Acessibilidade / Reportar erro

Fotografia e sagrados afro-brasileiros: modulações da diferença em Pierre Verger e seus contemporâneos1 1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no VI Congresso da Associação Latino-americana de Antropologia, no simpósio “Diálogos e desafios metodológicos na antropologia da arte e da performance”, em novembro de 2020. Agradeço às coordenadoras pela interlocução, bem como às pareceristas anônimas da revista pelos comentários ao texto.

Photography and Afro-Brazilian sacred: modulations of difference in Pierre Verger and his contemporaries

RESUMO

O artigo revisita a obra de Pierre Verger para analisar as condições de formação do seu olhar, acompanhando-o desde a França até o Brasil, o Benin e a Nigéria. Com apoio na literatura especializada, analiso os usos sociais da fotografia e abordo quatro modulações da alteridade expressas pela fotografia de Verger e de seus contemporâneos: indo da tipificação científica-moderna; passando pelo objeto de interesse etnográfico/ antropológico; seguindo pelo englobamento da perspectiva religiosa e ritual; até o tratamento estereotipado do candomblé pelo mercado editorial. Considero, enfim, a contribuição de Verger para a transformação da cultura visual associada aos cultos afro no país.

PALAVRAS-CHAVE
Fotografia documental; fotojornalismo; religiões afrobrasileiras; arte e antropologia; antropologia visual

ABSTRACT

The article revisits the photographic work of Pierre Verger to analyze the formation of his gaze, accompanying his biography from France to Brazil, Benin and Nigeria. Based on the specialized literature, I discuss the social uses of photography and address four modulations of otherness expressed by the photography of Verger and his contemporaries: first, the scientific-modern typification; then, the object of ethnographic / anthropological interest; later, encompassing the religious and ritual perspective; and finally, the stereotyped representation of candomblé by the Brazilian publishing market. Finally, I consider Verger's contribution to the transformation of visual culture associated with Afro cults in the country.

KEYWORDS
Documentary photography; photojournalism Afro-Brazilian religions; art and anthropology; visual anthropology

INTRODUÇÃO

Em um conhecido artigo sobre a ontologia da imagem fotográfica, André Bazin afirmava que a originalidade da fotografia residia em “sua objetividade essencial”, algo confirmado pelo nome das lentes que substituem o olho humano: a “objetiva” (1991: 22). Tratava-se de um princípio ontológico afinado com as concepções modernas de ciência, conhecimento e razão. Poucas linhas à frente, o autor acrescentava outra característica basilar da fotografia e sua eficácia: ela produziria “uma transferência de realidade da coisa para a sua reprodução” (op. cit.). Leitora de Bazin, Susan Sontag afirmou que essa segunda faceta da fotografia a aproximava dos ritos mágicos - justamente aqueles que a modernidade europeia tratava de definir como algo relegado ao passado, como costumes de povos não civilizados. Segundo a autora, “Nosso sentimento irreprimível de que o processo fotográfico é algo mágico tem uma base genuína. (...) uma foto não é apenas semelhante a seu tema (...). Ela é uma parte e uma extensão daquele tema; e um meio poderoso de adquiri-lo, de ganhar controle sobre ele” (Sontag, 2004SONTAG, Susan. 2004. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras.: 172).

Considerando a dupla constituição da imagem fotográfica, que atende à projeção de objetividade cara aos modernos e opera em chave análoga a formas de afetação comuns a práticas mágicas não ocidentais, proponho neste artigo abordar as relações estabelecidas na vida e obra do francês Pierre Verger com o universo dos candomblés que ele fotografou. Embora Verger já tenha sido tema de outros estudos (Guran, 1998GURAN, Milton. 1998. “Notas de pesquisa sobre a iniciação e o trabalho fotográfico de Pierre Fatumbi Verger no Benin”. Cadernos de Antropologia e Imagem, vol. 7, n. 2: 105-114.; Nóbrega e Echeverria, 2002NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio.; Souty, 2011SOUTY, Jerôme. 2011. Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático. São Paulo: Ed. Terceiro Nome.; Rolim, 2014ROLIM, Iara C. P. 2014. “Pêche au harpon, a trajetória de uma fotografia”. Resgate. vol. XXII, n. 27. p. 15-29.; entre outros), há que se sublinhar o fato de que a atenção de muitos pesquisadores se volta especificamente à sua atuação profissional. De minha parte, proponho abordar sua obra como uma linguagem que interage e se afeta por culturas visuais mais amplas, que orientam modos de ver historicamente constituídos (Pereira, 2019PEREIRA, Edilson. 2019. “As imagens encarnadas entre mortos e vivos: notas etnográficas sobre ritual e retrato”. Sociologia & Antropologia, vol. 09, n. 2: 638-63. DOI 10.1590/2238-38752019v9213
https://doi.org/10.1590/2238-38752019v92...
; 2020PEREIRA, Edilson. 2020. “Fotografia e ritual: ensaio sobre os homens e as imagens da Paixão”. Cadernos de Arte e Antropologia, vol. 9, n. 2-1, p. 85-95. DOI 10.4000/cadernosaa.3286
https://doi.org/10.4000/cadernosaa.3286...
).

A revisitação da obra de Verger nos interessa como uma chave de acesso a um conjunto maior de questões, dentre as quais se destacam as modulações da diferença organizada segundo os pares que contrapõem as noções de civilizado/primitivo, moderno/tradicional. A trajetória do fotógrafo-etnólogo francês, que se radica no Brasil e se torna babalaô na Nigéria, é observada como uma via de superação ou mesmo desconstrução da divisão nós/eles, permitindo que a própria modernidade e suas linguagens sejam integradas ao tema de estudo (Latour, 1994LATOUR, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34.). Assim, proponho abordar sua fotografia como um tipo de acontecimento que permite o encontro não só de fotógrafos e fotografados, mas de sistemas de pensamento e ação que podem tanto se reforçar quanto colidir, exprimir assimetrias de poder e formas de representação da diferença.

Em termos gerais, a análise parte do ambiente cultural francês do século XIX, no qual a fotografia assumiu uma missão civilizadora para chegar, em seguida, no momento da iniciação fotográfica de Verger. Nessa etapa, já no cenário cultural do entreguerras europeu, veremos como os usos da fotografia se complexificam. Trata-se de um momento marcado pelo cruzamento de saberes, no qual fotografia, arte e antropologia dialogam de modo a orientar uma nova percepção a respeito de povos e civilizações não ocidentais. Ao se vincular à rede de profissionais que atuavam em museus etnográficos de Paris, Verger entra em contato com uma forma de compreensão do ser humano que observa as diferenças socioculturais sem hierarquizá-las - um princípio que seria mantido na documentação fotográfica que ele realiza ao viajar por vários países do mundo.

Após abordar seu contexto de formação primeira, o artigo acompanha a mudança de Verger para o Brasil e sua iniciação nos cultos afro-brasileiros, em especial o candomblé. À medida que se intensifica o trânsito que ele realiza entre a Bahia, o Benin e a Nigéria, nota-se que suas lentes passam a enfatizar as continuidades e aproximações entre os dois lados do Atlântico e, nesse movimento, o próprio observador se posiciona como um mediador - entre continentes e modos de pensamento. As lentes “objetivas” do fotógrafo branco e europeu se afetam pelo vivido e Verger se torna Fatumbi. Sua fotografia passa a exprimir uma espécie de devir negro (Souty, 2011SOUTY, Jerôme. 2011. Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático. São Paulo: Ed. Terceiro Nome.), no qual aquilo que é visto e fotografado transforma aquele que fotografa e vice-versa.

Uma vez considerada a confluência entre Verger e o povo de terreiro, bem como o aprofundamento de seus estudos sobre a religião, evoco um contraponto a seu modo de documentar os ritos afro-brasileiros, recuperando os exemplos oferecidos pelo cineasta francês Henri-Georges Clouzot e pelo fotógrafo brasileiro José Medeiros. Medeiros e Verger eram colegas contratados do Departamento Fotográfico da revista O Cruzeiro, publicação de grande popularidade entre os anos 1940 e 1960 e que contribuiu diretamente para a familiarização de muitos brasileiros com o fotojornalismo e suas narrativas visuais sobre a alteridade. Embora compartilhassem um grande domínio da linguagem fotográfica, suas abordagens contrastavam no uso das imagens: enquanto Medeiros as utiliza como uma ferramenta de extrair a verdade e expor os segredos dos rituais religiosos, a contragosto de muitos, veremos que Verger faz outro uso das fotografias.

Cabe ressaltar que o contexto no qual as abordagens documentais de Verger e Medeiros concorrem entre si corresponde a um momento sensível do processo de transformação da imagem pública desses cultos no Brasil. Até as primeiras décadas do século XX, o candomblé e a umbanda haviam sido objeto de perseguição policial e judicial, tendo suas práticas rituais estigmatizadas como “feitiço”, “fetichismo” e “crime” (Maggie, 1992MAGGIE, Yvone. 1992. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Arquivo Nacional.; Sansi, 2020SANSI, Roger. 2020. “From crime to art. Contradictions in the cultural transformation of Afro-Brazilian Candomblé”. Social Compass, vol. 26, n. 2: 238-251. DOI 10.1177%2F0037768620917090
https://doi.org/10.1177%2F00377686209170...
). Nem o estatuto de “religião” lhes era assegurado (Giumbelli, 2008GIUMBELLI, Emerson. 2008. “A presença do religioso no espaço público: Modalidades no Brasil”. Religião & Sociedade, vol. 28, n. 2: 80-101. DOI 10.1590/S0100-85872008000200005
https://doi.org/10.1590/S0100-8587200800...
). A vida e a obra de Verger, em contrapartida, contribuem na apreensão da história cultural do país para além da matriz colonial europeia. Elas oferecem uma via de apreensão da alteridade diaspórica e afro-brasileira que permite desconstruir as grandes divisões pervasivas do pensamento ocidental moderno, abrindo novas rotas para o conhecimento dos temas retratados e de suas cosmologias.

A INVENÇÃO MODERNA E O OLHO DO ETNÓGRAFO

O século XIX, no qual se celebra a invenção do aparato fotográfico moderno, foi também o período de intensificação do colonialismo europeu. Para Azulay (2019)AZOULAY, Ariella. 2019. “Desaprendendo as origens da fotografia”. Zum. Revista de fotografia. https://revistazum.com.br/revista-zum-17/desaprendendo-origens-fotografia
https://revistazum.com.br/revista-zum-17...
, a dissociação entre os efeitos do colonialismo e as narrativas em torno da história da fotografia acabou consolidando a ideia de que o invento moderno seria algo neutro ou iminentemente positivo em si mesmo. Assim, pensar a fotografia como mero indício da evolução das tecnologias ou um avanço da humanidade, conforme argumentavam seus entusiastas, seria ignorar a sua participação em campanhas políticas e práticas de epistemicídio que erigiam, a partir do ponto de vista europeu, certo imaginário sobre os não detentores do mesmo invento (Blanchard et al., 2011BLANCHARD, Pascal; BOËTSCH, Gilles; JACOMIN SNOEP, Nanette (eds.). 2011. L’invention du sauvage. Catalogue de l’exposition du Quai Branly, Paris (29 novembre 2011 - 3 juin 2012).).

De fato, o desenvolvimento da fotografia na França do século XIX fez com que ela assumisse o papel de uma metonímia da própria civilização europeia, que avançava sobre o mundo para expandir seu poder e saber (Samain, 2001SAMAIN, Étienne. 2001. “Quando a fotografia (já) fazia os antropólogos sonharem: O jornal La Lumière (1851-1860)”. Revista de Antropologia, vol. 44, n. 2: 89-126. DOI 10.1590/S0034-77012001000200003
https://doi.org/10.1590/S0034-7701200100...
). Na antropologia que despontava naquele período, marcada por um viés naturalista, as fotografias serviram para decodificar “tipos humanos” que eram hierarquizados entre si, como subgêneros de uma mesma classe. A tecnologia fotográfica atendia, portanto, ao fortalecimento de um sistema de verdade previamente estabelecido pela ciência: “A fotografia fornece ao homem de ciência não somente indícios, traços, marcas, pistas, mas também ‘evidências’ e, às vezes, até ‘provas’” (ibid.: 106). Dado seu caráter de verificador e atestador do real, as fotografias eram tidas como aparatos neutros e objetivos. “Para muitas pessoas, elas nem são imagens, mas o mundo em si. Não haveria nada a dizer sobre elas, apenas aprender sua mensagem”, sintetiza Bruno Latour (2008: 120)LATOUR, Bruno. 2008. “O que é iconoclash? Ou, há um mundo além das guerras de imagem?”. Horizontes Antropológicos, vol. 14, n. 29: 111-150. DOI 10.1590/ S0104-71832008000100006
https://doi.org/10.1590/S0104-7183200800...
ao falar da transparência atribuída às imagens científicas.

No início do século XX, sobretudo após a Grande Guerra, no momento de formação fotográfica e visual de Pierre Verger [1902-1996], nota-se que os modos de pensar e representar figurativamente o ser humano se complexificam. Para além dos usos científicos, a fotografia se torna um objeto caro à intervenção criativa. Artistas de vanguarda, como os surrealistas, rompem com o valor denotativo atribuído à objetividade fotográfica e exploram o seu efeito “narcótico” e transformador da visão. Eles consideravam que ao deslocar as imagens de seus usos e sentidos habituais, elas exprimiriam conteúdos imprevistos, criando novas formas de afetação de seu público. As imagens tinham tal importância para esse movimento que, segundo o poeta Louis Aragon, o termo “surrealismo” se referia a uma “provocação descontrolada da imagem para si mesma e para o que ela acarreta no domínio da representação”, onde cada imagem pode obrigar o seu observador a “rever todo o Universo” (apud Chéroux, 2009: 02; tradução livre). Para os surrealistas, as imagens - fossem as dos próprios europeus ou de não europeus - atuariam de modo a provocar reações não controladas da psique e da imaginação humana.

O ambiente cultural do entreguerras é marcado pela continuidade do interesse mantido pelos europeus em relação às sociedades ditas primitivas ou pré-modernas, mas que passam a ser percebidas para além do enquadramento do exotismo e atraso. Assim como os artistas interessados na autocrítica da civilização e da racionalidade moderna, também os antropólogos e sociólogos da época passam a compreender os “não civilizados” como uma “alternativa séria” aos europeus, isto é, “como fontes estéticas, cosmológicas e científicas” (Clifford, 2014CLIFFORD, James. 2014. “Sobre o surrealismo etnográfico”. In: A Experiência Etnográfica. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ: 121-162.: 125). Em contraste com a perspectiva exotizante do século XIX, “que partia de uma ordem cultural mais ou menos confiante em busca de um frisson temporário, uma experiência circunscrita do bizarro, o surrealismo moderno e a etnografia saíam de uma realidade profundamente questionada” - foi assim, sugere James Clifford (2014: 124)CLIFFORD, James. 2014. “Sobre o surrealismo etnográfico”. In: A Experiência Etnográfica. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ: 121-162., que “o relativismo cultural tornou-se possível”.

Nesse cenário, a antropologia com ênfase na abordagem etnográfica se situava em um ponto intermediário entre a ciência e a arte. A primeira usava as imagens para verificar o real que ela mesma construía discursivamente, enquanto a segunda manipulava, decompunha e remontava a fotografia para rever ou expandir sua indexicalidade. De sua parte, a etnologia francesa se apresentava como uma espécie de iconoclastia acadêmica, pois revertia pressupostos do senso comum e atribuía um significado a rituais que, até então, pareciam irracionais aos olhos europeus (Clifford, 2014CLIFFORD, James. 2014. “Sobre o surrealismo etnográfico”. In: A Experiência Etnográfica. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ: 121-162.). Marcel Mauss, nome de referência na área e especialista no estudo dos sistemas religiosos e da magia, incentivava seus alunos do Institut d’Ethnologie a usarem o registro fotográfico, sonoro e videográfico como parte dos métodos a serem empregados em pesquisas de campo (Mauss, 1926MAUSS, Marcel. 1926. Manuel d’ethnographie. [version numérique]: http://classiques.uqac.ca/classiques/mauss_marcel/manuel_ethnographie/manuel_ethnographie.pdf
http://classiques.uqac.ca/classiques/mau...
). No meio acadêmico francês, Mauss ajudava a redefinir o uso antropológico das imagens ao mesmo tempo que, em outros países da Europa, as histórias da fotografia e da antropologia se articulavam com base no compartilhamento de “procedimentos semióticos quase idênticos” na representação do outro (Pinney, 1996PINNEY, Christopher. 1996. “A história paralela da antropologia e da fotografia”. Cadernos de Antropologia e Imagem, vol. 2. 29-52.: 29).

Através da consolidação dos estudos etnográficos, os pesquisadores constatavam a relatividade das lógicas socioculturais, considerando que cada objeto ou prática pesquisada se articulava a um sistema maior que orienta o seu sentido e uso. É sob tal entendimento que Marcel Griaule, que se formou antropólogo sob os ensinamentos de Mauss, coordena a Missão Etnográfica e Linguística Dacar-Djibouti, entre 1931-1933, atravessando o continente africano da costa ocidental à oriental, desde o litoral no Atlântico até os arredores do Mar Vermelho. A missão visava constituir um grande acervo de “objetos etnográficos” a serem exibidos e no Muséum National d’Histoire Naturelle e no Musée d’Éthnographie du Trocadéro, ambos em Paris, incluindo artefatos rituais e um considerável conjunto de fotografias e rolos de filmagem. Nessa modalidade de produção de imagens, a fotografia e o cinema amplificavam o repertório europeu através da documentação de algo distante, física e simbolicamente, trazendo-o para perto. Ainda que as fotografias produzissem imagens de uma dada realidade, elas não eram tomadas como autoevidentes. O “olhar acurado para o detalhe significativo” (Clifford, 2014CLIFFORD, James. 2014. “Sobre o surrealismo etnográfico”. In: A Experiência Etnográfica. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ: 121-162.: 128) era algo que caracterizava tanto os textos etnográficos quanto as fotografias que os acompanhavam e eram expostas em museus.

Ainda que as “missões etnográficas” estivessem inextricavelmente vinculadas às condições de pesquisa proporcionadas pelo colonialismo, elas são interessantes porque revelam também os movimentos críticos e reflexivos internos à antropologia. Em seus cadernos de campo, Michel Leiris (2007)LEIRIS, Michel. 2007. A África fantasma. São Paulo: Cosac & Naify., outro aluno de Mauss que participou da expedição Dacar-Djibouti, mesclou os procedimentos surrealistas da escrita automática e da valorização das imagens oníricas com as descrições etnográficas da incursão pelos países africanos. Sua escrita rompe com os procedimentos do objetivismo científico e exprime um desejo de encontrar uma alteridade que o permitisse ir além do intelectualismo francês. Tal busca ressoa a configuração da própria antropologia naquele momento, enquanto conhecimento que se consolidava “como espaço de encontro e circulação de saberes, científicos e artísticos, e que afetou os que dela participaram” (Peixoto, 2011PEIXOTO, Fernanda Arêas. 2011. “O olho do etnógrafo”. Sociologia & Antropologia, vol. 1, n. 2: 195-215. DOI: 10.1590/2238-38752011v129
https://doi.org/10.1590/2238-38752011v12...
: 196).

Leiris dizia que o “O olho do etnógrafo”2 2 Ensaio de Leiris publicado na revista Documents, vol. 2, n. 7, 1930, na véspera de sua partida para a expedição etnográfica no continente africano. enxerga não só aquilo que está diante si, como realidade objetiva, mas o que resultava do encontro entre essa realidade e as imagens prévias e profundas que ele carregava consigo a respeito da alteridade. A fabulação do outro, na verdade, integrava uma longa tradição literária que era alargada pelos antropólogos e inspirava muitos leitores. Pierre Verger, que expressava desde jovem um grande interesse pelas viagens e pelo alargamento de seu repertório cultural e familiar, narrava que seu primeiro contato com os rituais africanos mantidos no Brasil se deu através da literatura de Jorge Amado (Verger, 2007VERGER, Pierre. 2007. Pierre Verger - Andalucía 1935. Madrid: Agencia Española de Cooperación Internacional.: 65). Foi ao ler Jubiabá, de 1935, obra na qual Salvador é descrita como uma “cidade religiosa, cidade colonial, cidade negra da Bahia” (Amado, 2008AMADO, Jorge. 2008. Jubiabá. São Paulo: Companhia das Letras.: 61), que o francês produziu suas primeiras imagens mentais sobre o povo baiano.

FOTOGRAFIA COMO MODULAÇÃO DA DIFERENÇA

O olhar fotográfico de Verger se formou, primeiramente, por meio do acúmulo de experiências produzidas em várias viagens internacionais, nas quais ele se depara com novos hábitos, costumes e estéticas, que eram traduzidos como conteúdos atraentes para os europeus interessados na apreensão de outras culturas. Ele se inicia na prática fotográfica em 1932, com 30 anos de idade, quando compra sua primeira Rolleiflex, uma câmera de segunda mão. De acordo com a biografia organizada por Nóbrega e Echeverria (2002)NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio., Verger viaja ao Taiti em 1933, em companhia de seu amigo/afeto Eugène Huni, e permanece na região por quase um ano e meio. Em 1934, quando retorna à França, suas fotografias da Polinésia Francesa são incorporadas à exposição sobre as civilizações do Pacífico, no Museu Etnográfico do Trocadéro. As imagens integram um conjunto maior de artefatos, performances e construções temporárias produzidas no contexto das exposições coloniais, realizadas em capitais europeias desde o século XIX e que contribuíam para a formação de uma cultura visual sobre os povos não europeus (Blanchard et al., 2011BLANCHARD, Pascal; BOËTSCH, Gilles; JACOMIN SNOEP, Nanette (eds.). 2011. L’invention du sauvage. Catalogue de l’exposition du Quai Branly, Paris (29 novembre 2011 - 3 juin 2012).).

Figura 1
Fac-símile do convite da Semana Colonial Francesa, inaugurada em 1o de junho de 1934.

Antes mesmo da abertura dessa exposição, Verger é contratado pelo jornal diário Paris-Soir para realizar uma “volta ao mundo” como repórter fotográfico. Juntamente com dois jornalistas, ele parte para os Estados Unidos, Japão e China, enquanto outros fotógrafos cobrem os demais países anunciados na matéria de capa. Tratava-se de um empreendimento jornalístico que se apoiava no interesse preexistente sobre outros povos e culturas do mundo, mas valendo-se do impacto produzido pelas imagens e pela sua reprodução em larga escala. A fotomontagem na capa do Paris-Soir, de 19 de abril de 1934, é indicativa do caráter monumental atribuído à atividade de Verger e seus colegas, em uma época de acirramento político, poucos anos antes da 2a guerra mundial.

Figura 2
Capa do Paris-soir anunciando a “volta ao mundo” realizada pelos repórteres do jornal.

Desde o início, a trajetória profissional de Verger seria marcada por uma dinâmica de trabalho com contratos temporários mantidos com jornais, centros de pesquisa e agências de fotografia - incluindo a Alliance Photo, que precedeu a famosa agência Magnum. Nos vários postos de trabalhos que foram sendo assumidos, ano após ano, Verger constituiu um corpus de imagens que atendia simultaneamente às demandas etnográficas em voga na França e ao interesse dos periódicos de ampla circulação da época, com destaque para as revistas ilustradas e suas grandes reportagens.

A repercussão positiva obtida por seus primeiros trabalhos colaborou para sua admissão, ainda em 1934, como responsável do laboratório fotográfico do Musée d’Ethnographie du Trocadéro. Naquele momento, o museu já contava com um significativo acervo de imagens, incluindo as dele próprio e aquelas produzidas em “expedições etnográficas” coloniais. A produção de Verger avança à medida que ele acumula viagens internacionais e se conecta a uma rede de intelectuais e pesquisadores que trabalhavam na transformação do museu do Trocadéro, fundado em 1878, no novo Musée de l’Homme. Segundo Clifford (2014)CLIFFORD, James. 2014. “Sobre o surrealismo etnográfico”. In: A Experiência Etnográfica. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ: 121-162., o antigo museu se mantinha como um ambiente de reunião de “objetos etnográficos” sem uma ordem expositiva única, como um depósito de curiosidades.3 3 Exatamente por serem “mal classificados e mal rotulados” (Clifford, 2014: 141) é que eles seriam atraentes aos surrealistas - interessados em arranjos imprevistos e não sistemáticos entre coisas, pessoas e imagens. A nova versão do museu etnográfico, em contrapartida, exprimia “o amadurecimento de um paradigma de pesquisa [que] cria a possibilidade de uma acumulação de conhecimento” (ibid.: 141-142) - um paradigma afinado com a institucionalização e maior legitimidade alcançada pela etnologia na época. Por essa razão, a criação do Museu do Homem agrupava tanto especialistas no campo da arte quanto ex-alunos de Mauss, incluindo Alfred Métreaux e Maurice Leenhardt, entre outros.

Em 1935, refazendo parte do caminho traçado anteriormente por Griaule e Leris na Missão Dacar-Djibouti, Verger viaja até os países da África subsaariana e conhece a região do Daomé, atual Benin, e da Nigéria - locais para onde ele voltaria muitas vezes quando estuda a história da diáspora africana. No ano seguinte, Verger conhece Marcel Gautherot, que fora contratado para colaborar com a organização expositiva do Museu do Homem, que seria inaugurado em 1937.4 4 Marcel Gautherot, que se tornaria um importante nome da fotografia documental voltada ao patrimônio cultural brasileiro, se iniciou na fotografia a partir do laboratório coordenado pelo colega Verger, nove anos mais velho (Segala, 2010). Naquele mesmo ano, Verger faz um tour entre as Antilhas, México e América Central. Na maior parte de seus registros, é notável a afinidade estilística que ele mantém com a estética do movimento da Nova Objetividade que, entre outros aspectos, valoriza imagens bem focadas e de apelo humanista, apostando em uma modalidade de documentação do real que visava superar os constrangimentos do formalismo clássico, das fotos oficiais posadas, e ir além do esteticismo das vanguardas artísticas, desprendidas do real (Segala, 2010SEGALA, Lygia. 2010. “O clique francês do Brasil: a fotografia de Marcel Gautherot”. Acervo, v. 23, n 1: 119-132.). Em 1937, Verger documenta a inauguração da Exposição Universal realizada no Museu do Homem. E, no ano seguinte, duas imagens feitas em sua viagem aos países da África subsaariana são integradas à mostra coletiva Photography 1839-1937, na sessão de fotografia contemporânea do MoMA, em Nova Iorque. Com pouco mais de cinco anos de trabalho, sua carreira como fotógrafo documentarista já havia alcançado repercussão internacional.5

As imagens dessa primeira fase da carreira de Verger já se mantinham na órbita da forma antropológica de apreender as diferenças culturais: a fotografia se convertendo em ferramenta eficaz para documentar e dar a conhecer a diversidade de hábitos, crenças e formas da vida humana. Nesse aspecto, é importante lembrar que a ideia de “diversidade” não resulta da estabilidade ou fixidez cultural que, em algum momento, seria “descoberta” ao acaso. Antes, ela é o produto de processos historicamente constituídos que orientam a forma de pensar e representar, inclusive visualmente, as relações de identidade e alteridade (Thomas, 1991THOMAS, Nicholas. 1991. “Against Ethnography”. Cultural Anthropology, vol. 6, n. o10.1525/can.1991.6.3.02a00030
https://doi.org/10.1525/can.1991.6.3.02a...
: 317). Aquilo que se enxerga como diferente diz, portanto, respeito não somente ao que é visto, mas ao olhar do observador, estando relacionado com quadros de compreensão daquele que vê e fotografa um outro.

Quando Pierre Verger sai da França para documentar a diversidade de práticas culturais em países de vários continentes, ele não apenas se depara com algo novo, mas articula os termos que permitem expressar visualmente essa diferença, valendo-se de uma linguagem - a fotográfica - compartilhada e valorizada por seus contemporâneos.

Nesse sentido, as fotografias de Verger e de outros documentaristas da época colaboravam para a construção de uma representação da alteridade. Juntos, eles produziam um inventário visual do mundo (Sontag, 2004SONTAG, Susan. 2004. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras.: 73), visto a desde a Europa. No contexto de sua atuação primeira como fotógrafo, Verger entrava em contato com diferentes culturas retratando-as como exemplos variados de um catálogo (antropológico) que documenta a multiplicidade do humano. A fotografia se confirma assim como “linguagem universal” (Sander, 2012SANDER, August. 2012.“A fotografia como linguagem universal (1931)”. Zum. Revista de Fotografia, n. 3. p. 164-173.) que comunica a despeito do conhecimento do idioma local do outro retratado. Ainda que sempre mediada pela cultura visual do fotógrafo-observador, a fotografia dá a ver aquilo que estaria além dele mesmo e de seu sistema de pensamento.

ENCONTRO COM OS OLHOS DE XANGÔ

A primeira vinda de Verger para o Brasil ocorre no início dos anos 1940, incluindo uma passagem pelo carnaval carioca, em 1941. Mas foi em 1946, quatorze anos desde sua iniciação como fotógrafo, que ele fez sua mudança definitiva para o país. Sua chegada, ao contrário do que ocorre mais frequentemente entre os europeus que viajam para cá, ocorreu pelo interior e não pelo litoral. Ele adentra no território nacional vindo da Bolívia, de onde segue para Corumbá e, finalmente, a São Paulo. Na estação de trem da Luz, na capital paulista, Verger foi recepcionado por Roger Bastide, antropólogo francês que ocupava, na Universidade de São Paulo, a vaga liberada por Claude LéviStrauss na década anterior. Ambos, Bastide e Lévi-Strauss, estavam conectados à rede de pesquisadores do Museu do Homem, que Verger conhecia de perto.

Pouco tempo depois, Verger viaja para o Rio de Janeiro e se hospeda em Copacabana, na mesma pensão onde então morava Marcel Gautherot, que havia se mudado para o Brasil alguns anos antes. Nos três meses que permanece no antigo Distrito Federal, Verger é inserido na rede de amigos já estabelecida por Gautherot, apresentando-o a figuras como Jorge Amado e o argentino Carybé. Foi com esse último e sua esposa, Nancy, que Verger começou a frequentar um “terreiro de macumba” na cidade pouco tempo depois de sua chegada (Nóbrega e Echeverria, 2002NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio.: 148-149).

Em sua temporada carioca, Verger fecha um contrato de trabalho com a redação de O Cruzeiro, uma das revistas de maior circulação da época e que, junto à Manchete, se estabelecera como mídia hegemônica para difusão da narrativa fotográfica. Por intermédio de um expediente editorial que valorizava as imagens e as “atualidades”, tais revistas projetavam aos leitores um sentimento difuso de cosmopolitismo, operando como um índice da desejada modernização do país e de sua imprensa (Costa & Burgi, 2012COSTA, Helouise; BURGI, Sergio (orgs.). 2012. As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960. São Paulo: Instituto Moreira Salles.). Muitas das imagens veiculadas na mídia impressa eram produzidas para compor grandes reportagens, nas quais se enfatizava a ideia de descoberta ou aventura reforçada pela narrativa jornalística, tendência recorrente na mídia internacional.

No momento da contratação de Verger, a redação de O Cruzeiro já contava com a presença do fotógrafo e cineasta Jean Manzon, também francês, que havia se instalado no Rio em 1940. Antes de assumir tal posto na redação da revista, Manzon havia se encarregado pelo Setor de Fotografia do Departamento de Imprensa e Propaganda, do governo de Getúlio Vargas - uma posição que havia contribuído para o status que ele então alcançava. Com isso, e “na impossibilidade de absorção de dois grandes fotógrafos no mesmo núcleo de redação, Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, transferiu os serviços de Verger para a sucursal da Bahia” (Nóbrega e Echeverria, 2002NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio.: 150). Fosse obra do acaso ou destino, Verger seguiria a recomendação de Bastide, especialista no estudo dos cultos afro-brasileiros, de ir conhecer a Bahia. Ao rememorar sua chegada, Verger dizia que “foi Roger Bastide que me revelou a África no Brasil, ou mais exatamente, a influência da África na região Nordeste deste país” (apudMorin, 2017MORIN, Françoise. 2017. “Introdução”. In: BASTIDE, Roger. Diálogo entre filhos de Xangô: correspondência 1947-1974. Apresentação e notas de Françoise Morin. São Paulo: EdUSP. p.9-27.: 18).

Em Salvador, Verger se diria encantado com a forte presença negra e sua vocação para celebrações de vários tipos. Ele relata: “Nessa época, eu costumava acompanhar todas as festas: Santa Bárbara, Conceição da Praia, Senhor Bom Jesus dos Navegantes, os ternos de reis da lapinha (...) a festa do Bonfim” (apudNóbrega e Echeverria, 2002NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio.: 156). Através das celebrações católicas e das constantes trocas com especialistas no estudo das religiões afro-brasileiras, Verger se dava conta de que, no universo cultural brasileiro, aqueles santos eram todos simetrizados com outros, da umbanda e do candomblé, com suas próprias tradições.

Trabalhando para O Cruzeiro, Verger então viaja ao Recife para fotografar as performances dos Reis Congos, o carnaval pernambucano e assiste, pela primeira vez, às cerimônias dos orixás nagôs, nos terreiros de Xangô. Da capital pernambucana, ele escreve para o antropólogo Alfred Métraux, vinculado ao Museu do Homem, manifestando seu interesse em colaborar com a pesquisa comparativa que este realizava dos voduns nos países ocidentais da África, no Haiti e no Brasil. Em 1948, eles se encontram no Haiti e, ao acompanhar uma cerimônia de possessão naquele país, Verger se diz “possuído pelo ‘demônio da fotografia’”. Ele encara e fotografa o “deus encarnado, que avançou em minha direção com um ar ameaçador e pôs-se a me jogar pedras apanhadas do chão” (apudNóbrega e Echeverria, 2002NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio.: 172). Nesse embate, o ente religioso se contrapõe ao fotográfico, que reage capturando a imagem do primeiro.

Quando atentamos à atuação de Verger no Brasil, por outro lado, nota-se que ocorre um encontro entre o uso documental da fotografia, que acentua sua faceta moderna como artefato tecnológico a serviço da reprodução de imagens da alteridade, e o regime visual dos próprios contextos e atores que se fotografa. Para retratar os rituais, Verger emprega os conhecimentos fotográficos acumulados em sintonia com outros, novos, que vai adquirindo sobre as mitologias e estéticas dos cultos afro. Lidando com religiões marcadas pela ritualização dos segredos, ele procura respeitar aquilo que pode ser dito e visto dentro de um terreiro. Em suas relações com os povos de santo, Verger evita fazer interrogatórios de pesquisa. Ele observa e participa, fotografa quando é autorizado e avança na conversa à medida que as relações se consolidam (Nóbrega e Echeverria, 2002NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio.).

A sua atuação é marcada, ainda, por uma mudança no enquadramento da alteridade. Quando Verger formaliza o desejo de pesquisar as práticas culturais e religiosas nos dois lados do Atlântico, a partir da história da escravidão nas Américas, ele passa a enfocar não só as diferenças culturais, mas focaliza sobretudo as continuidades da ancestralidade africana no Brasil e no Caribe. O seu interesse pela continuidade - mais do que pelas descontinuidades e reinvenções - encontra ressonância na abordagem que Roger Bastide mantinha em relação aos cultos afro-brasileiros. Tal perspectiva fez com que, mais recentemente, ambos fossem chamados criticamente de “inventores da tradição ioruba” (Morin, 2017MORIN, Françoise. 2017. “Introdução”. In: BASTIDE, Roger. Diálogo entre filhos de Xangô: correspondência 1947-1974. Apresentação e notas de Françoise Morin. São Paulo: EdUSP. p.9-27.: 26), indicando que seus estudos colaboraram para a estabilização da própria tradição investigada, em contraste com outras matrizes, que foram representadas como menos “tradicionais”.

Tal enfoque não minava, contudo, o efetivo interesse que ambos mantinham por outras linhagens. Em 1949, eles publicam o ensaio Candomblé na revista A Cigarra, presidida também por Assis Chateaubriand, apresentando um ritual de iniciação que eles acompanharam no terreiro baiano de Joãozinho da Gomeia, de nação angola. A matéria trazia fotografias de Verger e texto de Bastide, que citava alguns pioneiros no estudo das religiões afro-brasileiras, como Arthur Ramos e Nina Rodrigues. Com isso, nota-se o tom antropológico do ensaio, ainda que endereçado a um público amplo, não só acadêmico (Bastide e Verger, 1949BASTIDE, Roger; VERGER, Pierre. 1949. “Candomblé”. A Cigarra, n. 183, junho de 1949. http://memoria.bn.br/docreader/003085/44806
http://memoria.bn.br/docreader/003085/44...
).

Figura 3
Primeiras páginas da reportagem “Candomblé”.

Figura 4
Neófito se preparando para a iniciação, Candomblé Cosme, Salvador, Brasil (1946 - 1953).

Fotos Pierre Verger©Fundação Pierre Verger


Figura 5
A saída da Iaô, momento coletivo da feitura de santo. Candomblé Cosme, Salvador, Brasil (1946 - 1953).

Fotos Pierre Verger©Fundação Pierre Verger.


A longa amizade mantida por Verger e Bastide produziu efeitos na produção intelectual de ambos. Ao analisar suas cartas, Morin (2017)MORIN, Françoise. 2017. “Introdução”. In: BASTIDE, Roger. Diálogo entre filhos de Xangô: correspondência 1947-1974. Apresentação e notas de Françoise Morin. São Paulo: EdUSP. p.9-27. constata que Verger solicitava a Bastide textos para acompanhar suas fotos em revistas, enquanto Bastide interpelava a pesquisadores franceses atuando no continente africano, como Théodore Monot, do Institut Français de l’Afrique Noire, para que concedessem uma bolsa de pesquisa a Verger. Em 1949, quando Pierre Verger tentava interpretar os dados produzidos em sua incursão no Daomé (atual Benin), ele apela aos conhecimentos de Bastide, que lhe responde indicando “vários autores que haviam publicado sobre o fetichismo e o totemismo e que poderiam esclarecê-lo sobre a natureza dos orixás” (ibid.: 19).

Neste ponto, cabe sublinhar que as preocupações de Verger se afinavam tanto às de natureza antropológica, manifestadas por seu amigo francês, quanto às que resultam da mediação religiosa. Antes de iniciar sua pesquisa sobre as heranças africanas fora daquele continente, Verger foi consagrado a Xangô por Mãe Senhora, do Ilê Axé Opô Afonjá de São Gonçalo do Retiro. Ainda no Brasil, ele realiza um bori para o santo de sua cabeça antes de partir para a África (Nóbrega e Echeverria, 2002NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio.: 179). Em Notas sobre o culto de orixás e voduns, Verger narra como seu interesse de pesquisa - fotográfica, etnográfica e histórica - contribuiu para sua inserção no candomblé:

Uma familiaridade de muitos anos no Brasil com as práticas religiosas dos nagô e dos djèjè (cultos prestados aos Orisa e Vodun) apresentava a vantagem de proporcionar às pesquisas realizadas na África pontos de partida e referência precisas (…).

De volta ao Brasil, o conjunto dos elementos trazidos da África - informações, fotos, certos objetos carregados de ase, entregues aos fieis dos Orisa na Bahia - deu um pouco de crédito a quem, do ponto de vista da seita, ainda era um “clandestino” e foi admitido a se incluir entre aqueles que os Orisa protegem (Verger, 2012VERGER, Pierre Fatumbi. 2012. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de todos os santos, no Brasil, e na antiga Costa dos Escravos, na África. São Paulo: EdUSP.: 14).

Na mesma obra, o autor descreve os resultados de outras duas incursões de longa duração que ele faz no continente africano, estabelecendo um contínuo trânsito entre cidades do Brasil, Benin e Nigéria. Na segunda dessas viagens, em 1949, a pesquisa de Verger na região sudeste do Benin o leva a um duplo aprendizado. Ele aprofunda sua pesquisa sobre os nagôs-iorubas e é admitido no culto a Xangô na cidade de Ifanhin. Depois, em Saketê, ele é iniciado nos rituais do mesmo orixá e recebe o nome de Xangowumi, “Xangô me convém” (Guran, 1998GURAN, Milton. 1998. “Notas de pesquisa sobre a iniciação e o trabalho fotográfico de Pierre Fatumbi Verger no Benin”. Cadernos de Antropologia e Imagem, vol. 7, n. 2: 105-114.). A fotografia, que havia viabilizado sua primeira aproximação nos candomblés, passa a ser modulada pela transformação de seu olhar. Pois Xangô, como dizia Jorge Amado, é o orixá “cuja vista alcança longe e vê por dentro” (Amado, 2010AMADO, Jorge. 2010. Tenda dos Milagres. São Paulo: Companhia das Letras.: 118).

A literatura do escritor baiano oferece um bom exemplo da constituição de uma noção de pessoa multifacetada, não atomizada, que se reflete na vida de Verger. Um dos protagonistas de Jorge Amado, Pedro Archanjo - um nome cristão - é conhecido também como Ojuobá - termo em iorubá, que significaria “Os olhos de Xangô”, um título importante junto ao terreiro de candomblé. Já no caso do nosso personagem, quando Verger retorna novamente ao Benin e à Nigéria, em 1953, ele passa pelos rituais de sua terceira iniciação. Nesse momento, o ocidental Pierre Verger se torna babalaô, “pai do segredo”, sob o nome Fatumbi: “Ifá me fez renascer” (Nóbrega e Echeverria, 2002NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio.: 419).

A troca de nomes, mais do que uma substituição de personas incompatíveis entre si, expressa a forma própria de combinação e relação com a alteridade vivenciada nos candomblés. Ao invés de considerar a diferença como uma separação, ela é pensada como uma possível forma de adição, em uma cosmologia segundo a qual “o indivíduo é um ser compósito, feito de uma pluralidade de elementos” (Souty, 2011SOUTY, Jerôme. 2011. Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático. São Paulo: Ed. Terceiro Nome.: 390). O diferente engloba e compõe o mesmo. A religião africana acolhe o europeu Verger e vice-versa. Desde então, o disparar de sua câmera ocorre como parte de um processo mais amplo de conhecimento técnico, estético e religioso.

A produção intelectual desse período culmina, em 1954, na publicação de Dieux d’Afrique: Culte des Orishas et Vodouns à l’ancienne Côte des esclaves en Afrique et à Bahia, la Baie de Tous les Saints au Brésil, resultado da pesquisa de Verger. O fotolivro foi financiado pelo Institut Français de l’Afrique Noire e é composto por uma narrativa de 160 imagens, configurando-se como um marco na pesquisa das culturas transatlânticas e da antropologia visual das religiões afro-brasileiras. Intelectuais de renome da época, como Gilberto Freyre, classificam a obra como o resultado de uma “ciência-arte” afinada à antropologia. As fotografias de Verger eram vistas como “primores de arte, [e] são também excelentes como documentação científica: ciência antropológica ou etnológica. Pois é a figura humana, não isolada mas em relação com o seu grupo, a sua cultura” que ele documenta (Freyre, 1954FREYRE, Gilberto. 1954. “Novo livro do francês Verger”. O Cruzeiro, n.5, de 13 de novembro de 1954. http://memoria.bn.br/DocReader/003581/88868
http://memoria.bn.br/DocReader/003581/88...
: 24). Freyre sublinha, ainda, a importância dos meios visuais e sonoros na apreensão científica de “realidades distantes”, como o fazia Verger:

Há quem negue de todo a Pierre Verger a condição de cientista. Cientista convencional, ele, com certeza, não é. Nem pretende ser. Mas ninguém que seja para uma época como a nossa - tão visual quanto auditiva em seus processos de apreensão das realidades distantes - uma expressão do que outrora se chamava «gaia ciência». (...) sua ciência-arte é antes revelação que divulgação (op. cit.).

A ideia de “revelação” é particularmente interessante quando pensamos em fotografias que retratam práticas religiosas. Nesse caso, o ato de revelar segue menos o sentido de descortinar para exibir, e mais o de experimentar para conhecer. Embora Verger tivesse chegado aos terreiros mediado pela fotografia, as imagens que ele divulgava e fazia circular no mercado editorial passavam por um crivo que evitava produzir atritos com a religião (Tacca, 2012TACCA, Fernando. 2012. “O Cruzeiro versus Paris Match e Life”. In: COSTA, Helouise; BURGI, Sergio (orgs.). 2012. As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960. São Paulo: Instituto Moreira Salles. pp.267-287.: 281; Morin, 2017MORIN, Françoise. 2017. “Introdução”. In: BASTIDE, Roger. Diálogo entre filhos de Xangô: correspondência 1947-1974. Apresentação e notas de Françoise Morin. São Paulo: EdUSP. p.9-27.: 205). Quanto mais envolvido no universo dos orixás, melhor seria o discernimento de Verger sobre o que podia ser externalizado do contexto ritual.

Ao avançar nas relações estabelecidas nos terreiros - de candomblé, de Xangô e de tambor de Mina, na Bahia, em Recife e no Maranhão, respectivamente, - Verger e seus interlocutores abriram caminho para o estabelecimento de outro modelo epistemológico na produção de conhecimento sobre as religiões de matriz africana no país (Souty, 2011SOUTY, Jerôme. 2011. Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático. São Paulo: Ed. Terceiro Nome.: 462). Nesse modelo, que remete a uma segunda etapa de sua biografia, como fotógrafo e pesquisador, as habituais assimetrias que marcam a relação do saber-poder ocidental com os não ocidentais são subvertidas à medida que o próprio fotógrafo se inicia em outros sistemas de pensamento e ação. Sistemas que passam a coexistir com aquele de sua formação.

Como efeito disso, Verger resiste à recomendação de jornalistas e antropólogos, incluindo Bastide, que o incentivavam a divulgar imagens menos conhecidas dos rituais afro-brasileiros, incluindo as de práticas sacrificiais. Por outro lado, sua iniciação religiosa não se opera como uma entrada em um sistema de crenças encerrado em si mesmo. A trajetória de Verger evidencia um modo de lidar com as forças do sagrado religioso que respeita seus interditos mantendo uma crítica racionalista, francesa. Ao recompor sua biografia, autores como Morin (2017: 26)MORIN, Françoise. 2017. “Introdução”. In: BASTIDE, Roger. Diálogo entre filhos de Xangô: correspondência 1947-1974. Apresentação e notas de Françoise Morin. São Paulo: EdUSP. p.9-27. chegam a sugerir, inclusive, que “Pierre Verger não acreditava na existência de um segredo”. Na realidade, ele “impunha-se o silêncio por todos esses homens e mulheres que tinham confiado nele e com os quais ele convivia. E essa experiência vivida era da ordem do indizível” (op. cit.). Mais do que uma transformação linear, que o posicionaria entre dois estados mutualmente opostos, ideia ancorada no binarismo ocidental, sua persona vai sendo composta por camadas simultâneas e heterogêneas entre si. A objetividade associada à ontologia fotográfica, moderna, se justapõe a uma ontologia não ocidental e diaspórica. A fotografia e o fotógrafo, ambos marcados pela ambivalência de suas mútuas-composições.

Figura 6
Verger e seus interlocutores, um deles com câmera na mão, em Briki, Ifanhin, no Bénin (1958).

Fotos Pierre Verger©Fundação Pierre Verger.


UM CONTRAPONTO: IMAGENS PERIGOSAS

Enquanto Verger seguia seu destino (odu), outro francês chegava ao Brasil do início dos anos 1950, também interessado nos rituais afro-brasileiros. O cineasta Henri-Georges Clouzot, acompanhado de sua esposa, Vera Amado, vinha ao país com a intenção de realizar um filme, “Le Brésil” (inacabado), e trazia consigo 3,5 toneladas de equipamentos e milhões de francos para bancar a filmagem. Os planos de Clouzot, entretanto, foram sendo progressivamente frustrados por dificuldades alfandegárias e pelo controle político que deixava entrever uma possível censura pelo governo brasileiro (Tacca, 2003TACCA, Fernando de. 2003. Candomblé - Imagens do Sagrado. CAMPOS - Revista de Antropologia Social, vol. 3: 147-164. DOI 10.5380/cam.v3i0.1593
https://doi.org/10.5380/cam.v3i0.1593...
; Kassab, 2004KASSAB, Álvaro. 2004. “O ano em que Clouzot, O Cruzeiro e intelectuais rodaram a baiana”. Jornal da Unicamp, 19 de julho a 1º de agosto de 2004. https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju259pag06.pdf
https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_h...
). O cineasta então se engaja, por três meses, na produção de uma fotorreportagem que seria publicada na revista Paris Match, em maio de 1951, com o título “Les possédées de Bahia”.

A matéria, que é anunciada pela editora como um “extraordinário documento etnográfico”, se vale da legitimidade alcançada pelo conhecimento antropológico na França para apresentar a aventura daquele estrangeiro, branco, que havia conseguido penetrar no santuário dos “deuses negros” onde são praticados os “ritos sangrentos de iniciação” (Kassab, 2004KASSAB, Álvaro. 2004. “O ano em que Clouzot, O Cruzeiro e intelectuais rodaram a baiana”. Jornal da Unicamp, 19 de julho a 1º de agosto de 2004. https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju259pag06.pdf
https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_h...
). O conjunto de fotografias feitas por Clouzot é acompanhado por um texto que se refere a ele em terceira pessoa, sem autoria informada e que é marcado por um tom exotizante. Afirma-se que na cidade de Salvador, que celebra Xangô, haveria “96 igrejas, para 453 templos fetichistas declarados à polícia, sem contar os clandestinos” (ibid.).

A reportagem gera comoção entre vários atores. Entre os que conheciam profundamente o universo do candomblé e desconfiavam das intenções de Clouzot, a matéria foi recebida como um desserviço à imagem pública da religião. Algumas semanas após a publicação, Bastide escreve para Verger e menciona a “sórdida reportagem de Clouzot em Match” (Bastide, 2017BASTIDE, Roger. 2017. Diálogo entre filhos de Xangô: correspondência 1947-1974. Apresentação e notas de Françoise Morin. São Paulo: EdUSP.: 203). Na mesma carta, ele afirma seu desejo de “dar a comer a minha cabeça” - em referência ao ritual do bori, que marca uma das etapas da iniciação no candomblé. Embora sem a experiência de passar pelo ritual, ele mesmo, Bastide escreve dois artigos em protesto, ainda em 1951.6 6 Os artigos publicados por Bastide, na revista Anhembi, foram: “A etnologia e o sensacionalismo ignorante” e “O caso Clouzot e Le Cheval de Dieux” (Tacca, 2012). Anos depois, o sociólogo comenta a matéria e a subsequente publicação do fotolivro Le Cheval de Dieux (Paris, 1951), com as fotos de Clouzot feitas na Bahia, afirmando que “Clouzot nada compreendeu da mentalidade do negro baiano e apresenta uma noção engraçada de ‘segredo’, que o faz desviar para falsas pistas, impedindo-o de ver o que há de mais importante no culto” (Bastide, 1961BASTIDE, Roger. 1961. O candomblé da Bahia (Rito Nagô). São Paulo: Cia. Editora Nacional.: 10).

Outro grupo de atores que reage à publicação francesa é a equipe de O Cruzeiro, cujo interesse se pautava menos na crítica ao viés etnocêntrico da concorrente estrangeira, e mais em uma estratégia comercial. Se um francês havia conseguido produzir um “furo” de reportagem como aquele, a maior revista do país poderia gerar um impacto semelhante em seus leitores-consumidores. Os editores da revista brasileira definem que o responsável pela tarefa de adentrar em um terreiro de candomblé para acessar e fotografar os rituais que permaneciam em segredo seria o piauiense José Medeiros [1921-1990]. Ele morava no Rio desde 1939 e, em 1946, ano em que Verger se mudou para o Brasil, começou a trabalhar n’O Cruzeiro por influência de Manzon. Medeiros trabalhou na revista por quinze anos, incluindo períodos coincidentes com Verger, e realizou diversas viagens internacionais, sendo considerado um nome de relevo na história do fotojornalismo brasileiro.

Uma diferença entre José Medeiros e Pierre Verger era destacada, contudo, desde a carta enviada pelo chefe de redação de O Cruzeiro, Leão Gondin, para o fotógrafo brasileiro. Gondin incitava José Medeiros a assumir a reportagem, em resposta a Clouzot, e dizia saber que Verger “possui fotografias tão sensacionais ou mais sensacionais do que as do cineasta francês”, tendo, por isso, sido “convenientemente cantado para ver se nos cedia tal material”. Entretanto, Verger “manda dizer que ‘em hipótese nenhuma publicará agora’” (apudTacca, 2012TACCA, Fernando. 2012. “O Cruzeiro versus Paris Match e Life”. In: COSTA, Helouise; BURGI, Sergio (orgs.). 2012. As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960. São Paulo: Instituto Moreira Salles. pp.267-287.: 282). O chefe recomendava, então, que Medeiros seguisse o plano de conseguir um furo jornalístico em segredo: “ninguém deve saber, principalmente Verger” (op. cit.).

Acompanhado pelo jornalista Arlindo Silva, Medeiros seguiu para a capital da Bahia para adentrar nos terreiros do candomblé. Segundo Tacca (2002TACCA, Fernando de. 2002. “O profano sacralizado”. Anais do INTERCOM, p. 1-9. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP8TACCA.pdf
http://www.intercom.org.br/papers/nacion...
; 2003TACCA, Fernando de. 2003. Candomblé - Imagens do Sagrado. CAMPOS - Revista de Antropologia Social, vol. 3: 147-164. DOI 10.5380/cam.v3i0.1593
https://doi.org/10.5380/cam.v3i0.1593...
; 2012)TACCA, Fernando. 2012. “O Cruzeiro versus Paris Match e Life”. In: COSTA, Helouise; BURGI, Sergio (orgs.). 2012. As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960. São Paulo: Instituto Moreira Salles. pp.267-287., que realizou entrevista com o fotógrafo, ele dizia se sentir desconfortável nas primeiras incursões. Mesmo sem portar a câmera, a sua presença era frequentemente questionada nos terreiros. Em um deles, a mãe-de-santo, em meio ao seu estado de transe, teria se voltado a ele e alertado: “Você veio aqui para fotografar mas não vai, não!” (Tacca, 2002TACCA, Fernando de. 2002. “O profano sacralizado”. Anais do INTERCOM, p. 1-9. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP8TACCA.pdf
http://www.intercom.org.br/papers/nacion...
: 02).

Esse atrito com a liderança religiosa - e com o próprio orixá - fornece um indício inequívoco da mudança de enquadramento entre a fotografia que seria realizada por Medeiros e aquela discutida anteriormente. A intenção da reportagem d’O Cruzeiro era justamente enfatizar a existência de segredos no candomblé para valorizar a sua descoberta e posterior exposição nas páginas da revista. Enquanto Verger se aprofundava no saber iniciático, a abordagem de seus colegas ficcionalizava a diferença como uma divisão, uma separação que justificaria a revelação de algo oculto sobre o outro - o “verdadeiro candomblé” (op. cit.). Aqui, o “revelar” da fotografia opera em sentido que minimiza o papel mediador do aparato técnico-mecânico e acentua sua faceta objetificadora e realista.

Junto com seu colega repórter, Medeiros alcançou seu objetivo com a ajuda de um guia que os levou a um terreiro de menor visibilidade, liderado pela mãe-de-santo Risolina Eleonita da Silva, a Mãe Riso. Eles sabiam que três iaôs seriam iniciadas proximamente e pagaram para poder acompanhar seus rituais. Mesmo sob condições de luz desfavoráveis, registradas em comentários como “o barracão é mal iluminado” (Silva e Medeiros, 1951: 14), o fotógrafo demonstra sua habilidade com a câmera Rolleiflex - mesma marca utilizada por Verger - e o flash, produzindo imagens de precisão formal e com conteúdo inédito na grande mídia. Com as imagens feitas, eles retornam para o Rio de Janeiro e, poucos dias antes da publicação da reportagem - em 15 de setembro de 1951 -, a revista lança uma campanha de publicidade do número, anunciando que “Os deuses têm sede de sangue”. A edição de O Cruzeiro estimava grande repercussão e aumentou a tiragem em cerca de 10% (Kassab, 2004KASSAB, Álvaro. 2004. “O ano em que Clouzot, O Cruzeiro e intelectuais rodaram a baiana”. Jornal da Unicamp, 19 de julho a 1º de agosto de 2004. https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju259pag06.pdf
https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_h...
). Estima-se que todos os 350 mil exemplares desse número foram vendidos.

No dia do lançamento, a revista trazia uma matéria ilustrada com 38 fotografias, sendo a de abertura impressa em página inteira, com o título “epilação das yaôs” e a legenda “início do ritual secreto”. Na página seguinte, a manchete da reportagem, “As noivas dos deuses sanguinários”, vinha acompanhada de um conjunto de sentenças breves que resumiam a fotorreportagem e, ao mesmo tempo, deixavam transparecer a intenção editorial de provocar, nos leitores, a sensação de avistar o território proibido para os não iniciados naquele “mundo ritualístico e bárbaro”:

Dois repórteres de “O Cruzeiro” desvendam mistérios do mundo ritualístico e bárbaro dos candomblés da Bahia - A iniciação das “filhas de santo” - Manifestação de uma divindade feminina - Cenas de um cerimonial secreto em toda a sua grandeza primitiva. (Medeiros e Silva, 1951MEDEIROS, José; SILVA, Arlindo. 1951. “As noivas dos deuses sanguinários”. O Cruzeiro, n. 48, de 15 de setembro de 1951. http://memoria.bn.br/docreader/003581/77972
http://memoria.bn.br/docreader/003581/77...
: 13).

Nas primeiras linhas da matéria, os repórteres afirmam que seu trabalho não era apenas “uma grande realização jornalística, mas também (...) uma documentação fotográfica inédita e tanto quanto possível completa sobre a mais impressionante prática fetichista dos negros baianos” (ibid.: 13). Embora soubessem que Verger já havia documentado rituais semelhantes, os repórteres se valem de um vocabulário descritivo que visa produzir uma imagem da alteridade como diferença radical e potencialmente perigosa: “cerimonial secreto”, “grandeza primitiva”, “prática fetichista dos negros”. O mérito atribuído aos jornalistas advinha da sensação de ineditismo produzida editorialmente. Para cumprir tal expectativa, a revista se valia do apelo visual das imagens que expunham os pormenores da raspagem da cabeça e reclusão das neófitas, do transe, do sacrifício ritual de animais.

O sucesso editorial provocou fortes reações em diferentes ordens. A Federação Baiana dos Cultos Afro-Brasileiros “convidava todos os terreiros, os simpatizantes do culto, a imprensa e o povo em geral para assistirem à assembleia geral extraordinária, a fim de especialmente julgar conveniente as publicações que foram feitas na revista Paris Match e O Cruzeiro” (apudKassab, 2004KASSAB, Álvaro. 2004. “O ano em que Clouzot, O Cruzeiro e intelectuais rodaram a baiana”. Jornal da Unicamp, 19 de julho a 1º de agosto de 2004. https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju259pag06.pdf
https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_h...
: s/p). Tal iniciativa visava se contrapor ao racismo e à estereotipação que as matérias provocavam junto a seus públicos. Por outro lado, mais obscuro, teria se iniciado uma onda de violência contra o terreiro de Mãe Riso. Segundo as informações de Medeiros, relatadas por Tacca (2002)TACCA, Fernando de. 2002. “O profano sacralizado”. Anais do INTERCOM, p. 1-9. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP8TACCA.pdf
http://www.intercom.org.br/papers/nacion...
, o terreiro e seus integrantes foram estigmatizados, a iniciação das iaôs não foi reconhecida pelos irmãos do candomblé. Surgem, então, boatos que se manteriam na memória oral dos povos de terreiro, sobre o destino das fotografadas: uma das jovens teria sido internada em hospital psiquiátrico e outra se suicidou. O destino trágico se aprofundaria com o suposto assassinato da mãe-de-santo no ano seguinte - fato que, segundo Tacca (2012: 283)TACCA, Fernando. 2012. “O Cruzeiro versus Paris Match e Life”. In: COSTA, Helouise; BURGI, Sergio (orgs.). 2012. As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960. São Paulo: Instituto Moreira Salles. pp.267-287., não teria ocorrido.

Para compreender a participação da imagem fotográfica nesse caso, sugiro que recorramos à literatura interessada no tema da transgressão de tabus e de algo “sagrado” - assunto explorado por antropólogos e surrealistas no contexto do entreguerras europeu. Autores como Michel Leiris e Georges Bataille consideravam que o “sagrado” seria uma força fundamentalmente ambivalente, podendo atuar de modo protetivo ou punitivo sobre aqueles que entravam em contato com essa mesma força. Bataille, leitor de Mauss, interessava-se especialmente pela “parte maldita” da civilização humana, naquilo que se despende, como nos sacrifícios e no erotismo. Para esse autor, “o sagrado é essa pródiga ebulição da vida que, para durar, a ordem das coisas encadeia e que tal encadeamento transforma em desencadeamento, ou, se quisermos, em violência” (Bataille, 1993BATAILLE, Georges. 1993. Teoria da Religião. São Paulo: Ática.: 43). O sagrado representado como uma “beleza convulsiva”.

Se nos valermos dessa metáfora conceitual, podemos considerar que a publicação dos “segredos” na fotorreportagem d’O Cruzeiro foi percebida pelo povo de terreiro como um ataque frontal ao sagrado. Em reação, aquela força social ambígua mostraria sua face mais nefasta - punindo mãe e filhas de santo envolvidas no rompimento de interditos. Seguindo tal raciocínio, e retomando o princípio mágico constitutivo da ontologia fotográfica que remete à sua capacidade de carregar consigo parte da realidade retratada (Sontag, 2004SONTAG, Susan. 2004. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras.; Bazin, 1991BAZIN, Andre. 1991. “Ontologia da imagem fotográfica”. In: O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense. pp.19-26.), nota-se que as imagens em questão não eram vendidas apenas como “inéditas” - elas eram perigosas, pois continham parte de uma força sagrada associada aos rituais retratados.

Exatamente por isso é que tais imagens demandavam um cuidado, como ocorre em relação àqueles que devem guardar segredo e domesticar aquilo que, de outra forma, poderia se voltar contra quem lida com o “sagrado selvagem” (Bastide, 1992BASTIDE, Roger. 1992. “O sagrado selvagem”. Cadernos de Campo, vol.2. n.2:143-157. DOI 10.11606/issn.2316-9133.v2i2p143-157
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
). Verger parecia estar consciente disso e controlava a divulgação de certas imagens do candomblé na mídia comercial. Ainda em 1950, ele havia documentado um ritual de iniciação no terreiro de Pai Cosme, um de seus principais informantes em Salvador, na companhia de Alfred Métraux (Bastide, 2017BASTIDE, Roger. 2017. Diálogo entre filhos de Xangô: correspondência 1947-1974. Apresentação e notas de Françoise Morin. São Paulo: EdUSP.: 173-178). Ele não cede tais fotos a O Cruzeiro, mas permite que algumas delas sejam publicadas, primeiramente, nos originais franceses de O Erotismo (1957) e As Lágrimas de Eros (1961), ambos de Georges Bataille. Duas obras, portanto, não dedicadas ao tema dos candomblés nem voltadas ao público brasileiro. Em uma das imagens publicadas, a iaô segura uma cabeça de carneiro entre os dentes. Trata-se de uma cena afinada com a estética surrealista que provoca o observador, como descrito anteriormente, e que também atraia a Verger.

Ele evita a circulação dessa e de outras imagens no Brasil por décadas. Apenas em 1981, no livro Orixás, do próprio Verger, é que certas fotos guardadas passam a ser conhecidas pelo grande público (Nóbrega e Echeverria, 2002NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco. Salvador: Corrupio.: 193), por meio de um tipo de produto editorial - o fotolivro - que contextualiza histórica e antropologicamente as práticas religiosas, reconhecendo seu estatuto de “cultura”.

Quatro décadas depois, em 2021, parte desse conjunto de imagens foi exposto na 34a Bienal de São Paulo. Dessa vez, a imagem com a cabeça animal foi propositadamente editada para atender um desejo poético do fotógrafo: Verger havia confessado que “gostaria de ter publicado a foto invertida e com unicamente o detalhe. O olho..." (Bienal, 2021BIENAL DE SÃO PAULO, 34a. 2021. Catálogo da exposição: Faz escuro mas eu canto. São Paulo: Fundação Bienal, Versão digitalizada: https://issuu.com/bienal/docs/34bsp_tenteio_pt
https://issuu.com/bienal/docs/34bsp_tent...
).

Figura 7
Recorte da imagem feita no Candomblé Cosme, Salvador, Brasil (1946 - 1953), apresentado no catálogo da Bienal (2021)BIENAL DE SÃO PAULO, 34a. 2021. Catálogo da exposição: Faz escuro mas eu canto. São Paulo: Fundação Bienal, Versão digitalizada: https://issuu.com/bienal/docs/34bsp_tenteio_pt
https://issuu.com/bienal/docs/34bsp_tent...
.

Fotos Pierre Verger©Fundação Pierre Verger.


UM ÚLTIMO RITUAL: O FOTÓGRAFO SE TORNA IMAGEM

A partir do exemplo contrastante entre as abordagens utilizadas por Verger e por Medeiros para documentar rituais, nota-se a significativa variação entre o enquadramento da fotografia como um instrumento de revelação da verdade que, sem essa intervenção, permaneceria oculta e, de outra parte, a apreensão da fotografia como uma via de acesso a um contexto no qual as imagens nem sempre são autorizadas ou necessárias. Nesse segundo registro, o conhecimento avança na medida em que o fotógrafo se afeta pelo regime visual próprio de certa cultura e tradição religiosa - o que não corresponde a uma negação da imagem, mas à sua apreensão sob uma lógica distinta da epistemologia europeia-moderna da “objetividade”, que atua a despeito dos sujeitos capturados pela câmera e os coloca à mercê dos efeitos de seu sistema de representação.

Depois do sucesso editorial alcançado por Medeiros, as imagens da iniciação no terreiro de Mãe Riso foram republicadas em outra edição d’O Cruzeiro, no ano seguinte. Dessa vez, com imagens coloridas, que acentuavam a dramaticidade estética dos rituais envolvendo sangue animal (Medeiros, 1952MEDEIROS, José. 1952. “A purificação pelo sangue”. O Cruzeiro, n. 45, de 23 de agosto de 1952. http://memoria.bn.br/DocReader/003581/82645
http://memoria.bn.br/DocReader/003581/82...
). Em 1957, as fotografias da reportagem são associadas a outras e replicadas, sem o texto sensacionalista, no fotolivro Candomblé - tornando-se um dos pioneiros nesse gênero de publicação no país. No mesmo ano, Roger Bastide se dedica a esmiuçar os rituais nagôs na Bahia e afirma, em contraponto às abordagens jornalísticas de Clouzot e Medeiros, que “Verger é o homem que melhor conhece atualmente os candomblés, pois não só é membro como ocupa neles posição oficial; sem dúvida, por isso mesmo, está, por sua vez, ligado pela lei do segredo e nunca poderá contar tudo o que sabe” (1961: 10). A combinação entre segredo e sagrado fez com que, naquele momento, Verger detivesse conhecimentos que poucos fotógrafos profissionais do Brasil detinham sobre o candomblé e sua ancestralidade.

A recuperação de parte da complexa trajetória do fotógrafo-etnólogo-babalaô nos revela que, em contraste com os modos de relação com a alteridade que a enquadram como um exemplo do que constitui a diversidade, em geral, ou como uma representação da diferença como divisão e afastamento, em sua obra-e-vida “a alteridade tornou-se pouco a pouco parte constitutiva de sua identidade. Verger tornou-se outro, continuando a ser ele mesmo” (Souty, 2011SOUTY, Jerôme. 2011. Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático. São Paulo: Ed. Terceiro Nome.: 381). Seu olhar mirou simultaneamente para dentro e para fora (de si e do outro) produzindo uma perspectiva que colaborou na compreensão de aspectos culturais do Brasil que excedem a perspectiva colonial europeia. Sua obra resulta de um conhecimento artístico e iniciático que dilui os grandes marcos da divisão moderna entre sujeito/objeto, observador/observado, civilizado/primitivo, em prol de uma multiplicidade de posições relacionais. Observando-o desde o tempo presente, caberia ainda indagar qual seria o rendimento de aproximarmos esse homem, branco, francês, radicado na Bahia, dos debates pós-coloniais e decoloniais mais recentes.

Para estimular esse debate, relembro que as pessoas que Verger conheceu em suas incursões pelo continente africano e americano estabeleceram formas próprias de englobamento do fotógrafo e de suas imagens. Na região do Golfo do Benin, por exemplo, onde o Fatumbi havia se iniciado nos mistérios do Ifá, quando os antigos interlocutores souberam de seu falecimento na Bahia, em 1996, eles resolveram realizar um último ritual em homenagem ao babalaô. Organizada em três etapas, a sequência ritual motivada pela sua morte espelhava a ordem e os locais de sua iniciação ritual, ocorrida muitas décadas antes. O antigo cômodo em que ele permaneceu em isolamento, o local onde ocorreu a raspagem de sua cabeça e o sacrifício de animais que acompanhava tal prática, todos os espaços foram revisitados para a despedida espiritual de Fatumbi (Guran, 1998GURAN, Milton. 1998. “Notas de pesquisa sobre a iniciação e o trabalho fotográfico de Pierre Fatumbi Verger no Benin”. Cadernos de Antropologia e Imagem, vol. 7, n. 2: 105-114.).

Na última etapa dos ritos funerários, que consistia em um cortejo cantado, os participantes da procissão levavam consigo a reprodução de um autorretrato de Verger, que ele havia dado como presente ao terreiro de sua iniciação. Era a mesma fotografia usada no frontispício de Le Messager. The Go-Between - Photographies 1932-1962, coletânea representativa de grande parte de sua obra, publicado em 1993, e que inspira o nome do documentário “Pierre Fatumbi Verger: um mensageiro entre dois mundos”, de Lula Buarque de Holanda (1998)BUARQUE DE HOLANDA. Lula. 1998. Pierre Verger: mensageiro entre dois mundos. Documentário, 82 min. https://youtu.be/tlbomZeH_p4
https://youtu.be/tlbomZeH_p4...
. Tratava-se de uma “imagem que Verger escolheu para representar a si próprio” (Guran, 1998GURAN, Milton. 1998. “Notas de pesquisa sobre a iniciação e o trabalho fotográfico de Pierre Fatumbi Verger no Benin”. Cadernos de Antropologia e Imagem, vol. 7, n. 2: 105-114.: 111) e que, dentro do ritual religioso, tomava o lugar de seu corpo. Aquele duplo permitia que sua pessoa se mantivesse em contato com a cosmologia negra atualizada pelo ritual. Uma cosmologia que expandia as modalidades de agência e expressão da imagem fotográfica valendo-se da captura e reprodução da aparência do fotógrafo. A tecnologia moderna englobada pela simbologia religiosa africana.

  • 1
    Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no VI Congresso da Associação Latino-americana de Antropologia, no simpósio “Diálogos e desafios metodológicos na antropologia da arte e da performance”, em novembro de 2020. Agradeço às coordenadoras pela interlocução, bem como às pareceristas anônimas da revista pelos comentários ao texto.
  • 2
    Ensaio de Leiris publicado na revista Documents, vol. 2, n. 7, 1930, na véspera de sua partida para a expedição etnográfica no continente africano.
  • 3
    Exatamente por serem “mal classificados e mal rotulados” (Clifford, 2014CLIFFORD, James. 2014. “Sobre o surrealismo etnográfico”. In: A Experiência Etnográfica. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ: 121-162.: 141) é que eles seriam atraentes aos surrealistas - interessados em arranjos imprevistos e não sistemáticos entre coisas, pessoas e imagens.
  • 4
    Marcel Gautherot, que se tornaria um importante nome da fotografia documental voltada ao patrimônio cultural brasileiro, se iniciou na fotografia a partir do laboratório coordenado pelo colega Verger, nove anos mais velho (Segala, 2010SEGALA, Lygia. 2010. “O clique francês do Brasil: a fotografia de Marcel Gautherot”. Acervo, v. 23, n 1: 119-132.).
  • 5
    As imagens identificadas no catálogo são descritas como “601. Banbara mask” e “602. Bobo Dance, French Sudan”. Conf. (The Museum of Modern Art, 1937THE MUSEUM OF MODERN ART (MoMA). 1937. Photography, 1839-1937: Catalogue of the exhibition. New York. [digital version]: https://assets.moma.org/documents/moma_catalogue_2088_300061916.pdf?_ga=2.96076761.436964594.15988965172098048945.1598467973
    https://assets.moma.org/documents/moma_c...
    ).
  • 6
    Os artigos publicados por Bastide, na revista Anhembi, foram: “A etnologia e o sensacionalismo ignorante” e “O caso Clouzot e Le Cheval de Dieux” (Tacca, 2012TACCA, Fernando. 2012. “O Cruzeiro versus Paris Match e Life”. In: COSTA, Helouise; BURGI, Sergio (orgs.). 2012. As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960. São Paulo: Instituto Moreira Salles. pp.267-287.).
  • FINANCIAMENTO: Não se aplica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AMADO, Jorge. 2008. Jubiabá São Paulo: Companhia das Letras.
  • AMADO, Jorge. 2010. Tenda dos Milagres São Paulo: Companhia das Letras.
  • AZOULAY, Ariella. 2019. “Desaprendendo as origens da fotografia”. Zum. Revista de fotografia. https://revistazum.com.br/revista-zum-17/desaprendendo-origens-fotografia
    » https://revistazum.com.br/revista-zum-17/desaprendendo-origens-fotografia
  • BASTIDE, Roger. 2017. Diálogo entre filhos de Xangô: correspondência 1947-1974. Apresentação e notas de Françoise Morin. São Paulo: EdUSP.
  • BASTIDE, Roger. 1992. “O sagrado selvagem”. Cadernos de Campo, vol.2. n.2:143-157. DOI 10.11606/issn.2316-9133.v2i2p143-157
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v2i2p143-157
  • BASTIDE, Roger. 1961. O candomblé da Bahia (Rito Nagô). São Paulo: Cia. Editora Nacional.
  • BASTIDE, Roger; VERGER, Pierre. 1949. “Candomblé”. A Cigarra, n. 183, junho de 1949. http://memoria.bn.br/docreader/003085/44806
    » http://memoria.bn.br/docreader/003085/44806
  • BATAILLE, Georges. 1993. Teoria da Religião São Paulo: Ática.
  • BATAILLE, Georges. 1989. The tears of Eros San Francisco: City Lights Books.
  • BAZIN, Andre. 1991. “Ontologia da imagem fotográfica”. In: O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense. pp.19-26.
  • BIENAL DE SÃO PAULO, 34a. 2021. Catálogo da exposição: Faz escuro mas eu canto. São Paulo: Fundação Bienal, Versão digitalizada: https://issuu.com/bienal/docs/34bsp_tenteio_pt
    » https://issuu.com/bienal/docs/34bsp_tenteio_pt
  • BLANCHARD, Pascal; BOËTSCH, Gilles; JACOMIN SNOEP, Nanette (eds.). 2011. L’invention du sauvage Catalogue de l’exposition du Quai Branly, Paris (29 novembre 2011 - 3 juin 2012).
  • BUARQUE DE HOLANDA. Lula. 1998. Pierre Verger: mensageiro entre dois mundos. Documentário, 82 min. https://youtu.be/tlbomZeH_p4
    » https://youtu.be/tlbomZeH_p4
  • CHÉROUX, Clement; BAJAC, Quentin; POIVERT, Michel; LE GALL, Guillaume; MICHAUD, Philippe-Alain. 2009. La subvertion des images Surréalisme, photographie, filme. Catalogue de la exposition du Centre Pompidou, Paris (23 septembre 2009 - 11 janvier 2010).
  • CLIFFORD, James. 2014. “Sobre o surrealismo etnográfico”. In: A Experiência Etnográfica. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ: 121-162.
  • COSTA, Helouise; BURGI, Sergio (orgs.). 2012. As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960. São Paulo: Instituto Moreira Salles.
  • FREYRE, Gilberto. 1954. “Novo livro do francês Verger”. O Cruzeiro, n.5, de 13 de novembro de 1954. http://memoria.bn.br/DocReader/003581/88868
    » http://memoria.bn.br/DocReader/003581/88868
  • GIUMBELLI, Emerson. 2008. “A presença do religioso no espaço público: Modalidades no Brasil”. Religião & Sociedade, vol. 28, n. 2: 80-101. DOI 10.1590/S0100-85872008000200005
    » https://doi.org/10.1590/S0100-85872008000200005
  • GURAN, Milton. 1998. “Notas de pesquisa sobre a iniciação e o trabalho fotográfico de Pierre Fatumbi Verger no Benin”. Cadernos de Antropologia e Imagem, vol. 7, n. 2: 105-114.
  • KASSAB, Álvaro. 2004. “O ano em que Clouzot, O Cruzeiro e intelectuais rodaram a baiana”. Jornal da Unicamp, 19 de julho a 1º de agosto de 2004. https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju259pag06.pdf
    » https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju259pag06.pdf
  • LATOUR, Bruno. 2008. “O que é iconoclash? Ou, há um mundo além das guerras de imagem?”. Horizontes Antropológicos, vol. 14, n. 29: 111-150. DOI 10.1590/ S0104-71832008000100006
    » https://doi.org/10.1590/S0104-71832008000100006
  • LATOUR, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos Rio de Janeiro: Editora 34.
  • LEIRIS, Michel. 2007. A África fantasma São Paulo: Cosac & Naify.
  • MAGGIE, Yvone. 1992. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil Arquivo Nacional.
  • MAUSS, Marcel. 1926. Manuel d’ethnographie [version numérique]: http://classiques.uqac.ca/classiques/mauss_marcel/manuel_ethnographie/manuel_ethnographie.pdf
    » http://classiques.uqac.ca/classiques/mauss_marcel/manuel_ethnographie/manuel_ethnographie.pdf
  • MAUSS, Marcel. 2003. Sociologia e Antropologia São Paulo: Cosac & Naify.
  • MEDEIROS, José; SILVA, Arlindo. 1951. “As noivas dos deuses sanguinários”. O Cruzeiro, n. 48, de 15 de setembro de 1951. http://memoria.bn.br/docreader/003581/77972
    » http://memoria.bn.br/docreader/003581/77972
  • MEDEIROS, José. 1952. “A purificação pelo sangue”. O Cruzeiro, n. 45, de 23 de agosto de 1952. http://memoria.bn.br/DocReader/003581/82645
    » http://memoria.bn.br/DocReader/003581/82645
  • MORIN, Françoise. 2017. “Introdução”. In: BASTIDE, Roger. Diálogo entre filhos de Xangô: correspondência 1947-1974. Apresentação e notas de Françoise Morin. São Paulo: EdUSP. p.9-27.
  • NÓBREGA, Cilda; ECHEVERRIA, Regina. 2002. Verger: um retrato em preto e branco Salvador: Corrupio.
  • PARIS-SOIR. 1934. Tour du monde Édition du 19/04/1934. Archives numériques de la Bibliothèque national de France, Gallica: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k7640140t
    » https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k7640140t
  • PEIXOTO, Fernanda Arêas. 2011. “O olho do etnógrafo”. Sociologia & Antropologia, vol. 1, n. 2: 195-215. DOI: 10.1590/2238-38752011v129
    » https://doi.org/10.1590/2238-38752011v129
  • PEREIRA, Edilson. 2019. “As imagens encarnadas entre mortos e vivos: notas etnográficas sobre ritual e retrato”. Sociologia & Antropologia, vol. 09, n. 2: 638-63. DOI 10.1590/2238-38752019v9213
    » https://doi.org/10.1590/2238-38752019v9213
  • PEREIRA, Edilson. 2020. “Fotografia e ritual: ensaio sobre os homens e as imagens da Paixão”. Cadernos de Arte e Antropologia, vol. 9, n. 2-1, p. 85-95. DOI 10.4000/cadernosaa.3286
    » https://doi.org/10.4000/cadernosaa.3286
  • PINNEY, Christopher. 1996. “A história paralela da antropologia e da fotografia”. Cadernos de Antropologia e Imagem, vol. 2. 29-52.
  • ROLIM, Iara C. P. 2014. “Pêche au harpon, a trajetória de uma fotografia”. Resgate vol. XXII, n. 27. p. 15-29.
  • ROUCH, Jean. 2003. “On the vicissitudes of the self: the possessed dancer, the magician, the sorcerer, the filmmaker and the ethnographer”. In: CinéEthnography Minneapolis: University of Minnesota Press. p. 87-101.
  • SAMAIN, Étienne. 2001. “Quando a fotografia (já) fazia os antropólogos sonharem: O jornal La Lumière (1851-1860)”. Revista de Antropologia, vol. 44, n. 2: 89-126. DOI 10.1590/S0034-77012001000200003
    » https://doi.org/10.1590/S0034-77012001000200003
  • SANDER, August. 2012.“A fotografia como linguagem universal (1931)”. Zum Revista de Fotografia, n. 3. p. 164-173.
  • SANSI, Roger. 2020. “From crime to art. Contradictions in the cultural transformation of Afro-Brazilian Candomblé”. Social Compass, vol. 26, n. 2: 238-251. DOI 10.1177%2F0037768620917090
    » https://doi.org/10.1177%2F0037768620917090
  • SEGALA, Lygia. 2010. “O clique francês do Brasil: a fotografia de Marcel Gautherot”. Acervo, v. 23, n 1: 119-132.
  • SONTAG, Susan. 2004. Sobre fotografia São Paulo: Companhia das Letras.
  • SOUTY, Jerôme. 2011. Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático. São Paulo: Ed. Terceiro Nome.
  • TACCA, Fernando de. 2002. “O profano sacralizado”. Anais do INTERCOM, p. 1-9. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP8TACCA.pdf
    » http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP8TACCA.pdf
  • TACCA, Fernando de. 2003. Candomblé - Imagens do Sagrado. CAMPOS - Revista de Antropologia Social, vol. 3: 147-164. DOI 10.5380/cam.v3i0.1593
    » https://doi.org/10.5380/cam.v3i0.1593
  • TACCA, Fernando. 2012. “O Cruzeiro versus Paris Match e Life”. In: COSTA, Helouise; BURGI, Sergio (orgs.). 2012. As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960. São Paulo: Instituto Moreira Salles. pp.267-287.
  • THE MUSEUM OF MODERN ART (MoMA). 1937. Photography, 1839-1937: Catalogue of the exhibition. New York. [digital version]: https://assets.moma.org/documents/moma_catalogue_2088_300061916.pdf?_ga=2.96076761.436964594.15988965172098048945.1598467973
    » https://assets.moma.org/documents/moma_catalogue_2088_300061916.pdf?_ga=2.96076761.436964594.15988965172098048945.1598467973
  • THOMAS, Nicholas. 1991. “Against Ethnography”. Cultural Anthropology, vol. 6, n. o10.1525/can.1991.6.3.02a00030
    » https://doi.org/10.1525/can.1991.6.3.02a00030
  • VERGER, Pierre Fatumbi. 2012. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de todos os santos, no Brasil, e na antiga Costa dos Escravos, na África São Paulo: EdUSP.
  • VERGER, Pierre. 2007. Pierre Verger - Andalucía 1935 Madrid: Agencia Española de Cooperación Internacional.
  • VERGER, Pierre. 2018. Orixás: deuses iorubás na África e no novo mundo. Salvador: Fundação Pierre Verger.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2020
  • Aceito
    23 Jun 2021
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.antropologia.usp@gmail.com