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Lógicas institucionais do policiamento comunitário: esquema analítico e agenda de pesquisa para o contexto brasileiro

Lógicas institucionales de la policía comunitaria: esquema analítico y agenda de investigación para el contexto brasileño

Resumo

Modelos de policiamento comunitário vêm sendo disseminados em diferentes países como resposta aos altos índices de criminalidade e violência. Apesar da ampla defesa da efetividade de tais modelos, há dúvidas acerca de sua efetividade e do que, de fato, se trata o policiamento comunitário. Olhando como fenômeno, o policiamento comunitário se mostra híbrido, multifacetado e com várias contradições entre o que é idealizado e o que é efetivamente posto em prática, dificultando sua compreensão. Neste ensaio, propomos um esquema analítico metateórico pautado na ideia de que o policiamento comunitário é regido por quatro tipos puros de lógicas institucionais - militar, profissional, gerencial e comunitário -, em que a interseção entre tais lógicas ajuda a compreendê-lo. Com base nesse esquema, enquadramos as pesquisas sobre o tema em elementos societários e culturais, ambientais, organizacionais, práticos e identitários, buscando delinear uma agenda de pesquisa acerca do policiamento comunitário.

Palavras-chave:
policiamento comunitário; lógicas institucionais; legitimidade; segurança pública

Resumen

Los modelos de policía comunitaria se han difundido en diferentes países en respuesta a los altos niveles de delincuencia y violencia. A pesar de la amplia defensa de la efectividad de tales modelos, existen dudas no solo sobre su efectividad, sino también sobre de qué se trata realmente la policía comunitaria. Mirándolo como un fenómeno, la policía comunitaria se ve como un híbrido, multifacético y con varias contradicciones entre lo que se idealiza y lo que efectivamente se implementa, lo que dificulta su comprensión. En este ensayo, proponemos un esquema analítico metateórico basado en la idea de que la policía comunitaria se rige por cuatro tipos puros de lógicas institucionales ‒militar, profesional, gerencial y comunitario‒ en el que la intersección entre tales lógicas ayuda a comprender cómo se manifiesta. Con base en este esquema, enmarcamos la investigación sobre el tema en elementos sociales y culturales; ambientales; organizativos; y, prácticos e identitarios, buscando esbozar una agenda de investigación sobre la policía comunitaria.

Palabras clave:
policía comunitaria; lógicas institucionales; legitimidad; seguridad pública

Abstract

Community policing models have been disseminated in different countries in response to high levels of crime and violence. Despite the broad defense of such models, their effectiveness and concept are still unclear. The phenomenon of community policing is hybrid and multifaceted, with several contradictions between what is idealized and what happens in practice, making it difficult to understand. In this essay, we propose a metatheoretical analytical scheme based on the idea that community policing is based on four pure types of institutional logics - military, professional, managerial, and community - and the intersection of these logics helps to understand the phenomenon. We used this scheme to frame the studies on community policing considering societal and cultural, environmental, organizational, and practical and identity elements, seeking to outline a research agenda.

Keywords:
community policing; institutional logics; legitimacy; public safety

1. INTRODUÇÃO

A garantia da segurança pública é um dos principais desafios ao Estado de direito no Brasil. Por essa razão, ela chama a atenção de pesquisadores e formuladores de políticas públicas, constituindo um debate intenso por parte de especialistas no assunto, face ao aumento das taxas de criminalidade e da sensação de insegurança pela população. Em números absolutos, o Brasil já registrou o maior número de homicídios no mundo em 2016, representando 13% dos assassinatos globais (Goussinsky, 2018Goussinsky, E. (2018, julho 15). Em ranking mundial de homicídios, Brasil ocupa 13o lugar. Notícias R7. Recuperado de https://noticias.r7.com/internacional/em-ranking-mundial-de-homicidios-brasil-ocupa-13-lugar-20072018
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), além de ter o maior número de cidades no ranking das 50 mais violentas do planeta no mesmo ano (Seguridad, Justicia y Paz [SJP], 2020Seguridad, Justicia y Paz (2020, junho 01). Metodología del ránking (2019) de las 50 ciudades más violentas del mundo. Recuperado de http://seguridadjusticiaypaz.org.mx/sala-de-prensa/1589-metodologia-del-ranking-2019-de-las-50-ciudades-mas-violentas-del-mundo
http://seguridadjusticiaypaz.org.mx/sala...
).

A violência atinge também os oficiais da lei, pois uma pesquisa da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) aponta que, proporcionalmente, há mais baixas de policiais do estado fluminense do que de soldados americanos na Segunda Guerra Mundial. Assim, é mais provável um soldado ser morto no Rio de Janeiro do que servindo às Forças Armadas dos Estados Unidos em qualquer guerra, incluindo a mais recente, na Síria (Aragão, 2017Aragão, A. (2017, novembro 03). É mais provável um PM ser morto no Rio do que um soldado americano na Síria. Buzz Feed News. Recuperado de https://www.buzzfeed.com/br/alexandrearagao/pms-mortos-rio-2017
https://www.buzzfeed.com/br/alexandreara...
; Balanço Geral RJ, 2017Balanço Geral RJ. (2017, setembro 04). Segundo pesquisa, policiais militares morrem mais do que soldados americanos em guerras. Record Tv R7. Recuperado de https://recordtv.r7.com/balanco-geral-rj/videos/segundo-pesquisa-policiais-militares-morrem-mais-do-que-soldados-americanos-em-guerras-17022020
https://recordtv.r7.com/balanco-geral-rj...
; SFn Notícias, 2017SFn Notícias. (2017, março 27). RJ tem mais baixas de PMs que soldados americanos na segunda guerra mundial. Recuperado de https://sfnoticias.com.br/rj-tem-mais-baixas-de-pms-que-soldados-americanos-na-segunda-guerra-mundial
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). Em 2017, em média, um policial foi assassinado por dia e catorze civis perderam a vida em intervenções policiais diariamente no Brasil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública [FBSP], 2018Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2018). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018. São Paulo, SP: Autor.).

As pressões sociais por redução da violência e maior efetividade e qualidade nos serviços públicos levaram às instituições públicas, incluindo as de segurança, a adotar novos modelos de gerenciamento, com ênfase no planejamento estratégico e em ferramentas de análise de desempenho e alcance de resultados, na chamada new public management (Bresser-Pereira, 2002Bresser-Pereira, L. C. (2002). Reforma da nova gestão pública: agora na agenda da América Latina, no entanto... Revista do Serviço Público, 53(1), 5-27.; Hood, 1991Hood, C. (1991). A public management for all seasons? Public Administration, 69(1), 3-19.; Nikos, 2001Nikos, M. (2001). Trends of administrative reform in Europe: towards administrative convergence? International Public Management Review, 2(2), 39-53.; Paula, 2005aPaula, A. P. P. (2005a). Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social. RAE-Revista de Administração de Empresas, 45(1), 36-49., 2005b; Vieira & Protásio, 2011Vieira, R., & Protásio, G. (2011). Gestão para resultados na segurança pública em Minas Gerais: uma análise sobre o uso de indicadores na gestão da Polícia Militar e no sistema de defesa social. Revista Brasileira de Segurança Pública, 5(8), 206-220.). No entanto, compreender a segurança pública no Brasil por meio dessas ferramentas não é suficiente para entender e analisar como a realidade do policiamento é construída. Por exemplo, embora Minas Gerais tenha um dos menores índices de homicídios do país, junto com São Paulo (FBSP, 2019Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2018). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018. São Paulo, SP: Autor.), não significa que exista nesses estados uma maior sensação de segurança nem que os moradores aprovem os serviços policiais. Afinal, considerando apenas as taxas de homicídio, nenhuma cidade do sudeste brasileiro, onde se encontram as maiores cidades do país, é apontada nas listas das mais perigosas (SJP, 2020Seguridad, Justicia y Paz (2020, junho 01). Metodología del ránking (2019) de las 50 ciudades más violentas del mundo. Recuperado de http://seguridadjusticiaypaz.org.mx/sala-de-prensa/1589-metodologia-del-ranking-2019-de-las-50-ciudades-mas-violentas-del-mundo
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).

Nas últimas décadas, a literatura também têm recepcionado temas como sensação de segurança, medo do crime e bem-estar do cidadão, numa abordagem subjetivada do policiamento, em que a prevenção criminal é alcançada por meio de uma polícia cidadã que se relaciona diretamente com seu público - um modelo de prática e organização da polícia denominado Polícia Comunitária (Frühling, 2007Frühling, H. (2007). The impact of international models of policing in Latin America: the case of community policing. Police Practice and Research, 8(2), 125-144.; Rosenbaum, 2012Rosenbaum, D. P. (2012). A mudança no papel da polícia: avaliando a transição para policiamento comunitário. In J. P. Brodeur (Ed.), Como reconhecer um bom policiamento. São Paulo, SP: Edusp.; Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.; Trojanowicz & Bucqueroux, 1994Trojanowicz, R., & Bucqueroux, B. (1994). Policiamento comunitário: como começar. Rio de Janeiro, RJ: PMERJ.). Assim, deu-se origem às propostas que avaliam a atuação da polícia brasileira e o relacionamento estreito do policial militar com o público civil local, a quem prestam contas, para tratar e avaliar o bem-estar do cidadão, a sensação de segurança e o medo do crime (Araújo, 2010Araújo, G. (2010, junho 11). PMs de 10 estados e do DF terão aula de policiamento comunitário no Japão. G1. Recuperado de http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/06/pms-de-11-estados-vao-ter-aula-de-policiamento-comunitario-no-japao.html
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; Frühling, 2007Frühling, H. (2007). The impact of international models of policing in Latin America: the case of community policing. Police Practice and Research, 8(2), 125-144.).

Em especial no Brasil, cuja democracia recente ainda está em processo de consolidação, as inúmeras experiências de policiamento comunitário carregam os anseios de uma sociedade por cidadania, participação, segurança e qualidade de vida, por meio da promoção de serviços públicos de qualidade. No mesmo compasso, essas experiências levam ao questionamento sobre se o policiamento comunitário é, de fato, aderente ao contexto brasileiro e se suas práticas não seriam apenas uma replicação disforme de práticas estrangeiras em segurança pública.

Considerando o complexo sistema de segurança pública existente num país geograficamente extenso, heterogêneo, difuso e complexo, este ensaio propõe um esquema analítico metateórico, pautando-se na ideia de que o policiamento comunitário se baseia em quatro tipos puros de lógicas institucionais - militar, profissional, gerencial e comunitário -, em que a interseção entre elas ajuda a compreendê-lo. Para tanto, destacamos as instâncias das lógicas de policiamento em quatro categorias elementares - societárias e culturais, ambientais, organizacionais, prática e identitárias -, as quais organizaram a leitura dos estudos brasileiros e de uma agenda de pesquisa.

As discussões aqui apresentadas sobre a Polícia Comunitária aplicada ao contexto brasileiro identificam e desafiam suposições subjacentes ao fenômeno, destacando possíveis contradições e alinhamentos entre as lógicas preexistentes e os novos modelos de policiamento. Como contribuição para o campo, o ensaio avança ao articular as lógicas institucionais inerentemente relacionadas com as instituições de policiamento vigentes no Estado moderno (Schaap, 2021Schaap, D. (2021). Police trust-building strategies: a socio-institutional, comparative approach. Policing and Society, 31(3), 304-320.; Terpstra & Salet, 2019Terpstra, J., & Salet, R. (2019). The contested community police officer: an ongoing conflict between different institutional logics. International Journal of Police Science & Management, 21(4), 244-253.; Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.), explorando, de forma inovadora, como a multiplicidade de lógicas e suas ordens remetem a contestações e conflitos na implementação de novos modelos.

Baseado na revisão de estudos publicados sobre o caso brasileiro, o ensaio oferece pistas para os gestores públicos, na complexa e longa tarefa de reformar a polícia brasileira, além de subsidiar pesquisas em segurança pública, sobretudo em proposições teóricas sobre modelos de policiamento comunitário e sua aplicabilidade. O texto está estruturado da seguinte forma. Depois desta introdução, a próxima seção trata da Polícia Comunitária como objeto de estudo. Nas seções seguintes, discutimos as lógicas institucionais do policiamento comunitário e a pesquisa desse modelo de policiamento no contexto brasileiro. Na sequência, delineamos os desafios e as limitações de uma agenda de pesquisa, seguidas pelas considerações finais.

2. A POLÍCIA COMUNITÁRIA COMO OBJETO DE ESTUDO

A assunção dos pressupostos da Polícia Comunitária no campo da segurança pública brasileira não é recente. Uma das primeiras literaturas admitidas pelas polícias brasileiras em matéria de Polícia Comunitária foi o livro, fruto de uma tese apresentada em Harvard, intitulado Community policing: how to get started (Trojanowicz & Bucqueroux, 1994Trojanowicz, R., & Bucqueroux, B. (1994). Policiamento comunitário: como começar. Rio de Janeiro, RJ: PMERJ.), que fora traduzido e utilizado pela polícia paulista, na década de 1990, e por outros estados brasileiros, a partir de então com o título Policiamento comunitário: como começar. A publicação da coleção Polícia e Sociedade (Bayley, 2001Bayley, D. H. (2001). Padrões de policiamento. São Paulo, SP: Edusp.; Reiner, 2003Reiner, R. (2003). A pesquisa policial no Reino Unido: uma análise crítica. In M. Tonry, & N. Morris (Eds.), Policiamento moderno(pp. 463-537). São Paulo, SP: Edusp.), pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), pela editora da Universidade de São Paulo (Edusp) e pela Ford Foundation, também contribuiu para a difusão das questões referentes à segurança pública na academia brasileira.

Desde os tempos do criminologista Herman Goldstein, que ainda nos anos 1970 já discorria sobre Policing a free society (policiando uma sociedade livre) e sobre os problemas básicos da função estatal em prover segurança (Goldstein, 1977Goldstein, H. (1977). Policing a free society. Pensacola, FL: Ballinger Publishing Company.), a segurança pública como campo de estudo vem suscitando novas abordagens práticas e teóricas, frente às profundas transformações sociais e políticas. Nesse contexto, surge o termo Polícia Comunitária como um modelo de organização da polícia que visa se tornar o mais avançado modelo de policiamento, ou, ainda, a polícia cidadã. Para Skolnick e Bayley (2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp., p. 15), representaria “o lado progressista e avançado do policiamento”.

Esse modelo como prática de organização da polícia representa também uma nova ideologia para a segurança pública, na qual o trabalho policial é realizado em parceria com a comunidade, a quem se destinam os serviços de segurança. Então, os próprios moradores, das diversas e heterogêneas regiões da cidade, apontariam os problemas e participariam da promoção da segurança pública local, de forma descentralizada. A despeito de estarem diretamente ligados aos crimes, o foco seria qualquer desordem local que interferisse no bem-estar do cidadão (Rosenbaum, 2012Rosenbaum, D. P. (2012). A mudança no papel da polícia: avaliando a transição para policiamento comunitário. In J. P. Brodeur (Ed.), Como reconhecer um bom policiamento. São Paulo, SP: Edusp.; Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.; Trojanowicz & Bucqueroux, 1994Trojanowicz, R., & Bucqueroux, B. (1994). Policiamento comunitário: como começar. Rio de Janeiro, RJ: PMERJ.).

Na década de 1980, Skolnick e Bayley (2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.) estudaram o policiamento comunitário em diversos países - Austrália, Canadá, Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Grã-Bretanha, Japão, Cingapura e Estados Unidos - e afirmaram que, mais do que proximidade, o público civil deveria procurar ser coprodutor de políticas públicas. As práticas policiais pelo mundo estariam reduzindo o conceito ao considerar policiamento comunitário como sendo só a melhoria da cooperação entre a polícia e a comunidade. Os autores concluíram que não havia consenso acerca do significado de Polícia Comunitária para os entrevistados, sendo o termo por vezes utilizado para rotular programas tradicionais.

Depois de passar pela modernização da segurança pública com a profissionalização de suas atividades no século XIX, as polícias ao redor do mundo, desde a segunda metade do século XX, têm vivido crises de legitimidade, o que as levou a reconhecer que é impossível produzir um serviço de segurança efetivo sem o envolvimento da comunidade local e de outros setores da sociedade. Por isso, elas buscaram promover práticas que aproximem os policiais da comunidade em que atuam (Batitucci, 2010Batitucci, E. C. (2010). A evolução institucional da polícia no século XIX: Inglaterra, Estados Unidos e Brasil em perspectiva comparada. Revista Brasileira de Segurança Pública, 4(7), 30-47.; Reiner, 2003Reiner, R. (2003). A pesquisa policial no Reino Unido: uma análise crítica. In M. Tonry, & N. Morris (Eds.), Policiamento moderno(pp. 463-537). São Paulo, SP: Edusp.; Skogan, 2008Skogan, W. G. (2008). An overview of community policing: origins, concepts and implementation. In T. Williamson (Ed.), The handbook of knowledge-based policing: current conceptions andfuture directions (pp. 43-57). Chicago, IL: John Wiley & Sons.; Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.).

Essas influências globais também chegaram à recente democracia sul-americana. Segundo Frühling (2007Frühling, H. (2007). The impact of international models of policing in Latin America: the case of community policing. Police Practice and Research, 8(2), 125-144.), as intervenções das Nações Unidas em El Salvador (1991) e na Guatemala (1996) introduziram os pressupostos da Polícia Comunitária como um componente-chave dos acordos de paz para o fim da guerra civil. Nos dois casos, ambos envolvidos por uma variedade de atores internacionais, foram realizadas paralelamente reformas e mudanças institucionais, estipulando a criação de novas forças policiais civis, em substituição à antiga polícia, que operava sob os auspícios das forças armadas. Elas também influenciaram a geração de políticas públicas de segurança no Brasil, mostrando qual seria a visão do melhor caminho do mundo globalizado para a segurança pública, pressionando o complexo sistema de segurança pública brasileiro a se adaptar. Marcadas por práticas policiais rotineiras de enfrentamento ao crime, eminentemente repressivas, as políticas públicas de segurança no país foram reconfiguradas para, ao mesmo tempo, atender a tais pressões e às múltiplas realidades regionais.

Os programas de policiamento comunitário, muito populares na América Latina, procuravam reconstituir a legitimidade das instituições policiais, que buscavam não mais serem reconhecidas como polícia de governo, e sim de Estado. Impulsionadas pela redemocratização ocorrida entre 1980 e 1990, as polícias recorreram à importação de modelos capazes de torná-las voltadas ao bem-estar dos cidadãos, garantindo-lhes seus direitos. Assim, as tentativas de implantação do modelo de policiamento comunitário ocorreram logo após esse período de redemocratização, entre os anos de 1990 e 2000. Todavia, apesar do discurso de legitimidade democrática, algumas práticas policiais ainda não eram considerados meios adequados de aproximação com a comunidade, fazendo com que essa mudança se tornasse apenas retórica (Ribeiro & Vilarouca, 2018Ribeiro, L., & Vilarouca, M. G. (2018). “Ruim com ela, pior sem ela”: o desejo de continuidade das UPPs para além das Olimpíadas. Revista de Administração Pública,, 52(6), 1155-1178.).

A análise de Batitucci (2019Batitucci, E. C. (2019). Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(101), 1-19.) sobre a profissionalização policial no Brasil considera a existência de restrições e limites da atuação policial face às garantias constitucionais de direitos fundamentais. Nesse contexto, a autoridade policial poderia ser limitada pela vigilância de uma sociedade livre. No entanto, o autor observa que, como a segurança pública no Brasil se desenvolveu de forma desvinculada à discussão dos direitos constitucionais, a atuação policial muitas vezes extrapola os limites, não sendo percebido socialmente um compromisso, por parte da polícia, com valores democráticos.

Para Batitucci (2019Batitucci, E. C. (2019). Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(101), 1-19.), na polícia brasileira, há estratégias formalizadas pelo alto comando da organização em direção à democracia. No entanto, permanecem com baixo reconhecimento social. Para o autor, a instituição se concentra em duas grandes estratégias de legitimação frente à crise de reconhecimento social: (a) investimento no conhecimento gerencial e sua aplicação nas dinâmicas organizacionais e na regulação formal da prática policial; (b) investimento num processo de diferenciação social marcado pelo isomorfismo de práticas socialmente consagradas, traduzidas ou adaptadas. O estudo de Batitucci (2019)Batitucci, E. C. (2019). Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(101), 1-19. aponta ainda para problemas na operacionalização das forças policiais, como desvalorização do policial, baixa profissionalização, déficit de legitimidade e baixo interesse da polícia no tema cidadania. Adiciona-se uma concepção equivocada da criminalidade, em que se valoriza a vigilância do bem contra o mal, com o foco prioritário no crime e na persecução penal. Nesse último ponto, ao discorrer sobre o foco no número de prisões e apreensões, Soares (2015Soares, L. E. (2015). Apresentação. In R. S. R. Souza (Ed.), Quem comanda a segurança pública no Brasil? (pp. 9-17). Belo Horizonte, MG: Letramento., p. 15) diz: “De que outra forma mediríamos a produtividade policial militar?, perguntam os que não conseguem enxergar além da esquina”.

Assim, no recente ambiente democrático brasileiro, Batitucci (2019Batitucci, E. C. (2019). Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(101), 1-19.) defende que houve a exaustão do modelo militar de policiamento, levando a polícia brasileira a pavimentar o caminho para mudanças incrementais na direção de um novo ideal de polícia. Por um lado, acreditava-se que incorporar conhecimento gerencial garantiria uma mudança do modelo militar de gestão, buscando a legitimidade policial sem conflitos com valores militares por meio da reorganização administrativa. Por outro lado, segundo o autor, ainda existiriam contradições entre a missão policial e as tradições militares.

Sob a égide do gerencialismo, a polícia careceria de uma visão adequada da dinâmica social, considerando conflitos “não como inerentes à vida societária, mas como sua antítese” (Batitucci, 2019Batitucci, E. C. (2019). Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(101), 1-19., p. 10). Como contraponto a esse modelo, a Polícia Comunitária teria surgido como um fundamento transversal à atividade de policiamento. Assim, as reformas das práticas policiais em direção ao policiamento comunitário teriam surgido como resposta aos efeitos da crise de legitimidade da polícia brasileira, mesmo havendo incompatibilidades com a polícia gerencial e com a força policial militarizada (Batitucci, 2019Batitucci, E. C. (2019). Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(101), 1-19.).

Na mesma época em que as influências globais de Polícia Comunitária chegavam ao Brasil (Frühling, 2007Frühling, H. (2007). The impact of international models of policing in Latin America: the case of community policing. Police Practice and Research, 8(2), 125-144.; Ribeiro & Vilarouca, 2018Ribeiro, L., & Vilarouca, M. G. (2018). “Ruim com ela, pior sem ela”: o desejo de continuidade das UPPs para além das Olimpíadas. Revista de Administração Pública,, 52(6), 1155-1178.), a literatura em administração e a própria gestão pública passavam por uma diligente influência da chamada nova gestão pública (Bresser-Pereira, 2002Bresser-Pereira, L. C. (2002). Reforma da nova gestão pública: agora na agenda da América Latina, no entanto... Revista do Serviço Público, 53(1), 5-27.), ou new public management, cujos pressupostos são ligados ao gerencialismo. Ao tentar explicar o motivo de tamanha aceitação, persuasão e proliferação da nova gestão pública (NGP) ao redor do mundo, a partir da década de 1980, Hood (1991Hood, C. (1991). A public management for all seasons? Public Administration, 69(1), 3-19.) afirma que haveria uma alegação clara de que a NGP ofereceria uma solução para todos os fins, sendo um caminho para uma melhor prestação de serviços públicos. A NGP se tornou uma verdadeira panaceia, sendo vista como uma das tendências internacionais mais marcantes na administração pública (Hood, 1991Hood, C. (1991). A public management for all seasons? Public Administration, 69(1), 3-19.).

A ascensão da NGP no mundo parece ser explicada pelas reformas dos Estados (Paula, 2005aPaula, A. P. P. (2005a). Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social. RAE-Revista de Administração de Empresas, 45(1), 36-49., 2005bPaula, A. P. P. (2005b). Por uma nova gestão pública. Rio de Janeiro, RJ: FGV.) ou pelo que Hood (1991Hood, C. (1991). A public management for all seasons? Public Administration, 69(1), 3-19.) chamou de megatendências da administração, por meio da atenção que os Estados começaram a direcionar a pautas neoliberais, como controle dos gastos públicos, privatizações, uso de tecnologias e cooperação com entidades intergovernamentais. É nesse momento que a América Latina passa por reestruturações sociais e políticas, assumindo uma nova perspectiva de gestão com as práticas do policiamento comunitário. Apesar das pressões por homogeneização das práticas policiais, a realidade exigia, de modo contraditório, uma abordagem regional, cuja organização ocorreria de forma descentralizada, respeitando as especificidades locais.

O envolvimento comunitário dos policiais, com base na gestão local e descentralizada de suas atividades-fim, também buscava a redução dos índices criminais, apesar de a prestação de contas à comunidade ainda se pautar em relatórios pouco elucidativos para tal público. Por exemplo, a incorporação dessa lógica de avaliação por indicadores gerencialistas, inclusa num contexto de adesão à NGP, explica o caso de Minas Gerais. A adesão à NGP pela Polícia Militar mineira se iniciou no fim dos anos 1990, com visitas técnicas a Nova York, para a criação de indicadores e a adesão de uma dita “cientificidade” na gestão policial, resultando, em 2005, no denominado “controle científico da polícia”. Consequentemente, incorporaram-se argumentos em torno de expressões que remetiam a indicadores, gestão do desempenho e resultados, bem como outros termos próprios da área de mercado e de negócios (Vieira & Protásio, 2011Vieira, R., & Protásio, G. (2011). Gestão para resultados na segurança pública em Minas Gerais: uma análise sobre o uso de indicadores na gestão da Polícia Militar e no sistema de defesa social. Revista Brasileira de Segurança Pública, 5(8), 206-220.).

A preocupação das polícias com esses números não é recente, como apontam as iniciativas para buscar modelos bem-sucedidos de práticas policiais - como exemplo, pode-se citar a visita do grupo de oficiais da polícia mineira aos Estados Unidos, em busca de um programa de modernização organizacional, de forma a implantar novas práticas (Vieira & Protásio, 2011Vieira, R., & Protásio, G. (2011). Gestão para resultados na segurança pública em Minas Gerais: uma análise sobre o uso de indicadores na gestão da Polícia Militar e no sistema de defesa social. Revista Brasileira de Segurança Pública, 5(8), 206-220.). Apesar de tal preocupação, as estatísticas criminais não seriam consideradas o único caminho gerencial para tomadas de decisão da Polícia Comunitária (Rosenbaum, 2012Rosenbaum, D. P. (2012). A mudança no papel da polícia: avaliando a transição para policiamento comunitário. In J. P. Brodeur (Ed.), Como reconhecer um bom policiamento. São Paulo, SP: Edusp.; Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.; Trojanowicz & Bucqueroux, 1994Trojanowicz, R., & Bucqueroux, B. (1994). Policiamento comunitário: como começar. Rio de Janeiro, RJ: PMERJ.). Por exemplo, ela é identificada na política nacional de segurança pública brasileira (Souza, 2015Souza, R. S. R. (2015). Quem comanda a segurança pública no Brasil? Atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública. Belo Horizonte, MG: Letramento.), num tratamento multidisciplinar do crime e da violência, em novo entendimento sobre seu controle (Kruchin, 2013Kruchin, M. K. (2013). Análise da introdução de um novo paradigma em segurança pública no Brasil. Revista Brasileira de Segurança Pública, 7(1), 40-56.).

Esse tratamento multidisciplinar levou à constatação de que as regiões com baixo índice criminal não demonstrariam, necessariamente, uma alta qualidade na produção de serviços públicos de segurança, por exemplo. Da mesma forma, o aumento dos índices não representa uma piora da segurança pública de determinada região. Ou seja, se comunidades que não se relacionavam com o poder público passassem a ter na polícia um representante legítimo de seus direitos, o aumento dos registros de seus litígios poderia ser considerado positivo. Aliás, é problemática a tentativa de mensurar o policiamento comunitário, o que consiste num desafio para a gestão das práticas policiais (Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.).

É nessa diversidade de realidades no mundo, particularmente no Brasil, que o modelo de policiamento comunitário se propõe a resolver os problemas de segurança pública ligados ao bem-estar do cidadão, ao medo do crime e às desordens sociais de diversas naturezas, não apenas referentes ao crime. Os pressupostos do policiamento comunitário preveem que as ações sejam realizadas de forma descentralizada e não homogênea, considerando as múltiplas realidades locais. Ocorre que o termo se tornou uma das tendências internacionais mais marcantes na administração policial, sendo visto como uma solução para todas as polícias (Frühling, 2007Frühling, H. (2007). The impact of international models of policing in Latin America: the case of community policing. Police Practice and Research, 8(2), 125-144.; Haubrich & Wehrhahn, 2015Haubrich, D., & Wehrhahn, R. (2015). Urban crime prevention and the logics of public security policies in Brazil: a relational perspective on the local fields of negotiation. Die Erde - Journal of the Geographical Society of Berlin, 146(1), 21-33.; Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.), apesar do alerta da literatura de que o policiamento comunitário “não é uma fórmula mágica e rápida ou uma panaceia” (Trojanowicz & Bucqueroux, 1994Trojanowicz, R., & Bucqueroux, B. (1994). Policiamento comunitário: como começar. Rio de Janeiro, RJ: PMERJ., p. 19).

Como modelo de policiamento, buscaram-se, ao mesmo tempo, várias fórmulas para a organização da Polícia Comunitária. Incorporaram-se, mesmo que de forma contraditória, práticas de policiamento configuradas pelo contexto social, em resposta à crise de legitimidade perante o regime democrático, calcadas em processos da polícia profissional e mescladas com mecanismo de gestão da NGP, sem abandonar a militarização da força policial.

O policiamento comunitário pode ser visto também como uma filosofia, uma prática profissional ou uma epistemologia que emergiu de experiências consideradas bem-sucedidas, disseminadas ao redor do mundo (Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.). Portanto, essas experiências apresentam múltiplas facetas, interpretações e práticas que, até certo ponto, são contraditórias, o que dificulta o enquadramento conceitual do fenômeno. Estudos empíricos no Brasil, como aqueles que serão apresentados na seção 4, demonstram que não há consenso sobre como o policiamento comunitário deve ser operacionalizado, o que reforça o argumento de múltiplas lógicas.

3. AS LÓGICAS INSTITUCIONAIS DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO

Muitas das imprecisões analíticas a respeito da compreensão de como o policiamento comunitário se manifesta em realidades específicas, como no caso brasileiro, se dão na tentativa de enquadrar o modelo como logicamente consistente. O problema é que há várias concepções distintas de natureza político-ideológica sobre o policiamento comunitário (Crank, 2003Crank, J. P. (2003). Institutional theory of police: a review of the state of the art. Policing - An International Journal of Police Strategies & Management, 26(2), 186-207.; Rahr & Rice, 2015Rahr, S., & Rice, S. K. (2015). From warriors to guardians: recommitting American police culture to democratic ideals(New Perspectives in Policing Bulletin). Washington, DC: U.S. Department of Justice, National Institute of Justice.; Terpstra & Salet, 2019Terpstra, J., & Salet, R. (2019). The contested community police officer: an ongoing conflict between different institutional logics. International Journal of Police Science & Management, 21(4), 244-253.), bem como de natureza prática (Rolandsson, 2015Rolandsson, B. (2015). Partnerships with the police: logics and strategies of justification. Qualitative Research in Organizations and Management - An International Journal, 10(1), 2-20.; Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.), impossibilitando que a essência desse modelo seja deduzida com base na investigação de como ele é implementado. Mais problemático ainda é que a implementação desses modelos ocorre em contextos cuja organização policial apresenta diferenças imensas em comparação com as de criação, nas quais as regras democráticas apresentam distintos graus de sedimentação, bem como a audiência apresenta características socioeconômicas amplamente divergentes.

Assim, tentar antever os resultados de tais práticas de policiamento de forma hipotético-dedutiva é um exercício incoerente. Para facilitar o processo de análise da implementação desses modelos, categorizamos neste ensaio as lógicas de policiamento em quatro tipos ideais (Quadro 1). Como tipos puros, não se manifestam nessas formas na realidade do policiamento. Todavia, como ideais, facilitam a compreensão das características de cada uma das lógicas, de modo que seja possível capturar conflitos, contradições e convergências na implementação.

Amparados na ideia de lógica institucional originalmente desenvolvida por Friedland e Alford (1991Friedland, R., & Alford, R. R. (1991). Bringing society back in: symbols, practices, and institutional contradictions. In W. W. Powell, & P. J. DiMaggio (Eds.), The new institutionalism in organizational analysis(pp. 232-267). Chicago, IL: University of Chicago Press.), Thornton e Ocasio (1999Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999). Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: executive succession in the higher education publishing industry, 1958-1990. American Journal of Sociology, 105(3), 801-843., p. 804) definem lógicas institucionais como “padrões históricos de práticas materiais socialmente construídas, pressupostos, valores, crenças e regras pelas quais os indivíduos produzem e reproduzem a sua subsistência material, organizam o tempo e o espaço e fornecem sentido à sua realidade social”. Face a essa definição, podemos dizer que o policiamento comunitário também se configura como lógicas institucionais, pois apresenta todas as características expostas no conceito de Thornton e Ocasio (1999)Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999). Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: executive succession in the higher education publishing industry, 1958-1990. American Journal of Sociology, 105(3), 801-843.. Todavia, como as lógicas institucionais são ordens de produção socialmente regionalizadas, compostas por objetos e significados mediados pela prática material, ou seja, são ordens de prática, elas tendem a se manifestar de forma híbrida e até contraditória quando posta em uso.

Não seria diferente para as lógicas institucionais do policiamento comunitário. Como apontam Terpstra e Salet (2019Terpstra, J., & Salet, R. (2019). The contested community police officer: an ongoing conflict between different institutional logics. International Journal of Police Science & Management, 21(4), 244-253.), as tentativas de caracterizar o policiamento comunitário como modelo se torna um exercício altamente ambíguo e contraditório, cujas demandas da sociedade e das organizações policiais muitas vezes entram em conflito. Por essa razão, compreender a complexidade desse modelo por meio de lógicas institucionais é útil, já que ele se põe como modelo metateórico para analisar como indivíduos, organizações e instituições estão socialmente imbricados (Thornton, Ocasio, & Lounsbury, 2012Thornton, P. H., Ocasio, W., & Lounsbury, M. (2012). The institutional logics perspective: a new approach to culture, structure, and process. Oxford, UK: Oxford University Press.).

Em nosso esquema analítico, em vez de equiparar as lógicas de policiamento aos níveis societários - mercado capitalista, Estado burocrático, família, democracia, religião etc. -, como fizeram inicialmente (Thornton et al., 2012Thornton, P. H., Ocasio, W., & Lounsbury, M. (2012). The institutional logics perspective: a new approach to culture, structure, and process. Oxford, UK: Oxford University Press.), buscamos articular as lógicas institucionais inerentemente relacionadas com as instituições de policiamento vigente no Estado moderno (Herbert, 2000Herbert, S. (2000). Reassessing police and police studies. Theoretical Criminology, 4(1), 113-119.; Schaap, 2021Schaap, D. (2021). Police trust-building strategies: a socio-institutional, comparative approach. Policing and Society, 31(3), 304-320.). Assim, a literatura que trata de modelos de policiamento comunitário (Batitucci, 2019Batitucci, E. C. (2019). Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(101), 1-19.; Cardoso, 2019Cardoso, B. V. (2019). A lógica gerencial-militarizada e a segurança pública no Rio de Janeiro: o CICC-RJ e as tecnologias de (re)construção do Estado. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 3, 53-74.; Crank, 2003Crank, J. P. (2003). Institutional theory of police: a review of the state of the art. Policing - An International Journal of Police Strategies & Management, 26(2), 186-207.; Rahr & Rice, 2015Rahr, S., & Rice, S. K. (2015). From warriors to guardians: recommitting American police culture to democratic ideals(New Perspectives in Policing Bulletin). Washington, DC: U.S. Department of Justice, National Institute of Justice.; Rautiainen, Urquía-Grande, & Muñoz-Colomina, 2017Rautiainen, A., Urquía-Grande, E., & Muñoz-Colomina, C. (2017). Institutional logics in police performance indicator development: a comparative case study of Spain and Finland. European Accounting Review, 26(2), 165-191.; Rolandsson, 2015Rolandsson, B. (2015). Partnerships with the police: logics and strategies of justification. Qualitative Research in Organizations and Management - An International Journal, 10(1), 2-20.; Santos, 2018Santos, F. H. R. (2018). Lógicas institucionais das Polícias Militares: organizações híbridas e suas relações com o nível individual. Revista de Gestão Pública - Práticas e Desafios, 9(1), 1-24.; Schaap, 2021Schaap, D. (2021). Police trust-building strategies: a socio-institutional, comparative approach. Policing and Society, 31(3), 304-320.; Terpstra & Salet, 2019Terpstra, J., & Salet, R. (2019). The contested community police officer: an ongoing conflict between different institutional logics. International Journal of Police Science & Management, 21(4), 244-253.; Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.), quando se debruça sobre seus aspectos institucionais e culturais, tende a enfatizar os quatro domínios de lógicas apresentados no Quadro 1: a militar, cujos aspectos remetem à concepção do funcionamento do exército e das forças armadas; 2) a profissional, cuja organização da polícia remete ao funcionamento burocrático de uma função de Estado; 3) a gerencial, fortemente pautada em mecanismos de monitoramento de mercado e tecnológicos que ganharam advento sob os ideais da NGP; 4) e comunitária, alinhada à preservação de garantias constitucionais de regimes democráticos, cuja abordagem remete à aproximação entre a polícia e a comunidade, inclusive respeitando direitos das minorias..

As lógicas institucionais remetem a mecanismos que buscam explicar a realização prática e material de atividades do cotidiano, levando em consideração aspectos simbólicos, culturais e históricos. Isso mostra que processos de organizar o policiamento comunitário ganham sentido mais amplo, pois todo exercício de poder de autoridades que têm o direito legítimo do uso da força precisa ser justificado social e culturalmente, o que remete a elementos societários e culturais, assim como deve ter propriedade prática e identitária para os agentes, em elementos práticos e identitários. Como tais práticas e indivíduos atuam coletivamente em organizações com características inerentes a cada uma das lógicas, em que se destacam os elementos organizacionais, elas são compreensíveis como fenômeno de organização da polícia quando confrontada com a audiência, em que são postos os elementos ambientais.

Esses quatro grupos de elementos ou categorias elementares estão dispostos no Quadro 1. Assim, cada elemento apresenta instâncias distintas entre cada uma das lógicas, ou seja, evidências acerca de como elas se manifestam no campo do policiamento (Thornton et al., 2012Thornton, P. H., Ocasio, W., & Lounsbury, M. (2012). The institutional logics perspective: a new approach to culture, structure, and process. Oxford, UK: Oxford University Press.).

QUADRO 1
TIPOS IDEAIS DAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS DE POLICIAMENTO

QUADRO 1
continuação

Por exemplo, acerca da lógica militar, as instâncias societárias e culturais têm o Exército como metáfora de organização coletiva (Rahr & Rice, 2015Rahr, S., & Rice, S. K. (2015). From warriors to guardians: recommitting American police culture to democratic ideals(New Perspectives in Policing Bulletin). Washington, DC: U.S. Department of Justice, National Institute of Justice.), em que a fonte de legitimidade é o Estado em si, cuja concepção de organização emergiu em Estados autocráticos, nos quais a figura do mandatário é inquestionável. Tendo como base de autoridade a hierarquia, muitas vezes representada por diferenças em bandeiras, brasões e insígnias, a fonte de poder é a força física (Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.). Sob a lógica militar, a criminalidade é racionalizada como um problema de fraqueza moral, o que justifica muitas das manifestações práticas e identitárias que descrevem a atuação de polícias sob tal ordem (Herbert, 2000Herbert, S. (2000). Reassessing police and police studies. Theoretical Criminology, 4(1), 113-119.).

Tendo como referência o mito do guerreiro conquistador, o arquétipo de agente policial é o soldado de campo, cujas ações são pautadas na honra, como quando usam o termo “honrar a farda”, em que a glória surge do cumprimento de missões bem-sucedidas (Batitucci, 2019Batitucci, E. C. (2019). Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(101), 1-19.). O inimigo é corporificado na imagem do criminoso, que precisa ser combatido, em especial por meio de conhecimento e habilidades tático-operacionais, como se vê com frequência na guerra contra o tráfico (Crank, 2003Crank, J. P. (2003). Institutional theory of police: a review of the state of the art. Policing - An International Journal of Police Strategies & Management, 26(2), 186-207.; Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.).

A polícia militar não atua somente sob essa lógica no contexto brasileiro. Mesmo sendo inegável que tais corporações manifestam muitos dos valores, da identidade e das práticas da lógica militar, ela também incorpora vários elementos de uma lógica profissional. Tendo como espelho muitas agências policiais ao redor do mundo, as instâncias societárias e culturais da lógica profissional se assentam no estado burocrático de direito, cuja fonte de legitimidade é a legislação, em que o agente policial, por meio do cargo, pode exercer seu poder mediante a lei e a expectativa de ordem (Rautiainen et al., 2017Rautiainen, A., Urquía-Grande, E., & Muñoz-Colomina, C. (2017). Institutional logics in police performance indicator development: a comparative case study of Spain and Finland. European Accounting Review, 26(2), 165-191.). O distintivo simboliza o status do agente, que tem como mito o policial astuto, aquele que lida com diversas demandas da burocracia policial e com o processo investigativo na intenção de servir ao Estado (Schaap, 2021Schaap, D. (2021). Police trust-building strategies: a socio-institutional, comparative approach. Policing and Society, 31(3), 304-320.). Sua experiência profissional exige um perfil generalista, pois atividades como a garantia da lei e da ordem, a prevenção de ocorrências e a identificação do crime precisam ser contemporizadas (Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.).

Há também concepções diferentes acerca da lógica profissional, em especial quando operam em contextos nos quais há um modelo neoliberal dominante, cujo sistema de crenças do NGP se manifesta. Tal lógica gerencial de policiamento tem como metáfora a gestão privada de companhias, em que a legitimidade advém de uma provável racionalidade instrumental desse modelo (Rautiainen et al., 2017Rautiainen, A., Urquía-Grande, E., & Muñoz-Colomina, C. (2017). Institutional logics in police performance indicator development: a comparative case study of Spain and Finland. European Accounting Review, 26(2), 165-191.). Por meio de tecnologias avançadas, dados e relatórios são usados por especialistas em gestão na intenção de controlar o crime, focando sempre na eficiência dos processos (Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.). Como há um cálculo instrumental ponderando resultados, riscos e recursos utilizados, há uma tentativa de perseguir maiores alvos, por isso esse modelo parece ter uma obsessão pelo crime organizado (Herbert, 2000Herbert, S. (2000). Reassessing police and police studies. Theoretical Criminology, 4(1), 113-119.; Rahr & Rice, 2015Rahr, S., & Rice, S. K. (2015). From warriors to guardians: recommitting American police culture to democratic ideals(New Perspectives in Policing Bulletin). Washington, DC: U.S. Department of Justice, National Institute of Justice.).

Por fim, a lógica comunitária parte do princípio de que sociedades democráticas devem ser justas, em que a garantia de direitos humanos e constitucionais na relação entre polícia e cidadão seja a base da confiança, dando legitimidade à organização policial (Crank, 2003Crank, J. P. (2003). Institutional theory of police: a review of the state of the art. Policing - An International Journal of Police Strategies & Management, 26(2), 186-207.; Schaap, 2021Schaap, D. (2021). Police trust-building strategies: a socio-institutional, comparative approach. Policing and Society, 31(3), 304-320.). Pressupõe-se que muito da criminalidade advenha de situações de vulnerabilidade e desigualdade social, motivo pelo qual o agente policial deve usar suas habilidades de relações sociais para tentar conter o crime e, ao mesmo tempo, aumentar a sensação de segurança das comunidades (Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.). Há um mito de que o policial, como vigilante da comunidade, seja um guardião esclarecido, cujo papel extrapola o mero exercício de policiamento, com demandas recaindo especialmente no vivenciar as comunidades em que atua (Terpstra & Salet, 2019Terpstra, J., & Salet, R. (2019). The contested community police officer: an ongoing conflict between different institutional logics. International Journal of Police Science & Management, 21(4), 244-253.).

Olhando transversalmente essas lógicas de policiamento, observam-se que algumas instâncias apresentam relativa afinidade, ao passo que outras são contraditórias, o que afeta muito o modo como são enquadradas quando postas em práticas. Nitidamente, cada uma delas apresenta uma racionalização distinta acerca do crime na sociedade, de quais meios legítimos podem ser empregados para combatê-lo e de como justificar as ações combativas, sobretudo quando não são bem-sucedidas (Crank, 2003Crank, J. P. (2003). Institutional theory of police: a review of the state of the art. Policing - An International Journal of Police Strategies & Management, 26(2), 186-207.).

Nesse último aspecto, pensar em lógicas institucionais remete a saber por que os responsáveis por implementar modelos de policiamento fazem o que fazem, justificando-as (Rolandsson, 2015Rolandsson, B. (2015). Partnerships with the police: logics and strategies of justification. Qualitative Research in Organizations and Management - An International Journal, 10(1), 2-20.). Assim, atores sociais concretos, ao depararem com diferentes lógicas no campo, buscam convencer a audiência sobre as razões e a validade do que fazem, apelando para um ou mais instâncias das lógicas. Ao atribuir às lógicas institucionais algo que alude a ordens de valor que permeiam as justificativas, resgatam-se alguns elementos do pragmatismo francês, mais especificamente de Boltanski e Thévenot (2020Boltanski, L., & Thévenot, L. (2020). A justificação: sobre as economias da grandeza. Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ.).

Como apontam Cloutier e Langley (2013Cloutier, C., & Langley, A. (2013). The logic of institutional logics: insights from French pragmatist sociology. Journal of Management Inquiry, 22(4), 360-380.), em vez de focar as lógicas do mundo em ordens societárias, Boltanski e Thévenot (2020Boltanski, L., & Thévenot, L. (2020). A justificação: sobre as economias da grandeza. Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ.) enfatizaram o caráter plural das lógicas, visto que elas podem se manifestar de forma híbrida no contexto da ação. Assim, para as autoras, as lógicas residem em “ordens de grandeza”, ou em “mundos” nos quais aquilo que é tido como valioso remete a justificativas e gramáticas específicas, usadas para avaliar as ações dos outros e de si próprio, as quais, por sua vez, habilitam a ação coletiva (Cloutier & Langley, 2013).

Boltanski e Thévenot (2020Boltanski, L., & Thévenot, L. (2020). A justificação: sobre as economias da grandeza. Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ.) apontam para seis mundos: inspirado, doméstico, da popularidade, cívico, mercantil e industrial. Desses seis, quatro são relevantes para a compreensão do policiamento comunitário:

  1. O doméstico, que é o domínio da “família” na sua dimensão simbólica, em que honra, lealdade, altruísmo e confiança são valorizados. A hierarquia e a tradição têm papéis centrais, em que se prioriza preservar a unidade de grupo.

  2. O industrial, o do domínio das medidas e da eficiência, em que se valoriza aquilo que é funcional, produtivo, eficiente e útil. Métodos científicos e objetos tecnológicos são centrais, e a perfeição no funcionamento do sistema é um ideal;

  3. O civil, o do domínio do dever e da solidariedade, em que se valoriza aquilo que é unido, representativo, legal e livre. Coloca-se o bem comum à frente da vontade individual.

  4. O do mercado, o do domínio do dinheiro, em que se valoriza aquilo que é raro, caro e lucrativo. A lei do mercado prevalece, e são dignos aqueles que conseguem tirar proveito das coisas. A riqueza é um fim, e avaliação objetiva sem emoção é um instrumento para esse fim.

As lógicas de policiamento, de diferentes formas, apresentam um hibridismo desses mundos (Rolandsson, 2015Rolandsson, B. (2015). Partnerships with the police: logics and strategies of justification. Qualitative Research in Organizations and Management - An International Journal, 10(1), 2-20.). Na militar, manifestam-se os mundos domésticos de modo mais proeminente nos valores, que são suportados, em parte, por uma conduta industrial. Na profissional, manifesta-se uma lógica que valoriza os aspectos industriais no processo, sem deixar de levar em consideração que há uma razão civil para tais aspectos. Na gerencial, a valorização de modelos de gestão para o mercado é nítida e os meios industriais são fortemente empregados e justificados. Na comunitária, o conteúdo do mundo civil é mandatório, ressaltando a lógica de atuação do mundo doméstico.

Por fim, deve-se considerar também que as lógicas de policiamento remetem a diferentes instâncias ambientais e de audiência, que estão alinhadas a instâncias organizacionais específicas. Por exemplo, nas lógicas militar e gerencial, que têm uma concepção mais uníssona de audiência - governo e opinião pública, respectivamente -, há uma concepção de ambiente simples, com uma orientação mais centralizada da decisão. Já nas lógicas profissional e comunitária, como a audiência é tida como multifacetada - sociedade e comunidade -, o ambiente é complexo, havendo relativa descentralização.

Enquanto se entente que o ambiente das lógicas militar e profissional é mais estável, propiciando a burocratização das atividades, o ambiente da gerencial e da comunitária é considerado dinâmico, em que adocracias são vistas como configurações organizacionais mais propícias. Assim, as lógicas concebem, do ponto de vista cultural, simbólico e identitário, não só razões e justificativas para a prática, mas também quais configurações de organização, no sentido sintetizado por Mintzberg (1995Mintzberg, H. (1995). Criando organizações eficazes. São Paulo, SP: Atlas.), são hipoteticamente mais alinhadas aos tipos de lógica vigente. Por consequência, como a realidade prática do policiamento acaba evocando mais de uma lógica, conflitos na tentativa de compor essas configurações podem surgir.

3.1 Contradições e Alinhamentos entre Lógicas de Policiamento

Ao contrastar diferentes lógicas, que, por sua vez, apresentam instâncias, ordens de valor e justificativas distintas, pode-se compreender como as contradições e os alinhamentos entre essas lógicas geram conflitos e problemas na criação do policiamento comunitário (Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.). Assim, os dois primeiros tipos ideais apresentados no Quadro 1 estão ligados aos processos de policiamento considerados tradicionais em boa parte das polícias, em especial o profissional, que foi alvo de diversas críticas e reformas relatadas nas principais obras que advogam o uso do policiamento comunitário (Crank, 2003Crank, J. P. (2003). Institutional theory of police: a review of the state of the art. Policing - An International Journal of Police Strategies & Management, 26(2), 186-207.). Já quando se fala de novos modelos de policiamento, a ideia de reforma perpassa os elementos dos tipos ideais de policiamento comunitário ou gerencial - esse último vem ganhando forte destaque graças ao avanço da NGP como lógica de gestão dos departamentos de polícia (Rautiainen et al., 2017Rautiainen, A., Urquía-Grande, E., & Muñoz-Colomina, C. (2017). Institutional logics in police performance indicator development: a comparative case study of Spain and Finland. European Accounting Review, 26(2), 165-191.; Wathne, 2020Wathne, C. T. (2020). New public management and the police profession at play. Criminal Justice Ethics, 39(1), 1-22.).

Esses diferentes ideais são corporificados por agentes com múltiplas ideias e interesses acerca do que seja efetivamente um policiamento comunitário, o quais, como lógicas da prática (Friedland, 2018Friedland, R. (2018). Moving institutional logics forward: emotion and meaningful material practice. Organization Studies, 39(4), 515-542.), apresentam enorme sincretismo entre crenças, justificativas, propósitos e meios pelos quais o policiamento comunitário se materializa no cotidiano. Como existem várias contradições entre os modelos de policiamento já institucionalizados e os novos, que ainda buscam legitimação, eles tendem a ser fortemente contestados (Terpstra & Salet, 2019Terpstra, J., & Salet, R. (2019). The contested community police officer: an ongoing conflict between different institutional logics. International Journal of Police Science & Management, 21(4), 244-253.).

Não se questiona aqui se esses modelos são ou não úteis no processo efetivo de redução da criminalidade ou se têm o potencial de relegitimar a autoridade das organizações policiais, que, por várias razões, vêm sendo postas à prova. Aqui, cabe a nós apontar que conflitos, contestações, divergências e até a ineficácia da aplicação de tais modelos de policiamento comunitário no contexto brasileiro apresentam contradições inconciliáveis nas suas raízes.

Tentamos destacar essas contradições e possíveis alinhamentos no Quadro 2, que ilustra como lógicas mais enraizadas de policiamento interagem com os novos modelos. Primeiramente, consideramos a (di)vergência entre ordens de justificativas, em particular no que se refere aos princípios de organização e aos meios pelos quais as atividades são organizadas. Depois, avaliamos as interrelações acerca do tipo de ambiente de tarefa, lócus de atuação, tipo de organização e de decisão.

QUADRO 2
MULTIPLICIDADE DAS LÓGICAS DE POLICIAMENTO

Na sua essência, os diferentes modelos de policiamento podem variar em nível de prováveis conflitos, em especial quando a contestação ocorre tanto nos princípios quanto nos meios, como é o caso de tentar incorporar uma lógica comunitária numa policial. Já quando há uma lógica profissional vigente, os conflitos tendem a ser menores, pois há um alinhamento parcial. No caso de incorporar elementos de uma lógica gerencial de policiamento, espera-se um baixo conflito quando esta emerge dentro de uma lógica militar, uma vez que, mesmo havendo contestação nos princípios, os meios não são contraditórios. O conflito tende a ser maior quando modelos gerenciais são incorporados em organizações com maior ênfase na lógica profissional, haja vista que há muita contestação nos meios pelos quais se atingem um fim, pois, enquanto a primeira preza pela centralização de poder nos especialistas, a segunda pressiona por descentralização da decisão na base do policiamento (Terpstra & Salet, 2019Terpstra, J., & Salet, R. (2019). The contested community police officer: an ongoing conflict between different institutional logics. International Journal of Police Science & Management, 21(4), 244-253.).

Como estamos tratando de lógicas de policiamento exercidas por entidades coletivas, há conflitos também nas formas de organizar, sobretudo quando os tipos de organização (burocrático x adocrático) e de decisão (centralizado x descentralizado) são distintos. A respeito do lócus de atuação, se é territorial ou não, as fontes de conflitos tendem a ser menores. No entanto, as diferenças de foco do lócus podem afetar o relacionamento das organizações policiais com a audiência (Terpstra & Salet, 2019Terpstra, J., & Salet, R. (2019). The contested community police officer: an ongoing conflict between different institutional logics. International Journal of Police Science & Management, 21(4), 244-253.). Em síntese, como resultado dos conflitos entre diferentes formas de organizar, as entidades policiais tendem a desacoplar as atividades guiadas por diferentes lógicas (Crank, 2003Crank, J. P. (2003). Institutional theory of police: a review of the state of the art. Policing - An International Journal of Police Strategies & Management, 26(2), 186-207.), o que não impede que ainda existam conflitos e contradições na formação do policiamento comunitário.

Por fim, é necessário compreender os aspectos políticos e ideológicos que servem como gatilho para a manifestação prática de múltiplas lógicas institucionais (Delmestri, 2009Delmestri, G. (2009). Institutional streams, logics, and fields. Research in the Sociology of Organizations, 27, 115-144.). Isso aponta para qual lógica é central (Besharov & Smith, 2014Besharov, M. L., & Smith, W. K. (2014). Multiple institutional logics in organizations: explaining their varied nature and implications. Academy of Management Review, 39(3), 364-381.), ou seja, relevante na extensão em que é suportada por estruturas de poder e suas justificativas ganham respaldo no contexto político e social. Historicamente, há uma tendência a novos modelos de policiamento, chamados de comunitários, seguirem uma lógica gerencial - mesmo militar -, quando sob a égide de governos conservadores (Herbert, 2000Herbert, S. (2000). Reassessing police and police studies. Theoretical Criminology, 4(1), 113-119.; Rahr & Rice, 2015Rahr, S., & Rice, S. K. (2015). From warriors to guardians: recommitting American police culture to democratic ideals(New Perspectives in Policing Bulletin). Washington, DC: U.S. Department of Justice, National Institute of Justice.). Por outro lado, em governos progressistas, modelos tidos como nitidamente mais democráticos e comunitários são enfatizados (Crank, 2003Crank, J. P. (2003). Institutional theory of police: a review of the state of the art. Policing - An International Journal of Police Strategies & Management, 26(2), 186-207.), salvo quando o contexto é tão brutal e desafiador que lógicas de policiamento militar se mesclam a tais modelos, como é o caso de muitas experiências brasileiras (Batitucci, 2019Batitucci, E. C. (2019). Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(101), 1-19.; Cardoso, 2019Cardoso, B. V. (2019). A lógica gerencial-militarizada e a segurança pública no Rio de Janeiro: o CICC-RJ e as tecnologias de (re)construção do Estado. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 3, 53-74.). É nesse contexto desafiador que o estudo sobre policiamento comunitário no Brasil emergiu como campo de pesquisa.

4. A PESQUISA SOBRE POLÍCIA COMUNITÁRIA NO BRASIL

A pesquisa sobre Polícia Comunitária no Brasil vai muito além do uso de categorias e conceitos da teoria institucional. Todavia, vários dos aspectos sociais, culturais e práticos sobre os quais a pesquisa acerca do policiamento comunitário se debruça, de uma forma ou de outra, acaba se entrelaçando com os elementos que expomos no nosso esquema analítico. Isso quer dizer que a utilidade de nosso esquema está no caráter meta-analítico e metateórico. Por consequência, pesquisas com diferentes perspectivas epistemológicas, teóricas e metodológicas podem ser conduzidas com base nele. Tanto é assim que, na seção 4, buscamos enquadrar estudos sobre policiamento comunitário que não necessariamente se enquadram em teorias de lógicas institucionais.

Na literatura sobre o tema, encontram-se investigações empíricas de casos brasileiros em que o Estado adota programas considerados de policiamento comunitário. Dessas investigações, observa-se que o caso carioca recebeu significativa atenção por parte dos pesquisadores (Arias & Ungar, 2009Arias, E. D., & Ungar, M. (2009). Community policing and Latin America’s citizen security crisis. Comparative Politics, 41(4), 409-429.; Dammert & Malone, 2006Dammert, L., & Malone, M. F. T. (2006). Policing strategies and fear of crime in Latin America. Latin American Politics and Society, 48(4), 27-51.; Prouse, 2018Prouse, C. (2018). Autoconstruction 2.0: social media contestations of racialized violence in Complexo do Alemão. Antipode, 50(3), 621-640.; Ribeiro & Vilarouca, 2018Ribeiro, L., & Vilarouca, M. G. (2018). “Ruim com ela, pior sem ela”: o desejo de continuidade das UPPs para além das Olimpíadas. Revista de Administração Pública,, 52(6), 1155-1178.; Riccio, Ruediger, Ross, & Skogan, 2013Skogan, W. G. (2013). Use of force and police reform in Brazil: a national survey of police officers. Police Practice and Research, 14(4), 319-329.; Vargas, 2013Vargas, J. H. C. (2013). Taking back the land: police operations and sport megaevents in Rio de Janeiro. Souls, 15(4), 275-303.; Wolff, 2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.). O que interessou à maioria dos estudiosos foram os problemas particulares do estado do Rio de Janeiro, como a forte presença de organizações criminosas, a alta criminalidade, que não pode ser dissociada de outros problemas conjunturais (Frey & Czajkowski, 2005Frey, K., & Czajkowski, S. Jr. (2005). O município e a segurança pública: o potencial da governança democrática urbana. Revista de Administração Pública, 39(2), 297-325.), e os vários problemas sociais que a capital enfrenta, com reflexo direto na segurança pública, sobretudo nas favelas.

Os estudos dão especial atenção ao programa de policiamento comunitário chamado de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) (Ribeiro & Vilarouca, 2018Ribeiro, L., & Vilarouca, M. G. (2018). “Ruim com ela, pior sem ela”: o desejo de continuidade das UPPs para além das Olimpíadas. Revista de Administração Pública,, 52(6), 1155-1178.; Riccio et al., 2013Riccio, V., Ruediger, M. A., Ross, S. D., & Skogan, W. (2013). Community policing in the favelas of Rio de Janeiro. Police Practice and Research - An International Journal, 14(4), 308-318.; Vargas, 2013Vargas, J. H. C. (2013). Taking back the land: police operations and sport megaevents in Rio de Janeiro. Souls, 15(4), 275-303.; Wolff, 2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.), por ter sido o mais incentivado até então. O propósito da UPP era resgatar a legitimidade e a presença do Estado nas favelas, incluindo a promoção de políticas públicas, com a consequente redução do medo do crime e o aumento do bem-estar do cidadão. Apesar de ter recebido forte incentivo do Estado e das organizações envolvidas, com o alcance inicial dos objetivos, as práticas policiais retornaram ao policiamento tradicional, enfraquecendo o programa e promovendo a crise da UPP, o que foi amplamente divulgado na mídia brasileira e se tornou alvo de pesquisas acadêmicas (Ribeiro & Vilarouca, 2018Ribeiro, L., & Vilarouca, M. G. (2018). “Ruim com ela, pior sem ela”: o desejo de continuidade das UPPs para além das Olimpíadas. Revista de Administração Pública,, 52(6), 1155-1178.).

Nas próximas seções, apresentamos a pesquisa sobre Polícia Comunitária no Brasil, sob os seguintes elementos de análise, enquadrados nos quatro tópicos do Quadro 1: societários e culturais, ambientais, organizacionais, práticos e Identitários.

4.1 Elementos Societários e Culturais

Ao estudar o impacto dos modelos internacionais de policiamento na América Latina, Frühling (2007Frühling, H. (2007). The impact of international models of policing in Latin America: the case of community policing. Police Practice and Research, 8(2), 125-144.) afirma que os obstáculos à implementação da Polícia Comunitária são semelhantes. O aumento da criminalidade e do medo do crime pressionam a polícia, exigindo resultados de curto prazo, mesmo em circunstâncias que exigem esforços de longo prazo. Há uma demanda pelo controle da criminalidade, ao mesmo tempo que cresce a demanda pela redução drástica do abuso policial (Frühling, 2007Frühling, H. (2007). The impact of international models of policing in Latin America: the case of community policing. Police Practice and Research, 8(2), 125-144.). Segundo o autor, isso tem sido percebido como contraditório por setores importantes da opinião pública, o que provoca um fim precoce de muitas das iniciativas de reforma policial. Há também uma resistência, na própria organização policial, à modernização institucional necessária à adesão da Polícia Comunitária, dado o grande número de pessoas envolvidas, as sérias dificuldades financeiras e uma administração centralizada e muito regulamentada historicamente.

A desigualdade social e a violência no Brasil podem ser representadas pela realidade das favelas, termo brasileiro de difícil - talvez impossível - tradução para outro idioma. Autores como Riccio et al. (2013Riccio, V., Ruediger, M. A., Ross, S. D., & Skogan, W. (2013). Community policing in the favelas of Rio de Janeiro. Police Practice and Research - An International Journal, 14(4), 308-318.), ao publicarem a pesquisa em inglês, optaram por manter a palavra em português. Há uma dificuldade na compreensão da dinâmica das favelas brasileiras. Por vezes segregados territorialmente, aglomerados urbanos de baixa renda não existem somente no Brasil, mas o termo favela se tornou representativo do caso brasileiro. As favelas cariocas exemplificam essa assertiva ao representar o contexto tipicamente brasileiro no que diz respeito a habitação, planejamento urbano, emprego, distribuição de renda, mobilidade, entre tantos outros problemas sociais que interferem diretamente na prestação do serviço público de segurança.

Inclui-se nesse quadro a quase intratável presença e a consequente influência das organizações criminosas nos assentamentos urbanos de baixa renda da periferia de capitais brasileiras, as quais se propõem a substituir o poder do Estado (J. A. Alves, 2016Alves, J. A. (2016). Blood in reasoning: state violence, contested territories and black criminal agency in urban Brazil. Journal of Latin American Studies, 48(1), 61-87.; Prouse, 2018Prouse, C. (2018). Autoconstruction 2.0: social media contestations of racialized violence in Complexo do Alemão. Antipode, 50(3), 621-640.; Wolff, 2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.). Nas favelas, acentuam-se os problemas brasileiros - desigualdade social, pobreza, desemprego, fome, precariedade das políticas públicas de saúde e educação, discriminação e intolerância, racismo -, cuja segregação territorial causada pelo crime e pela pobreza produz graves efeitos na segurança pública. Recorrentes homicídios, confrontos e mortes de policiais (e por policiais) trazem a favela para o debate público. Não seria diferente na literatura sobre segurança pública no Brasil, tendo em vista que a favela desafia as suposições sobre Polícia Comunitária, dada a complexidade do caso brasileiro.

O policiamento nas favelas brasileiras, como as de São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza, isolada ou comparativamente com as favelas do Rio de Janeiro, foi objeto de alguns estudos (J. A. Alves, 2016Alves, J. A. (2016). Blood in reasoning: state violence, contested territories and black criminal agency in urban Brazil. Journal of Latin American Studies, 48(1), 61-87.; M. C. Alves & Arias, 2012Alves, M. C., & Arias, E. D. (2012). Understanding the Fica Vivo programme: two-tiered community policing in Belo Horizonte, Brazil. Policing and Society, 22(1), 101-113.; Arias & Ungar, 2009Alves, M. C., & Arias, E. D. (2012). Understanding the Fica Vivo programme: two-tiered community policing in Belo Horizonte, Brazil. Policing and Society, 22(1), 101-113.; Beato, Ribeiro, Oliveira, & Prado, 2017Beato, C. C. Filho, Ribeiro, L. M. L., Oliveira, V. C., & Prado, S. C. F. (2017). Reducción de homicidios en Minas Gerais: un análisis del programa Fica Vivo. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, 116, 129-157.; Garmany, 2014Garmany, J. (2014). Space for the State? Police, violence, and urban poverty in Brazil. Annals of the Association of American Geographers, 104(6), 1239-1255.; Prouse, 2018Prouse, C. (2018). Autoconstruction 2.0: social media contestations of racialized violence in Complexo do Alemão. Antipode, 50(3), 621-640.; Ribeiro & Vilarouca, 2018; Riccio et al., 2013Riccio, V., Ruediger, M. A., Ross, S. D., & Skogan, W. (2013). Community policing in the favelas of Rio de Janeiro. Police Practice and Research - An International Journal, 14(4), 308-318.; Vargas, 2013Vargas, J. H. C. (2013). Taking back the land: police operations and sport megaevents in Rio de Janeiro. Souls, 15(4), 275-303.; Wolff, 2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.). Embora seja possível considerar especificidades regionais, os problemas relacionados com os assentamentos urbanos de baixa renda no Brasil estiveram presentes nesses estudos, cuja maior atenção foi direcionada às favelas cariocas. As crises de legitimidade da polícia e os conflitos nas relações entre sociedade e Estado nos assentamentos urbanos de baixa renda pelo mundo são uma realidade para a segurança pública de muitos países. Porém, as favelas tornaram o caso brasileiro particular.

O relacionamento estreito com o cidadão é um desafio para o policial e os moradores de determinadas favelas, onde se aplica o modelo de policiamento comunitário. Na tentativa de combater o medo do crime e promover a qualidade de vida por meio da sensação de segurança (Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.; Trojanowicz & Bucqueroux, 1994Trojanowicz, R., & Bucqueroux, B. (1994). Policiamento comunitário: como começar. Rio de Janeiro, RJ: PMERJ.), os policiais se empenham para estabelecer relações com os moradores, conquanto haja problemas na legitimidade da força policial no contexto local. Nesses lugares, as práticas policiais estão mais próximas às de operações militares do que ao exercício da cidadania, com interações comunitárias de proximidade. Em vez de sensação de segurança no combate ao medo do crime, as impraticáveis reuniões comunitárias preventivas se transmutam em incursões de combate. As organizações criminosas e a polícia se preparam militarmente para o confronto, realizado, por vezes, com alto poder de fogo, num constante e iminente risco de vida para policiais, criminosos e moradores locais.

Quando o objetivo do Estado passa a ser a retomada do território, antes dominado pelo tráfico (Ribeiro & Vilarouca, 2018Ribeiro, L., & Vilarouca, M. G. (2018). “Ruim com ela, pior sem ela”: o desejo de continuidade das UPPs para além das Olimpíadas. Revista de Administração Pública,, 52(6), 1155-1178.; Wolff, 2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.), mesmo que de forma efêmera e frágil, com o uso da força extrema por parte de um policiamento militarizado, que não consegue manter seu domínio, nem sua presença, nem sua legitimidade, o modelo da Polícia Comunitária se torna impraticável. Quando episódios que se assemelham mais a uma guerra civil se tornam cada vez mais presentes no cotidiano de uma comunidade, as suposições da Polícia Comunitária, como se apresentam, ficam insustentáveis.

4.2 Elementos Ambientais

Em âmbito mundial, as polícias se desenvolveram num processo de profissionalização e de legitimidade durante o século XIX, largamente baseado nas características do modelo britânico já consolidado nos Estados Unidos, conquistando o monopólio da atividade de segurança no enfrentamento do crime e da desordem social. Até aquele momento, esse modelo de polícia preventiva se propunha a manter-se distante das manobras políticas, por meio do consenso genérico de que o poder que a polícia representaria e exerceria deveria ser minimamente legítimo para funcionar (Batitucci, 2010Batitucci, E. C. (2010). A evolução institucional da polícia no século XIX: Inglaterra, Estados Unidos e Brasil em perspectiva comparada. Revista Brasileira de Segurança Pública, 4(7), 30-47.).

Já no século XX, as preocupações não giravam apenas em torno dos índices criminais nem eram direcionadas só ao Brasil, um país onde a profissionalização das forças policiais foi tardia. Por exemplo, frente a uma hostilidade profunda entre a polícia estadunidense e as comunidades - em especial as minoritárias -, o contexto da década de 1960 (Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.) forjou as mudanças mais importantes na história da polícia, as quais eram centradas principalmente nas relações com o público. Já na década de 1980, crises de confiança no policiamento britânico, considerado modelo para o mundo, também forçaram a implantação de novas formas de fazer segurança, de maneira a aproximar a polícia do público e a garantir maior legitimidade dessa instituição (Bayley, 2001; Reiner, 2003Reiner, R. (2003). A pesquisa policial no Reino Unido: uma análise crítica. In M. Tonry, & N. Morris (Eds.), Policiamento moderno(pp. 463-537). São Paulo, SP: Edusp.).

Pela proeminência geopolítica, a produção acadêmica sobre a Polícia Comunitária brasileira acabou se originando especialmente nos Estados Unidos (Garmany, 2014Garmany, J. (2014). Space for the State? Police, violence, and urban poverty in Brazil. Annals of the Association of American Geographers, 104(6), 1239-1255.; Haubrich & Wehrhahn, 2015Haubrich, D., & Wehrhahn, R. (2015). Urban crime prevention and the logics of public security policies in Brazil: a relational perspective on the local fields of negotiation. Die Erde - Journal of the Geographical Society of Berlin, 146(1), 21-33.; Ribeiro & Vilarouca, 2018Ribeiro, L., & Vilarouca, M. G. (2018). “Ruim com ela, pior sem ela”: o desejo de continuidade das UPPs para além das Olimpíadas. Revista de Administração Pública,, 52(6), 1155-1178.; Riccio et al., 2013Riccio, V., Ruediger, M. A., Ross, S. D., & Skogan, W. (2013). Community policing in the favelas of Rio de Janeiro. Police Practice and Research - An International Journal, 14(4), 308-318.; Wolff, 2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.), onde os programas de policiamento comunitário eram direcionados a bairros nos quais era preciso reconstruir a legitimidade da prática policial, vista até então como violenta, brutal e inadequada. O propósito era construir uma nova forma de interação entre polícia e sociedade, mais comprometida com os direitos humanos e a qualidade de vida, do que com o uso da violência. Essa nova interação entre a polícia e a sociedade culminaria, então, em maior legitimidade da instituição policial. Como lembram Ribeiro e Vilarouca (2018)Ribeiro, L., & Vilarouca, M. G. (2018). “Ruim com ela, pior sem ela”: o desejo de continuidade das UPPs para além das Olimpíadas. Revista de Administração Pública,, 52(6), 1155-1178., Polícia Comunitária foi o nome dado a diferentes estratégias implantadas pelas forças policiais estadunidenses, por décadas, a fim de reconstruir sua legitimidade em comunidades pobres (Skogan, 2008Skogan, W. G. (2008). An overview of community policing: origins, concepts and implementation. In T. Williamson (Ed.), The handbook of knowledge-based policing: current conceptions andfuture directions (pp. 43-57). Chicago, IL: John Wiley & Sons.). Assim, no Brasil, a discussão sobre Polícia Comunitária não é brasileira. Os desafios para o desenvolvimento de uma teoria de policiamento que seja, de fato, brasileira passam por desafios eminentemente brasileiros.

4.3 Elementos Organizacionais

De forma a responder aos anseios sociais por segurança pública, diversas polícias brasileiras assumiram novas práticas, com base em modelos internacionais, como o amplo policiamento comunitário japonês, denominado Koban, que, junto com uma adaptação feita em Cingapura (Neighborhood Police Posts), foi considerado um dos programas de prevenção mais ambiciosos e extensos, sendo aplicado em diversos lugares do mundo, como Austrália, Canadá, Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Grã-Bretanha e Estados Unidos, todos países considerados um guia das experiências internacionais em policiamento comunitário (Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.).

Aplicado na polícia paulista em 2005, inicialmente com a rubrica de Base Comunitária de Segurança (BCS), sob a égide da Jica - sigla japonesa correspondente à Agência Japonesa de Cooperação Internacional -, por meio de um acordo internacional de cooperação técnica (Ferragi, 2011Ferragi, C. A. (2011). O sistema Koban e a institucionalização do policiamento comunitário paulista. Revista Brasileira de Segurança Pública, 5(8), 60-77.), o Koban está hoje também presente em Minas Gerais e em outros estados brasileiros, mesmo que sob outra nomenclatura.

Em 2019, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) lançou a Diretriz Nacional de Polícia Comunitária, que reúne estratégias e filosofias para a aproximação entre polícia e comunidade. Esse documento, que contou com a participação de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal, é resultado de um acordo de cooperação entre Brasil e Japão, cuja finalidade é disseminar e multiplicar os fundamentos da Polícia Comunitária nipônica pelas instituições brasileiras de segurança pública (Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2019Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2019). Diretriz Nacional de Polícia Comunitária. Brasília, DF: Autor.).

Ao pesquisar sobre os programas de policiamento comunitário adotados no Brasil, Wolff (2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.) lembra David Bayley, que, em 1976, creditou as baixas taxas de crimes violentos do Japão ao Koban, em seu livro intitulado Forces of Power: police behavior in Japan and the United States. Duas décadas depois, o modelo Koban, renomeado para Polícia Comunitária, foi amplamente adotado em grande parte do rico Norte global pós-industrial, incluindo o Canadá, os Estados Unidos e o Reino Unido, logo se espalhando para grande parte do mundo em desenvolvimento, em particular a América Latina (Wolff, 2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.).

Outro exemplo de adaptações estrangeiras feitas pelas polícias brasileiras é o programa americano de policiamento comunitário chamado de Drug Abuse Resistance Education (Dare), que existe nos Estados Unidos desde 1983 e, no Brasil, desde 1992, com o nome Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), o qual destina às escolas um policial como educador social para ministrar aulas periódicas aos estudantes. Desenvolvido em 58 países e com algumas adaptações à realidade brasileira, o Proerd está presente em todos os estados, de forma praticamente idêntica ao modelo original (Massardi & E. T. Silva, 2013Massardi, W. O., & Silva, E. T. (2013). Análise das implicações do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência: o caso das escolas públicas de Ubá. Gestão Contemporânea, 10(13), 149-164.; Shamblen et al., 2014Shamblen, S. R., Courser, M. W., Abadi, M. H., Johnson, K. W., Young, L., & Browne, T. J. (2014). An international evaluation of Dare in São Paulo, Brazil. Drugs - Education, Prevention and Policy, 21(2), 110-119.; Tasca, Ensslin, & Ensslin, 2012Tasca, J. E., Ensslin, L., & Ensslin, S. R. (2012). A avaliação de programas de capacitação: um estudo de caso na administração pública. Revista de Administração Pública, 46(3), 647-675.).

Embora inspiradas no exterior, sob a égide da Polícia Comunitária, as polícias brasileiras também têm criado os próprios programas, entre os quais a UPP e seu antecessor, o Grupamento de Policiamento de Áreas Especiais (Gpae), no Rio de Janeiro; o Ronda do Quarteirão, no Ceará; as Bases de Segurança Comunitária (BSC), na Bahia; os Conselhos Comunitários de Segurança (Conseg) e a Vizinhança Solidária, em São Paulo; os Conselhos Comunitário de Segurança Pública (Consep), a Rede de Proteção Preventiva (RPP), a Rede de Vizinhos Protegidos (RVP), o Grupo Especializado de Policiamento em Áreas de Risco (Gepar), o programa Fica Vivo, entre outros, em Minas Gerais (Caruso, Muniz, & Blanco, 2007Caruso, H., Muniz, J., & Blanco, A. C. C. (2007). Polícia, Estado e sociedade: práticas e saberes latino-americanos. Rio de Janeiro, RJ: Publit Soluções Editoriais.; Ferreira & Borges, 2020Ferreira, D. V. S., & Borges, J. F. (2020). O policiamento comunitário como uma prática social e o gerencialismo na segurança pública: análises de uma unidade operacional da Polícia Militar. Revista Eletrônica de Administração, 26(3), 642-672., 2021Ferreira, D. V. S., & Borges, J. F. (2021). Policiamento comunitário: dicotomias e imagens fraturadas nas práticas de segurança pública. Administração Pública e Gestão Social, 13(3).; Pinto, Murakami, Pimenta, & Nunes, 2012Pinto, L. A., Murakami, L. C., Pimenta, M. L., & Nunes, N. S. (2012). Valores em serviços de policiamento comunitário: o Programa Ronda do Quarteirão sob a óptica da teoria da cadeia de meios e fins. Revista de Administração Pública, 46(1), 333-357.).

4.4 Elementos Práticos e Identitários

Diversos estudos sobre o tema não se valeram da literatura especializada em Polícia Comunitária (J. A. Alves, 2016Alves, J. A. (2016). Blood in reasoning: state violence, contested territories and black criminal agency in urban Brazil. Journal of Latin American Studies, 48(1), 61-87.; M. C. Alves & Arias, 2012; Arias & Ungar, 2009; Beato et al., 2017Beato, C. C. Filho, Ribeiro, L. M. L., Oliveira, V. C., & Prado, S. C. F. (2017). Reducción de homicidios en Minas Gerais: un análisis del programa Fica Vivo. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, 116, 129-157.; González, 2016González, Y. (2016). Varieties of participatory security: asssessing community participation in policing in Latin America. Public Administration and Development, 36, 132-143., 2019González, Y. (2019). Participation as a safety valve: police reform through participatory security in Latin America. Latin American Politics and Society, 61(2), 68-92.; Prouse, 2018Prouse, C. (2018). Autoconstruction 2.0: social media contestations of racialized violence in Complexo do Alemão. Antipode, 50(3), 621-640.; Skogan, 2013Skogan, W. G. (2013). Use of force and police reform in Brazil: a national survey of police officers. Police Practice and Research, 14(4), 319-329.; Vargas, 2013Vargas, J. H. C. (2013). Taking back the land: police operations and sport megaevents in Rio de Janeiro. Souls, 15(4), 275-303.), tratando-a somente como objeto empírico, e não teórico. Dadas as características de sua aplicação, é considerada um novo paradigma na segurança pública, não um tema para discussão teórica. Prouse (2018) cita pesquisas brasileiras que afirmam que os objetivos de proximidade com a comunidade local não são alcançados pela polícia, tendo as UPPs no Rio de Janeiro e as favelas cariocas como bases empíricas para tal afirmação.

Dammert e Malone (2006Dammert, L., & Malone, M. F. T. (2006). Policing strategies and fear of crime in Latin America. Latin American Politics and Society, 48(4), 27-51.) também não apresentam o conceito de Polícia Comunitária propriamente dito, mas abordam sua aplicabilidade por meio da avaliação do medo do crime, tema central para a literatura sobre Polícia Comunitária. Ao discorrer a respeito da mensuração do medo do crime, os autores assumem que a própria definição de medo do crime é um tópico de substancial debate acadêmico.

J. A. Alves (2016Alves, J. A. (2016). Blood in reasoning: state violence, contested territories and black criminal agency in urban Brazil. Journal of Latin American Studies, 48(1), 61-87.) se apropria do conceito de policiamento comunitário como uma abordagem patrocinada pelo Estado, sinônimo de “poder brando” ao crime, incentivando que as comunidades participem dos Conselhos de Segurança Comunitários locais, estabelecendo delegacias comunitárias e apoiando programas contra violência doméstica e de prevenção de drogas nas escolas estaduais. Segundo o autor, além de massacres e outras táticas brutais da polícia, o Estado também teria desenvolvido uma abordagem de poder brando ao crime (J. A. Alves, 2016, p. 80), ainda que o livro traduzido para o português de Trojanowicz e Bucqueroux (1994Trojanowicz, R., & Bucqueroux, B. (1994). Policiamento comunitário: como começar. Rio de Janeiro, RJ: PMERJ., pp. 16-17), adotado primeiro pela polícia paulista, mostre que o policiamento comunitário “não é condescendente com o crime [e] não é perfumaria”.

O estudo de Wolff (2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.) mostra a crise de legitimidade que existe no caso policial brasileiro ao investigar como foi possível reduzir a criminalidade violenta sem estender territorialmente a autoridade do Estado. Com base em evidências das UPPs cariocas e das Bases de Segurança Comunitária na Bahia, o autor concluiu que um interesse comum em limitar a violência entre a polícia e o crime organizado levou a acordos tácitos no compartilhamento da autoridade local, como condição de paz. Assim, por meio desses acordos tácitos, houve a redução da criminalidade violenta.

Estudos dessa natureza evidenciam o desafio das instituições brasileiras de segurança pública na conquista não só do território, mas principalmente da legitimidade (J. A. Alves, 2016Alves, J. A. (2016). Blood in reasoning: state violence, contested territories and black criminal agency in urban Brazil. Journal of Latin American Studies, 48(1), 61-87.; Beato et al., 2017Beato, C. C. Filho, Ribeiro, L. M. L., Oliveira, V. C., & Prado, S. C. F. (2017). Reducción de homicidios en Minas Gerais: un análisis del programa Fica Vivo. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, 116, 129-157.; Prouse, 2018Prouse, C. (2018). Autoconstruction 2.0: social media contestations of racialized violence in Complexo do Alemão. Antipode, 50(3), 621-640.; Wolff, 2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.). O estudo de Wolff (2019)Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774. dá conta de que o confronto das polícias com as organizações criminosas nas favelas se caracteriza, para além do embate armado por disputa pelo poder de fogo de suas máquinas de guerra, pelo duelo na busca pela legitimidade de seus discursos antagônicos junto aos moradores locais. Isso teria resultado num acordo tácito entre as partes - polícia e crime organizado -, com a considerável redução dos índices de homicídio. Segundo Sinhoretto, Schlittler, e Silvestre (2016Sinhoretto, J., Schlittler, M. C., & Silvestre, G. (2016). Juventude e violência policial no município de São Paulo. Revista Brasileira de Segurança Pública, 10(1), 10-35.), houve de fato uma significativa tendência de diminuição no número de homicídios na cidade de São Paulo. Entretanto, a mesma tendência não é observada nas mortes decorrentes de ação policial.

A legitimidade da polícia com a audiência pode ser analisada como elementos práticos e identitários quando as ações de policiamento são ligadas à legitimação. De igual modo, pode ser enquadrada como elementos societários e culturais quando se consideram as bases da legitimidade em suas estruturas sociais.

A forte influência da literatura estadunidense sobre policiamento comunitário nos estudos sobre os casos brasileiros pode ser observada, em especial, nas análises de Garmany (2014Garmany, J. (2014). Space for the State? Police, violence, and urban poverty in Brazil. Annals of the Association of American Geographers, 104(6), 1239-1255.), Haubrich e Wehrhahn (2015Haubrich, D., & Wehrhahn, R. (2015). Urban crime prevention and the logics of public security policies in Brazil: a relational perspective on the local fields of negotiation. Die Erde - Journal of the Geographical Society of Berlin, 146(1), 21-33.), Ribeiro e Vilarouca (2018Ribeiro, L., & Vilarouca, M. G. (2018). “Ruim com ela, pior sem ela”: o desejo de continuidade das UPPs para além das Olimpíadas. Revista de Administração Pública,, 52(6), 1155-1178.), Riccio et al. (2013Riccio, V., Ruediger, M. A., Ross, S. D., & Skogan, W. (2013). Community policing in the favelas of Rio de Janeiro. Police Practice and Research - An International Journal, 14(4), 308-318.) e Wolff (2019Wolff, M. J. (2019). Sharing authority: the politics and practice of community policing in the Brazilian slum. Politics and Policy, 47(4), 748-774.). A Polícia Comunitária sempre esteve ligada a um novo modelo de policiamento, entendido como uma reforma - frente ao enfoque tradicional - que necessita da legitimidade das comunidades em maior grau de confiança de quem reside na área. Em âmbito mundial, tornou-se a abordagem mais promissora e popular na produção de segurança pública. A polícia, sob essa perspectiva, não se limitaria só a registrar e reprimir o crime de maneira generalizante; estimularia a proatividade e a iniciativa do policial de modo local, numa adequada prestação de contas. O policial procuraria compreender a dinâmica de sociabilidade e como ela contribui para ações delitivas, na busca de uma melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos. O policiamento orientado para a comunidade, em contraste com a maioria das formas de policiamento tradicional, também busca capacitar os cidadãos pela construção de parcerias entre a polícia e a comunidade.

5. DESAFIOS E LIMITAÇOES DE UMA AGENDA PARA A PESQUISA BRASILEIRA

Assim como ressaltamos na seção anterior, a agenda de pesquisa guiada pelo reconhecimento de que o policiamento comunitário apresenta múltiplas lógicas pode ser conduzida por diferentes lentes teóricas. Nossa intenção é ampliar o escopo das pesquisas no campo por meio de um esquema metateórico e meta-analítico.

As suposições presentes na literatura sobre Polícia Comunitária brasileira são limitadas na aplicação ao caso brasileiro, sobretudo pelo fato de os estudos se destinarem a um público reduzido: grandes e poucas capitais. Um país com ampla extensão geográfica e especificidades heterogêneas fomenta a necessidade de mais estudos que considerem a aplicação da Polícia Comunitária nas diversas regiões brasileiras, especialmente no interior, em contraste aos aglomerados urbanos das capitais.

A Polícia Comunitária como modelo de prática de organização da polícia pode ser entendida também como objeto de estudo acerca dos efeitos da crise de legitimidade da polícia profissional, da militarização da força policial em contexto democrático e das incompatibilidades da polícia gerencial. Assim, considerando os elementos apontados na seção anterior e os níveis de análise mostrados aqui, torna-se emergente uma agenda que considere, de igual modo, os níveis societário e cultural, ambiental, organizacional, prático e identitário na investigação empírica do tema. O Quadro 3 sintetiza essas considerações, relacionando os níveis de análise com as investigações possíveis e seus principais desafios.

Em suma, as práticas policiais se encontram limitadas por quatro contextos que tornam o caso brasileiro particular em nível societário e cultural: a militarização da força policial, a recente democracia, a cultura violenta e os problemas sociais do país, como desigualdade social, fome, educação precária e problemas de mobilidade. As práticas das polícias militares do país poderão ser investigadas na busca pela compreensão da Polícia Comunitária, uma vez que as Polícias Militares se tornaram a maior instituição policial do país, já que são também a organização responsável pelas emergências policiais, pelo policiamento preventivo, pela persecução criminal no flagrante delito e pelas atividades de patrulhamento e relacionamento cotidiano com os cidadãos. Os policiais militares lidam com prescrições gerais, no contexto nacional, ao mesmo tempo que com os aspectos locais e regionais do policiamento, contextualizados por lógicas conflitantes.

QUADRO 3
PRINCIPAIS DESAFIOS DA PESQUISA QUE CONSIDERE OS TIPOS IDEAIS DE POLICIAMENTO

Considerando os elementos societários e culturais, alguns autores apresentam, por exemplo, considerações importantes sobre a segurança pública e as relações raciais, presentes de maneira mais profunda em nível cultural e social. Para tanto, os autores investigam as práticas policiais na seleção policial de suspeitos, numa filtragem racial (Sinhoretto, 2014Sinhoretto, J. (2014). Controle social estatal e organização do crime em São Paulo. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 7(1), 167-196.).

O contexto das favelas parece suscitar mais a atenção dos pesquisadores do que outros, na aplicação das suposições da Polícia Comunitária, como modelo de prática de organização da polícia. A pesquisa no país ficou limitada ao difícil contexto das favelas na relação Estado-sociedade; à aproximação do policial junto à comunidade local onde presta o serviço público de segurança; à promoção de legitimidade policial, cidadania e participação civil, no tratamento do medo do crime, da violência e da qualidade de vida. Essas suposições são necessárias à prática do policiamento comunitário e, portanto, inexequíveis no contexto das favelas.

Tais assertivas desafiam a teoria e suscitam a dúvida sobre a real aplicabilidade da Polícia Comunitária ao caso brasileiro. Isso porque ela não seria aplicável nos moldes em que se apresenta, deixando evidente a necessidade de uma agenda de pesquisa sobre o policiamento brasileiro, a fim de que se dê suporte teórico e orientação prática para a implementação de políticas públicas de segurança no país, moldadas pelos princípios democráticos.

Não obstante esta discussão caminhe para concluir que a Polícia Comunitária não é aplicável ao caso brasileiro, dadas as suposições da literatura existente, não significa que sejam afirmações válidas para todos os contextos do país, especialmente aqueles não englobados pela literatura. Nessa direção, estimulamos estudos sobre a regionalidade em segurança pública, na busca por entender a heterogeneidade do policiamento brasileiro, tendo em vista as diferenças estruturais de cada região. Tendo em mente que há um hibridismo de lógicas de policiamento e que estas, por sua vez, se manifestam segundo o modo como os agentes policiais se identificam com elas, sugerimos uma agenda de pesquisa que tenha como foco elaborações teóricas construídas em torno de justificativas e de estratégias de legitimação subjacentes às lógicas de policiamento.

É importante, nesse processo, considerar os problemas exclusivamente brasileiros, já discutidos no atual texto, incluindo nesse rol exemplificativo a cultura e a história brasileira, tendo em mente que, há pouco mais de 130 anos, o Brasil era um país escravocrata e uma monarquia absolutista. Hoje, nossa democracia tem pouco mais de 30 anos.

Embora as favelas sejam uma característica particular do Brasil e desafiem a prática policial comunitária, não é apenas o estudo desse contexto que auxiliaria a produção de uma teoria de policiamento brasileira; não são só as grandes capitais o alvo da melhoria dos serviços públicos de segurança. Se bem que essas realidades forneçam um excelente laboratório de pesquisa, não representam a realidade da maior parte do país (Silveira, 2018Silveira, D. (2018, agosto 29). Brasil tem mais de 208,5 milhões de habitantes, segundo o IBGE. G1. Recuperado dehttps://g1.globo.com/economia/noticia/2018/08/29/brasil-tem-mais-de-208-milhoes-de-habitantes-segundo-o-ibge.ghtml
https://g1.globo.com/economia/noticia/20...
).

Ao estudarem casos de reações estatais ao crime, Sinhoretto (2014Sinhoretto, J., Batitucci, E. C., Mota, F. R., Schlittler, M. C., Silvestre, G., Morais, D. S. ... Maciel, W. C. (2014). A filtragem racial na seleção policial de suspeitos: segurança pública e relações raciais. In I. S. Figueiredo (Ed.), Segurança pública e direitos humanos: temas transversais(pp. 121-160). Brasília, DF: Ministério da Justiça.) afirma que, em meio ao que chama de estratégias complementares de informalização da administração estatal de conflitos e de programas de prevenção à violência, a polícia persegue duas estratégias para lidar com o crime, especialmente o organizado. A primeira, militarizada, usa como táticas fundamentais a letalidade e a investigação sigilosa, ao passo que a segunda é baseada na judicialização e no direito penal (Sinhoretto, 2014Sinhoretto, J. (2014). Controle social estatal e organização do crime em São Paulo. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 7(1), 167-196.). Alguns autores também contribuem para a investigação sobre a narrativa autoritária da polícia brasileira, sua relação com o controle do crime e a democracia (Lima & Sinhoretto, 2011Lima, R. S., & Sinhoretto, J. (2011). Qualidade da democracia e polícias no Brasil. In R. S. Lima (Ed.), Entre palavras e números: violência, democracia e segurança pública no Brasil. São Paulo, SP: Alameda Editorial.; Sinhoretto & Lima, 2015Sinhoretto, J., & Lima, R. S. (2015). Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime. Contemporânea, 5(1), 119-141.).

Buscando compreender a qualidade e a configuração da democracia no Brasil, Sinhoretto e Lima (2015Sinhoretto, J., & Lima, R. S. (2015). Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime. Contemporânea, 5(1), 119-141.) afirmam que a ênfase na persecução criminal dá à Justiça um protagonismo numa gestão da violência pelas polícias militares, privilegiando a punição de conflitos ligados à circulação da riqueza, em detrimento da administração institucional dos conflitos violentos.

Como se observa no Quadro 3, considerando o nível ambiental, pontuam-se também os seguintes desafios no estudo da Polícia Comunitária brasileira: (a) o complexo, rígido e ineficaz sistema de segurança pública; (b) os números assombrosos em segurança pública, embora diversos e heterogêneos; (c) o crime organizado, que enfrenta o poder do Estado na monopolização da violência e no discurso do bem-estar, na busca pela legitimidade local; e (d) deficiências de políticas públicas num país extenso e desigual no acesso a direitos, a serviços públicos de qualidade e à sobrevivência.

Ao longo dos anos, a interferência do Estado no “problema favela” passa pelo que Magalhães (2016Magalhães, A. A. (2016). A remoção foi satanizada, mas não deveria: o retorno da remoção como forma de intervenção estatal nas favelas do Rio de Janeiro. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 9(2), 293-315.) chamou de reatualização dos discursos e práticas de remoção, com o reenquadramento moral da desordem urbana e do risco. Malgrado a atenção dos estudos empíricos no país esteja direcionada aos aglomerados urbanos de baixa renda de periferias de capitais brasileiras, em especial as favelas cariocas, ainda é possível questionar como se dá essa dinâmica nas múltiplas e heterogêneas cidades, (re)configuradas pelas regionalidades de um país de dimensão continental.

Por meio de uma descrição etnográfica, Magalhães afirma que estaria acontecendo, desde 2009, o que ele chama de remoções de favelas no Rio de Janeiro por meio de uma agenda do próprio Estado - especialmente, a prefeitura -, que se vale de ameaças e coações, além da violência física, em função das obras que preparariam a cidade para eventos esportivos. As famílias teriam sido removidas de suas casas na favela, sendo espalhadas pela cidade ou realocadas em locais distantes e sem infraestrutura, em conjuntos habitacionais de baixa qualidade. Nesses locais, não haveria acesso às políticas públicas de qualidade, prejudicando o exercício da cidadania (Magalhães, 2019aMagalhães, A. A. (2019a). A “lógica da intervenção” e a questão da circulação: as remoções de favelas como forma de gerir o espaço urbano no Rio de Janeiro dos Jogos Olímpicos. Tempo Social - Revista de Sociologia da USP, 31(2), 221-242., 2019bMagalhães, A. A. (2019b). Remoções de favelas no Rio de Janeiro: entre formas de controle e resistências. Curitiba, PR: Appris.).

As organizações policiais brasileiras buscam, no nível organizacional: (a) com a Polícia Comunitária, produzir a sensação de segurança, combatendo o medo da insegurança por meio de participação da comunidade civil, numa visão subjetiva, descentralizada, preventiva, participativa e cidadã (Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.; Trojanowicz & Bucqueroux, 1994Trojanowicz, R., & Bucqueroux, B. (1994). Policiamento comunitário: como começar. Rio de Janeiro, RJ: PMERJ.); (b) com a NGP (Bresser-Pereira, 2002Bresser-Pereira, L. C. (2002). Reforma da nova gestão pública: agora na agenda da América Latina, no entanto... Revista do Serviço Público, 53(1), 5-27.; Paula, 2005aPaula, A. P. P. (2005a). Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social. RAE-Revista de Administração de Empresas, 45(1), 36-49., 2005bPaula, A. P. P. (2005b). Por uma nova gestão pública. Rio de Janeiro, RJ: FGV.), combater o crime previsto na lei, reprimindo objetivamente, com adequada e efetiva persecução penal, valorizando as estatísticas, os relatórios e os números de prisões e apreensões, no uso adequado dos recursos, para a produção dos melhores resultados (Vieira & Protásio, 2011Vieira, R., & Protásio, G. (2011). Gestão para resultados na segurança pública em Minas Gerais: uma análise sobre o uso de indicadores na gestão da Polícia Militar e no sistema de defesa social. Revista Brasileira de Segurança Pública, 5(8), 206-220.).

Ao mesmo tempo, a formação do policial militar ainda valoriza o modelo tradicional de policiamento (Muniz, Caruso, & Freitas, 2018Muniz, J., Caruso, H., & Freitas, F. (2018). Os estudos policiais nas ciências sociais: um balanço sobre a produção brasileira a partir dos anos 2000. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 84, 148-187.; Muniz, Larvie, Musumeci, & Freire, 1997Muniz, J., Larvie, S. P., Musumeci, L., & Freire, B. (1997). Resistência e dificuldades de programa de policiamento comunitário. Tempo Social - Revista de Sociologia da USP, 9(1), 197-213.; Poncioni, 2005Poncioni, P. (2005). O modelo policial profissional e a formação profissional do futuro policial nas academias de polícia do Estado do Rio de Janeiro. Sociedade e Estado, 20(3), 585-610.; R. R. Silva, 2007Silva, R. R. (2007). O planejamento participativo do bairro de Higienópolis, Rio de Janeiro: organizando a sociedade e qualificando as demandas por segurança pública. In H. Caruso, J. Muniz, & A. C. C. Blanco (Eds.), Polícia, Estado e sociedade: práticas e saberes Latino-americanos (pp. 513-517). Rio de Janeiro, RJ: Publit Soluções Editoriais., 2011Silva, R. R. (2011). Entre a caserna e a rua. O dilema do pato: uma análise antropológica da instituição policial militar a partir da Academia de polícia Militar Dom João VI. Niterói, RJ: Eduff.), em que a cultura militar transmitida ao longo das décadas é representada pela guerra e pelo confronto, valorizando as práticas tradicionais de combate e de controle do crime, numa abordagem reativa da polícia, preparada principalmente para o confronto, em respostas imediatas e pouco contextuais.

Alguns estudos esclarecem o caminho de desafios que investigações empíricas sobre a polícia possam enfrentar. Não apenas a organização policial, mas também a própria prática da pesquisa sobre organizações policiais, pode enfrentar desafios e problemas relacionados com a violência, o crime e o risco do envolvimento pessoal do pesquisador com as ocorrências cotidianas e rotineiras. No município de São Paulo, alguns estudos mostram a complexidade das práticas policiais frente à violência, à juventude e à letalidade policial (Sinhoretto et al., 2016Sinhoretto, J., Schlittler, M. C., & Silvestre, G. (2016). Juventude e violência policial no município de São Paulo. Revista Brasileira de Segurança Pública, 10(1), 10-35.), bem como a difícil tentativa do Estado em patrocinar o controle social do crime organizado (Sinhoretto, 2014Sinhoretto, J., Schlittler, M. C., & Silvestre, G. (2016). Juventude e violência policial no município de São Paulo. Revista Brasileira de Segurança Pública, 10(1), 10-35.).

Mais do que tratar unicamente os números e os índices criminais, as agências de segurança pública pelo mundo têm entendido que é preciso, sobretudo, melhorar a imagem e o desempenho da polícia, oferecendo às comunidades locais um serviço de segurança pública de qualidade, assim avaliada de forma descentralizada e pessoal. Essas práticas, denominadas Polícia Comunitária, têm influenciado as polícias por todo o mundo e a literatura sobre segurança pública (Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.).

Considerado uma filosofia de policiamento orientado para a comunidade, o policiamento comunitário pressupõe a organização da prevenção do crime com a participação de civis no planejamento, na execução, no monitoramento e na avaliação das atividades de policiamento (Bayley, 2001Bayley, D. H. (2001). Padrões de policiamento. São Paulo, SP: Edusp.; Skolnick & Bayley, 2006Skolnick, J. H., & Bayley, D. H. (2006). Policiamento comunitário: questões e práticas através do mundo. São Paulo, SP: Edusp.). O policiamento comunitário deveria promover o diálogo direto entre a sociedade e a polícia não só ouvindo, mas também criando novas oportunidades de aproximação, passando a incorporar as práticas policiais por contiguidade.

Considerando o nível prático e identitário, observa-se a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a configuração institucional da segurança pública no Brasil, cujas organizações permanecem numa lógica ambivalente de prevenção adaptativa e segregação punitiva no combate ao crime (Haubrich & Wehrhahn, 2015Haubrich, D., & Wehrhahn, R. (2015). Urban crime prevention and the logics of public security policies in Brazil: a relational perspective on the local fields of negotiation. Die Erde - Journal of the Geographical Society of Berlin, 146(1), 21-33.), assim como a avaliação do trabalho policial permanece numa lógica quantitativa (Paula, 2005bPaula, A. P. P. (2005b). Por uma nova gestão pública. Rio de Janeiro, RJ: FGV., 2005aPinto, L. A., Murakami, L. C., Pimenta, M. L., & Nunes, N. S. (2012). Valores em serviços de policiamento comunitário: o Programa Ronda do Quarteirão sob a óptica da teoria da cadeia de meios e fins. Revista de Administração Pública, 46(1), 333-357.; Vieira & Protásio, 2011Vieira, R., & Protásio, G. (2011). Gestão para resultados na segurança pública em Minas Gerais: uma análise sobre o uso de indicadores na gestão da Polícia Militar e no sistema de defesa social. Revista Brasileira de Segurança Pública, 5(8), 206-220.), num contexto constitucional legislativo que dificulta reformas profundas para todo o país, permanecendo apenas exemplos pontuais de iniciativas pessoais, sem a garantia de continuidade política, em geral fragilizada e dependente, da iniciativa pessoal (Arias & Ungar, 2009Arias, E. D., & Ungar, M. (2009). Community policing and Latin America’s citizen security crisis. Comparative Politics, 41(4), 409-429.; Beato et al., 2017Beato, C. C. Filho, Ribeiro, L. M. L., Oliveira, V. C., & Prado, S. C. F. (2017). Reducción de homicidios en Minas Gerais: un análisis del programa Fica Vivo. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, 116, 129-157.). As polícias com maior contato diário com o público comum e os problemas cotidianos - as militares - são compelidas a duas lógicas de ações diversas entre si: a policial de aproximação, com diagnósticos subjetivos, e militar de distanciamento, com diagnósticos quantitativos generalizantes, cujo foco é a persecução penal.

As limitações para a prática dessas pesquisas se encontram principalmente no difícil acesso ao campo de pesquisa, no caso das organizações policiais (Alcadipani, 2015Alcadipani, R. (2014). Confissões etnográficas: fracassos no acesso a organizações no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Organizacionais, 1(1), 1-25.; Garmany, 2014Garmany, J. (2014). Space for the State? Police, violence, and urban poverty in Brazil. Annals of the Association of American Geographers, 104(6), 1239-1255.), e na dificuldade da própria prática policial ao lidar com o crime, o que traz certo risco ao pesquisador em campo. É importante ter alguns cuidados ao pesquisar polícias e policiamentos no Brasil. Primeiro, é necessário reconhecer a Polícia Civil e a Polícia Militar como organizações completamente distintas, tanto em propósitos institucionais quanto em configurações culturais. É preciso entender o que é ser militar e o que é ser policial no Brasil, uma temática complexa. Há diferenças não apenas entre as polícias - além das diferenças culturais e históricas, há aquelas de procedimento, já que uma age por demanda e a outra, por inciativa -, mas também internas, entre oficiais e praças, administrativos e operacionais, comunitários e repressivos, homem e mulher, entre outros.

Às Polícias Militares cabe uma atenção especial, pois é o órgão público de segurança mais presente na vida cotidiana do cidadão, a responsável pelo dia a dia dos problemas comunitários - em geral, responsabilizando-se pela primeira resposta aos problemas relacionados com a segurança.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Revisitar as pesquisas sobre as reformas das práticas policiais brasileiras em direção ao policiamento comunitário demonstrou que esse modelo de organização da polícia, que visa se tornar o mais avançado modelo de policiamento, tem várias contradições entre o que é idealizado e o que é efetivamente posto em prática. Polícia Comunitária é um modelo de policiamento que se mostra híbrido, multifacetado e de difícil compreensão.

As pesquisas sobre o tema foram dispostas em elementos societários e culturais, ambientais, organizacionais, práticos e identitários, a fim de auxiliar o delineamento de uma agenda de pesquisa acerca do policiamento comunitário. O objetivo foi alcançado por meio da proposição de um esquema analítico metateórico, pautado na ideia de que o policiamento comunitário se baseia em quatro tipos puros de lógicas institucionais - militar, profissional, gerencial e comunitário - e que a interseção entre tais lógicas ajuda a compreendê-lo.

A proposição de uma agenda de pesquisa que considere as reformas da polícia brasileira em direção ao modelo de policiamento comunitário identifica e desafia suposições subjacentes à teoria existente. Ao revisitar os estudos publicados sobre as reformas das práticas policiais brasileiras em direção ao policiamento comunitário, este ensaio ofereceu pistas para os gestores públicos e subsidiou futuras investigações empíricas em segurança pública, sobretudo aquelas que careçam de proposições teóricas sobre modelos de policiamento comunitário, considerando sua aplicabilidade ao caso brasileiro.

Assumir uma reforma das instituições policiais brasileiras que considere a promoção da qualidade de vida e a legitimidade de sua força policial, sob a égide da cidadania e da participação social, é também reconhecer que se trata de um modelo de complexa implementação, passando por temas como democracia, cidadania, bem como por questões básicas e essenciais à dignidade humana, como fome e saúde e educação precárias, problemas ainda presentes nas diversas regiões do país.

A proposta pela melhoria dos serviços públicos de segurança vai além da redução dos índices criminais, ligando-a ao medo do crime e às desordens locais, mesmo aquelas que não sejam considerados “casos de polícia” pela ordem legislativa em vigor. O avanço da literatura brasileira sobre temas como legitimidade, democracia, participação social e lógicas institucionais poderá levar a uma compreensão das suposições do modelo de policiamento comunitário no país.

REFERÊNCIAS

  • Alcadipani, R. (2014). Confissões etnográficas: fracassos no acesso a organizações no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Organizacionais, 1(1), 1-25.
  • Alves, J. A. (2016). Blood in reasoning: state violence, contested territories and black criminal agency in urban Brazil. Journal of Latin American Studies, 48(1), 61-87.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2021
  • Aceito
    28 Out 2021
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