Acessibilidade / Reportar erro

“Ser índio deixou de ser sinônimo de escondido no mato”: uma conversa sobre visibilidade com Ailton Krenak

Ailton Alves Lacerda Krenak é uma das vozes indígenas brasileiras de maior visibilidade na atualidade. Ativista, jornalista e escritor, ele nasceu em 1953 na Terra Indígena Krenak, na região do Vale do Rio Doce, na região Sudeste do país. Nos últimos anos, sua presença tem sido bastante requisitada no meio acadêmico e nos espaços midiáticos, principalmente quando estão em pauta os direitos dos povos indígenas e os impactos da ação predatória do homem para o futuro do planeta.

Sua visão particular sobre questões atuais está registrada nos seus últimos livros, que foram muito bem recebidos pela crítica e pelo público, como em Ideias para Adiar o Fim do MundoKRENAK, Ailton. 2019. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras., de 2019, em que recusa a legitimação do humano como superior aos demais seres e propõe uma ressignificação da existência apoiada na diversidade, e em O Amanhã não está à VendaKRENAK, Ailton. 2020. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras . e A Vida Não É ÚtilKRENAK, Ailton. 2020. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras ., lançados em 2020, em plena pandemia do coronavírus, cujas reflexões destacam a profunda desconexão do ser humano com o organismo Terra.

Em 2014, muitas destas questões já se apresentavam nas entrelinhas do que falava Krenak, quando aceitou ser um dos entrevistados da pesquisa que resultou na tese de doutorado Visibilidade, Comunicação, Políticas Públicas e Saúde: Ressonâncias e Interrelações na Saúde Indígena (Moreira, 2014MOREIRA, Adriano De Lavor. 2014. Visibilidade, comunicação, políticas públicas e saúde: ressonâncias e interrelações na saúde indígena. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, Fundação Oswaldo Cruz.), defendida em outubro daquele mesmo ano no Programa de Pós-Graduação em Informação, Comunicação e Saúde da Fiocruz.

Na entrevista que concedeu no dia 11 de junho de 2014, quando ocupava o cargo de assessor especial para assuntos indígenas no Governo de Minas Gerais, o pensador recuperou parte das origens de sua trajetória no movimento indígena e defendeu que a emergência de novas identidades no interior das comunidades tradicionais contribuiu para a conquista da visibilidade social de grupos que, como os indígenas, deixaram de ser considerados minorias e passaram a compor uma grande maioria de excluídos. “Os índios, definitivamente, não são uma minoria”.

Essa visibilidade, disse Krenak, é uma espécie de garantia de sobrevivência para estes grupos: “A reação das pessoas em qualquer lugar do mundo, hoje, diante de qualquer atitude que pretenda suprimir uma determinada comunidade dos humanos é violenta”, assegurou, lembrando que ainda no século XX chegou a prever a resistência que se seguiria: “Se vocês não acabaram com a gente até agora, perderam, porque daqui para frente não terão mais essa chance”.

Ele considera que para se discutir a visibilidade dos indígenas no século XXI é preciso levar em consideração que eles estão inseridos em diferentes setores da sociedade e, portanto, muito mais visíveis -“Ser índio deixou de ser sinônimo de escondido no mato”, argumentou, ponderando que tanto para os que vivem no ambiente urbano como para aqueles que estão em lugares considerados“remotos”, a visibilidade é maior quando está associada a situações de ameaça e de vulnerabilidade.

Na entrevista, Krenak criticou o modo como é conduzido o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e se mostrou reticente quanto aos mecanismos e espaços de participação social: “Ainda há uma grande distância entre o que os conselhos locais e regionais demandam e formulam e o que os gestores fazem acontecer depois”, avaliou. Mesmo assim, ele concordou que as ações que promovem a visibilidade interferem nas disputas assimétricas que antecedem a formulação e a condução de políticas públicas.

Ele citou episódios em que ações de visibilidade contribuíram para que indígenas conseguissem reverter decisões políticas no Congresso Nacional, avaliando serem decorrentes de um histórico de ativismo, a partir dos anos 1970, mas ponderou ser precipitado considerar que tais mobilizações possam representar mudanças políticas, pelo menos a curto prazo.

Na entrevista, Krenak falou, emocionado, sobre o episódio que protagonizou durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, quando pintou o rosto de preto enquanto discursava no Plenário do Congresso Nacional. “O povo indígena tem um jeito de pensar, tem um jeito de viver, tem condições fundamentais ‘para a sua existência e para a manifestação da sua tradição, da sua vida, da sua cultura, que não coloca em risco e nunca colocaram a existência, sequer, animais que vivem ao redor das áreas indígenas, quanto mais de outros seres humanos. Creio que nenhum dos senhores podem jamais apontar atos, atitudes da gente indígena do Brasil que colocaram em risco, seja a vida, seja o patrimônio de qualquer pessoa, de qualquer grupo humano neste país. Hoje somos alvo de uma agressão que pretende atingir, na essência, a nossa fé, a nossa confiança”, discursou naquele momento.

Figura 1
Ailton Krenak em seu pronunciamento durante a Assembleia Constituinte de 1987.

No discurso que proferiu, Krenak sinalizou esperança e registro sua confiança na dignidade dos que redigiam o conteúdo da Constituição que em breve seria aprovada no Congresso Nacional, declarando ser possível “construir uma sociedade que saiba respeitar os mais fracos, que saiba respeitar aqueles que não têm dinheiro”, mas criticando aqueles que mesmo assim mantinham “uma campanha incessante de difamação”. E assegurou, com o rosto já escurecido pela tinta que espalhava com suas mãos, que um povo que sempre viveu à revelia de todas as riquezas, um povo que habita casas cobertas de palha, que dorme em esteiras no chão, não deve ser de forma nenhuma contra os interesses do Brasil ou coloca em risco qualquer desenvolvimento. “O povo indígena tem regado com sangue cada hectare dos oito milhões de quilômetros quadrados do Brasil. Vossas Excelências são testemunhas disso”, denunciou, por fim, enquanto era aplaudido pelos presentes.

No momento em que relembrava o episódio, Krenak observou que só teve consciência do alcance da visibilidade de seu gesto muitos anos depois. “Aquilo ali foi uma conversa cara a cara com o sistema!” Ao se deparar pela primeira vez com a transcrição do discurso que proferiu, e que se tornou um marco na história brasileira, ele também revelou os bastidores da articulação que o levou ao plenário e comparou seu gesto com a ocupação do mesmo espaço pelos indígenas, em 2013. Embora concorde que a ação também tenha gerado grande repercussão midiática, ele considerou que não teve a mesma eficácia, já que o movimento mais recente apenas barrou temporariamente algumas medidas, ao passo que as conquistas de 1987 “ficaram cravadas na Constituição brasileira”.

Krenak também avaliou positivamente o uso de estratégias de comunicação e de promoção da visibilidade por organizações e ativistas indígenas, considerando que as novas redes digitais de comunicação podem viabilizar uma maior inserção de indígenas nos espaços de tomada de decisão política e aposta na construção de um Estado plurinacional, com base na alteridade. Por fim, declarou seu desejo de que as próximas gerações “possam experimentar um tipo de humanidade mais espontânea, menos programada, onde as pessoas possam viver melhor”.

Ailton, antes de iniciarmos nossa conversa sobre visibilidade, eu gostaria que você recuperasse um pouco da sua trajetória no movimento indígena e falasse das atividades que desenvolve hoje (2014).

Ailton Krenak: Eu coordeno a Rede Povos da Floresta, que reúne comunidades indígenas que se articulam em torno das novas tecnologias de informação. A Rede é uma atualização da Aliança dos Povos da Floresta, que teve como um dos seus mais ilustres idealizadores o nosso amigo Chico Mendes, lá no final da década de 1980, começo de 1990. Chico Mendes, seringueiros, ribeirinhos e comunidades indígenas sonharam com uma rede de cooperação entre diferentes comunidades na Amazônia, sonho que teve impacto significativo na articulação dos índios com a sociedade brasileira e com o conjunto de questões políticas, ambientais e socioambientais, quando ainda não eram colocadas nos termos que a gente vê agora, no século XXI. Eu estou falando sobre o final da década de 1980, 1990, quando a temática ambiental ainda era vista como algo muito elitista e Chico Mendes começou a dar sentido a essa ideia, relacionando-a com a questão fundiária, com o acesso à terra, com o acesso a direitos humanos fundamentais para pessoas que viviam na condição de semiescravidão na floresta. Ele, eu e outras lideranças indígenas, começamos a Aliança dos Povos da Floresta, que mais recentemente incluiu diferentes grupamentos humanos que, dependendo de seu tipo de assentamento ou de onde estão localizados, o ecossistema, o bioma, são chamados de “geraizeiros”1 1 Conforme apresentação do Ministério do Meio Ambiente (2016), “geraizeiros são as populações que habitam os campos gerais do Norte do estado de Minas Gerais, no Brasil. Sua autodefinição se contrapõe a outros povos (catingueiros, vazanteiros e veredeiros) que, apesar de se situarem nas mesmas regiões geográficas, vivem em biomas e com modos de vida distintos. Também são conhecidos como geralistas ou chapadeiros. Seu modo de vida está alinhado às características do Cerrado, de onde tiram tudo o que é necessário para sobreviver. Atuam de forma diversificada na produção dos meios de vida, por meio da criação de animais, plantações e extrativismo”. (Portal Ypadê, 7 jul 2016. Disponível em: http://portalypade.mma.gov.br/geraizeiros, acesso em: 11 jul. 2021). , “açaizeiros” 2 2 Homens e mulheres responsáveis pelo manejo e a colheita do açaí, fruta comum na região Norte do Brasil, que movimenta muitos ganhos econômicos para o país. ou “babaçueiros”3 3 Conforme reportagem produzida pelo Repórter Brasil, babaçueiros são aquelas “populações extrativistas que vivem da coleta do babaçu e da utilização dessa palmeira. Encontram-se espalhados por uma área de cerca de 200 mil quilômetros quadrados, basicamente entre os estados do Piauí e do Maranhão, no Nordeste do Brasil”. (Repórter Brasil, 1 abr 2005, disponível em https://reporterbrasil.org.br/2005/04/comunidades-emperigo/. Acesso em 10 set 2022. .Quando se fala em comunidades tradicionais, nos diferentes segmentos da sociedade brasileira, eu acho curioso que eles confundam atividade com cultura. Houve um tempo em que eles falavam “comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas”, que eram categorias, digamos assim, relacionadas com a forma de organizar o trabalho, de organização social. Mais recentemente isso se tornou tão amplo que passou a juntar todo mundo. As quebradeiras de coco do Maranhão também são elencadas como comunidades tradicionais.

A emergência das novas identidades não tem fim, é algo que a gente inaugurou em alguns lugares do mundo, mas com maior visibilidade da América Latina. Essas novas identidades eclodiram e vão continuar! Na visão das comunidades indígenas, isso é a melhor coisa que poderia acontecer para a gente conquistar a tal da visibilidade. Agora nós deixamos de ser um fragmento do que eles chamavam “minorias” e passamos a ser uma parte da grande maioria, que são os excluídos. Excluídos de diferentes prismas, de diferentes exercícios do que nós poderíamos entender como cidadania plena. Nós fazemos parte dessa maioria. Os índios, definitivamente, não são uma minoria. Dizer que os índios ou que os negros são minorias é uma dificuldade de quem não faz uma leitura mais atualizada do que nós vivemos hoje. As demandas que essas diferentes comunidades apresentavam no final da década de 1990 eram uma espécie de apelo inútil diante da marcha do progresso e do capitalismo para a consolidação de um mundo determinado pelo mercado - algo que iludiu muita gente, fazendo-as até acharem que esse negócio de índio tinha que acabar lá no século XX.

Nós estamos cada vez mais visíveis, o que me levou a afirmar, na virada da década de 1990: “Se vocês não acabaram com a gente até agora, perderam, porque daqui para frente, não terão mais essa chance”. O que eu estava querendo dizer é que os genocídios, que foram muito comuns no século XX, fosse pela etnia ou pela religião ou por qualquer outra escolha (os ciganos, por exemplo) ou extermínios, quando aconteciam - fosse no Curdistão ou no Afeganistão - o resto do mundo fazia uma parábola e, algumas décadas depois, aquela tragédia estava absolvida. Hoje, sem chance de acabar com uma minoria dessa em algum lugar do mundo sem a gente armar uma tragédia, assim, incalculável. A reação das pessoas em qualquer lugar do mundo, hoje, diante de qualquer atitude que pretenda suprimir uma determinada comunidade dos humanos é violenta. Não tem nenhum governo que queira pagar esse preço. Nem os Estados Unidos, nem a Rússia, ninguém.

Partindo do pressuposto de que a visibilidade social e midiática é favorável para a garantia de direitos e da participação dos grupos sociais na condução das políticas públicas, quais seriam os contextos (ou situações, instrumentos) de visibilidade mais favoráveis para os povos indígenas hoje?

Ailton Krenak: Seria muito interessante, para quem está acompanhando nossa conversa, entender que o que nós estamos chamando de visibilidade tem conotações diferentes para o século XX e para o século XXI. Falar sobre visibilidade dos povos indígenas no século XX, um percentual pequeno da população, é uma coisa. Falar disso no século XXI, quando o IBGE descobriu que a Funai contabilizava 160 ou 230 mil - mas que na verdade são 1 milhão de indígenas espalhados em tudo quanto é lugar do país, é outra coisa. Eles estão nas universidades, nas fábricas, nas cidades, eles não estão escondidos no meio do mato. Ser índio deixou de ser sinônimo de escondido no mato. Índio ou indígena hoje pode ser sinônimo de alguém fazendo uma consultoria para a Comissão de Direitos Humanos da ONU, analisando violações de direitos de populações tribais na Ásia, na Oceania ou na América Latina. Existem consultores indígenas hoje trabalhando com esses organismos internacionais, com a Unesco. Então, como é que se pode dizer que essa gente tem algum grau de visibilidade deficitária em relação a um holandês que vem jogar bola no Rio de Janeiro? Ou a um italiano?

Eu queria trazer essa questão para dizer o seguinte: Eu não sinto que se alguma coisa atingir uma pessoa indígena lá na fronteira do Brasil com a Colômbia ou com a Venezuela, na mais preservada área de floresta, ela terá menos exigibilidade de direito de ser vista do que um guarani atingido no anel rodoviário de São Paulo, ou na Serra do Mar, no Rio de Janeiro. Se ele sofrer uma ofensa, uma agressão, em qualquer desses lugares, isso vai ser tomado com a mesma intensidade. Tem uma notícia que está circulando agora nas redes sociais, sobre uma antropóloga que estava no Vale do Javari4 4 A Terra Indígena do Vale do Javari é uma terra indígena localizada nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no oeste do estado do Amazonas, na região Norte do Brasil. Foi demarcada em 2001 e é considerada maior concentração de índios isolados no mundo. , numa região considerada remota. Eu costumo comentar que remoto é sempre o outro, remoto nunca é a gente. Eu nunca estou num lugar remoto. Nós estamos aqui na Cidade Administrativa de Belo Horizonte. Se a gente quiser se referir a alguém que está, por exemplo, em Foz do Iguaçu, nós vamos dizer que ele está num lugar remoto só porque estamos aqui? Ou alguém que está em Foz do Iguaçu vai se referir a alguém que está no Oiapoque como uma pessoa que está num lugar remoto? Ou a gente fala que alguém que está no Himalaia está num lugar remoto? Mesmo se você estiver escalando o Himalaia, remotos são os outros que não estão lá com você.

Então, a antropóloga estava lá no Vale do Javari, no meio lá dos nossos parentes Marubo, Kanamari, daqueles povos que vivem lá. Uma serpente picou a antropóloga, ela foi ofendida por uma serpente daquelas que se não tiver vacina e socorro rápido, a ferida necrosa e mata a pessoa. Ela começou a procurar socorro e isso virou a maior denúncia nas redes sociais! Sabe como essa denúncia chegou às redes sociais? Mostrando a vulnerabilidade do povo indígena que vive naquele lugar, sem acesso a um posto de saúde, sem acesso aos equipamentos que o serviço público deveria disponibilizar para eles: um barco, um soro, a vacina, uma mediação entre o lugar onde ela foi picada pela serpente e um socorro. A antropóloga não teve esse apoio, e os jornais noticiaram: “Nas mãos do pajé”5 5 “Nas mãos do pajé”, matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo de 14/6/2014. Disponível em https://alias.estadao.com.br/noticias/geral,nas-maos-do-paje,1511524, acesso em: 6 jul. 2021. . Eu achei isso o maior barato, porque quando eles disseram que tinha uma antropóloga, que é a ponta do conhecimento daqui dos brancos, abandonada no meio da floresta, nas mãos do pajé, eles transformaram essa denúncia numa outra denúncia, que dizia: “Olha como essa gente toda está na mão do pajé; se o pajé não conseguir resolver, eles morrem aqui, no meio do mato”.

O que você está dizendo, então, é que o contexto que dá mais visibilidade aos povos indígenas no Brasil é a ameaça e a vulnerabilidade?

Ailton Krenak: Exatamente.

E o que acontece quando é que essa visibilidade é positiva? Ela contribui para a concretização de políticas públicas mais adequadas para os povos indígenas? Amplia a possibilidade de participação na condução das políticas de saúde?

Ailton Krenak: Você viu a parábola da antropóloga? Você viu que, de verdade, não foi o indígena que sofreu o acidente? Você acha que um indígena teria morrido lá na floresta porque foi picado por uma serpente? Não, porque o pajé iria resolver. Ele está nas mãos do pajé. Aí eu faço uma provocação: Em que lugar os índios estão mais seguros? Na mão do pajé ou na mão do subsistema de saúde6 6 O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi/SUS) foi instituído em 1999 com a Lei Arouca, que articulou e integrou aos demais setores do SUS as ações de saúde que antes eram executadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Para entender melhor o funcionamento da política de saúde indígena no Brasil, consultar Moreira (2014) , que foi gerado dentro de uma política que é dos brancos?

Mesmo que se tenha criado o subsistema da saúde indígena numa perspectiva inclusiva e procurado fazê-lo mais próximo das demandas desse povo que chamamos de indígenas, e se tenha um arremedo de política para essa gente, é preciso olhar bem a política de saúde para os brancos. Como é que a gente vai ter alguma coisa para os indígenas, que não são formuladores, melhor do que aquilo que resulta no serviço da saúde pública para os brasileiros em geral? Os brasileiros em geral são mal servidos com o sistema da saúde, mas não é porque o Sistema Único de Saúde é ruim, mas sim pela maneira que ele é conduzido, que é muito arbitrária. É autoritário demais! Mesmo quando eles criam os conselhos, chamam a participação popular, o modo dos conselhos atuarem é autoritário, acaba expulsando as pessoas que têm vontade de cooperar para humanizar o serviço. Como se fosse do interesse de uma comunidade de interesses articulados, ele passa a ser um esquema subordinado à dinâmica das políticas gerais. Tipo, “o secretário nacional da Saúde é fulano”, aí então vai ter um reflexo a médio e longo prazo no serviço que chega ao posto de saúde, ao cidadão, entendeu?

Lá nos distritos sanitários indígenas, DSEI7 7 De acordo com a definição do Ministério da Saúde, Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) é a unidade gestora descentralizada do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). “Trata-se de um modelo de organização de serviços - orientado para um espaço etno-cultural dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado - que contempla um conjunto de atividades técnicas que se fundamentam em medidas racionalizadas e qualificadas de atenção à saúde. Além disso, promove a reordenação da rede de saúde e das práticas sanitárias por meio de atividades administrativo-gerenciais necessárias à prestação da assistência, com base no Controle Social”. Disponível em https://saudeindigena1.websiteseguro.com/coronavirus/dsei/, acesso em: 7 jul. 2021. , dependendo do camarada e do arranjo que ele fizer com o ministro da saúde, os DSEI viram uma tremenda arapuca onde só rola coisa que não tem nada aver com a prestação do serviço da saúde. É só arranjo. Aí entra o esquema do prefeito, do deputado, do vereador, que a gente percebe e demonstra em diferentes regiões do país. Acontece em qualquer lugar, não é só com as pessoas menos preparadas, onde acomunidade não participa ativamente. Eu estive na última Conferência Nacional de Saúde Indígena8 8 Ele se refere à 4ª Conferência Nacional de Saúde Indígena (4ª CNSI), parte integrante da 12ª Conferência Nacional de Saúde, que aconteceu em 2006 na cidade de Rio Quente (GO). O evento reuniu 800 delegados, dos quais 52% representaram os usuários indígenas. e vi o grau de participação, de atuação das lideranças indígenas - não só delegados, mas lideranças tradicionais. Muitas autoridades indígenas tratavam com muita desenvoltura o tema da saúde, a ponto de discutir até o orçamento dos DSEI. Aí você pensa que o negócio está muito bem resolvido. Está resolvido nada, porque você discute e ajuda a elaborar o orçamento do seu distrito sanitário, mas depois, na hora da execução, você vê absurdos, como equipes que são constituídas à revelia de quem vai receber o serviço. Ainda há uma grande distância entre o que os conselhos locais e regionais demandam e formulam e o que os gestores fazem acontecer depois. É como se já tivesse previsto que tem uma zona obscura onde os articuladores políticos e os gestores das diferentes unidades vão governar. Depois daquela zona é que o usuário vai dar palpite. Então na verdade toda aquela participação social representada pelos painéis da conferência e pelos banners bonitos é de verdade, mas na prática, quando os documentos são formulados, até na maneira de redigi-los, de fixar os compromissos, a participação de verdade é retirada.

Você considera que as ações que promovem a visibilidade dos povos indígenas geram algum impacto no contexto de disputas assimétricas que você descreveu?

Ailton Krenak: Existe. Você me mostrou uma manchete que você pesquisou, da época da Constituinte, que mostrava: “Minorias não atraem público”9 9 Krenak se refere a uma matéria publicada no Jornal do Brasil, dias antes do discurso histórico que fez na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987. A notícia pode ser lida na íntegra na Biblioteca Digital do Senado Federal, disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/117700. Acesso em: 6 jul. 2021. . Essa manchete não dizia a verdade. Você sabe o que as minorias fizeram na Constituinte de 1987? Escreveram a Constituição de 1988. É por isso que a direita fica querendo rasgá-la até hoje. Eu acho que eles nos deixaram escrever a Constituição porque pensaram que não era para valer. Mas aquela Constituição, que o Ulysses Guimarães chamou de Constituição Cidadã, ficou como uma peça para valer. Parece que o feitiço virou contra o feiticeiro, porque agora as pessoas vão para a rua. Você já viu a reação contra as PEC, o quanto mobilizou? E não só os índios. Os índios fizeram o presidente da Câmara sair com o documento na mão e, simbolicamente, ir lá no gramado do Congresso e queimar a PEC 215.10 10 A proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 215/2000, de autoria do deputado Almir Sá (PPB/RR), prevê, entre outras propostas, delegar exclusivamente ao Congresso Nacional o dever de demarcação de territórios indígenas e quilombolas, modificando o que diz a Constituição de 1988, que determina que o governo e a Funai são responsáveis pelas demarcações. Em 17 de abril de 2013, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), os indígenas ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados, exigindo que a PEC fosse arquivada. O protesto foi finalizado com a queima do texto da proposta pelos indígenas que ocupavam o gramado do Congresso, incentivados pelo deputado Lincoln Portela (PR/MG), mediador do GT Terras Indígenas da Casa, como ato simbólico pelo seu encaminhamento físico para o arquivamento. Aquilo foi muito simbólico, foi um ritual. E, por falar em visibilidade, quem queria fazer a gente acreditar que minoria não atrai público são exatamente aqueles que vinham comendo as minorias pelas beiradas.

Mas onde é maior a visibilidade dos povos indígenas hoje?

Ailton Krenak: Eu acredito que essa visibilidade é maior nos momentos de decisão, nos momentos em que você tem que confrontar o que sobra e o que fica. Por exemplo, nessas eleições agora11 11 Ele se refere às eleições presidenciais brasileiras de 2014, quando a presidente Dilma Rousseff (PT) se reelegeu com 51,64% dos votos. , quem vai decidir são as minorias. Quem vai reeleger a presidente serão as pessoas que vivem do cartão Bolsa-Família, que vivem da compreensão de que as mudanças políticas que foram feitas podem não ser percebidas agora, nessa década, mas são muito importantes porque vão fazer diferença na vida dos filhos e dos netos de quem tem 30, 40 anos hoje. Os índios estão dentro destas minorias, parece que finalmente conseguiram ser incluídos na lista de grupos onde também eram considerados minorias.

O que possibilitou o acesso dos indígenas a este lugar?

Ailton Krenak: Eu acho que foi uma disposição de briga que um punhadinho de gente indígena teve nas décadas de 1970 e 1980. De alguma maneira eles sacaram que precisavam espernear, esbravejar para serem ouvidos e conseguiram. Basta olhar o que os povos indígenas conquistaram com a Convenção 169 da OIT 12 12 A Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, de 1989, destaca o direito dos povos indígenas à terra e aos recursos naturais, à não-discriminação e a viverem e se desenvolverem de maneira diferenciada, segundo seus costumes. e com a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas13 13 Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, aprovada em 2007. . Aqueles debates foram feitos por cento e tantos países durante vinte e tantos anos. Finalmente saiu a declaração, a Austrália é signatária, o Canadá é signatário; o Brasil mesmo é signatário da Convenção 169, que dispensa os índios de ficarem sendo o tempo inteiro checados, autorizados. A autodeclaração de uma comunidade é suficiente para declarar que ela é uma comunidade remanescente, que é uma comunidade indígena. Não precisa que um agente público, um xerife, chegue e negue um crachá para eles. Isso é um avanço enorme nos direitos humanos e na garantia da visibilidade; esses povos conseguiram ocupar o lugar da exigibilidade do direito, que não depende do “sinhozinho” ser bom, do patrão ser bonzinho. Ou ele respeita os direitos ou ele vai ser derrubado. Antes, o sistema estava tão articulado que quando um segmento avançava na conquista dos seus direitos, ele arrumava um jeito de botar uma barreira.

E em que situações a visibilidade pode ser negativa para os indígenas?

Ailton Krenak: Você me alertou e me animou a fazer uma distinção entre a visibilidade na mídia e a visibilidade num campo social mais amplo, onde os enfrentamentos são reais, não são só encenação. Você só vai saber se é visível mesmo na hora que o bicho pegar e você tiver gente do seu lado dizendo: “Não vem não, que nós estamos juntos”. É isso que dá sentido à campanha nas redes sociais que diz: “Ah, eu sou kaiowá, eu sou guarani”, entendeu? Eu me surpreendi muito quando tanta gente, em tantos lugares, dizia “eu sou kaiowá”, “eu sou guarani”. Mas eu também fiquei grilado com aquilo. Fiquei pensando se aquilo era só uma moda. Mas daí concluí que os brasileiros, filhos de italianos, filhos de turcos, nisseis, finalmente conseguiram dizer que também são índios. Porque ninguém vai botar “não-sei-o-que kaiowá”, “não-sei-o-que-guarani” na assinatura se não estiver fazendo uma declaração simpática.

Mas você vê algum impacto de mobilizações deste tipo em mudança nas políticas públicas ou isso fica só no campo simbólico, do imaginário?

Ailton Krenak: Eu acho que dizer que já houve mudança em política pública por conta dessas mobilizações nos últimos dez anos seria prematuro. Mudanças em políticas públicas levam décadas para você perceber. O reflexo disso nunca é numa mesma geração, é nos filhos, nos netos. Você só vai perceber as mudanças muito externas, tipo “ganhei mais dinheiro e pude comprar um carro”, ou “agora nossa família já tem duas, três pessoas que têm casa própria”. Esse tipo você consegue perceber, mas isso é consumo, não é mudança de verdade na qualidade de vida de uma comunidade. Se você pensar em termos de país, não é mesmo, porque essas coisas aparentes chegam e vão embora. Na década de 1960, 1970, todo mundo achava que o Brasil ia “bombar”. O que “bombou” foi que ele virou uma ditadura horrorosa, excluiu gente demais e depois nós tivemos mais 20 anos de solidão. Agora, as pessoas estão de novo aí, eufóricas, achando que descobriram o caminho da eterna garantia de emprego, mas basta ficar uns cinco anos sem pleno emprego que todo mundo vai começar a berrar de novo.

Você participou na Assembleia Nacional Constituinte, no fim da década de 1980. É possível identificar mudanças de lá para cá? A visibilidade contribuiu para que elas acontecessem? Qual o real impacto do discurso que você fez, pintando o rosto de preto, na plenária da Constituinte?

Ailton Krenak: Eu acredito que a visibilidade contribuiu, sim. Aquilo repercutiu internamente no sistema de decisão política, mas demorou muito para ser percebido pelo público. Curioso porque tem um painel dentro do Congresso Nacional onde estão a Benedita da Silva, o Ulysses Guimarães, o Lula, o Sarney e eu também. Você sabia que eu só vi aquele painel 16 anos depois que ele estava instalado? Eu só vi o painel porque as pessoas tiraram foto e me mostraram. Assim como vi a transcrição do discurso que fiz somente hoje, porque você me mostrou. Isso é uma parábola para dizer para você o seguinte: Eu só percebi o efeito daquele gesto 15 anos depois. Então, o primeiro impacto que eu percebi foi em quem decidia, em quem estava lá dentro.

Na hora da mudança de decisão ou mudança de mentalidade, qual é a visibilidade mais efetiva? É a visibilidade interna, nos ambientes de tomada de decisão, ou a externa, midiática?

Ailton Krenak: É a interna. Recuperando uma ideia que não é tão nova, nada tem mais eficácia do que você viver uma experiência, olhar para a pessoa e confrontá-la pessoalmente. Nada tem mais consequência do que isso. Então a experiência real de ter um representante indígena dentro de um lugar que chamam parlamento, onde estava configurado todo o arranjo político daquele período político, e esse representante indígena falar o que eu falei e gesticular como eu gesticulei - Aquilo ali foi uma conversa cara a cara com o sistema! Eles podiam ter mandado me prender. Em outros lugares, situações daquele tipo resultaram em prisão imediata! O rapaz que protestou na Praça da Paz Celestial, na China, até hoje, ninguém sabe onde ele está. Dependendo do que estiver acontecendo na hora, você faz isso e nunca mais repete o gesto.

Você programou o que aconteceu? Gostaria que você contasse como se preparou para aquele momento. O discurso foi escrito antes?

Ailton Krenak: Claro que não! Se você olhar aquele texto que está ali, você vai ver que aquilo é uma fala espontânea, inclusive, pelo uso das parábolas. Aquilo lá foi escrito pelo coração... E a ressonância que aquilo causou naquela casa? Havia 490 deputados constituintes, estava a maior balbúrdia. Eles pareciam meninos na hora do recreio, jogando bolinha um no outro, ninguém estava prestando atenção em ninguém. A CNBB e a OAB coletaram 115 mil assinaturas no país inteiro em uma moção que exigia que a coordenação nacional da campanha dos direitos indígenas tivesse 10 minutos para fazer a defesa da inclusão dos direitos indígenas na Constituição, o chamado Capítulo dos Índios. Eram apenas 10 minutos de fala e havia a dúvida sobre quem iria falar, se o assessor jurídico da CNBB ou alguém do movimento social. Eu era um dos membros da coordenação nacional da União das Nações Indígenas, que era a titular das 115 mil assinaturas. Nós é que tínhamos o direito de expressar nossa visão lá, mas a gente podia ser representado pelos advogados ou por alguém. Na noite anterior, quando a coordenação nacional estava reunida, alguém falou: “Quem tem que falar lá no Congresso amanhã é um índio”. Mas aí, todo mundo questionou: “Um índio? Como é que nós vamos botar um índio para falar lá dentro? E ele vai como? De tanga?” - Sempre tem essas piadas, né? “Eles não vão deixar o cara entrar no plenário sem terno”, disse um outro. Você viu nas imagens que eu estou de terno. Eu não andava de terno e continuo não andando de terno. Mas o pessoal insistia: “Olha, o cara vai ter que aparecer de terno e vai ter que falar português”; alguém argumentou:

“Mas a gente não está defendendo que o direito é pluriétnico, pluricultural? E ele vai ter que falar português?”; mas alguém rebateu: “Tem que falar português, pela eficácia. Não entre numa de querer chegar lá falando língua de índio não, porque daí vai estragar tudo!” Então decidiu-se que o índio teria que falar português, o que já eliminou um monte de gente, já que a maioria tinha a primeira língua materna, que não era o português, e por isso falavam cheios de trava. E aí não houve dúvida: “O Krenak vai falar lá amanhã cedo”; daí eu falei: “Por quê?”; eles responderam: “Porque você fala português e fala bem; o nome daquela casa é ‘parlamento’, então tem que ser alguém que fale português, porque senão não vai ter eficácia nenhuma”. Aí, eu pensei: “meu deus, o que eu vou falar?”. Pensamos em fazer um texto, sugeri um monte de ideia, mas ninguém fez texto nenhum e fomos dormir. Antes das 7 horas da manhã, já estava todo mundo acordado. Estávamos hospedados na Coordenação Nacional de Agricultura, com ausência de tudo. Naquele tempo não tinha computador, nada dessas coisas. Ou você tinha no papel anotado ou não tinha nada. Fomos para o Congresso e chegando lá, no meio da confusão de entrada, eu encontrei os meus amigos Fabio Feldman, Domingos Leonelli e Márcio Santilli.14 14 Fabio Feldman é advogado, ambientalista e político. Em 1987, ele era deputado federal constituinte (PMDB/ SP). Domingos Leonelli é publicitário e político. Em 1987, ele era deputado federal constituinte (PMDB/BA). Já Márcio Santilli é um político e ativista dos direitos dos povos indígenas brasileiros. Eles me questionaram: “Você já arrumou o paletó

para você entrar lá na plenária? Daqui a um pouquinho você vai ser chamado, você não pode ir de camiseta! Vem cá conosco!”. Aí pegaram um paletó no gabinete do Domingos Leonelli, descolaram uma camisa do Márcio Santilli, arrumaram uma daquelas gravatas de crochê num outro gabinete. Colocaram a gravata, me fantasiaram todo, arrumaram meu cabelo com a ajuda das meninas do gabinete do Fabio Feldman. Foi aí que eu perguntei a elas: “O que vocês usam para pintar o olho?”; “que cor?”, elas me perguntaram. “preto, tinta preta”, respondi. “O que você vai fazer?”, elas questionaram. Eu disse que não queria usar na hora, mas pedi que elas me dessem um pouco daquilo. Umas três moças se juntaram, pegaram uns bastõezinhos chamados Kajal e despejaram num potinho de creme. Eu tampei aquele treco, botei no bolso do paletó e entrei. Já estavam me chamando. Foi desse jeito que eu estou contando para você. Eu lembro que eu pensava que nós não teríamos chance nenhuma, que ninguém iria me ouvir, igual à manchete do jornal que dizia “minorias não são ouvidas”. Eu também pensava: “Dez minutos? O que é que eu vou falar em dez minutos?” Quando eu subi ao púlpito e falei “boa tarde”, ninguém me escutou. Só alguns fotógrafos e cinegrafistas prestavam atenção no que eu estava fazendo. Aí eu fiz a fala. Lendo a transcrição do discurso, você me deu a excelente oportunidade de perceber que eu fiz essa fala inteira sem ninguém me ouvir.15 15 Na ocasião da entrevista, em 2014, Ailton Krenak via, pela primeira vez, a transcrição do discurso que fez, de improviso, no dia 4 de setembro de 1987. A íntegra do discurso pode ser lida no Diário da Assembleia Nacional Constituinte (suplemento B), no site da Câmara dos Deputados, disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o-processo-constituinte/comissao-de-sistematizacao/COMSist23ext27011988.pdf Acesso em: 9 jul. 2021. A gravação do discurso está disponível em https://www.revistas.usp.br/gis/article/view/162846. A hora que eu cheguei aqui nestes três últimos parágrafos, eu pensei: “Eles não vão me ouvir mesmo”. Foi quando eu enfiei a mão no bolso, tirei o potinho com tinta preta, coloquei a mão e passei no meu rosto. A hora que eu fiz isso, todos os fotógrafos começaram a me fotografar, então começaram a me notar. Como eles pensam que câmeras e flashes são para autoridades - tipo chegou Ulysses Guimarães, o presidente, alguma figuraça -, na hora em que eles escutaram aqueles flashes, eles olharam para ver quem era a figuraça que estava chegando. Era eu mesmo, pintando a minha cara de preto. Continuei; radicalizei no gesto. Eu estava ali de terno, esfregando aquela tinta preta na cara. Quando eu terminei com essa frase - “O povo indígena tem regado com sangue cada hectare dos oito milhões de hectares do Brasil. Vossas excelências são testemunhas disso.” - a casa inteira me aplaudiu e o resto da sessão foi todo sobre aquele assunto.

E como foi a repercussão depois que você desceu da tribuna?

Ailton Krenak: Eu fiquei os dias seguintes atendendo à imprensa! No dia seguinte, todos os jornais deram manchete com foto minha. Eu virei capa do Jornal do Brasil, capa da Folha, eu passava nas bancas e via minha cara - o que, aliás, é uma sensação muito esquisita, pela primeira vez. A repercussão internacional foi incrível! Eu acho que até 1995, 1996 eu continuava dando entrevista para tudo quanto é correspondente sobre aquilo, e nós também inspiramos a Constituinte do México, depois a da Colômbia e a do Equador, onde o movimento indígena e os parlamentos tomaram o Brasil como exemplo. Imagina! O debate no Brasil repercutiu na política para povos indígenas na América Latina, inclusive no México. Vi gente que estava fazendo mestrado, doutorado, vir ao Brasil para pesquisar o que tinha acontecido aqui. O que é interessante é que se o Brasil fez essa parábola de final do século, mas depois não fez o que a Venezuela, Bolívia e Equador fizeram, que foi avançar e reconhecer o Estado como plurinacional. A Bolívia não é uma nação, a Bolívia é plurinacional; o Equador é plurinacional, então tem muitas nações ali dentro, muitas nacionalidades lá dentro. O Brasil não conseguiu sair dessa.

Ailton, você acompanhou a ocupação do plenário do Congresso pelos indígenas em 2013. Você considera que a ação teve um impacto similar ao discurso que você proferiu na Constituinte, no que diz respeito à visibilidade?

Ailton Krenak: Se a gente considerar que o presidente da Câmara se reuniu com as lideranças indígenas e com um grupo de trabalho interno para discutir a PEC16 16 Ele se refere à PEC 215/2000, mencionada anteriormente (cf. nota 10). Com a mobilização em 2013, a PEC foi arquivada, mas até a data de publicação desta entrevista, outros projetos ainda tramitam no Congresso Nacional com o mesmo objetivo. e depois fez aquele gesto simbólico de queimar o papel lá no gramado do Congresso com os índios, aquele gesto simbólico se equipara ao evento da nossa intervenção lá dentro da Constituinte, mas não com a mesma eficácia.

Por quê?

Ailton Krenak: Porque a PEC pode voltar. Aquele gesto do presidente da Câmara é gesto simbólico, a nossa ação na Constituinte ficou cravada na Constituição brasileira. Essa comparação serve para a gente pensar sobre a eficácia da visibilidade midiática e o “efeito-show” de uma intervenção como essa e as consequências disso na vida das pessoas, ou no que entendemos por política pública. Eu acho que ocupando o Congresso o que o povo indígena estava dizendo é estava mais ativo do que quando fez a Constituição de 1988. Ele estava dizendo: “Nós somos muito mais, estamos muito mais ativos, estamos espalhados em vários segmentos da vida nacional e vamos aprontar com vocês se desrespeitarem a gente”. Se em 1988 nós estávamos dizendo “respeitem os nossos direitos”, em 2013 eles estavam dizendo “olha, não vem não, porque nós ocupamos de novo isso aqui”. O movimento indígena falou que pararia o país. Eu achei a maior ousadia o pessoal afirmar isso, porque os sem-terra já pararam em algumas ocasiões. Alguns outros segmentos têm capacidade de parar alguns serviços essenciais. Hoje, quando falam que vão parar, alguns param mesmo, né?

Eu tenho percebido nas entrevistas realizadas no âmbito desta pesquisa e no acompanhamento das ações de mobilização do movimento indígena que este talvez seja um dos grupos sociais com maior visibilidade midiática, porque usam recursos que ampliam o modo como se tornam visíveis, demonstram conhecimento da importância do uso de recursos de comunicação para promover sua visibilidade. Como você avalia o uso destes recursos de comunicação e a utilização simbólica da imagem indígena como fator de mobilização?

Ailton Krenak: Hoje, todo mundo sabe filmar e gravar com o celular. Eles também aprenderam a intervir. O que é interessante é que nos Estados Unidos também tem índio. Os índios americanos não sabem fazer isso. Eles são invisíveis! Quando é que você vê os índios nos Estados Unidos? O Obama virou presidente e os índios nem aparecem. Imagina se um negro se torna presidente do Brasil, os índios iam dançar em cima da cabeça dele! [risos]. Interessante refletir sobre isso. Também no México isso acontece. Lá, 70%, 80% da população são povos originários. Por que é que eles também não têm essa visibilidade? Talvez isso seja mesmo uma coisa do Brasil, da nossa história; talvez o mito da pluralidade étnica tenha contribuído para isso, mesmo que de forma equivocada. Vai ver que eles pensaram: “Vamos dizer que são negros, brancos e índios, depois acabamos com o mito”. Mas aí ficou cravado no ethos desses filhotinhos de tudo quando é tipo de gente, o tempo passou e hoje os carinhas não tenham dificuldade em conviver com essa pluralidade.

Durante a abertura da Copa do Mundo de 2014, o menino Werá Jeguaka Mirim quebrou o protocolo da cerimônia de abertura e exibiu uma faixa onde pedia a demarcação das terras indígenas. O protesto não foi exibido na transmissão oficial de televisão, mas gravações e imagens da cena repercutiram na imprensa e nas redes sociais. Qual é a importância das redes e dos novos arranjos tecnológicos para os movimentos sociais de uma maneira geral? Você acha que os índios usam bem esses equipamentos?

Ailton Krenak: Eu não vi, mas eu conheço aquele menino desde pequenininho. Eles tiraram da transmissão, né? Saiu só o que eles queriam, e nada do que eles botaram no ar era espontâneo. Mas pensando nisso, eu fiquei com a imagem de que os índios, junto com outros grupos, com outros coletivos, estão se apropriando das tecnologias de informação disponíveis - que permitem que um menino pegue um celular e faça um filme. É como se qualquer menino pudesse ser o Glauber Rocha. O que nós todos descobrimos é que podemos surpreender quem acha que pode nos controlar pela força. Eu não sei por quanto tempo essa sensação vai fortalecer de verdade a conquista de novos espaços de expressão para os diferentes movimentos. No caso do povo indígena, eu vejo que a gente está indo numa direção que pode significar os índios assumirem, de fato, a sua representação política dentro do tabuleiro institucional, dentro do poder político, da mesma maneira que em outros lugares do mundo minorias étnicas ou minorias religiosas assumiram os lugares que eles querem ocupar na tomada de decisões, nos mecanismos de escolha, de indicação, de representação. No documentário Índio cidadão?17 17 Lançado em 2014, por 7G Documenta, Machado Filmes, Argonautas, 400 Filmes e BASE Coletivo Audiovisual, o filme é um documentário sobre a luta das nações indígenas brasileiras pela conquista e manutenção dos direitos constitucionais conquistados na Constituinte de 1987/88. O filme resgata dois momentoschave nesse processo: a campanha popular dos povos indígenas na Constituinte e o período de manifestações em Brasília contra os ataques legislativos do Congresso Nacional, com a ocupação da Câmara dos Deputados no Abril Indígena 2013 e a Mobilização Nacional Indígena em outubro do mesmo ano. Está disponível na íntegra em: https://www.camara.leg.br/tv/432678-indio-cidadao/. Acesso em: 11 jul. 2021. , eu disse que, diferente do que aconteceu na Constituinte de 1988, quando o movimento indígena teve 10 minutos para fazer a defesa dos seus direitos na Constituinte, eu acreditava que agora, no século XXI, nós teríamos os representantes indígenas no Congresso Brasileiro.18 18 A advogada Joênia Batista de Carvalho, também conhecida como Joênia Wapichana foi a primeira mulher indígena eleita para a Câmara dos Deputados desde a sua criação, em 1824, ano em que a primeira Constituição brasileira foi promulgada sem qualquer menção à existência e aos direitos dos índios brasileiros. Sua eleição como deputada federal, com 8.491 votos, pelo partido Rede, no estado de Roraima, aconteceu depois de 31 anos que o cacique xavante Mário Juruna deixou o Congresso Nacional, em 1987 — primeiro e único deputado federal indígena da história brasileira. Eu não sei em que proporção, se vão ser 10, 20 ou apenas um, mas nós vamos, a partir da visibilidade que os índios conquistaram, garantir a nossa participação na mesa de decisão do poder político dos brancos. Por mais que a gente questione ou considere arriscada a participação do indígena na manutenção do imaginário das três raças (índio, branco e negro), talvez nós, índios, devêssemos refletir qual é a nossa parte nesse mito. Se vamos entrar nesse caldeirão e perder nossas particularidades, se vamos continuar sendo aqueles que espreitam da floresta o terreiro da casa grande, ou se vamos, como todo mundo, frequentar esse terreiro e fazê-lo acontecer, iluminá-lo, fazer um São João, o que tiver que fazer. Até muito pouco tempo eu sentia que desses três camaradas aí, o índio continuava espreitando a bagunça de algum lugar, de onde ele conseguia saber o que estava acontecendo, mas de fora da cena.

Você acha que hoje os indígenas estão finalmente entrando em cena?

Ailton Krenak: Sim. Eu acredito que não estavam fora da cena só por exclusão, mas talvez pela maneira como nós incidíamos sobre a discussão sobre os direitos.

Parece que nós sempre fomos excluídos e nunca tivemos alteridade, nunca tivemos o poder de decidir o tanto que a gente queria se inserir. Eu acredito que se hoje os índios incidem sobre política no Brasil é porque os índios pararam de ficar espreitando e passaram a intervir no debate. Desde que o Mário Juruna foi eleito deputado pelo Rio de Janeiro19 19 O cacique xavante Mário Juruna foi eleito deputado federal pelo PDT em 1982 com 31 mil votos, representando o estado do Rio de Janeiro. Tentou reeleição em 1986, 1990 e 1994, sem sucesso, mas continuou ativo na militância política. Em 17 de julho de 2002, ele faleceu aos 59 anos de idade, em decorrência de diabetes. , eu acho que os índios passaram a falar na roda. O que eu estou colocando em questão é que os índios vêm garantindo seu direito de representação direta na vida política brasileira. Nós ainda vamos ter nos próximos anos índios senadores, deputados, o que muito provavelmente virá no bojo de uma reforma política, quando o Brasil vai ter que parar de ser percebido como um país branco, português, que anda de tamanco, para se tornar plurinacional, com gente de tudo quanto é lugar do mundo e com os índios também. O Estado não é africano, não é índio, não é branco, entendeu? Ele é plurinacional, e essa plurinacionalidade deve se expressar na demanda dos diferentes segmentos que constituem essa plurinacionalidade. O Estado tem que se reconfigurar do ponto de vista da segurança, do ponto de vista do serviço, do ponto de vista de toda a relação com o cidadão em função disso, deixar de ser uma coisa subalterna, aquele complexo de vira-latas e passar a ter alteridade.

A conquista dessa alteridade tem a ver também com o gerenciamento da própria visibilidade? Deixar de ser objeto da visibilidade do outro para ser sujeito da sua própria visibilidade?

Ailton Krenak: O mundo que a gente vive hoje é uma vitrine. Então, é difícil alguém se libertar totalmente de ser objeto da construção imagética do outro, de constituir fragmentos dos painéis que os outros vão projetar. Não tem muito como a gente escapar disso. Eu não acredito. Eu acho que nós, todo mundo, estamos nessa. O que é possível é fazer cada fragmento desse se assenhorar cada vez mais da sua própria programação. Eu acho que nós estamos indo para um tipo de civilização no sentido global. Se, por um lado, nós achamos que a globalização ia acabar com as diferenças, com as minorias, na verdade o que ela fez foi radicalizar nossas identidades. Então, vamos ver agora, com o liquidificador rodando, o quanto nós vamos ser capazes de expressar essa diversidade. Como todo começo, a emergência dessas identidades incomoda, mas torço para que nossos filhos e netos, que as gerações que vierem depois da gente possam experimentar um tipo de humanidade mais espontânea, menos programada, onde as pessoas possam viver melhor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • KRENAK, Ailton. 2019. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras.
  • KRENAK, Ailton. 2020. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras .
  • KRENAK, Ailton. 2020. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras .
  • MOREIRA, Adriano De Lavor. 2014. Visibilidade, comunicação, políticas públicas e saúde: ressonâncias e interrelações na saúde indígena. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, Fundação Oswaldo Cruz.
  • 1
    Conforme apresentação do Ministério do Meio Ambiente (2016), “geraizeiros são as populações que habitam os campos gerais do Norte do estado de Minas Gerais, no Brasil. Sua autodefinição se contrapõe a outros povos (catingueiros, vazanteiros e veredeiros) que, apesar de se situarem nas mesmas regiões geográficas, vivem em biomas e com modos de vida distintos. Também são conhecidos como geralistas ou chapadeiros. Seu modo de vida está alinhado às características do Cerrado, de onde tiram tudo o que é necessário para sobreviver. Atuam de forma diversificada na produção dos meios de vida, por meio da criação de animais, plantações e extrativismo”. (Portal Ypadê, 7 jul 2016. Disponível em: http://portalypade.mma.gov.br/geraizeiros, acesso em: 11 jul. 2021).
  • 2
    Homens e mulheres responsáveis pelo manejo e a colheita do açaí, fruta comum na região Norte do Brasil, que movimenta muitos ganhos econômicos para o país.
  • 3
    Conforme reportagem produzida pelo Repórter Brasil, babaçueiros são aquelas “populações extrativistas que vivem da coleta do babaçu e da utilização dessa palmeira. Encontram-se espalhados por uma área de cerca de 200 mil quilômetros quadrados, basicamente entre os estados do Piauí e do Maranhão, no Nordeste do Brasil”. (Repórter Brasil, 1 abr 2005, disponível em https://reporterbrasil.org.br/2005/04/comunidades-emperigo/. Acesso em 10 set 2022.
  • 4
    A Terra Indígena do Vale do Javari é uma terra indígena localizada nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no oeste do estado do Amazonas, na região Norte do Brasil. Foi demarcada em 2001 e é considerada maior concentração de índios isolados no mundo.
  • 5
    “Nas mãos do pajé”, matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo de 14/6/2014. Disponível em https://alias.estadao.com.br/noticias/geral,nas-maos-do-paje,1511524, acesso em: 6 jul. 2021.
  • 6
    O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi/SUS) foi instituído em 1999 com a Lei Arouca, que articulou e integrou aos demais setores do SUS as ações de saúde que antes eram executadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Para entender melhor o funcionamento da política de saúde indígena no Brasil, consultar Moreira (2014MOREIRA, Adriano De Lavor. 2014. Visibilidade, comunicação, políticas públicas e saúde: ressonâncias e interrelações na saúde indígena. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, Fundação Oswaldo Cruz.)
  • 7
    De acordo com a definição do Ministério da Saúde, Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) é a unidade gestora descentralizada do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). “Trata-se de um modelo de organização de serviços - orientado para um espaço etno-cultural dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado - que contempla um conjunto de atividades técnicas que se fundamentam em medidas racionalizadas e qualificadas de atenção à saúde. Além disso, promove a reordenação da rede de saúde e das práticas sanitárias por meio de atividades administrativo-gerenciais necessárias à prestação da assistência, com base no Controle Social”. Disponível em https://saudeindigena1.websiteseguro.com/coronavirus/dsei/, acesso em: 7 jul. 2021.
  • 8
    Ele se refere à 4ª Conferência Nacional de Saúde Indígena (4ª CNSI), parte integrante da 12ª Conferência Nacional de Saúde, que aconteceu em 2006 na cidade de Rio Quente (GO). O evento reuniu 800 delegados, dos quais 52% representaram os usuários indígenas.
  • 9
    Krenak se refere a uma matéria publicada no Jornal do Brasil, dias antes do discurso histórico que fez na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987. A notícia pode ser lida na íntegra na Biblioteca Digital do Senado Federal, disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/117700. Acesso em: 6 jul. 2021.
  • 10
    A proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 215/2000, de autoria do deputado Almir Sá (PPB/RR), prevê, entre outras propostas, delegar exclusivamente ao Congresso Nacional o dever de demarcação de territórios indígenas e quilombolas, modificando o que diz a Constituição de 1988, que determina que o governo e a Funai são responsáveis pelas demarcações. Em 17 de abril de 2013, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), os indígenas ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados, exigindo que a PEC fosse arquivada. O protesto foi finalizado com a queima do texto da proposta pelos indígenas que ocupavam o gramado do Congresso, incentivados pelo deputado Lincoln Portela (PR/MG), mediador do GT Terras Indígenas da Casa, como ato simbólico pelo seu encaminhamento físico para o arquivamento.
  • 11
    Ele se refere às eleições presidenciais brasileiras de 2014, quando a presidente Dilma Rousseff (PT) se reelegeu com 51,64% dos votos.
  • 12
    A Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, de 1989, destaca o direito dos povos indígenas à terra e aos recursos naturais, à não-discriminação e a viverem e se desenvolverem de maneira diferenciada, segundo seus costumes.
  • 13
    Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, aprovada em 2007.
  • 14
    Fabio Feldman é advogado, ambientalista e político. Em 1987, ele era deputado federal constituinte (PMDB/ SP). Domingos Leonelli é publicitário e político. Em 1987, ele era deputado federal constituinte (PMDB/BA). Já Márcio Santilli é um político e ativista dos direitos dos povos indígenas brasileiros.
  • 15
    Na ocasião da entrevista, em 2014, Ailton Krenak via, pela primeira vez, a transcrição do discurso que fez, de improviso, no dia 4 de setembro de 1987. A íntegra do discurso pode ser lida no Diário da Assembleia Nacional Constituinte (suplemento B), no site da Câmara dos Deputados, disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o-processo-constituinte/comissao-de-sistematizacao/COMSist23ext27011988.pdf Acesso em: 9 jul. 2021. A gravação do discurso está disponível em https://www.revistas.usp.br/gis/article/view/162846.
  • 16
    Ele se refere à PEC 215/2000, mencionada anteriormente (cf. nota 10 10 A proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 215/2000, de autoria do deputado Almir Sá (PPB/RR), prevê, entre outras propostas, delegar exclusivamente ao Congresso Nacional o dever de demarcação de territórios indígenas e quilombolas, modificando o que diz a Constituição de 1988, que determina que o governo e a Funai são responsáveis pelas demarcações. Em 17 de abril de 2013, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), os indígenas ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados, exigindo que a PEC fosse arquivada. O protesto foi finalizado com a queima do texto da proposta pelos indígenas que ocupavam o gramado do Congresso, incentivados pelo deputado Lincoln Portela (PR/MG), mediador do GT Terras Indígenas da Casa, como ato simbólico pelo seu encaminhamento físico para o arquivamento. ). Com a mobilização em 2013, a PEC foi arquivada, mas até a data de publicação desta entrevista, outros projetos ainda tramitam no Congresso Nacional com o mesmo objetivo.
  • 17
    Lançado em 2014, por 7G Documenta, Machado Filmes, Argonautas, 400 Filmes e BASE Coletivo Audiovisual, o filme é um documentário sobre a luta das nações indígenas brasileiras pela conquista e manutenção dos direitos constitucionais conquistados na Constituinte de 1987/88. O filme resgata dois momentoschave nesse processo: a campanha popular dos povos indígenas na Constituinte e o período de manifestações em Brasília contra os ataques legislativos do Congresso Nacional, com a ocupação da Câmara dos Deputados no Abril Indígena 2013 e a Mobilização Nacional Indígena em outubro do mesmo ano. Está disponível na íntegra em: https://www.camara.leg.br/tv/432678-indio-cidadao/. Acesso em: 11 jul. 2021.
  • 18
    A advogada Joênia Batista de Carvalho, também conhecida como Joênia Wapichana foi a primeira mulher indígena eleita para a Câmara dos Deputados desde a sua criação, em 1824, ano em que a primeira Constituição brasileira foi promulgada sem qualquer menção à existência e aos direitos dos índios brasileiros. Sua eleição como deputada federal, com 8.491 votos, pelo partido Rede, no estado de Roraima, aconteceu depois de 31 anos que o cacique xavante Mário Juruna deixou o Congresso Nacional, em 1987 — primeiro e único deputado federal indígena da história brasileira.
  • 19
    O cacique xavante Mário Juruna foi eleito deputado federal pelo PDT em 1982 com 31 mil votos, representando o estado do Rio de Janeiro. Tentou reeleição em 1986, 1990 e 1994, sem sucesso, mas continuou ativo na militância política. Em 17 de julho de 2002, ele faleceu aos 59 anos de idade, em decorrência de diabetes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2022
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.antropologia.usp@gmail.com