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Assistência hospitalar no âmbito da previdência social no Estado de São Paulo, Brasil

Hospital care on the social welfare in the S. Paulo State, Brazil

Resumos

O número de leitos hospitalares à disposição de uma comunidade representa importante fator de limitação do nível de assistência médica que lhe é possível oferecer. Uma dificuldade inicial, em termos de realidade "brasileira, é a carência de estudos capazes de indicar os quantitativos de leitos hospitalares, gerais e especializados, necessários ao atendimento da população no Brasil. Daí a necessidade de os autores se valerem de dados que representam a transposição de números estrangeiros, os quais são, por isso mesmo, passíveis de crítica. Mesmo com essa limitação, parece razoável definir como necessidade mínima o número de 4 leitos por 1000 habitantes, quando se trata de leitos gerais não especializados, de 1,5/1000 para obstetrícia e 1/1000 para pediatria. A análise realizada, da assistência hospitalar prestada aos segurados do Instituto Nacional de Previdência Social, no Estado de São Paulo, permite algumas observações: 1 - existência de considerável número de municípios onde não existe siquer um estabelecimento hospitalar; 2 - relação de 1,95 leitos por 1000 segurados do INPS, quando se faz uma avaliação global, número inferior à metade do índice mínimo estabelecido; 3 - carência ainda mais grave, quando se analisam os dados separadamente para clínica médica e cirúrgica, obstetrícia e pediatria; 4 - a maior deficiência de leitos, em relação às regiões administrativas do Estado, refere-se à Grande São Paulo, quer quanto ao número global de leitos, quer quanto ao de leitos pelas especialidades acima referidas; 5 - em relação à psiquiatria, o índice encontrado, para atendimento da população previdenciária, é de 0,51 leitos/1000 usuários, o qual corresponde a 1/10 da relação aceita internacionalmente como razoável; 6 - no que se refere à tisiologia, êsse índice é de 0,14 leitos/1000 habitantes; 7 - considerando-se que o INPS já mantém convênio com cêrca de 90% dos hospitais particulares do Estado, os índices apresentados devem corresponder aproximadamente aos disponíveis para tôda a população, quando são incluídos todos os leitos disponíveis.

Assistência hospitalar; Previdência social; Assistência comunitária


The amount of hospital beds available for a community represents an important limiting factor to the medical care efficiency which is possible to offer to this community. In Brazil, one initial problem is the lack of any kind of study that could indicate the number of either general or specialized hospital beds required for the medical care of its population. Therefore, the authors must use data that is based on the transposition of foreign figures which are, for this reason, apt to criticism. Even with this limitation it seems reasonable to stablish, as the minimal requirement, the figure of 4 nonspecialized hospital beds for 1,000 habitants, of 1.5/1,000 for obstetrics and 1.0/1,000 por pediatrics. An analysis of the hospital assistance provided by the National Institute of Social Previdence (INPS) to its associates in the State of São Paulo permits one to outline the following observations: 1 - The existance of a great number of communities that completely lack of hospital facilities. 2 - A rate of 1.95 hospital beds for each 1,000 people ensured by the INPS if one considers the total number of beds; this figure is less than a half of the prestablished minimal acceptable index. 3 - The situation is even worse if one considers separately the data for intern medicine and general surgery, obstetrics and pediatrics. 4 - This hospital bed deficiency is even more striking in the Great São Paulo area when compared with the other administrative state areas. This is true for the total number of beds as well as for the specialized beds refered to above. 5 - As far as psychiatry is concerned, the observed index for the care of the ensured population of the social previdence is 0.5 beds/1,000 users, corresponding to 1/10 of the ratio international accepted as reasonable. 6 - In the field of tisiology this index falls to 0.14 beds/1,000 habitants. 7 - Considering the fact INPS already uses the facilities of aproximately 90% of the state private hospitals, the above mentioned indexes must aproximately correspond to those available for the total population when all the avaiable beds are included.

Hospital care; Social welfare; Community assistance


ARTIGO ORIGINAL

Assistência hospitalar no âmbito da previdência social no Estado de São Paulo, Brasil

Hospital care on the social welfare in the S. Paulo State, Brazil

Ernesto Lima GonçalvesI; Manoel J. Moreira DiasII; Horácio Belfort de MattosII

IDa Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Av. Dr. Arnaldo, 455 – São Paulo, SP, Brasil – Coordenador de Assistência Médica do Instituto Nacional da Previdência Social para o Estado de São Paulo

IIMédico da Coordenação de Assistência Médica do INPS em São Paulo – Av. 9 de Julho, 611 – São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

O número de leitos hospitalares à disposição de uma comunidade representa importante fator de limitação do nível de assistência médica que lhe é possível oferecer. Uma dificuldade inicial, em termos de realidade "brasileira, é a carência de estudos capazes de indicar os quantitativos de leitos hospitalares, gerais e especializados, necessários ao atendimento da população no Brasil. Daí a necessidade de os autores se valerem de dados que representam a transposição de números estrangeiros, os quais são, por isso mesmo, passíveis de crítica. Mesmo com essa limitação, parece razoável definir como necessidade mínima o número de 4 leitos por 1000 habitantes, quando se trata de leitos gerais não especializados, de 1,5/1000 para obstetrícia e 1/1000 para pediatria. A análise realizada, da assistência hospitalar prestada aos segurados do Instituto Nacional de Previdência Social, no Estado de São Paulo, permite algumas observações: 1 – existência de considerável número de municípios onde não existe siquer um estabelecimento hospitalar; 2 – relação de 1,95 leitos por 1000 segurados do INPS, quando se faz uma avaliação global, número inferior à metade do índice mínimo estabelecido; 3 – carência ainda mais grave, quando se analisam os dados separadamente para clínica médica e cirúrgica, obstetrícia e pediatria; 4 – a maior deficiência de leitos, em relação às regiões administrativas do Estado, refere-se à Grande São Paulo, quer quanto ao número global de leitos, quer quanto ao de leitos pelas especialidades acima referidas; 5 – em relação à psiquiatria, o índice encontrado, para atendimento da população previdenciária, é de 0,51 leitos/1000 usuários, o qual corresponde a 1/10 da relação aceita internacionalmente como razoável; 6 – no que se refere à tisiologia, êsse índice é de 0,14 leitos/1000 habitantes; 7 – considerando-se que o INPS já mantém convênio com cêrca de 90% dos hospitais particulares do Estado, os índices apresentados devem corresponder aproximadamente aos disponíveis para tôda a população, quando são incluídos todos os leitos disponíveis.

Unitermos: Assistência hospitalar*; Previdência social*; Assistência comunitária*.

SUMMARY

The amount of hospital beds available for a community represents an important limiting factor to the medical care efficiency which is possible to offer to this community. In Brazil, one initial problem is the lack of any kind of study that could indicate the number of either general or specialized hospital beds required for the medical care of its population. Therefore, the authors must use data that is based on the transposition of foreign figures which are, for this reason, apt to criticism. Even with this limitation it seems reasonable to stablish, as the minimal requirement, the figure of 4 nonspecialized hospital beds for 1,000 habitants, of 1.5/1,000 for obstetrics and 1.0/1,000 por pediatrics. An analysis of the hospital assistance provided by the National Institute of Social Previdence (INPS) to its associates in the State of São Paulo permits one to outline the following observations: 1 – The existance of a great number of communities that completely lack of hospital facilities. 2 – A rate of 1.95 hospital beds for each 1,000 people ensured by the INPS if one considers the total number of beds; this figure is less than a half of the prestablished minimal acceptable index. 3 – The situation is even worse if one considers separately the data for intern medicine and general surgery, obstetrics and pediatrics. 4 – This hospital bed deficiency is even more striking in the Great São Paulo area when compared with the other administrative state areas. This is true for the total number of beds as well as for the specialized beds refered to above. 5 – As far as psychiatry is concerned, the observed index for the care of the ensured population of the social previdence is 0.5 beds/1,000 users, corresponding to 1/10 of the ratio international accepted as reasonable. 6 – In the field of tisiology this index falls to 0.14 beds/1,000 habitants. 7 – Considering the fact INPS already uses the facilities of aproximately 90% of the state private hospitals, the above mentioned indexes must aproximately correspond to those available for the total population when all the avaiable beds are included.

Uniterms: Hospital care*; Social welfare*; Community assistance.

INTRODUÇÃO

Fator obviamente limitante do nível de assistência médica que se pode oferecer a uma comunidade é o número de leitos hospitalares à sua disposição. Aquém de certo limite, por maiores que sejam os esforços das autoridades responsáveis pela saúde da população, grave insuficiência poderá resultar. Abaixo de certos níveis, a situação pode agravar-se de tal maneira que passa a representar verdadeiro problema de saúde pública.

Tôdas as vêzes em que se procuram definir os limites que devem ser considerados como mínimos, no que se refere a necessidades em leitos hospitalares, esbarramos na dificuldade representada pela inexistência de critérios definitivos. Mesmo em países onde princípios científicos de administração já são tradicional mente respeitados, na área de assistência médico-hospitalar as variações são consideráveis. CASELLA 1, citando dados da literatura internacional, oferece números relativos a hospitais gerais que permitem compor a Tabela 1.

A carência de dados nacionais tecnicamente definidos obriga ao emprêgo de estatísticas e de números estrangeiros, provavelmente impossíveis de serem transpostos para o Brasil sem o risco de interpretações distorcidas. Não cabe, contudo, no momento, outra alternativa senão nos fixarmos no número aproximado de 4,0 a 5,0 leitos/1000 habitantes, para atender à necessidade de leitos gerais, não especializados 2, 5, 6.

É bem verdade que existem aspectos da realidade brasileira, que podem influir nessa definição. De um lado, há circunstâncias que orientariam no sentido de uma possível redução do número de leitos hospitalares à disposição da comunidade; seria o caso, por exemplo, da composição etária de nossa população. É bem conhecido o largo predomínio da população jovem sôbre a adulta no Brasil; basta dizer que, enquanto na França a relação entre jovens de 15 a 21 anos e os adultos de mais de 21 anos é de 1,2 para 1, no Brasil ela é de 6 para 1.

Existem, ainda, dados de origem americana4 que traduzem a utilização de leitos hospitalares, de acôrdo com a faixa etária considerada. Assim, nos Estados Unidos observou-se que o grupo de menos de 15 anos utilizou por ano, por 1000 habitantes, 375 dias de hospitalização; o grupo de 15 a 44 anos de idade, 963 dias; o grupo de 45 a 64 anos, 1.368 dias; o grupo de mais de 65 anos, 2.176 dias por ano.

Diante de tais fatos, o número de leitos hospitalares necessários para atender à população poderia ser inferior entre nós do que os índices europeus ou americanos apontados.

É bem verdade, contudo, que certas condições de desenvolvimento influem em sentido inverso, colocando uma necessidade de leitos maior do que os índices dos países desenvolvidos; é o caso dos baixos níveis de saúde de nossa população, que aumentam a morbilidade exigindo, então, a internação de maior número de doentes.

Em relação aos leitos hospitalares de algumas especialidades básicas – obstetrícia e pediatria, principalmente – repetem-se as mesmas dúvidas. Em relação à obstetrícia, calculam alguns 1que, para hospitalizar 30% das parturientes, seriam necessários 0,45 leitos/1000 habitantes; daí ser possível admitir-se como satisfatório, para atendimento das necessidades globais, um número aproximado de 1,5 leitos/1000 habitantes.

Outra maneira, que nos parece mais exata, de calcular a demanda de leitos de obstetrícia, é tomar-se como base o coeficiente de natalidade, desde que se sabe que cada leito de maternidade atende num ano cerca de 60 gestantes. Para o Estado de São Paulo, por exemplo, sabemos que o coeficiente de natalidade foi de 25,9% em 1969, último ano para o qual dispomos dos dados respectivos; com base nesses números, temos um total de 474.643 nascimentos, deixando de fazer aquí a distinção entre nascidos vivos e nascidos mortos. Em conseqüência seriam necessários 7.910 leitos, o que dá um índice de 0,46 leitos/1000 habitantes, uma vez que a população do Estado era estimada em 17.186.000 habitantes naquele ano.

No que se refere à pediatria, os dados americanos indicam o índice de 0,5 leitos/1000 habitantes como mínimo satisfatório; tal número é certamente insuficiente para nós, diante da alta morbilidade que incide sôbre a faixa etária mais baixa de nossa população. Daí admitir-se como razoável índice em torno de 1,0 leito/1000 habitantes 7.

Uma forma menos empírica de calcular o número de leitos hospitalares para atender às necessidades de uma comunidade é o emprego da chamada relação leito/óbito. Segundo a definição oficial, "o número de leitos ocupados necessários é o produto da relação leito-óbito pelo número de óbitos que se espera hospitalizar"; é importante que se considere o número de óbitos que se espera hospitalizar, porque nem todos os doentes que chegam ao óbito podem ser hospitalizados. Contudo, o emprego dêsse índice para avaliar o número de leitos hospitalares suficientes para atender às ne necessidades de nosso meio é extremamente difícil, diante do primarismo das estatísticas de saúde de que dispomos.

Diante de tudo isso, a única hipótese é nos valermos dos dados de origem estrangeira, como já dissemos. Mas, ao lado desses existe aquilo que a experiência indica, que a vivência de cada dia vem demonstrando. Assim, a Coordenação de Assistência Médica do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), em São Paulo, que tem a seu cargo a administração da assistência médica a ser prestada a todos os segurados da Previdência Social no Estado de São Paulo, tem podido sentir uma situação difícil, que não data de hoje, mas que vem se agravando sempre nos últimos tempos

SITUAÇÃO DA ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DA POPULAÇÃO PREVIDENCIÁRIA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Procurando equacionar o problema da assistência hospitalar à população previdenciária no Estado de São Paulo, desenvolvemos um trabalho cuja primeira fase foi o cálculo da fração da comunidade que deve estar coberta pelos recursos da Previdência Social. Com dados do recenseamento nacional realizado em fins de 1970 e, levando em conta os índices de urbanização de cada uma das regiões administrativas do Estado, foi possível chegar a valores aproximados a respeito daquela população previdenciária. É o que aparece na Tabela 2, em que a região 1 é dividida em zona A, que abrange os municípios de São Paulo, Osasco e Guarulhos e a zona B, que comprende os municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano.

Pela Tabela 2 observamos que o fato mais chocante é a existência de número apreciável de municípios onde não existem instituições hospitalares contratadas pelo INPS. A razão é que, na grande maioria deles, simplesmente não existem estabelecimentos hospitalares em funcionamento.

Mais importante do que o número de hospitais é a proporção de leitos à disposição da comunidade, porque este é que retrata na verdade o nível de assistência, hospitalar que a comundade recebe. Daí a elaboração da Tabela 3, em que, ao lado dos leitos disponíveis para os segurados do INPS, figuram dados fornecidos pelo Conselho Estadual de Auxílios e Subvenções (CEAS) na XVIII Jornada de Administração Hospitalar realizada em Bauru em outubro de 1971. Os números referem-se a hospitais gerais não especializados.

O dado mais importante que essa Tabela nos oferece é a relação de leitos/ 1000 habitantes; o índice para o global do Estado de São Paulo é inferior aos dados habitualmente aceitos como satisfatórios. Mas, a relação correspondente ao número de leitos hospitalares e a população providenciária, em São Paulo, chega a ser alarmante: o índice 1,95 leitos/1000 habitantes indica que, por maiores que sejam os esforços feitos, os 11.000.000 de segurados do INPS não têm condições para um atendimento hospitalar satisfatório. Acresce que essa faixa da população é exatamente a mais necessitada, por carecer de recursos econômicos próprios, bem como o que mais pesa em termos de produtividade de nosso Estado.

Observa-se que, de um modo geral, há concordância entre as variações nas duas séries de dados: com exceção da região 1, as maiores carências correspondem, nas duas estatísticas, às regiões 2, 3, 9 e 10. A diferença entre os números referentes à região n.° 1, é condicionada à presença, nos números do CEAS, de considerável quantidade de leitos governamentais, gratuitos, que não estão à disposição dos segurados da Previdência Social.

SITUAÇÃO REFERENTE A LEITOS DE CLÍNICA MÉDICA, CIRURGIA, OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA

Uma análise mais minuciosa da situação pode ser feita com a consideração, isolada, dos leitos disponíveis em clínica médica e cirúrgica, obstetrícia e pediatria. De acordo com o que foi dito no início, os índices satisfatórios para esses 3 grupos de leitos hospitalares estariam, respectivamente, em torno de 4, 1,5 e 1/1000 habitantes ou no caso da Previdência Social, por 1000 beneficiários do INPS. Com base em tais dados, foi elaborada a Tabela 4 onde aparecem, para cada região administrativa do Estado e para cada uma das especialidades referidas, os números de leitos existentes, os números necessários para atender a população em padrão adequado, bem como a carência numérica de leitos.

Observação interessante pode ser feita a respeito da distribuição dos leitos de pediatria no conjunto de leitos hospitalares gerais de uma comunidade; tem-se por estabelecido que uma proporção aceitável seria de 21% do total de leitos gerais serem reservados para internações de pediatria. No caso dos leitos disponíveis para os beneficiários da Previdência Social, essa relação é a seguinte, nas diversas regiões administrativas do Estado, 1 A – 17%; 1 B – 22%; 2 – 19%; 3 – 21%; 4 – 10%; 5 – 16%; 6 – 10%; 7 – 10%; 8 – 15%; 9 – 25%; 10 – 8%; 11 – 11%.

Observa-se, por conseguinte, que existe, além de generalizada carência de leitos hospitalares gerais em nosso Estado, considerável distorção no que diz respeito às principais especialidades. Basta ver, por exemplo, que na região, 9, centralizada em Araçatuba, caracterizada por um dos mais baixos índices de leitos gerais do Estado (2,34/1000 beneficiários do INPS) existe relação superior à normal entre leitos de pediatria e número global de leitos hospitalares. Na maioria das regiões, porém, a referida relação é inferior ao mínimo exigível para uma distribuição equilibrada de leitos.

SITUAÇÃO REFERENTE A LEITOS DE PSIQUIATRIA E TISIOLOGIA

Aspecto extremamente importante da assistência hospitalar a ser considerado é o que se refere aos leitos reservados para psicopatas. Trata-se de setor onde a carência assume aspecto alarmante, o que permite ou enseja graves distorções. Basta verificar em termos de leitos reservados aos segurados da Previdência Social, que o número correspondente ao total assegurado por dispositivos legais, inclusive o próprio Código Sanitário do Estado, seria de 5.976 leitos, segundo levantamento realizado recentemente pela Coordenação de Assistência Médica do INPS. Êsse número, relacionado com a estimativa de previdenciários, que chega a 11.623.260, oferece um índice de 0,51 leitos/1000 usuários, o que significa aproximadamente 1/10 daquilo que internacionalmente se aceita como razoável3. Um fator atenuante dessa carência é o número considerável de leitos governamentais para psicopatas e que teòricamente permaneceriam à disposição da população não coberta pela Previdência Social. Teríamos, nesse grupo, um total de 19.847 leitos para 6.120.353 habitantes, o que dá um índice de 3,24 leitos/1000 habitantes. Na verdade, número considerável de previdenciários deve estar sendo internado nos leitos gratuitos, governamentais que teoricamente deveriam ser reservados para indigentes, o que alivia um pouco aquela situação de carência na área da assistência médica do INPS.

Como se disse, a carência referida enseja distorções que resultam em atendimentos deficientes aos doentes; é fácil de compreender que o padrão de tratamento dos doentes deve sofrer quando, em lugar dos 5976 leitos que deveriam existir nos hospitais psiquiátricos sob contrato com o INPS, existem 7649 doentes internados, de acordo com o levantamento referido, realizado em maio de 1971, no âmbito da Previdência Social. Trata-se de situação irregular, que vem sendo abordada com empenho pela Coordenação de Assistência Médica do INPS em São Paulo.

Outro grupo de leitos hospitalares que merece ser analisado é o reservado ao tratamento de portadores de tuberculose; êsse número tem sofrido alterações decorrentes da mudança de política adotada no combate à doença, a qual envolve ênfase especial no tratamento ambulatorial, em detrimento das internações hospitalares. Em conseqüência, observou-se uma redução do número de leitos reservados a portadores de tuberculose no Estado de São Paulo. Segundo YUNES7, em 1965 o total de leitos para tuberculose era de 7.426, passando em 1966 para 7.220 e em 1967 para 6.669; em conseqüência, o índice de leitos/1000 habitantes passou de 0,48 para 0,46 e para 0,41 naqueles anos indicados. Os dados da Coordenadoria da Assistência Hospitalar da Secretaria da Saúde do Estado indicam um número ainda menor para 1970, num total de 6.221 leitos.

No que se refere aos segurados da Previdência Social, existe à disposição do INPS um total de 1467 leitos em todo o Estado; correlacionando esse número com a estimativa já referida de 11.623.360 previdenciários, temos um índice de 0,14 leitos/1000 usuários, o que pode ser considerado bastante baixo. Esta situação é agravada pela exagerada permanência média dos doentes internados sob responsabilidade do INPS, a qual chega, segundo levantamento realizado em outubro de 1971, a 170 dias.

É importante lembrar que, mesmo em função da nova filosofia de tratamento da tuberculose, existe carência de atendimento do doente previdenciário, o que faz com que a tuberculose continue a ser problema de saúde pública; basta dizer que a própria análise dos níveis de saúde caracterizam a tuberculose como principal responsável pelos óbitos por moléstias infecciosas.

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

A análise que realizamos até aqui, relativa à situação numérica dos leitos hospitalares no Estado de São Paulo, tomando por base as disponibilidades e necessidades dos beneficiários da Previdência Social, revela situação bastante precária; a afirmação é válida tanto para os leitos hospitalares gerais, como para os especializados. Como dissemos, essa situação reflete a posição global do Estado no terreno de leitos hospitalares, porque o INPS já mantém contrato com cerca de 90% da rede nosocomial em São Paulo. A carência descrita vem se agravando sempre, chegando, às vêzes, a situações angustiosas; é freqüente a inexistência de leitos hospitalares na cidade de São Paulo para atender a beneficiários da Previdência Social.

É evidente a influência que tem, sobre os níveis de atendimento da população e de manutenção de padrões de saúde adequados, uma carência tão considerável de leitos hospitalares. Basta lembrar que, de acôrdo com a Tabela 4, existe uma carência de 47.216 leitos, sem considerar a assistência especializada correspondente à tisiologia e à psiquiatria. É indispensável que as autoridades estaduais e federais sejam conscientizadas para o fato, porque a única solução para o problema será o estímulo à instalação de hospitais particulares ou a construção de hospitais governamentais.

A instalação de hospitais particulares implica indispensavelmente em financiamentos de vulto, com período de carência suficiente para que o hospital seja construído e comece a operar; apenas dessa maneira será possível o reembolso das quantias emprestadas e dos juros incidentes. É fácil imaginar que apenas instituições financeiras oficiais estarão em condições de arcar com empréstimos do tipo referido.

A construção de hospitais governamentais, no caso do INPS, é solução que a Coordenação de Assistência Médica em São Paulo defende vivamente, ao menos para o nosso Estado. Nesse sentido, já foi encaminhado à Administração Central do Instituto projeto de construção de hospital psiquiátrico próprio na cidade de São Paulo; trata-se de iniciativa pioneira no INPS no Brasil, destinada a ter repercussões extremamente importantes, em especial no que se refere a avaliação de custos e de técnicas terapêuticos especializados. No tocante a hospitais gerais, desenvolvem-se estudos relativos à instalação de 3 hospitais próprios no interior do Estado.

De tôda maneira, urge uma tomada de posição, porque a situação já caracteriza um problema de saúde pública e tende a agravar-se progressivamente.

Recebido para publicação em 29-11-1971

Aprovado para publicação em 7-1-1972

  • 1 CASELLA, M. Z. F. Determinação do número de leitos e respectivas especialidades para a cidade de São Paulo. Rev. paul. Hosp., 15 (2):29-37, 1967.
  • 2 COMISSION ON HOSPITAL CARE Hospital care in the United States. New York, Commonwealth Fund, 1947.
  • 3 CRUZ, C. R. A assistência ao psicopata e a responsabilidade do Estado. Rev. paul. Hosp., 13(4):17-24, 1965.
  • 4 GENTILE DE MELLO, C. Quantificação de leitos hospitalares. Rev. paul. Hosp., 13(4):50-1, 1964.
  • 5 PEDROSO, O. P. Hospital Dona Carolina Malheiros. Hospital da comunuidade. São Paulo, 1969. (Tese Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP).
  • 6 STONE, J. E. Hospital organization and management. 2nd ed. London, Faber & Faber, 1952.
  • 7 YUNES, J. A assistência hospitalar geral e especializada na área metropolitana de São Paulo. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 5: 23-39, 1971.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Mar 1972

Histórico

  • Aceito
    07 Jan 1972
  • Recebido
    29 Nov 1971
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