excesso de 41 crianças (8,2%) em relação ao exame sem corante vital. Entretanto, esta não foi a realidade, pois apenas 12 crianças (2,4%) apresentaram resultados positivos para as duas provas e 79 (15,8%) mostraram-se negativas ao exame com a primeira técnica. Por outro lado, das 50 crianças positivas ao exame sem o corante vital, 38 (7,6%) foram negativas quando este foi usado.

Os resultados revelaram duas prevalências diferentes de xerose conjuntival, urna para cada técnica empregada, sem meios para se dizer qual a que representa a realidade, ou que mais se aproxima dela no que respeita à prevalência da xerose conjuntival nesta população.

Relação dos resultados negativos e positivos sem corante vital com os níveis sangüíneos de vitamina A

Com o objetivo de elucidar o significado real do resultado negativo sem o uso do corante vital, procurou-se relacionar estes resultados com os níveis sangüíneos de vitamina A, verificando-se que entre os indivíduos considerados negativos encontraram-se 11 pacientes com níveis plasmáticos de vitamina A abaixo de 10 µg/100 ml (3,5%), 87 com níveis entre 10 e 19,9 µg/100 ml (27,5%) e 218 com níveis plasmáticos de 20 µg/100 ml ou mais (69,0%). Os valores não normais foram, portanto, 98 (31,0%).

Examinando-se os positivos sem o uso do corante vital, observa-se que 2 indivíduos (4,3%) apresentaram níveis plasmáticos abaixo de 10 µg/100 ml, 8 (17,4%) entre 10 e 19,9 µg/100 ml e 36 (78,3%) níveis de 20 µg/100 ml ou mais. Assim, 10 indivíduos (21,7%) têm valores considerados não normais, sendo esta proporção mais baixa do que aquela encontrada entre os negativos. Isto nos leva a considerar a relação inconclusiva (Tabela 2).

Procurou-se comparar, então, as médias dos níveis sangüíneos dos dois grupos, verificando-se que a média do grupo negativo era 24,3 µg/100 ml e a do positivo era 25,3 µg/100 ml. Estes dois resultados mostram que não houve relação entre níveis sangüíneos e xerose conjuntival, quando o diagnóstico foi feito sem o uso de corante vital (Tabela 2).

Relação dos resultados negativos e positivos com corante vital, com os níveis sangüíneos de vitamina A

Com o mesmo objetivo do item anterior, compararam-se os resultados obtidos utilizando-se corante vital com os níveis plasmáticos de vitamina A (Tabela 3), verificando-se que entre os negativos 11 pacientes (3,8%) apresentaram níveis abaixo de 10 µg/100 ml, 77 (26,5%) entre 10 e 19,9 µg/100ml e 203 (69,8%) níveis iguais ou superiores a 20 µg/100 ml. Oitenta e oito indivíduos (30,3%) apresentaram resultados, abaixo do normal. Entre os positivos 2 pré-escolares (2,8%) apresentaram níveis abaixo de 10 µg/100 ml, 18 (25,4%) entre 10 e 19,9 µg/100ml e 51 (71,8%) de 20 µg/100 ml ou mais. Também aqui a proporção de valores abaixo do normal foi inferior à dos negativos (28,2%).

Comparando as médias dos níveis plasmáticos de vitamina A dos resultados negativos e positivos verificou-se que os primeiros apresentaram média de 24,4 µg/100 ml e os positivos de 24,5 µg/100ml. A distribuição de freqüências que originou as médias encontra-se na Tabela 3.

Pelos resultados, verifica-se que não houve relação entre níveis plasmáticos de vitamina A e xerose conjuntival, quando o diagnóstico foi feito com o corante vital.

Os resultados globais levam a concluir que os exames bioquímicos não contribuem nem para o diagnóstico de xerose conjuntival, nem para a interpretação dos resultados dos exames com o uso do corante vital.

Prova terapêutica

A acentuada diferença nas prevalências de xerose conjuntival encontradas usando-se ou não Rosa Bengala como corante vital, tornou necessário que se idealizasse uma prova que permitisse a interpretação do valor de cada uma das técnicas empregadas. Sendo a xerose conjuntival decorrente de várias causas, parece que a melhor forma de se fazer a distinção é o emprego de uma prova terapêutica. Entretanto, provas terapêuticas mal conduzidas podem levar a interpretações errôneas, inversas mesmo, do que ocorre na realidade. Por esse motivo, tais provas devem ser cuidadosamente planejadas.

Pacientes positivos sem e negativos com corante vital

Dos 38 pacientes positivos sem o uso do corante vital mas negativos com seu uso (Tabela 1) (todos apresentando pregueamento de conjuntiva) puderam ser reexaminados 35 (os responsáveis por 3 pré-escolares não permitiram que estes fossem submetidos a novo exame), sendo que todos receberam 200.000 UI de vitamina A imediatamente após o primeiro exame clínico.

Os resultados (Tabela 4) mostram que apenas 5 indivíduos (14,3%) apresentaram regressão do sinal clínico, dois deles em apenas um dos olhos (5,7%). Estes resultados levam a concluir que 85,7% dos sinais clínicos constatados sem o corante vital eram falso-positivos.

A baixa proporção de concordância de positivos, sem haver um parâmetro, já que níveis plasmáticos não servem como tal, leva apenas a suspeitar que este sinal clínico apresenta baixa sensibilidade, reconhecendo, entretanto, que há um viés neste modo de pensar.

O fato real que estes resultados revelaram é que a técnica do exame sem artifícios é de especificidade muito baixa, mesmo para triagem.

Pacientes positivos com e negativos sem corante vital

Dos 79 pacientes que deveriam ser submetidos à prova terapêutica, 6 não o foram por não terem seus responsáveis permitido.

Os pacientes deste grupo foram subdivididos, aleatoriamente, em dois subgrupos. O primeiro, com 44 pacientes, recebeu 200.000 UI de vitamina A por via oral, logo após o exame clínico. O segundo, com 29 pacientes, nada recebeu após o exame clínico. Ambos os sub-grupos foram submetidos a novo exame ocular, após ter decorrido um tempo mínimo de 3 semanas (Tabelas 5 e 6).

Pela Tabela 5, vê-se que dos pacientes que receberam vitamina A logo após o primeiro exame, 40 (90,9%) apresentaram regressão, 2 (4,5%) apresentaram regressão parcial e 2 (4,5%) não a apresentaram. Estes 4 pacientes receberam nova dose de 200.000 UI de vitamina e foram reexaminados após um prazo mínimo de 3 semanas. Este terceiro exame revelou a regressão completa do sinal clínico.

No sub-grupo que nada recebeu, ao segundo exame dois pacientes apresentaram remissão parcial (6,9%) e 3 total (10,3%), enquanto 24 (82,8%) não a apresentaram (Tabela 6), Os pacientes que regrediram parcialmente e os que não regrediram (26 no total) receberam 200.000 UI de vitamina A e foram submetidos a um terceiro exame, decorridas 3 semanas, no mínimo. Dos 26 pacientes assim tratados, 24 regrediram completamente, um regrediu parcialmente e um não foi reexaminado por recusa dos responsáveis.

O paciente que apresentou regressão parcial ao terceiro exame recebeu nova dose de 200.000 UI de vitamina A. Com este tratamento, o sinal clínico regrediu completamente.

Há que ressaltar, ainda, que três dos pacientes com apenas um olho acometido (primeiro exame), após três semanas sem medicação, apresentaram xerose conjuntival em ambos os olhos. Com o tratamento, houve regressão total dos 3 casos, após três semanas.

Pacientes positivos sem e com corante

Pela Tabela 7, considerando inicialmente apenas a positividade sem corante, vê-se que 3 pré-escolares (25,0%) tiveram regressão total e 9 (75,0%) não a apresentaram.

Considerando a positividade com o corante vê-se que 10 (83,3%) regrediram totalmente e 2 (16,7%) tiveram regressão parcial; um destes 2 pacientes não teve regressão da positividade sem o uso do Rosa Bengala e o outro teve regressão total, considerando o exame sem corante.

Estes dois pacientes receberam uma segunda dose de 200.000 UI de vitamina A, tendo então um deles permanecido inalterado no que diz respeito ao exame sem corante; porém, considerando a positividade com o corante, apresentou regressão total. O outro, recusou-se a um terceiro exame.

_______

Estes resultados permitem algumas considerações. A coincidência de resultados usando-se as duas técnicas simultaneamente foi baixa. Houve coincidência em 76,6% dos casos, sendo que apenas 2,4% corresponderam à positividade e 74,3% à negatividade. Houve discordância de resultados em 23,4%. A proporção de concordância de resultados negativos pode ser explicada pela baixa prevalência real de pré-escolares com lesões conjuntivais. O fato de haver discordância em 23,4% dos casos mostra que as técnicas empregadas são bastante diferentes no que concerne a rendimento de casos positivos.

Recorrendo-se aos níveis plasmáticos de vitamina A verifica-se que, tanto no que respeita à proporção de valores abaixo de 10 µg/100 ml, de 10,0 a 19,9 µ/100 ml, e de valores de 20 µg/100 ml e mais, quanto no que concerne às médias dos níveis plasmáticos, os positivos para as duas técnicas e os negativos também para as duas técnicas, comportam-se de maneira semelhante. Desta forma, os níveis plasmáticos não elucidam o real significado para os resultados dos exames oculares.

Os resultados da prova terapêutica permitem conclusões mais precisas do que os anteriores.

Examinando-se a Tabela 4 verifica-se que de 35 pacientes positivos ao exame, sem corante vital, apenas 5 (14,3%) regrediram, o que dá uma proporção de 85,7% de pacientes em que a alteração conjuntival não regrediu com a administração de vitamina A, ao contrário do que se deveria esperar, fosse a alteração devida à hipovitaminose. Aqueles que regrediram, provavelmente, tinham uma alteração devida à falta da vitamina em questão e os restantes representam falso-positivo. Portanto, pode-se considerar a especificidade da técnica como sendo de 14,3% (sendo 2,5%—26,1% os limites de confiança de 95%), especificidade esta tão baixa que torna esta técnica desaconselhável mesmo para triagem.

Não se pode concluir com relação à sensibilidade, embora pareça alta, devido o grande número de falso-positivos.

Tomando os resultados positivos apenas com o uso do corante vital, pode-se ver (Tabela 5) que dos 44 examinados, 40 (90,9%) apresentaram regressão do sinal clínico. Considerando-se as regressões parciais que após dose adicional da vitamina regrediram totalmente, e mais os dois casos que ao segundo exame não tinham regredido, mas o fizeram após dose adicional do nutriente, tem-se uma regressão de 100,0%. Aparentemente, portanto, o sinal clínico era devido a uma carência de vitamina A. Entretanto, e este é um dos riscos da prova terapêutica, não se pode afirmar se esta regressão efetuar-se-ia mesmo sem a administração da vitamina. Fosse a prova terapêutica mal conduzida, concluir-se-ia por uma regressão total ou quase total, correspondendo a uma especificidade de 100,0% ou, pelo menos, 90,9%. Por esse motivo, houve o cuidado de dividir os pré-escolares positivos à Rosa Bengala em dois sub-grupos, aleatoriamente. A um deles, administrou-se a vitamina e, ao outro, não. Os resultados da Tabela 5 referem-se ao primeiro sub-grupo.

À Tabela 6 vêem-se os resultados correspondentes ao segundo sub-grupo (que não recebeu medicação). Dos 29 pacientes examinados, 3 (10,3%) apresentaram regressão total da alteração e 2 (6,9%) regrediram parcialmente. Os 24 restantes (82,8%) não regrediram; destes, 3 que tiveram resultado positivo em apenas um olho, por ocasião do primeiro exame, passaram a ter resultado positivo em ambos os olhos (segundo exame). Administrando-se vitamina A nesta ocasião e reexaminando-se três semanas depois, verificou-se o seguinte: os dois pacientes que apresentaram regressão parcial regrediram completamente, o que sugere que o resultado de um dos olhos era falso-positivo; os 22 que não tinham regredido, por ocasião do segundo exame, apresentaram regressão completa ao terceiro exame. Somando-se a estes os 2 que tinham regredido parcialmente, têm-se 24 regressões completas, ou seja, 82,8%. Um dos que não regrediram por ocasião do segundo exame, regrediu parcialmente após a administração de vitamina A e, com uma segunda dose, regrediu completamente. Portanto, 3 pacientes (10,3%) eram falso-positivos e os 26 restantes (89,7%) eram positivos reais.

Aplicando-se estas proporções ao primeiro sub-grupo, pode-se considerar 5 falso-positivos, que teriam regredido mesmo sem medicação.

Pode-se concluir, portanto, que a especificidade desta técnica é da ordem de 89,0%.

Com relação aos 12 casos que foram positivos para as duas técnicas (Tabela 7), verifica-se que, com medicação, 3 deles (25%) tiveram regressão tanto da alteração constatada com corante como daquela constatada sem corante. Nos 9 pacientes restantes, a regressão parcial ocorreu em dois casos no que respeita à alteração constatada com corante, enquanto que aquela constatada sem corante permaneceu inalterada. A alteração constatada com o corante regrediu em 11 casos (91,7%), enquanto a constatada sem corante em apenas 3 (25,0%). As proporções deste grupo são, porém, pouco confiáveis, em virtude do pequeno número de pacientes; entretanto, em linhas gerais, os resultados confirmam o que se disse com relação aos anteriores.

Com referência à sensibilidade da técnica com corante, verificou-se que, de 81 indivíduos que realmente tinham a carência, 66 foram revelados por esta técnica (81,5%), havendo 15 falso-positivos. A técnica sem corante revelou apenas 15 casos (18,5%).

Portanto, a técnica do Rosa Bengala como corante vital apresenta uma sensibilidade de 81,5% e uma especificidade de 89,0% (tomando-se como parâmetro a prova terapêutica), o que a indica para provas de triagem e, considerando-se a facilidade de sua realização, é aconselhada para trabalhos em populações. Quanto à técnica sem corante, é de utilidade muito limitada.

CONCLUSÕES

1. Os exames realizados sem o uso de corante vital revelaram baixa prevalência de xerose conjuntival: 10,0%.

2. Os resultados dos exames com Rosa Bengala mostraram prevalência de xerose conjuntival de 18,2%.

3. O exame das conjuntivas sem corante vital revelou baixa sensibilidade (18,5%) e baixa especificidade (14,3%), sendo de valor limitado em estudos de população.

4. O exame das conjuntivas com o corante vital Rosa Bengala revelou alta sensibilidade (81,5%) e alta especificidade (89,0%), sendo, pois, recomendável seu uso em estudos de população.

5. Os níveis sangüíneos de vitamina A não representam parâmetro confiável para a interpretação de resultados de exames de conjuntivas.

6. O melhor parâmetro para análise do significado do exame de conjuntivas é a prova terapêutica bem conduzida.

7. Na população estudada não foram observadas lesões oculares devidas à hipovitaminose A, além de xerose conjuntival.

8. As lesões conjuntivais efetivamente reversíveis pela terapêutica específica revelaram alta prevalência de hipovitaminose A na população estudada.

AGRADECIMENTOS

À Prof.a Dr.a Lourdes de Freitas Carvalho, Diretora do Hospital Prof.O Odair Pacheco Pedroso, do Município de Cotia, pelas facilidades concedidas à equipe de campo. À Prefeitura Municipal de Cotia, pelo apoio recebido. Ao Prof. Dr. José Carlos Barbério, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, pela esterilização com raios gama do material empregado no exame ocular. À população do Município de Cotia, pela receptividade que demonstrou.

Recebido para publicação em 24/01/1985

Aprovado para publicação em 21/05/1985

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    Trabalho subvencionado pelo Convênio n.o 08/81, realizado entre o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN) e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Apresentado no VII Congreso Latinoamericano de Nutrición, Brasilia, DF, novembro de 1984
    2
    Fabricado por R.P. Scherer Pty. Ltd., Melbourne, Austrália, para a UNICEF
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 1985

    Histórico

    • Aceito
      21 Maio 1985
    • Recebido
      24 Jan 1985
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