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Uso da medida do perímetro braquial na detecção do estado nutricional do pré-escolar

The use of arm-circumference measurement in the determination of the nutritional status of preschool children

Resumos

Em população de pré-escolares de baixa renda, no interior do Estado de São Paulo, Brasil, foram avaliadas as possibilidades e as limitações de uma classificação do estado nutricional baseada exclusivamente na tomada do perímetro braquial. Utilizando a classificação de Gomez como referência para o diagnóstico da desnutrição, foram determinados níveis críticos para a medida do perímetro braquial que identificariam o estado nutricional de pré-escolares com 75-80% de sensibilidade e especificidade. São propostos, como simplificação na utilização do perímetro braquial, o agrupamento dos pré-escolares em apenas três grupos de idades (2, 3 a 5 e 6 anos completos) e o emprego de três fitas ou cordões, onde previamente fossem demarcados os níveis críticos correspondentes a cada um dos grupos. Discutem-se as aplicações possíveis da classificação baseada no perímetro braquial de onde se conclui que o seu uso mais promissor estaria na averiguação do perfil nutricional de conjuntos de pré-escolares.

Pré-escolares; Antropometria


Use and limitation of a classification of the nutritional status of preschool children based exclusively on arm circumference were studied. Gomez' classification was used as the basis for the determination of nutritional status. Trigger levels of arm circumference were determined for three age groups (2, 3 to 5 and 6 years of age) regardless of sex. Specificity and sensibility of the classification ranged from 75% to 80%. The method could be simplified by using tapes or cords previously marked with the trigger level appropriated for each age group. Potential applications of the arm circumference were discussed and it was concluded that possibly the best use of the arm circumference would be in the screening of the nutritional status of whole population of children.

Child, preschool; Nutritional status; Anthropometry


Uso da medida do perímetro braquial na detecção do estado nutricional do pré-escolar

The use of arm-circumference measurement in the determination of the nutritional status of preschool children

Carlos Augusto Monteiro; Maria Helena D'Aquino Benício; Yaro Ribeiro Gandra

Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – 01255 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

Em população de pré-escolares de baixa renda, no interior do Estado de São Paulo, Brasil, foram avaliadas as possibilidades e as limitações de uma classificação do estado nutricional baseada exclusivamente na tomada do perímetro braquial. Utilizando a classificação de Gomez como referência para o diagnóstico da desnutrição, foram determinados níveis críticos para a medida do perímetro braquial que identificariam o estado nutricional de pré-escolares com 75-80% de sensibilidade e especificidade. São propostos, como simplificação na utilização do perímetro braquial, o agrupamento dos pré-escolares em apenas três grupos de idades (2, 3 a 5 e 6 anos completos) e o emprego de três fitas ou cordões, onde previamente fossem demarcados os níveis críticos correspondentes a cada um dos grupos. Discutem-se as aplicações possíveis da classificação baseada no perímetro braquial de onde se conclui que o seu uso mais promissor estaria na averiguação do perfil nutricional de conjuntos de pré-escolares.

Unitermos: Pré-escolares, estado nutricional. Antropometria.

ABSTRACT

Use and limitation of a classification of the nutritional status of preschool children based exclusively on arm circumference were studied. Gomez' classification was used as the basis for the determination of nutritional status. Trigger levels of arm circumference were determined for three age groups (2, 3 to 5 and 6 years of age) regardless of sex. Specificity and sensibility of the classification ranged from 75% to 80%. The method could be simplified by using tapes or cords previously marked with the trigger level appropriated for each age group. Potential applications of the arm circumference were discussed and it was concluded that possibly the best use of the arm circumference would be in the screening of the nutritional status of whole population of children.

Uniterms: Child, preschool. Nutritional status. Anthropometry.

INTRODUÇÃO

Apesar da existência de múltiplos métodos para avaliação do estado nutricional, o seu estabelecimento ao nível de campo tem se constituído em permanente desafio para os que trabalham na área da Nutrição em Saúde Pública. É consenso nesta área a necessidade do desenvolvimento de métodos adequados que possam estabelecer de forma acurada, simples e não custosa o estado nutricional de populações sob risco1.

Entre as necessidades mais destacáveis está o desenvolvimento de métodos que avaliem a prevalência da desnutrição protéico-calórica (dpc) em populações de pré-escolares. Há particular interesse por métodos que sejam sensíveis também às formas menos severas da desnutrição, que, em geral, são as mais freqüentes.

Três métodos diretos têm sido utilizados para estabelecer o diagnóstico da dpc em pré-escolares: exames de sinais clínicos, testes bioquímicos e antropometria. As principais limitações dos dois primeiros – dificuldade na padronização e inconstância nas formas menos severas, no caso dos sinais clínicos, e alto custo e difícil operacionalidade em condições de campo no caso dos testes bioquímicos – fazem da antropometria o método de escolha quando se pretende avaliar, de forma acurada e simples, a prevalência de desnutrição protéico-calórica em populações de pré-escolares. Neste sentido, o uso das medidas do corpo como meio diagnóstico da desnutrição encontra suporte teórico no constante comprometimento do crescimento e ou da composição corporal quando não é adequado o suprimento de calorias e proteínas.

Dos indicadores antropométricos existentes, o mais antigo e até hoje mais utilizado é a adequação percentual do peso da criança em relação ao peso esperado para sua idade. A classificação proposta em 1942 por Gomez2 segue sendo a mais empregada e prevê três graus para a desnutrição conforme a magnitude do déficit ponderal. À adequação ponderal, mais recentemente, veio se juntar a adequação pondo-estatural que particulariza os casos atuais de desnutrição ao não levar em consideração agravos passados que possam ter comprometido a estatura da criança.

Na situação de campo, entretanto, nem sempre se pode dispor de balanças suficientemente precisas, ou mesmo de pessoal qualificado para operá-las, que permitam a obtenção acurada do peso dos pré-escolares. Associadamente podem ainda faltar o conhecimento da idade exata da criança e as condições para a efetuação correta dos cálculos das adequações das medidas aos valores normais.

A utilização da medida do perímetro braquial para detecção da dpc em pré-escolares vem sendo recomendada em situações onde por várias razões não possam ser utilizados os indicadores antropométricos clássicos, baseados no conhecimento do peso, altura e idade. Sobre estes indicadores, a medida do perímetro braquial teria as vantagens da simplicidade do instrumento utilizado, da facilidade, rapidez e baixo custo da obtenção da medida e da imediata e prática interpretação do resultado. O indicador baseado no perímetro braquial utiliza apenas uma fita métrica (ou mesmo um simples fio previamente demarcado), requer um treinamento mínimo daquele que vai obter a medida e fornece, imediatamente, o resultado, pois pode prescindir do conhecimento exato da idade da criança e do cálculo de adequações. Esta última característica do indicador decorre da pequena velocidade do crescimento da circunferência do braço na idade pré-escolar que permite que haja padrões únicos do perímetro braquial para conjuntos de idades agrupadas.

A escolha da circunferência do braço como local para averiguação das condições nutricionais da criança parte da admissão de que, diferentemente do que ocorre em outras idades quando a hipertrofia pelo exercício muscular tem que ser considerada, na criança a medida do perímetro braquial é reflexo principalmente do status atual ou recente da nutrição calórica e protéica espelhada nas lábeis reservas de calorias (gordura) e de proteínas (músculo) do braço3.

Entre as dificuldades relacionadas à utilização do perímetro braquial, destacam-se a elevada precisão que se requer na tomada da medida e a dificuldade em se estabelecer níveis críticos seguros que identifiquem as crianças desnutridas3. A elevada precisão decorre da pequena variabilidade que o perímetro braquial apresenta na população e os níveis críticos seguros estariam na dependência de que fosse extensivamente averiguada, em várias populações, a distribuição do perímetro braquial conforme o estado nutricional.

O presente trabalho se propõe a estabelecer, na população pré-escolar de nosso meio, a sensibilidade e a especificidade que um indicador baseado exclusivamente na medida do perímetro braquial teria na detecção da desnutrição diagnosticada pelas classificações tradicionais que se baseiam no conhecimento do peso, altura e idade.

Dado o caráter essencialmente prático que se espera de uma classificação baseada na medida do perímetro do braço, decidiu-se que a classificação a ser estudada deveria indicar o estado nutricional de um pré-escolar, com determinado número de anos completos e independentemente do sexo, como de desnutrição ou de eutrofia. Este estado dependeria de que seu perímetro braquial fosse, respectivamente, inferior ou não a um certo perímetro crítico previamente demarcado em instrumento designado para a medição da circunferência do braço.

MATERIAL E MÉTODOS

A população de pré-escolares utilizada para o estudo de sensibilidade e especificidade do indicador perímetro braquial corresponde a 1.362 crianças de 2 a 6 anos residentes na área de influência dos Centros de Educação e Alimentação do Pré-escolar – CEAPEs1, no Estado de São Paulo. Estas áreas estão situadas no interior do Estado, a oeste da capital, nos municípios de Campinas, Capivari, Indaiatuba, Sumaré, Leme e São Carlos. Dada a localização mais comum dos CEAPEs, na periferia das cidades, a população de estudo corresponde aos estratos mais pobres daqueles municípios, sendo constatada na mesma a presença de cerca de 90% de famílias com renda per capita abaixo de um salário-mínimo.

As medidas de peso e altura e do perímetro braquial dos pré-escolares foram obtidas entre outubro de 1977 e outubro de 1979 por equipes de antropometristas treinados, dentro de uma avaliação global dos CEAPEs. Foram seguidas as recomendações da Organização Mundial da Saúde quanto às técnicas para a obtenção das medidas, utilizando-se, para a tomada do peso, Balança Filizola, Série 3.134 com divisões de 100 g e para a tomada da altura e do perímetro braquial fitas métricas de "fibre glass" com divisões de 1 mm. Todos os pré-escolares foram pesados e medidos pelo menos duas vezes e independentemente por dois diferentes antropometristas. Havendo concordância dentro de um intervalo de 100 g para peso e 0,5 cm para altura e perímetro braquial, a medida atribuída a cada pré-escolar foi a média aritmética das duas medidas. Não existindo a referida concordância, as medidas eram repetidas pelos mesmos dois antropometristas até que se obtivesse a concordância.

A classificação do estado nutricional adotada como paradigma para o estudo da classificação baseada no perímetro braquial foi a classificação de Gomez2 que define como desnutrido todo aquele pré-escolar cuja adequação do peso para a idade e sexo seja igual ou inferior a 90%. Por esta classificação, a proporção de desnutridos na população era de 50,0%.

Em princípio, foi admitido que a classificação baseada no perímetro braquial deveria igualmente evitar casos "falsos negativos" e casos "falsos positivos"; em outras palavras, deveria igualmente interessar à classificação a sensibilidade e a especificidade com que ela detecta a desnutrição diagnosticada pelo critério de Gomez2.

Exploratoriamente, foi estudada a sensibilidade da classificação a quadros mais intensos de desnutrição identificados seja por adequação ponderal igual ou inferior a 75% (segundo e terceiro graus da classificação de Gomez2), seja por adequação pondo-estatural igual ou inferior a 90% (desnutrição aguda). Estas formas da desnutrição atingiam, respectivamente, 6,6% e 22,7% dos pré-escolares.

Para a obtenção das adequações do peso para a idade e do peso para a estatura foram utilizados os chamados padrões antropométricos de Santo André, Classe IV5.

RESULTADOS

A detecção da desnutrição através da medida do perímetro braquial logicamente depende do nível crítico que se convencione adotar para a medida, ou seja, do nível abaixo do qual esteja caracterizada a desnutrição.

As Tabelas de 1 a 5 trazem, para cada intervalo anual de idade, a sensibilidade (proporção de acertos na classificação dos desnutridos) e a especificidade (proporção de acertos na classificação dos eutróficos) da classificação baseada no perímetro braquial conforme a variação do nível crítico do mesmo. Nota-se que a escolha de níveis críticos altos beneficia a sensibilidade da classificação em detrimento da especificidade, o inverso ocorrendo com a escolha de níveis críticos baixos.

O exame dos gráficos apresentados nas Figuras de 1 a 5, construídos à base das tabelas anteriores, acrescenta a informação de que para cada intervalo anual de idade há um determinado nível do perímetro braquial que proporciona valores idênticos de sensibilidade e especificidade. Utilizando estes níveis como níveis críticos, a classificação do perímetro braquial na idade de 2 a 6 anos apresenta em média 76,5% de sensibilidade e especificidade, variando nas idades de 75,0 a 80,0% (Tabela 6).


A proximidade dos valores do perímetro braquial correspondentes a idênticas sensibilidades e especificidades nas idades de 3, 4 e 5 anos, sugere que a classificação baseada no perímetro braquial poderia considerar estas três faixas etárias como uma só, de modo que fossem ampliadas as vantagens operacionais da classificação. A Tabela 7 traz para a faixa etária de 3 a 5 anos, o comportamento da sensibilidade e da especificidade da classificação do perímetro braquial conforme a variação do nível crítico escolhido. O gráfico da Figura 7 informa que a adoção do nível do perímetro braquial, que iguala a sensibilidade e a especificidade naquela faixa etária, redunda em 75,0% de sensibilidade e especificidade. Alternativamente, portanto, à Tabela 6 encontra-se a Tabela 8, onde a classificação do perímetro braquial que considera apenas três faixas etárias – 2, 3 a 5 e 6 anos – apresentaria em média 76,0% de sensibilidade e especificidade.

As mesmas tabelas e gráficos relativos à desnutrição caracterizada pelo critério geral de Gomez foram construídos para a desnutrição exclusiva de segundo e terceiro graus (adequação ponderal igual ou inferior a 75%) e para a desnutrição aguda (adequação pondo-estatural igual ou inferior a 90%). Um resumo da sensibilidade que a classificação da medida do perímetro braquial teria na detecção destes casos se encontra na Tabela 9. Ali, observa-se que com os níveis críticos definidos anteriormente e presentes na Tabela 6, a classificação do perímetro braquial detecta em média 96,2% dos desnutridos de segundo e terceiro graus e 90,7% dos desnutridos agudos. Se utilizada a divisão simplificada dos pré-escolares em apenas três faixas etárias, conforme o verificado na Tabela 8, a detecção daqueles casos seria, em média, respectivamente, de 97,0% e 89,9% (Tabela 10).

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

A consideração da medida do perímetro braquial como instrumento diagnóstico do estado nutricional de pré-escolares se faz em função da possibilidade de se encontrar um indicador simplificado que possa ser utilizado em condições onde não seja possível a aplicação dos indicadores tradicionais baseados no peso, altura e idade.

Na população por nós estudada, a observação da medida do perímetro braquial, ao lado da classificação do estado nutricional baseada na adequação do peso à idade, revelou existirem determinados níveis críticos do perímetro que permitiriam o desenvolvimento de uma classificação simplificada do estado nutricional com sensibilidade e especificidade idênticas e situadas entre 75 e 80%, ou seja, para cada faixa anual de idade haveria um determinado nível do perímetro braquial que separaria, em 75-80% das vezes corretamente, os pré-escolares desnutridos dos demais. Verificou-se, ainda, que estes mesmos níveis críticos detectariam naquelas faixas de idade em torno de 95% das formas moderadas e graves da desnutrição (segundo e terceiro graus) e em torno de 90% das formas agudas (déficit na adequação pondo-estatural de pelo menos 10%).

A operacionalização da avaliação do estado nutricional por meio da medida do perímetro braquial pode ser bastante simplificada. Bastaria separar os pré-escolares, independentemente do sexo, em três grupos de idade: os de dois, os de três a cinco e os de seis anos completos. E, a seguir, utilizando três fitas métricas inextensíveis, previamente demarcadas, verificar quais pré-escolares se encontrariam abaixo do nível crítico correspondente à idade. Em vez de fitas métricas inextensíveis, poder-se-iam utilizar fitas métricas comuns, ou mesmo simples cordões como os propostos por Shakir e Morley 6 onde diferentes cores na extensão do cordão identificariam o estado nutricional, desde que os instrumentos utilizados fossem periodicamente averiguados contra um padrão.

Neste ponto, a questão principal que surge se refere à reprodutibilidade dos resultados e, neste sentido, é evidente a necessidade de repetição, em outras populações, de experimentos semelhantes com o perímetro braquial, já nas condições de operacionalidade sugeridas pelo nosso trabalho.

Um problema que desde já pode afetar a reprodutibilidade do desempenho do perímetro braquial se refere ao grau de precisão na tomada da medida. Recorde-se que em nosso estudo, em função da pequena variabilidade na população e para garantir o máximo de precisão, cada pré-escolar teve seu perímetro medido pelo menos duas vezes e por dois diferentes antropometristas previamente treinados. A este respeito, algo que poderia ampliar a precisão da medida, sem dificultar em demasia as condições de operacionalidade sugeridas, seria a repetição da verificação do perímetro sempre que se estivesse próximo dos valores críticos e até que fossem obtidos pelo menos dois resultados idênticos e sucessivos. É provável que este cuidado, ao lado da facilidade representada pela dispensa de leituras numéricas, permita condições de operacionalidade e precisão próximas àquelas por nós obtidas.

Outro aspecto que igualmente pode afetar a reprodutibilidade do desempenho do perímetro braquial se refere ao perfil nutricional da população a ser avaliada. É possível que em populações que se afastem muito das condições nutricionais da população que estudamos, não se mantenha a correspondência entre a adequação ponderal e o perímetro braquial. Nesta situação, poderiam ser outros os níveis críticos que melhor identificariam a fronteira entre a desnutrição e a eutrofia.

Na eventualidade de que nossos resultados se mostrem reprodutíveis, duas aplicações podem ser visualizadas para o perímetro braquial: a averiguação do estado nutricional de pré-escolares e a averiguação do perfil nutricional de conjuntos de pré-escolares.

Na averiguação individual do estado nutricional, a medida do perímetro braquial seria de limitada validade, pois que apresentaria sensibilidade e especificidade apenas razoáveis (75-80%) e o seu uso apenas deveria ser recomendado quando realmente fosse impossível o emprego dos indicadores tradicionais baseados no peso, altura e idade. A seu favor, a classificação do perímetro braquial, por nós sugerida, teria a vantagem de deixar de fora uma fração muito pequena das formas mais intensas de desnutrição, na medida em que sua sensibilidade para detectar estas formas sobe a 90-95%. Ainda na averiguação individual do estado nutricional há que se considerar a eventualidade de existir o interesse apenas na sensibilidade ou apenas na especificidade da classificação. Nestas situações, que ocorrem quando se pretende uma primeira triagem do estado nutricional ou quando se deseja a identificação de um grupo de pré-escolares certamente desnutridos, é fácil de ver que níveis, respectivamente, mais altos ou mais baixos do perímetro permitiriam excelentes resultados.

Na averiguação do estado nutricional de populações,o indicador baseado no perímetro braquial parece bem mais promissor. Com os níveis críticos, por nós sugeridos, a sensibilidade e a especificidade da classificação tenderiam a se igualar e, com isto, os erros cometidos pela mesma ao avaliar incorretamente desnutridos e eutróficos tenderiam a se anular, redundando em prevalência global da desnutrição semelhante a que seria obtida pela classificação de referência.

Um uso ainda teoricamente possível para um indicador do estado nutricional baseado no perímetro braquial seria na avaliação de programas para pré-escolares quando há o interesse na detecção de eventuais modificações do estado nutricional de indivíduos ou de populações.

Na avaliação de eventuais modificações em indivíduos, ao lado das limitações referentes à margem não desprezível de erro da classificação, redobrada agora em função da obtenção de duas tomadas, há a questão de se saber se em um processo de recuperação nutricional mantém-se a correspondência encontrada na população entre a adequação do peso à idade e a medida do perímetro braquial.

Na avaliação de modificações na prevalência global da desnutrição em um determinado conjunto de pré-escolares, o sucesso do indicador baseado no perímetro braquial dependeria apenas de que se mantivesse no intervalo de observação a correspondência entre a adequação do peso e o perímetro. Dados preliminares da avaliação da eficácia dos CEAPEs em reduzir a prevalência de desnutrição, ainda não completamente analisados, sugerem que a medida do perímetro braquial não acompanha, na correspondência que seria esperada, a melhora observada na adequação do peso à idade.

A título de conclusões do nosso experimento com o perímetro braquial na detecção do estado nutricional de pré-escolares, destacar-se-iam:

– o caráter absolutamente prático da medida do perímetro braquial que utilizaria instrumentos acessíveis em qualquer condição, que prescindiria de habilidades complexas na sua tomada e que dispensaria o conhecimento preciso da idade do pré-escolar;

– a possibilidade de que o perímetro braquial possa identificar com reduzida margem de erro o perfil nutricional de conjuntos de pré-escolares;

– a possibilidade de que, em condições de total impraticabilidade dos indicadores baseados no peso, altura e idade, a medida do perímetro braquial possa informar corretamente em 75-80% dos casos o estado nutricional de pré-escolares considerados individualmente. Ressalte-se, como pontos positivos, que a sensibilidade da classificação é maior do que a média para as formas mais intensas da desnutrição e que, em havendo interesse exclusivo pela sensibilidade ou pela especificidade, níveis críticos mais altos ou mais baixos do que os sugeridos poderiam melhorar sensivelmente o poder discriminatório da classificação;

– a improbabilidade de que a eficiência da classificação do perímetro braquial seja mantida quando do seu emprego para avaliar eventuais modificações do estado nutricional ocorridas em um determinado intervalo de tempo.

É importante enfatizar, contudo, que as possibilidades e limitações do indicador, baseado no perímetro braquial, apenas estarão satisfatoriamente avaliadas quando, em diferentes condições operacionais e em diferentes populações de pré-escolares, forem repetidos e analisados experimentos semelhantes ao que realizamos.

Recebido para publicação em 10/07/1981

Aprovado para publicação em 17/11/1981

Convênio 10/77 – INAN/DN/FSP/USP

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1981

    Histórico

    • Aceito
      17 Nov 1981
    • Recebido
      10 Jul 1981
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