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Prevalência da cárie dental em brancos e não brancos

Resumos

Foram examinadas 378 crianças de um grupo escolar da Capital do Estado de São Paulo, com a finalidade de verificar se a prevalência de cárie dental em crianças de côr branca é maior do que em crianças de côr não branca. Após a análise estatística dos dados, utilizando o teste U, de Mann-Whitney, não paramétrico, concluiu-se que os brancos apresentam uma prevalência de cárie estatìsticamente maior, nas idades de 8, 10 e 12 anos, a um nível de significância de 5%.


Authors examined 378 children belonging to a primary school in the Capital of São Paulo in order to know whether the prevalence of dental caries is higher in whites than in non-whites. After statistical analysis, using Mann-Whitney non-parametric "U" test, they conclude that white children 8, 11 and 12 years old present a higher prevalence of caries, at the 5% level of significance.


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência da cárie dental em brancos e não brancos1 1 Da Cadeira de Estatística Aplicada à Saúde Pública da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP. Realizado sob a orientação da Cadeira de Odontologia Sanitária da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP.

José Maria Pacheco de SouzaI; Alberto Nuñez ArrillagaII; Fernando Vernaza OchoaIII; Oswaldo RochaIV

IDa Cadeira de Estatística Aplicada à Saúde Pública da FHSP/USP

IIDa Divisão de Odontologia Sanitária do "Ministério de Sanidad y Asistencia Social" – Caracas, Venezuela

IIIDo Departamento de Odontologia da "Secretaria de la Salud Publica Municipal" – Calli, Colômbia

IVDa Secretaria da Saúde do Distrito Federal – Brasília

RESUMO

Foram examinadas 378 crianças de um grupo escolar da Capital do Estado de São Paulo, com a finalidade de verificar se a prevalência de cárie dental em crianças de côr branca é maior do que em crianças de côr não branca. Após a análise estatística dos dados, utilizando o teste U, de Mann-Whitney, não paramétrico, concluiu-se que os brancos apresentam uma prevalência de cárie estatìsticamente maior, nas idades de 8, 10 e 12 anos, a um nível de significância de 5%.

SUMMARY

Authors examined 378 children belonging to a primary school in the Capital of São Paulo in order to know whether the prevalence of dental caries is higher in whites than in non-whites.

After statistical analysis, using Mann-Whitney non-parametric "U" test, they conclude that white children 8, 11 and 12 years old present a higher prevalence of caries, at the 5% level of significance.

1 – INTRODUÇÃO

Uma das grandes preocupações dos pesquisadores em relação à epidemiologia da cárie dental, é saber quais são as variáveis que podem alterar, para mais, ou para menos, sua prevalência. Até o presente momento, está suficientemente estabelecido que há duas grandes variáveis que agem nêste sentido: Açúcar e Flúor. Segundo o esquema de EASLICK2 (1952), os açúcares refinados consttiuem o "substrato de glúcides fermentáveis" que leva ao processo de descalcificação do esmalte. Por sua vez, o flúor atua melhorando a "estrutura solúvel aos ácidos" e inibindo o "sistema enzimático". O mesmo autor considera ainda outros três fatôres essenciais que são – presença de microorganismos acidófilos e acidógenos, placa bacteriana dental e suscetibilidade do paciente, êste último, ìntimamente relacionado com nosso trabalho.

Com respeito à suscetibilidade, já existem vários estudos quanto a povos diferentes, sexo, côr, condições sócio-econômicas, etc., comprovando-se que há indivíduos que possuem uma imunidade que os protege. KLEIN 3 (1946) apresenta observações de famílias humanas cujos membros apresentam muito pouca, ou nenhuma cárie dental, durante algumas gerações. Em relação a raças, temos que tomar cuidado quanto ao meio ambiente em que vivem, devendo-se, portanto, estudar grupos humanos que tenham condições de vida as mais semelhantes possíveis (VIEGAS 8 (1961). BLACKERBY 1 (1939) comparou as condições dentais entre brancos e negros, em crianças de 6 a 17 anos, em zonas rurais e semi-rurais do sul dos Estados Unidos, encontrando para os brancos uma média de 4,16 dentes afetados por criança e para os negros, 2,29. SEBELIUS 5 (1944) examinou 2.928 crianças brancas e 2.917 pretas, entre 3 e 17 anos, no Tenessee, EUA, encontrando uma média de 4,07 dentes CPO entre os brancos e 3,15 entre os negros.

No Brasil, têm-se a impressão, baseada em observações clínicas, que os negros têm melhores condições dentais. O objetivo dêste trabalho é fazer uma comparação da prevalência de cárie dental em dentes permanentes, entre brancos e não brancos, em crianças que freqüentam escola em bairro de baixo nível econômico, nas idades de 8, 10, 11 e 12 anos.

MATERIAL E MÉTODO

A Tabela 1 contém a distribuição de tôdas as crianças, segundo idade e sexo, matriculadas, em 1965, no Grupo Escolar Ary Barroso, localizado no Parque Peruche, bairro desta Capital, que tem como habitantes pessoas de baixa condição sócio-econômica.

Limitações de ordem material e de tempo não permitiram estudar tôdas as crianças. Resolvemos, por isso examinar aquelas presentes nos 1.° e 2.° período de aulas, nos dias 20 e 21 de setembro de 1965; destas, constituímos uma amostra, sempre com a preocupação de, em cada grupo etário, manter, para brancos e não brancos, a mesma distribuição por sexo, pois sabe-se que as meninas têm maior prevalência do que os meninos, numa mesma idade (KLEIN & PALMER 4, 1938). Assim procedendo chegamos a um total de 378 crianças, distribuídas segundo as Tabelas 2, 3 e 4. O critério acima explicado levou-nos a ter uma distribuição amostral por idade que não se afasta substancialmente daquela verificada no grupo total de crianças, como vemos na Tabela 5.

A classificação das crianças segundo a côr, foi feita pelos próprios examinadores, prèviamente aos exames, levando-se em conta os sinais externos, tais como côr da pele, cabelos, nariz, lábios, côr da palma da mão e gengivas. As crianças de côr amarela e as de côr duvidosa foram eliminadas do estudo.

Para verificar se seus critérios, conceitos e técnicas de diagnóstico eram uniformes, os autores já haviam realizado anteriormente um outro trabalho, de calibração. Os resultados obtidos foram considerados bons, com diferenças INTRA e ENTRE examinadores menores do que 10%, em média.

Os exames dentais foram feitos em um pátio coberto, com boa luz natural, utilizando-se espelho bucal e sonda exploradora n.° 5. As crianças permaneciam sentadas em cadeiras comuns, de frente para a luz. Os examinadores também trabalharam sentados em cadeiras comuns, do lado direito da criança, com o anotador do lado opôsto, sentado. Êstes anotadores eram alunos do 4.° ano do mesmo Grupo Escolar, prèviamente treinados. Todos os examinadores tiveram oportunidade de examinar crianças de tôdas as idades, sexo e côr, diminuindo, assim o risco de um vício devido a critério de exame.

Nêste estudo apenas se levaram em conta os dentes permanentes, adotando-se o índice CPOD para medir a condição dental. Os critérios de diagnóstico foram os seguintes: dente

Cariado

a) quando apresentava evidência de esmalte socavado, devendo haver uma cavidade definida, na qual o explorador penetrasse;

b) em caso de fissuras ou fóssulas, quando a ponta do explorador penetrasse e prendesse, satisfazendo ainda às condições de existir tecido cariado amolecido, ou de haver opacidade do esmalte, ou manchas típicas de cárie;

c) em caso de superfícies proximais, quando a ponta do explorador prendesse, permanecendo retida ao se fazer movimentos no sentido cérvico-oclusal.

Obturado

a) quando o dente se apresentasse perfeitamente restaurado, com material como amálgama de prata, ouro, cimento de silicato, porcelana, acolite, primaloy e acrílico.

Extraído

Quando foi extraído, devido a cárie dental.

Extração indicada

Quando o dente apresentasse uma lesão cariosa que atingisse a câmara pulpar.

Ausente

Quando ainda não tivesse irrompido, ou quando houvesse sido extraído por motivos ortodônticos.

Temos que chamar a atenção ainda, para as seguintes considerações: a) cada dente recebeu sòmente uma classificação; b) se um dente tivesse uma cárie e uma obturação, era contado como cariado; c) o dente era considerado presente quando já havia atravessado a fibro-mucosa gengival; d) se houvesse um dente permanente e um decíduo ocupando o mesmo espaço, só o permanente era considerado; e) em caso de dúvida entre são e cariado, o dente era considerado são, e em caso de dúvida entre cariado e extração indicada, era considerado cariado.

A análise estatística foi feita pelo teste U, de Mann-Whitney, não paramétrico, que leva em consideração os postos obtidos pelos valôres da unidade considerada (SIEGEL6, 1956). Assim o fizezemos porque não temos ainda evidência suficiente para supor que a distribuição da variável aleatória CPOD seja normal. Por outro lado, tivemos também o propósito de chamar a atenção para os testes não paramétricos, que acreditamos sejam de grande uso na pesquisa odontológica.

Em cada grupo etário testamos as seguintes hipóteses, a um nível de significância de 5%:

H0: prevalência de cárie dental em brancos = prevalência em não brancos;

H1: prevalência de cárie dental em brancos > prevalência em não brancos.

As decisões de aceitar ou rejeitar H0 foram tomadas levando-se em conta os valôres obtidos para a variável reduzida z, pois pudemos usar a aproximação normal para a variável U, em vista de nossas amostras, por grupo etário e côr, terem sido sempre maiores do que 20.

Calculamos também, o número médio de dentes erupcionados por criança, pois uma possível maior prevalência poderia ser considerada existente apenas porque havia maior número de dentes expostos, devido a uma erupção precoce (STAGERDA & HILL7, 1942).

3 – RESULTADOS

Os valôres encontrados para brancos nas idades 8, 10, 11 e 12 anos, foram respectivamente: 3,28, 4,45, 7,34 e 7,58 CPOD, por criança; para não brancos tivemos: 2,21, 3,70, 3,87 e 6,76, como podemos observar na Tabela 6, que nos dá, também, as variabilidades.

Os testes estatísticos nos deram os seguintes valôres de U: para 8 anos, 551,5; para 10 anos, 961,5; para 11 anos, 765; para 12 anos, 803, aos quais correspondem os seguintes valôres de z: – 1,807; –1,399; –5,087 e –1,663. Como para o nível de significância de 5%, o valor crítico de z é –1,64, nós aceitamos a hipótese H0 apenas para a idade de 10 anos, rejeitando-a nas demais, como nos mostra a Tabela 7.

Finalmente, a Tabela 8 nos informa que o número médio de dentes irrompidos por criança foi, na mesma ordem de idade: para brancos, 13,31, 18,60, 23,62 e 25,93. Para não brancos tivemos: 13,52, 20,48, 23,27 e 25,85. Como vemos são bem semelhantes, com exceção para as crianças de 10 anos, onde observou-se um número médio de dentes irrompidos, maior para as não brancas, o que talvez pudesse explicar aquela aceitação de H0.

4 - CONCLUSÕES

Para as idades de 8, 11 e 12 anos, há uma maior prevalência de cárie dental entre os brancos em relação aos não brancos, em escolares de baixa condição sócio-econômica.

Esta maior prevalência não é devida a uma erupção precoce entre os brancos.

Recebido para publicação em 6-7-1967

  • 1. BLACKERBY Jr., P. E. Comparative analysis of dental conditions among white and negro children of rural and semirural communities. J. Amer. dent. Ass., 26(9):1574-1576, Sept. 1939.
  • 2. EASLICK, K. A. Practical application of caries control technics. J. Mich. dent. Soc., 34:110-119, 1952. Apud VIEGAS, A. R.8, p. 8.
  • 3. KLEIN, H. The family and dental disease. IV. Dental disease (DMF) experience in parents and offspring. J. Amer. dent. Ass., 33(11):735-743, June 1946.
  • 4. KLEIN, H. & PALMER, C. E. Studies on dental caries. VII. Sex differences in dental caries experience of elementary school children. Publ. Hlth Rep., 53(38):1685-1690, Sept. 1938.
  • 5. SEBELIUS, C. L. Variations in dental caries: rates among white and negro children. J. Amer. dent. Ass., 31(7):544-549, Apr. 1944.
  • 6. SIEGEL, S. Nonparametric statistics for the behavioral sciences. New York, McGraw-Hill, 1956. p. 116-127.
  • 7. STEGGERDA, M. & HILL, T. J. Eruption time of teeth among whites, negroes, and indians. Amer. J. Orthodont. Oral Surg., 28(6):361-370, June 1942.
  • 8. VIEGAS, A. R. Aspectos preventivos da cárie dentária. São Paulo, FHSP, 1961. p. 58 (Manual de odontologia sanitária, v. 3).
  • 1
    Da Cadeira de Estatística Aplicada à Saúde Pública da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP. Realizado sob a orientação da Cadeira de Odontologia Sanitária da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1967

    Histórico

    • Recebido
      06 Jul 1967
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