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Stakeholders, fatores críticos de sucesso e geração de valor em parcerias público-privadas

Stakeholders, factores críticos de éxito y generación de valor en alianzas público-privadas

Resumo

Este estudo tem como objetivo analisar o papel dos stakeholders na geração de valor em parcerias público-privadas no Brasil, considerando suas motivações e os fatores críticos que determinam o sucesso desse tipo de colaboração. Para tanto, foram analisadas parcerias dos governos federal, estaduais e municipais por meio da análise de conteúdo de documentos e entrevistas com representantes dos setores público e privado envolvidos. A identificação dos stakeholders foi feita mediante a utilização simultânea de modelos que permitem demonstrar os múltiplos papéis desempenhados pelos atores na formulação e na implementação de políticas públicas (R. C. Gomes et al., 2010), seu potencial de ameaça ou de cooperação (Savage et al., 1991) e seu grau de saliência (Mitchell et al., 1997). Além disso, foram identificados os fatores críticos de sucesso, os elementos de valor e os fatores determinantes para a cooperação mais recorrentes nessas parcerias. Ademais, foi proposto um modelo de análise que permite a identificação de tais elementos, a fim de possibilitar que o tomador de decisão trace uma estratégia para lidar com eles.

Palavras-chave:
parcerias público-privadas; stakeholders; fatores críticos de sucesso; determinantes da cooperação; geração de valor

Resumen

Este estudio tiene como objetivo analizar el papel de los stakeholders en la generación de valor en las alianzas público-privadas en Brasil, considerando sus motivaciones y los factores críticos que determinan el éxito de este tipo de colaboración. Con este fin, se analizaron las asociaciones entre los gobiernos federal, estatales y municipales, a través del análisis de contenido de documentos y entrevistas con representantes de los sectores público y privado involucrados en tales asociaciones. La identificación de los stakeholders se realizó mediante el uso simultáneo de modelos que permiten demostrar los múltiples roles que desempeñan los actores en la formulación e implementación de políticas públicas (R. C. Gomes et al., 2010), su potencial de amenaza o de cooperación (Savage et al., 1991) y su grado de notoriedad (Mitchell et al., 1997). Además, se identificaron los factores críticos de éxito más frecuentes, los elementos de valor y los factores determinantes para la cooperación en tales alianzas. Asimismo, se propone un modelo de análisis que permite la identificación de dichos elementos para que el tomador de decisiones pueda diseñar una estrategia para tratar con ellos.

Palabras clave:
alianzas público-privadas; stakeholders; factores críticos de éxito; determinantes de la cooperación; generación de valor

Abstract

This study analyzes the role of stakeholders in the value creation in public-private partnerships in Brazil, considering their motivations and the critical factors that determine the success of this type of collaboration. We analyzed partnerships between federal, state, and local governments through content analysis of documents and interviews with representatives of the public and private sectors involved in such partnerships. Stakeholders identification was conducted through the simultaneous use of models that allow demonstrating the multiple roles played by the actors, i.e. the role in public policies formulation and implementation (R. C. Gomes et al., 2010), their potential for threat or cooperation (Savage et al., 1991), and salience degree (Mitchell et al., 1997). In addition, the most recurrent critical success factors, value elements, and determining factors for cooperation in such partnerships were identified. Furthermore, an analytical model is proposed to identify such elements so that decision-makers can devise a strategy to deal with them.

Keywords:
public-private partnerships; stakeholders; critical success factors; determinants of cooperation; value creation

1. INTRODUÇÃO

Embora o investimento em infraestrutura seja importante para gerar crescimento econômico, os governos nem sempre dispõem dos recursos necessários para implementá-lo. Por isso, os gestores públicos buscam celebrar parcerias com o setor privado, como é o caso da parceria público-privada (PPP), a qual tem sido usada tanto para superar as restrições de recursos públicos quanto para trazer os benefícios decorrentes de capacidades e recursos de empresas privadas (Quelin, Cabral, Lazzarini, & Kivleniece, 2019Quelin, B. V., Cabral, S., Lazzarini, S., & Kivleniece, I. (2019). The private scope in public‐private collaborations: an institutional and capability‐based perspective. Organization Science, 30(4), 647-867.).

No Brasil, a PPP é um instrumento de implementação de políticas públicas definido pela Lei nº 11.079 (Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. (2004). Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) como um contrato por meio do qual a administração pública contrata uma entidade privada visando a uma prestação de serviços, podendo o parceiro privado ser remunerado apenas pelo ente público (administrativa) ou pelo ente público e pelos usuários (patrocinada).

As PPPs, entretanto, nem sempre conseguem ser bem-sucedidas. Isso ocorre porque essa parceria pode ser facilitada ou dificultada por fatores críticos de sucesso (FCS), termo utilizado para designar elementos que afetam o desempenho de PPPs (Firmino, 2018Firmino, S. I. (2018). Fatores críticos de sucesso das parcerias público-privadas: aspetos político-institucionais. Estudo de caso das rodovias em Portugal. Revista de Administração Pública, 52(6), 1270-1281.).

O presente estudo pretende identificar atores e fatores críticos envolvidos na geração de valor em PPPs no Brasil. De maneira acessória, examina os fatores determinantes para a celebração desse tipo de parceria e a construção de valor para os seus stakeholders. Isso posto, o objetivo geral desta pesquisa é analisar como os stakeholders atuam visando à geração de valor em PPPs, levando em consideração suas motivações e os fatores críticos de sucesso.

Para tanto, este trabalho propõe uma abordagem que conjuga os modelos de análise de stakeholders (R. C. Gomes, Liddle, & L. D. O. M. Gomes, 2010Gomes, R. C., Liddle, J., & Gomes, L. D. O. M. (2010). A five-sided model of stakeholder influence: a cross-national analysis of decision making in local government. Public Management Review, 12, 701-724.; Mitchell, Agle, & Wood, 1997Mitchell, R. K., Agle, B. R., & Wood, D. J. (1997). Toward a theory of stakeholder identification and salience: defining the principle of the who and what really counts. Academy of Management Review, 22, 853-886.; Savage, Nix, Whitehead, & Blair, 1991Savage, G. T., Nix, T. W., Whitehead, C. J., & Blair, J. D. (1991). Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. 2of Management Executive, 5(2), 61-75.) e a literatura sobre fatores críticos de sucesso em PPPs (Thamer & Lazzarini, 2015Thamer, R., & Lazzarini, S. (2015). Projetos de parceria público-privada: fatores que influenciam o avanço dessas iniciativas. Revista de Administração Pública, 49(4), 819-846.), determinantes de relações interorganizacionais (Oliver, 1990Oliver, C. (1990). Determinants of interorganizational relationships: Integration and future directions. The Academy of Management Review, 15(2), 241-265.) e criação de valor (Quelin et al., 2019Quelin, B. V., Cabral, S., Lazzarini, S., & Kivleniece, I. (2019). The private scope in public‐private collaborations: an institutional and capability‐based perspective. Organization Science, 30(4), 647-867.).

A pesquisa está ancorada em estudo de caso múltiplo que examinou PPPs de todos os entes da federação e se mostra oportuna porque, ainda que as PPPs sejam instrumentos valiosos para a criação de valor em políticas públicas (Kivleniece & Quelin, 2012Kivleniece, I., & Quelin, B. V. (2012). Creating and capturing value in public-private ties: a private actor’s perspective. The Academy of Management Review, 37(2), 272-299.), pouco se sabe acerca de como esse valor é criado pelos stakeholders (Villani, Greco, & Philips, 2017Villani, E., Greco, L., & Phillips, N. (2017). Understanding value creation in public-private partnerships: a comparative case study. Journal of Management Studies, 54(6), 876-905.). Assim, parece haver uma lacuna na literatura sobre como organizações públicas e privadas interagem visando à geração de valor (Quelin et al., 2019). Por outro lado, Freeman, Phillips, e Sisodia (2020Freeman, R. E., Phillips, R., & Sisodia, R. (2020). Tensions in stakeholder theory. Business & Society, 59(2), 213-231.) apontam que os estudos sobre stakeholders podem contribuir para a análise desse fenômeno.

O trabalho também é motivado pela falta de informações sobre o desempenho de projetos de PPPs e seus condicionantes (Reis & Cabral, 2017Reis, C. J. O., & Cabral, S. (2017). Parcerias público-privadas (PPP) em megaeventos esportivos: um estudo comparativo da provisão de arenas esportivas para a Copa do Mundo Fifa Brasil 2014. Revista de Administração Pública, 51(4), 551-579.), o que remete aos FCS, sobre os quais há poucos artigos que analisam PPPs realizadas no Brasil (Thamer & Lazzarini, 2015Thamer, R., & Lazzarini, S. (2015). Projetos de parceria público-privada: fatores que influenciam o avanço dessas iniciativas. Revista de Administração Pública, 49(4), 819-846.).

O artigo é estruturado, além desta Introdução, em outros 4 tópicos. No primeiro, apresentam-se os fundamentos teóricos utilizados. No segundo, evidenciam-se os aspectos metodológicos empregados. Posteriormente, são demonstrados os resultados encontrados e apresentadas as considerações finais.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo, são apresentadas, inicialmente, as características das PPPs, bem como são abordados os modelos de análise de stakeholders e os determinantes da colaboração entre os parceiros. Na sequência, são descritos os conceitos de fator crítico de sucesso, de valor, e outros elementos necessários à compreensão da geração de valor em PPPs.

2.1 Parceria Público-Privada

O uso de PPPs foi intensificado num contexto de diminuição da intervenção estatal na economia e como forma de contornar a falta de recursos públicos para realizar investimentos em infraestrutura. Assim, os governos começaram a induzir investimentos privados em função do reduzido espaço fiscal e das crescentes demandas sociais (Thamer & Lazzarini, 2015Thamer, R., & Lazzarini, S. (2015). Projetos de parceria público-privada: fatores que influenciam o avanço dessas iniciativas. Revista de Administração Pública, 49(4), 819-846.).

Nesse cenário é que surge a PPP, a qual constitui um arranjo organizacional híbrido, baseado em relações contratuais colaborativas (Thamer & Lazzarini, 2015Thamer, R., & Lazzarini, S. (2015). Projetos de parceria público-privada: fatores que influenciam o avanço dessas iniciativas. Revista de Administração Pública, 49(4), 819-846.) e de longo prazo (Firmino, 2018Firmino, S. I. (2018). Fatores críticos de sucesso das parcerias público-privadas: aspetos político-institucionais. Estudo de caso das rodovias em Portugal. Revista de Administração Pública, 52(6), 1270-1281.), formado entre os setores público e privado, que atuam visando atingir objetivos comuns (Hodge & Greve, 2007Hodge, G., & Greve, C. (2007). Public-private partnerships: an international performance review. Public Administration Review, 67, 545-558.), de modo a prover à população infraestrutura e serviços correlatos.

Ademais, a PPP pode ser considerada um arranjo institucional (Firmino, 2018Firmino, S. I. (2018). Fatores críticos de sucesso das parcerias público-privadas: aspetos político-institucionais. Estudo de caso das rodovias em Portugal. Revista de Administração Pública, 52(6), 1270-1281.), tendo em vista que é concebida com base num marco regulatório, sob a Lei nº 11.079 (Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004Lima, C. M. C., & Coelho, A. C. (2015). Alocação e mitigação dos riscos em parcerias público-privadas no Brasil. Revista de Administração Pública, 49(2), 267-291.). Isso porque as instituições são as regras do jogo, que incluem regras formais, que definem comportamentos e estruturas sociais e econômicas (North, 1991North, D. (1991). Institutions. Journal of Economic Perspectives, 5(1), 97-112.). Assim, com a edição da referida lei, estabeleceu-se o ambiente institucional para o início da aplicação do modelo de PPPs no Brasil, posto que foram definidas as modalidades (administrativa e patrocinada) e as características dos contratos de PPPs (Thamer & Lazzarini, 2015Thamer, R., & Lazzarini, S. (2015). Projetos de parceria público-privada: fatores que influenciam o avanço dessas iniciativas. Revista de Administração Pública, 49(4), 819-846.).

A implementação dessa parceria envolve um conjunto de etapas que são descritas no Quadro 1.

QUADRO 1
ETAPAS DE UMA PPP

2.2 Modelos de Análise de Stakeholders e Determinantes para Colaboração nas PPPs

A PPP é um arranjo cooperativo, composto pelos parceiros público e privado, que afeta outros atores, o que remete à Teoria de Stakeholders. De acordo com Freeman e Reed (1983Freeman, R. E., & Reed, D. L. (1983). Stockholders and stakeholders: a new perspective on corporate governance. California Management Review, 25(3), 88-106., p. 91), stakeholder é “qualquer grupo ou pessoa que pode afetar e ser afetado pelo alcance dos objetivos da organização”. Tendo em vista que esses atores podem afetar as atividades da organização, é necessário identificá-los. Por isso, são apresentados, na sequência, os modelos de identificação de stakeholders utilizados nesta pesquisa.

Savage et al. (1991Savage, G. T., Nix, T. W., Whitehead, C. J., & Blair, J. D. (1991). Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. 2of Management Executive, 5(2), 61-75.) classificam os atores em função do potencial de ameaça ou de cooperação com a organização. Assim, se a organização é dependente do stakeholder, ele terá potencial de ameaçá-la. Por outro lado, se o ator for dependente da organização, tenderá a cooperar. De acordo com esse modelo, os atores são classificados como: (i) apoiadores, quando oferecem baixa ameaça potencial à organização e alto potencial cooperativo; (ii) marginais, quando não são altamente ameaçadores nem cooperativos; (iii) não apoiadores, quando representam grande ameaça potencial e baixo potencial de cooperação; e (iv) mixed blessing, quando têm alto potencial para ameaçar e também para cooperar.

Mitchell et al. (1997Mitchell, R. K., Agle, B. R., & Wood, D. J. (1997). Toward a theory of stakeholder identification and salience: defining the principle of the who and what really counts. Academy of Management Review, 22, 853-886.) classificam os stakeholders com base nos seguintes atributos: poder de influenciar a organização, legitimidade do relacionamento com a organização e urgência no atendimento do seu interesse.

Os referidos autores dividem os atores em 3 grupos. O primeiro é composto por aqueles que apresentam apenas um dos atributos: adormecido (poder), arbitrário/discricionário (legitimidade) e reivindicador (urgência). O segundo é composto pelos que têm dois atributos: dominante (poder e legitimidade), dependente (urgência e legitimidade) e perigoso (poder e urgência). O terceiro se refere ao definitivo, que é o stakeholder mais importante, pois conta com os três atributos, o que lhe confere atenção prioritária.

O outro modelo utilizado neste estudo (R. C. Gomes et al., 2010Gomes, R. C., Liddle, J., & Gomes, L. D. O. M. (2010). A five-sided model of stakeholder influence: a cross-national analysis of decision making in local government. Public Management Review, 12, 701-724.) contribui para a atual agenda de pesquisa sobre stakeholders, pois descreve o tipo de influência que os atores podem exercer na tomada de decisões do governo. Isso porque uma das lacunas mencionadas decorre do fato de que “algumas dessas influências ainda não são tratadas na literatura”. Assim, é necessário desenvolver maneiras de analisar os fatores determinantes de desempenho das organizações públicas (R. C. Gomes, Osborne, & Guarnieri, 2020, p. 463).

R. C. Gomes et al. (2010Gomes, R. C., Liddle, J., & Gomes, L. D. O. M. (2010). A five-sided model of stakeholder influence: a cross-national analysis of decision making in local government. Public Management Review, 12, 701-724.) classificam os stakeholders em 5 categorias: regulador, colaborador, legitimador, controlador e formador de agenda.

A categoria “regulador” contém os atores que têm a capacidade de incluir requerimentos institucionais e técnicos no processo de tomada de decisão. A “colaborador” é composta por atores que auxiliam o governo local a prestar serviços públicos. A “legitimador” conta com os cidadãos e a comunidade local, os quais são os usuários dos serviços públicos. A “controlador” é composta por órgãos de controle e demais atores que têm o poder de exigir que o gestor público preste contas e de obrigá-lo a cumprir regras relacionadas ao uso eficiente de recursos públicos. Por fim, a “formador de agenda” se refere aos atores cuja influência decorre do poder de definir a agenda que o governo deve cumprir.

Vieira (2020Vieira, D. M. (2020). The discourse and coordination among advocacy coalitions: the case of Belo Monte. Rausp - Management Journal, 55(1), 86-99.) propõe um procedimento baseado na aplicação simultânea de modelos de análise de stakeholders. Essa abordagem permite identificar os stakeholders mais relevantes com base em sua disposição para cooperar ou prejudicar determinada organização ou política pública, bem como leva em consideração o papel institucionalmente formalizado de cada ator envolvido. Nesta pesquisa, adota-se uma abordagem semelhante somada aos atributos descritos por Mitchell et al. (1997Mitchell, R. K., Agle, B. R., & Wood, D. J. (1997). Toward a theory of stakeholder identification and salience: defining the principle of the who and what really counts. Academy of Management Review, 22, 853-886.).

2.2.1 Os determinantes para a colaboração entre stakeholders nas PPPs

Um aspecto importante sobre a atuação de stakeholders em PPPs diz respeito aos motivos que levam os parceiros a cooperarem em prol do desenvolvimento da parceria, os quais podem ser analisados por meio da lente teórica das relações interorganizacionais (Oliver, 1990Oliver, C. (1990). Determinants of interorganizational relationships: Integration and future directions. The Academy of Management Review, 15(2), 241-265.). Isso se dá porque a PPP pode ser considerada uma relação interorganizacional (RIO), que se caracteriza pela ocorrência de transações de recursos duradouras que ocorrem entre 2 ou mais organizações (Oliver, 1990), o que parece ser o caso da PPP, em que ocorrem tais transações entre organizações públicas e privadas.

Oliver (1990Oliver, C. (1990). Determinants of interorganizational relationships: Integration and future directions. The Academy of Management Review, 15(2), 241-265.) explica que os determinantes que levam as organizações a celebrarem uma RIO são: necessidade, assimetria, reciprocidade, eficiência, estabilidade e legitimidade.

QUADRO 2
DETERMINANTES DA COOPERAÇÃO

Por fim, deve-se ressaltar que, em geral, a decisão de estabelecer a relação com outra organização está baseada em alguns dos referidos determinantes, por isso tais determinantes não devem ser analisados de forma isolada (Oliver, 1990Oliver, C. (1990). Determinants of interorganizational relationships: Integration and future directions. The Academy of Management Review, 15(2), 241-265.).

2.3 Fatores Críticos de Sucesso em PPPs

Os referidos fatores se referem àquelas áreas de atividades em que a obtenção de resultados favoráveis é necessária para que o gestor possa alcançar seus objetivos (Rockart, 1982Rockart, J. F. (1982). The changing role of the information systems executive: a critical success factors perspective. Sloan Management Review, 24(1), 3-13.). Trata-se de eventos que requerem atenção do gestor, podem ser internos ou externos à organização e são relevantes para o andamento dos projetos de PPPs (Thamer & Lazzarini, 2015Thamer, R., & Lazzarini, S. (2015). Projetos de parceria público-privada: fatores que influenciam o avanço dessas iniciativas. Revista de Administração Pública, 49(4), 819-846.).

Esses fatores envolvem aspectos econômicos, políticos, administrativos, ambientais, culturais e regulatórios, por isso podem ser classificados em tais categorias (Menezes, Hoffmann, & Zanquetto, 2019Menezes, D. C., Hoffmann, V. E., Z Filho, H. Z. (2019). Stakeholders and critical factors in the Brazilian government’s public private partnerships. Revista do Serviço Público, 70(3), 371-401.). Há fatores que se referem à aderência do projeto às diretrizes da alta cúpula governamental e a outros aspectos de natureza política (político). Outros estão relacionados ao trabalho desenvolvido por técnicos governamentais e à estrutura administrativa dos órgãos responsáveis pela estruturação e pela gestão das PPPs (administrativo).

Existem, ainda, fatores relacionados ao atendimento das diretrizes ambientais aplicáveis à PPP (ambiental), ao relacionamento entre os parceiros (cultural), à conjuntura econômica ou a aspectos econômicos associados aos parceiros (econômico) e a aspectos relativos à regulação do projeto, como a legislação aplicável (regulatório).

Assim, por exemplo, o apoio ou a vontade política (Kyie & Chan, 2015Kyie, R. O., & Chan, A. P. C. (2015). Review of studies on the critical success factors for public-private partnership projects from 1990 to 2013. International Journal of Project Management, 33, 1335-1346.) é um fator político. A unidade de PPP (Firmino, 2018Firmino, S. I. (2018). Fatores críticos de sucesso das parcerias público-privadas: aspetos político-institucionais. Estudo de caso das rodovias em Portugal. Revista de Administração Pública, 52(6), 1270-1281.) é um fator administrativo, pois está relacionado à estrutura administrativa dos órgãos responsáveis pela estruturação e pela gestão da PPP. Na categoria cultural estão os fatores concernentes ao relacionamento entre os parceiros, como é o caso da cultura dos parceiros em relação à PPP (Cutrim, J. A. M. Tristão, & V. T. V Tristão, 2017Cutrim, S., Tristão, J. A. M., & Tristão, V. T. V. (2017). Aplicação do método Delphi para identificação e avaliação dos fatores restritivos à realização de parcerias público-privadas (PPPs). Revista Espacios, 38(22), 29-43.). Na categoria ambiental está o fator regularização ambiental (Kyie & Chan, 2015Kyie, R. O., & Chan, A. P. C. (2015). Review of studies on the critical success factors for public-private partnership projects from 1990 to 2013. International Journal of Project Management, 33, 1335-1346.). Na categoria econômico estão fatores como a estabilidade econômica (Firmino, 2018Firmino, S. I. (2018). Fatores críticos de sucesso das parcerias público-privadas: aspetos político-institucionais. Estudo de caso das rodovias em Portugal. Revista de Administração Pública, 52(6), 1270-1281.). Por fim, na categoria regulatório, está o marco regulatório adequado (Kyie & Chan, 2015Kyie, R. O., & Chan, A. P. C. (2015). Review of studies on the critical success factors for public-private partnership projects from 1990 to 2013. International Journal of Project Management, 33, 1335-1346.).

2.4 Geração de Valor em PPPs

O valor pode ser definido como a soma dos benefícios obtidos com a parceria (Caldwell, Roehrich, & George, 2017Caldwell, N. D., Roehrich, J. K., & George, G. (2017). Social value creation and relational coordination in public-private collaborations. Journal of Management Studies, 54(6), 906-928.). A interação entre os parceiros numa PPP ocorre em função da busca pela geração de valor. Assim, Barney (2018Barney, B. J. (2018). Why resource-based theory’s model of profit appropriation must incorporate a stakeholder perspective. Strategic Management Journal, 39(13), 3305-3325.) afirma que a parceria entre entidades públicas e privadas gera valor porque permite agrupar recursos complementares e capacidades organizacionais de modo a criar uma nova fonte de valor que não poderia ser criada se as organizações atuassem de maneira isolada.

Tais parcerias têm se tornado uma forma vital de criação de valor em prol do interesse público (Quelin, Kivleniece, & Lazzarini, 2017Quelin, B. V., Kivleniece, I., & Lazzarini, S. (2017). Public-private collaboration, hybridity and social value: towards new theoretical perspectives. Journal of Management Studies, 54(6), 763-792.). Esse aspecto se refere ao valor social, o qual é criado quando a PPP gera benefícios não apenas para os parceiros que a celebram, como também para outros stakeholders, o que remete a externalidades positivas decorrentes da PPP.

A PPP deve ser a opção escolhida quando ocorrer externalidades positivas (Luo & Kaul, 2019Luo, J., & Kaul, A. (2019). Private action in public interest: the comparative governance of social issues. Strategic Management Journal, 40(4), 476-502.). Portanto, a análise do desempenho dessa parceria exige uma compreensão acerca de aspectos que vão além dos ganhos do parceiro privado, pois deve incluir noções de valor social. Os referidos resultados sociais devem considerar os benefícios e os custos envolvidos na execução da parceria (Quelin et al., 2017Quelin, B. V., Kivleniece, I., & Lazzarini, S. (2017). Public-private collaboration, hybridity and social value: towards new theoretical perspectives. Journal of Management Studies, 54(6), 763-792.). Assim, o estudo de value for money deve envolver uma análise de custos e benefícios para a sociedade resultantes da opção pela PPP vis-à-vis os resultantes da opção por outras formas de prestação do serviço (Governo de São Paulo, 2020Governo de São Paulo. (2020). Manual de Parcerias do Estado de São Paulo. Recuperado de http://www.parcerias.sp.gov.br/parcerias/docs/manual_de_parcerias_do_estado_de_sao_paulo.pdf
http://www.parcerias.sp.gov.br/parcerias...
).

Conquanto a literatura tenha ressaltado os elementos que compõem o valor (benefícios e custos) e seus beneficiários (parceiros e demais atores), existe um aspecto complementar que, embora abordado na literatura sobre valor público (Benington, 2015Benington, J. (2015). Public value as a contested democratic practice. In J. M. Bryson, B. C. Crosby, & L. Bloomberg (Eds.), Creating public value in practice: advancing the common good in a multi-sector, shared-power, no-one-wholly-in-charge world. New York, NY: Routledge.), não foi identificado em trabalhos sobre PPPs executadas no Brasil: o fato de que o valor é percebido pelos atores, ou seja, o valor é uma percepção de tais atores sobre os benefícios, os custos e os riscos decorrentes da execução da parceria, conforme demonstrado nos resultados da presente pesquisa.

Além disso, é importante analisar a geração de valor, já que o desenvolvimento de uma organização depende da sua capacidade de produzir valor para satisfazer aos interesses dos stakeholders, por isso o valor é apontado como uma questão central da Teoria dos Stakeholders (Freeman et al., 2020Freeman, R. E., Phillips, R., & Sisodia, R. (2020). Tensions in stakeholder theory. Business & Society, 59(2), 213-231.). Uma definição moderna de stakeholder considera como tal o ator que cria e captura valor econômico em suas interações com a organização (Garcia-Castro & Aguilera, 2015Castro, R. G., & Aguilera, R. V. (2015). Incremental value creation and appropriation in a world with multiple stakeholders. Strategic Management Journal, 36(1), 137-147.).

A criação de valor pode ocorrer de diferentes formas, tendo em vista que o desempenho da PPP pode ser expresso tanto por meio de valores financeiros quanto mediante a equidade no acesso e a qualidade do serviço público, ou, ainda, por meio da satisfação do usuário do serviço (Wang, Xiong, Wu, & Zhu, 2018Wang, H., Xiong, W., Wu, G., & Zhu, D. (2018). Public-private partnership in public administration discipline: a literature review. Public Management Review, 20(2), 293-316.). Outras dimensões do referido valor são relacionamentos sociais (Quelin et al., 2019Quelin, B. V., Cabral, S., Lazzarini, S., & Kivleniece, I. (2019). The private scope in public‐private collaborations: an institutional and capability‐based perspective. Organization Science, 30(4), 647-867.), eficiência operacional (Caldwell et al., 2017Caldwell, N. D., Roehrich, J. K., & George, G. (2017). Social value creation and relational coordination in public-private collaborations. Journal of Management Studies, 54(6), 906-928.), externalidades e complementariedade de recursos (Kivleniece & Quelin, 2012Kivleniece, I., & Quelin, B. V. (2012). Creating and capturing value in public-private ties: a private actor’s perspective. The Academy of Management Review, 37(2), 272-299.). Portanto, o valor pode ter uma dimensão intangível, ou seja, não pode ser mensurado em termos monetários, ou tangível, quando pode ser mensurado.

Por fim, na Figura 1, é proposto um modelo de análise de stakeholders de PPPs que permite visualizar os construtos teóricos acima explicados e facilita a obtenção de possíveis respostas para as perguntas que orientam esta pesquisa, pois permite identificar os principais atores, os fatores críticos a eles associados e os fatores determinantes para a colaboração e a geração de valor em PPPs.

FIGURA 1
MODELO DE ANÁLISE

3. MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa realizada por meio de estudos de casos múltiplos, nos quais foram analisadas 5 PPPs, selecionadas por critérios de localização geográfica, setorial e nível de governo. Tendo em vista que, no Brasil, as PPPs têm sido mais utilizadas por estados e municípios - o município de Belo Horizonte e os estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia são os entes da federação que mais contrataram PPPs (Radar PPP, 2020Radar PPP. (2020). Resumo dos contratos de PPPs. Recuperado de https://www.radarppp.com/resumo-de-contratos-de-ppps
https://www.radarppp.com/resumo-de-contr...
) -, são analisadas PPPs desses entes federativos e a única PPP em execução do governo federal.

No Quadro 3, são demonstradas as principais informações gerais sobre as PPPs analisadas.

QUADRO 3
PPPS ANALISADAS

A coleta dos dados foi realizada por meio de pesquisa documental - documentos oficiais como os contratos das PPPs, relatórios e outras informações obtidas nas unidades de PPPs e nos sites dos parceiros público e privado - e entrevistas com roteiro semiestruturado, o qual é demonstrado na sequência.

QUADRO 4
ROTEIRO DE ENTREVISTA

O grupo de entrevistados é composto por técnicos governamentais e representantes dos parceiros privados, de Tribunais de Contas e dos financiadores. Eles foram escolhidos pelo conhecimento prático, motivo pelo qual foram entrevistados indivíduos envolvidos com a execução de PPPs. Ademais, foi adotada a técnica “bola de neve”, de modo que foram realizadas novas entrevistas em função da indicação de um entrevistado. Esse foi o caso da entrevista com a representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que foi indicada pelo representante do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A entrevista de gestores públicos e privados envolvidos com a implementação de PPPs é um método usual em pesquisa sobre PPPs no Brasil, haja vista os trabalhos de Cabral et al. (2016Cabral, S., Fernandes, A., & Ribeiro, D. (2016). Os papéis dos stakeholders na implementação das parcerias público-privadas no estado da Bahia. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 325-339.) e Reis e Cabral (2017Reis, C. J. O., & Cabral, S. (2017). Parcerias público-privadas (PPP) em megaeventos esportivos: um estudo comparativo da provisão de arenas esportivas para a Copa do Mundo Fifa Brasil 2014. Revista de Administração Pública, 51(4), 551-579.). Além disso, foram entrevistados representantes dos Tribunais de Contas e dos financiadores, em função do papel desempenhado por eles e do acesso dos pesquisadores a tais representantes.

As entrevistas ocorreram no período de julho a outubro de 2019 e foram realizadas por telefone (13) e de forma presencial (6). Ademais, foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas. Ao todo, foram realizadas 19 entrevistas, cuja duração, em média, foi de 25 minutos. O número final de entrevistados foi influenciado pelo princípio da saturação teórica, pois houve a interrupção da inclusão de novos participantes quando os dados obtidos apresentavam, na avaliação do pesquisador, uma relativa repetição.

O Quadro 5 apresenta informações sobre o perfil dos entrevistados, os quais são identificados por uma numeração (1 a 19), que indica a ordem cronológica em que as entrevistas foram realizadas.

QUADRO 5
PERFIL DOS ENTREVISTADOS

Após a transcrição das entrevistas, foi feita uma análise de conteúdo segundo o protocolo de Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, SP: Edições 70.). Assim, criou-se um sistema composto por categorias de análise ex ante, construídas com base no referencial teórico consultado. Deve-se ressaltar, ainda, que algumas categorias são do tipo ex post, pois a ida ao campo gerou novas informações sobre alguns construtos. Esse é o caso das categorias propostas para a geração de valor nas quais benefícios e custos foram associados aos determinantes das relações interorganizacionais, de modo a promover um diálogo entre as duas lentes teóricas.

QUADRO 6
CATEGORIAS DE ANÁLISE

Por fim, visando conferir qualidade à pesquisa, foi utilizada a triangulação de dados (Derzin & Lincoln, 2005Derzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (2005). Introduction: the discipline and practice of qualitative research. In N. K. Derzin, & Y. S. Lincoln (Eds.), The sage handbook of qualitative research (4a ed.). Thousand Oaks, CA: Sage.), pois aqueles obtidos nas entrevistas foram confrontados com os obtidos no levantamento bibliográfico e documental.

4. RESULTADOS

Nesta seção, são demonstrados os resultados decorrentes da análise comparativa das PPPs, de modo a identificar atores mais importantes, fatores críticos, determinantes da cooperação e elementos de valor mais recorrentes nessas parcerias, bem como a associação entre stakeholders e os fatores críticos mais relevantes.

4.1 Stakeholders

A partir da análise das PPPs acima citadas, foram observados mais de 50 stakeholders, os quais atuam nos setores público e privado, nas 3 esferas da federação e no terceiro setor, como é o caso das associações civis. Após essa etapa de identificação, seguiu-se um procedimento similar ao proposto por Vieira (2020Vieira, D. M. (2020). The discourse and coordination among advocacy coalitions: the case of Belo Monte. Rausp - Management Journal, 55(1), 86-99.) para a análise dos stakeholders, de modo a aplicar, simultaneamente, os modelos de Savage et al. (1991Savage, G. T., Nix, T. W., Whitehead, C. J., & Blair, J. D. (1991). Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. 2of Management Executive, 5(2), 61-75.), Mitchel et al. (1997) e R. C. Gomes et al. (2010Gomes, R. C., Liddle, J., & Gomes, L. D. O. M. (2010). A five-sided model of stakeholder influence: a cross-national analysis of decision making in local government. Public Management Review, 12, 701-724.). Esse procedimento permitiu identificar os atores com maior capacidade de influência segundo sua disposição para cooperar ou prejudicar a PPP, levando em conta também o tipo de papel institucionalmente exercido.

De acordo com Mitchell et al. (1997Mitchell, R. K., Agle, B. R., & Wood, D. J. (1997). Toward a theory of stakeholder identification and salience: defining the principle of the who and what really counts. Academy of Management Review, 22, 853-886.), os stakeholders com maior capacidade de influência são aqueles classificados como definitivos, pois têm poder, legitimidade e urgência na demanda. No Quadro 7, foram considerados apenas os stakeholders definitivos observados nas PPPs analisadas.

QUADRO 7
PAPÉIS DOS STAKEHOLDERS

Em função do critério adotado para a seleção de atores - apenas atores definitivos -, alguns stakeholders identificados não são citados no Quadro 7. É o caso, por exemplo, das agências reguladoras, que fiscalizam a prestação de serviço objeto de PPPs, e dos parlamentares cuja atuação envolve a aprovação do orçamento - recursos para o pagamento da contraprestação pública - e a formatação do marco regulatório de PPPs.

Além disso, também foram identificados atores que auxiliam os parceiros e o fazem por meio das relações contratuais que têm com tais parceiros. É o caso das empresas de consultoria que colaboram com o desenvolvimento dos estudos técnicos, dos fornecedores do parceiro privado e dos bancos financiadores que fornecem, para o parceiro privado, recursos necessários para executar a parceria. Desse modo, é possível constatar que a implementação de uma PPP envolve uma rede de contratos composta pelo contrato principal, assinado pelos parceiros, e pelos contratos celebrados entre os parceiros e os demais atores que colaboram com eles.

O Quadro 7 demonstra que alguns atores identificados corroboram os resultados encontrados por outros estudos (Cabral et al., 2016Cabral, S., Fernandes, A., & Ribeiro, D. (2016). Os papéis dos stakeholders na implementação das parcerias público-privadas no estado da Bahia. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 325-339.) como é o caso dos parceiros, do Comitê Gestor de PPPs (CGPPPs), dos usuários e dos moradores locais. Por outro lado, foram identificados novos atores, como é o caso do chefe do Poder Executivo e do Serviço Social Autônomo do Hospital Metropolitano (SSAHM), cuja peculiaridade será explicada adiante.

A análise da referida no quadro permite ainda identificar semelhanças e diferenças nos papéis desempenhados pelos atores. Assim, por exemplo, há semelhança na atuação dos parceiros público e privados nas referidas PPPs, tendo em vista que eles atuam, respectivamente, como formadores de agenda e colaboradores. O mesmo ocorre com o CGPPP e o chefe do Poder Executivo, que atuam como controladores. O chefe do Poder Executivo atua também como regulador, haja vista que é responsável pela formatação do arcabouço normativo de PPPs cujo exemplo é a Lei nº 11.079 (Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. (2004). Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), que resultou de um projeto de lei foi enviado pelo chefe do Poder Executivo federal.

Por outro lado, há diferença no que tange aos usuários e aos moradores locais. Em relação aos primeiros, a divergência decorre do fato de que, nas PPPs da MG-050, do Hospital Metropolitano e da Casa Paulista, esse ator foi considerado definitivo por deter o atributo urgência, pois um dos indicadores de desempenho considera o tratamento dispensado aos usuários, de modo que as demandas desse ator tendem a ser objeto de atenção pelos parceiros. Nas PPPs do Datacenter e do Jaguaribe, por não existir indicador semelhante, foram considerados apenas os atributos “legitimidade” e “poder”, por isso os usuários dessas PPPs foram classificados como dominantes.

Além disso, embora não estejam descritos no Quadro 7, foram identificados um conjunto de atores que parecem ser peculiares a algumas das PPPs estudadas. É o caso do Banco Central (Bacen), que regula o setor bancário, onde atuam os parceiros públicos da PPP do Datacenter. No caso da PPP da MG-050, destacam-se as associações civis de municípios cortados pela rodovia que fizeram solicitações que alteraram o objeto da PPP, conforme exemplificado pela reinvindicação da Associação Comercial de Divinópolis acerca da duplicação da autoestrada. Outro exemplo se refere à PPP da Casa Paulista, em que associações civis foram beneficiadas com a entrega das unidades habitacionais.

A identificação dos stakeholders demonstra que a PPP é um arranjo institucional complexo, cuja implementação envolve não apenas os parceiros público e privado, que têm maior visibilidade por serem os atores que celebram o contrato de PPP, como também atores beneficiados pela execução da parceria, atores que têm atribuições funcionais que os levam a fiscalizar a referida execução, como é o caso do Bacen (agente regulador), e atores que participam do processo de implementação por outras razões funcionais, como é o caso do CGPPP e do chefe do Poder Executivo.

Ademais, por meio do Quadro 7, é possível aportar contribuições teóricas ao modelo de R. C. Gomes et al. (2010Gomes, R. C., Liddle, J., & Gomes, L. D. O. M. (2010). A five-sided model of stakeholder influence: a cross-national analysis of decision making in local government. Public Management Review, 12, 701-724.), uma vez constatado que alguns atores identificados nessa pesquisa desempenham funções adicionais ao previsto no referido modelo. É o caso dos representantes da comunidade local - associações civis que os representam -, que atuam como legitimadores e como formadores de agenda, pois fazem solicitações aos parceiros que implicam uma modificação parcial do objeto da PPP, como foi o caso da Rodovia MG-050, em que associações civis das cidades cortadas por ela solicitaram a realização de obras não previstas inicialmente.

Por fim, o Quadro 8 contém considerações acerca da classificação dos referidos atores como definitivos.

QUADRO 8
STAKEHOLDERS DEFINITIVOS.

QUADRO 8
continuação

4.2 Fatores Críticos de Sucesso

Os fatores identificados foram confrontados com os encontrados na revisão de literatura, de modo a identificar novos FCS de PPPs, e classificados segundo as categorias propostas por Menezes et al. (2019Menezes, D. C., Hoffmann, V. E., Z Filho, H. Z. (2019). Stakeholders and critical factors in the Brazilian government’s public private partnerships. Revista do Serviço Público, 70(3), 371-401.). Assim, foram identificados os fatores descritos no Quadro 9, a qual destaca (sublinhado) os mais importantes, assim considerados aqueles identificados na maioria das PPPs analisadas (3 ou mais).

QUADRO 9
FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO

Quadro 9
continuação

QUADRO 9
continuação

Conforme demonstrado no Quadro 9, alguns fatores identificados corroboram os resultados encontrados por outros estudos que analisaram PPPs realizadas no Brasil (Cutrim et al., 2017Cutrim, S., Tristão, J. A. M., & Tristão, V. T. V. (2017). Aplicação do método Delphi para identificação e avaliação dos fatores restritivos à realização de parcerias público-privadas (PPPs). Revista Espacios, 38(22), 29-43.; Menezes et al., 2019Menezes, D. C., Hoffmann, V. E., Z Filho, H. Z. (2019). Stakeholders and critical factors in the Brazilian government’s public private partnerships. Revista do Serviço Público, 70(3), 371-401.; Reis & Cabral, 2017Reis, C. J. O., & Cabral, S. (2017). Parcerias público-privadas (PPP) em megaeventos esportivos: um estudo comparativo da provisão de arenas esportivas para a Copa do Mundo Fifa Brasil 2014. Revista de Administração Pública, 51(4), 551-579.; Thamer & Lazzarini, 2015Thamer, R., & Lazzarini, S. (2015). Projetos de parceria público-privada: fatores que influenciam o avanço dessas iniciativas. Revista de Administração Pública, 49(4), 819-846.). Por outro lado, foram identificados novos fatores, como é o caso do tempo adequado para elaborar o projeto, a adoção de meios alternativos de resolução de conflitos, a maturidade da sociedade para escolher alternativas de longo prazo, da regularização fundiária e do bom relacionamento dos parceiros com o Tribunal de Contas.

Além disso, é possível constatar que alguns fatores estão presentes na maioria das PPPs, ao passo que outros parecem ser peculiares a algumas. É o caso do cumprimento do cronograma de obras, ressaltado na PPP da MG-050, em virtude de atrasos ocorridos nas obras dessa parceria. Outro exemplo é a resistência ideológica à PPP, apontado pelo E11 e que deriva do fato de que haveria uma linha de pensamento de valorização do Estado, de modo que a ideia de utilizar PPPs enfrentaria resistência por parte de “governantes da linha estatista”.

Na sequência, são apresentadas considerações sobre a relevância dos fatores mais recorrentes, tendo em vista seu impacto sobre as PPPs.

QUADRO 10
RELEVÂNCIA DOS FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO PARA PPPS

QUADRO 10
continuação

4.3 Associação entre Fatores Críticos de Sucesso e Stakeholders

A análise das PPPs permitiu identificar associações entre stakeholders e fatores críticos mais relevantes (definitivos), conforme demonstrado no Quadro 11. O exame dos dados coletados sugere que os stakeholders determinam a qualificação de um fator crítico como facilitador ou dificultador da PPP. Conforme aponta o entrevistado 17, os stakeholders “fazem com que os fatores críticos sejam sanados ou sejam dificultadores para a execução da parceria”.

Os atores que desempenham o mesmo papel foram agrupados numa única categoria. Esse é o caso da categoria parceiro privado, que inclui GBT S.A., BRK Ambiental, AB Nascentes das Gerais S.A., Canopus S.A. e Novo Metropolitano S.A.

Quadro 11
Associações entre atores e fatores críticos mais importantes

Inicialmente, não serão explicadas algumas associações, por serem esperadas em função do papel desempenhado pelos atores (em azul) ou em virtude da própria nomenclatura do fator (em vermelho). Dessa forma, buscou-se explicitar associações que possam constituir achados desta pesquisa, o que é feito no Quadro 12.

Além disso, foi incluído um ator, o Serviço Social Autônomo Hospital Metropolitano (SSAHM), em função da peculiaridade da PPP do referido hospital. Trata-se de um ator distinto do parceiro público (Secretaria de Saúde) e do parceiro privado (Novo Metropolitano S.A). Esse ator é responsável pela prestação dos serviços médicos (assistenciais) aos usuários do hospital, cabendo ao parceiro privado a prestação de serviços não assistenciais (limpeza, gestão administrativa etc.). A atuação desse ator é regida por um contrato de gestão celebrado com a Secretaria de Saúde.

Por atuar como parceiro da referida secretaria, foram atribuídos a esse ator alguns dos fatores associados ao parceiro privado. Outros não foram associados, pois, na sua relação com a Secretaria de Saúde, não foram identificadas garantias para o caso de inadimplência do pagamento devido ao referido SSA. O fator “alocação adequada de riscos” não pode ser associado ao SSAHM, já que o contrato de gestão celebrado com a Secretaria de Saúde de Belo Horizonte não prevê uma alocação de riscos. O fator “disponibilidade de financiamento” também não foi associado a esse ator, tendo em vista que a Lei nº 10.754 (Lei nº 10.754, 19 de setembro de 2014), que autoriza sua criação, não inclui a possibilidade de obter financiamento bancário como fonte de receita.

QUADRO 12
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS ASSOCIAÇÕES ENTRE ATORES E FATORES CRÍTICOS

QUADRO 12
continuação

Os exemplos acima demonstram que a análise dessas associações é relevante, pois permite identificar os atores relacionados aos fatores críticos de sucesso que podem facilitar ou dificultar a execução da PPP. Ademais, essa abordagem contribui para a Teoria de Stakeholders, uma vez que evidencia uma nova dimensão que pode ser acrescida aos modelos de análise de tais atores. Isso porque os modelos existentes, embora permitam a identificação dos atores mais relevantes, não consideram os fatores críticos a eles associados. Assim, a inclusão dessa nova dimensão permitiria que tais fatores fossem tratados como, por exemplo, um mecanismo de interferência de um ator em políticas públicas implementadas por meio de parcerias entre os setores público e privado.

4.4 Fatores Determinantes para a Realização da Parceria

Conforme mencionado, Oliver (1990Oliver, C. (1990). Determinants of interorganizational relationships: Integration and future directions. The Academy of Management Review, 15(2), 241-265.) sustenta que os determinantes para a realização de uma parceria são: necessidade, assimetria, reciprocidade, eficiência, estabilidade e legitimidade.

Assim, a análise dos casos permitiu identificar fatores determinantes, os quais foram classificados conforme as categorias propostas por Oliver (1990Oliver, C. (1990). Determinants of interorganizational relationships: Integration and future directions. The Academy of Management Review, 15(2), 241-265.). Os determinantes identificados são citados no Quadro 13. Foram destacados (sublinhados) aqueles que parecem os mais importantes, por estarem presentes na maioria das PPPs analisadas.

QUADRO 13
SÍNTESE DOS DETERMINANTES DA COOPERAÇÃO

Na sequência, são feitas considerações sobre a relevância dos determinantes mais recorrentes.

QUADRO 14
DETERMINANTES MAIS RECORRENTES

4.5 Geração de valor

Essa seção visa contribuir para a Teoria de Stakeholders, ao fornecer elementos que permitam aumentar a compreensão sobre o que significa valor para os stakeholders (Harrison, Freeman, & Abreu, 2015Harrison, J., Freeman, E., & Abreu, M. C. S. (2015). Stakeholder theory as an ethical approach to effective management: applying the theory to multiple contexts. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 17(55), 858-869.). Tendo em vista que o valor social considera os benefícios e os custos (Quelin et al., 2017Quelin, B. V., Kivleniece, I., & Lazzarini, S. (2017). Public-private collaboration, hybridity and social value: towards new theoretical perspectives. Journal of Management Studies, 54(6), 763-792.), foram identificados os benefícios e os custos decorrentes da execução das PPPs sob a perspectiva dos parceiros e de outros atores, pois, conforme defendemos nesta pesquisa, o valor é fruto da percepção dos atores acerca de tais elementos de valor.

Assim, um exemplo de benefício é a celeridade na entrega do ativo, com a consequente prestação de serviço à população de forma mais rápida, que foi apontado pelo E9, o qual ressaltou que um dos benefícios da PPP do Jaguaribe foi “a celeridade da construção do emissário submarino”. Outro exemplo de benefício é a utilização pelo parceiro privado de procedimentos de contratação mais ágeis que os tradicionalmente usados pela administração pública, o que foi citado pelo E4.

Por outro lado, a PPP apresenta custos como os relativos à construção e à operação, os quais são ressarcidos pela contraprestação pública (PPPs administrativas), ou pela referida contraprestação somada à cobrança de tarifa paga pelo usuário (PPPs patrocinadas). Os benefícios e os custos citados são resumidos no Quadro 15, com destaque (sublinhado) nos elementos de valor mais importantes, ou seja, presentes na maioria PPPs analisadas.

QUADRO 15
SÍNTESE DE BENEFÍCIOS E CUSTOS

QUADRO 15
continuação

A despeito de não ser objeto deste trabalho avaliar o value for money de PPPs, os elementos de valor identificados são convergentes com trabalhos que tiveram esse objetivo. Assim, por exemplo, Reis e Cabral (2017Reis, C. J. O., & Cabral, S. (2017). Parcerias público-privadas (PPP) em megaeventos esportivos: um estudo comparativo da provisão de arenas esportivas para a Copa do Mundo Fifa Brasil 2014. Revista de Administração Pública, 51(4), 551-579.) afirmam que as PPPs geram value for money porque apresentam maior celeridade na implementação e menores custos quando comparados com a modalidade de provisão pública tradicional. O menor prazo de implantação também foi observado em outro estudo com o mesmo objetivo (Rodrigues & Zucco, 2018Rodrigues, B., & Zucco, C. (2018). Uma comparação direta do desempenho de uma PPP com o modelo tradicional de contratação pública. Revista de Administração Pública, 52(6), 1237-1257.), que chegou à conclusão de que as PPPs geraram um tempo de entrega menor e mais previsibilidade na referida entrega.

Reis e Cabral (2017Reis, C. J. O., & Cabral, S. (2017). Parcerias público-privadas (PPP) em megaeventos esportivos: um estudo comparativo da provisão de arenas esportivas para a Copa do Mundo Fifa Brasil 2014. Revista de Administração Pública, 51(4), 551-579.) explicam ainda que a PPP deve ser a opção escolhida se a referida análise de valor demonstrar que ela apresenta as seguintes vantagens: custos reduzidos, menor prazo de implantação, melhor qualidade e melhor alocação de riscos. Esses elementos de valor estão descritos no Quadro 15, haja vista a menção à redução do gasto público, à entrega do ativo de mais célere e à prestação do serviço com qualidade. A melhoria na alocação de riscos foi mencionada como um dos fatores determinantes. Além disso, o Quadro 15 contém outros elementos de valor que podem ser considerados em futuras análises dessa natureza.

De igual modo, foi realizada uma análise em relação aos riscos. Este exame é oportuno porque os riscos podem reduzir os benefícios ou incrementar os custos. Assim, o E2 afirma que, “a depender da repartição de riscos, você pode incorrer em custos significativos”. Dessa forma, a identificação dos riscos pode contribuir para a análise de valor, que em geral considera apenas benefícios e custos (Quelin et al., 2017Quelin, B. V., Kivleniece, I., & Lazzarini, S. (2017). Public-private collaboration, hybridity and social value: towards new theoretical perspectives. Journal of Management Studies, 54(6), 763-792.). Os riscos identificados são descritos no Quadro 16.

QUADRO 16
SÍNTESE DOS RISCOS

Alguns dos riscos descritos no Quadro 16 corroboram os encontrados por outros estudos que analisaram PPPs realizadas no Brasil (Lima & Coelho, 2015Lima, C. M. C., & Coelho, A. C. (2015). Alocação e mitigação dos riscos em parcerias público-privadas no Brasil. Revista de Administração Pública, 49(2), 267-291.), como os de demanda; os relativos à força maior e ao caso fortuito; os associados a fenômenos climáticos; os relacionados a atrasos ou falhas na construção, bem como à alteração no projeto a pedido dos parceiros; os que têm relação com o aumento nos custos decorrentes de alteração na legislação tributária ou no custo do capital; aqueles ligados ao risco fiscal e à não obtenção do financiamento. Por outro lado, foram identificados novos riscos, como estruturação do projeto de PPP de forma rápida em detrimento da sua qualidade, não cumprimento do cronograma de obras, alteração de governo e fiscalização inadequada.

Os resultados podem ser demonstrados pelo modelo de análise de stakeholders proposto nesta pesquisa, conforme exemplificado na Figura 2. Em função da limitação de espaço, optou-se por priorizar os atores definitivos, os quais foram objeto de associações com fatores críticos de sucesso, bem como por citar os referidos fatores por meio das suas categorias. No caso dos elementos de valor e dos determinantes, foram citados apenas aqueles mais recorrentes, enfatizados em quadros anteriores.

Além disso, tendo em vista que a análise de valor deve contemplar benefícios e custos (Quelin et al., 2017Quelin, B. V., Kivleniece, I., & Lazzarini, S. (2017). Public-private collaboration, hybridity and social value: towards new theoretical perspectives. Journal of Management Studies, 54(6), 763-792.), são apresentados dois quadros, um contendo os benefícios e outro que descreve os custos e os riscos de construção e operação que podem impactar tais custos. Desse modo, o modelo de análise fornece informações que contribuem para o avanço do conhecimento sobre o significado de valor para os stakeholders de PPPs (Cabral, Mahoney, McGahan, & Potoski, 2019Cabral, S., Mahoney, J. T., McGahan, A. M., & Potoski, M. (2019). Value creation and value appropriation in public and non-profit organizations. Strategic Management Journal, 40(4), 465-475.).

FIGURA 2
APLICAÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE PROPOSTO

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo identificar os stakeholders, os fatores críticos de sucesso, os determinantes para a cooperação e a geração de valor em PPPs. Assim, foram identificados os atores mais relevantes, os quais foram classificados conforme o papel desempenhado na execução da parceria (R. C. Gomes et al., 2010Gomes, R. C., Liddle, J., & Gomes, L. D. O. M. (2010). A five-sided model of stakeholder influence: a cross-national analysis of decision making in local government. Public Management Review, 12, 701-724.), sua disposição para cooperar ou ameaçar (Savage et al., 1991Savage, G. T., Nix, T. W., Whitehead, C. J., & Blair, J. D. (1991). Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. 2of Management Executive, 5(2), 61-75.) e seu grau de saliência (Mitchell et al.,1997Mitchell, R. K., Agle, B. R., & Wood, D. J. (1997). Toward a theory of stakeholder identification and salience: defining the principle of the who and what really counts. Academy of Management Review, 22, 853-886.).

Ademais, foram identificados fatores que facilitam ou dificultam a execução da parceria e os atores a eles associados. Em relação aos determinantes para a cooperação entre os parceiros, identificou-se que, embora sejam diversos entre si, parece haver uma relativa predominância do determinante eficiência, o que é convergente com o fato de que a motivação para a realização de PPPs decorre do potencial de redução dos custos (Thamer & Lazzarini, 2015Thamer, R., & Lazzarini, S. (2015). Projetos de parceria público-privada: fatores que influenciam o avanço dessas iniciativas. Revista de Administração Pública, 49(4), 819-846.) e de maior eficiência e qualidade na provisão de bens e serviços públicos (Reis & Cabral, 2017Reis, C. J. O., & Cabral, S. (2017). Parcerias público-privadas (PPP) em megaeventos esportivos: um estudo comparativo da provisão de arenas esportivas para a Copa do Mundo Fifa Brasil 2014. Revista de Administração Pública, 51(4), 551-579.).

Em relação à geração de valor, foram identificados benefícios, custos e riscos, de modo a contribuir para o avanço do conhecimento científico acerca do tema, tendo em vista que parece haver uma lacuna na literatura sobre como organizações públicas interagem com empresas privadas para criar valor (Cabral et al., 2019Cabral, S., Mahoney, J. T., McGahan, A. M., & Potoski, M. (2019). Value creation and value appropriation in public and non-profit organizations. Strategic Management Journal, 40(4), 465-475.).

A pesquisa permitiu, ainda, notar a possibilidade de futuros estudos. Por essa razão, recomenda-se que os fatores críticos de sucesso sejam considerados uma dimensão analítica nos modelos que identificam os stakeholders de parcerias interorganizacionais, haja vista que tais fatores, que podem facilitar ou dificultar as parcerias, estão relacionados à atuação desses atores e podem ser tratados como mecanismos de interferência dos atores em políticas públicas ou programas governamentais implementados por meio de PPPs.

Outra sugestão de pesquisa se relaciona com o diálogo entre a Teoria de Stakeholder e o corpo de conhecimento sobre geração de valor, que parece ser o estado da arte da referida teoria (Freeman et al., 2020Freeman, R. E., Phillips, R., & Sisodia, R. (2020). Tensions in stakeholder theory. Business & Society, 59(2), 213-231.). Recomenda-se que estudos futuros não apenas analisem o significado de valor para os diferentes atores, o que foi feito neste, como também avaliem a distribuição desse valor entre tais atores em PPPs (Cabral et al., 2019Cabral, S., Mahoney, J. T., McGahan, A. M., & Potoski, M. (2019). Value creation and value appropriation in public and non-profit organizations. Strategic Management Journal, 40(4), 465-475.). Ademais, é necessário propor aprimoramentos nos métodos de mensuração de valor (Brito & Fazoli, 2019Brito, S. C., & Fazoli, D. A. (2019). Measuring value creation for stakeholders: a contribution from the empirical research. Revista Brasileira de Estratégia, 12(2), 136-153.).

Além disso, considerando que a análise da influência que os atores podem exercer na tomada de decisão do governo integra a atual agenda de pesquisa sobre stakeholders (R. C. Gomes et al., 2020Gomes, R. C., Osborne, S. P., & Guarnieri, P. (2020). Influências dos stakeholders e desempenho do governo local: uma revisão sistemática da literatura. Revista de Administração Pública, 54(3), 448-467.), que as PPPs têm sido utilizadas pelos governos (Villani et al., 2017Villani, E., Greco, L., & Phillips, N. (2017). Understanding value creation in public-private partnerships: a comparative case study. Journal of Management Studies, 54(6), 876-905.) e que ainda não há uma compreensão adequada sobre como as organizações públicas e privadas interagem para criar valor (Cabral et al., 2019Cabral, S., Mahoney, J. T., McGahan, A. M., & Potoski, M. (2019). Value creation and value appropriation in public and non-profit organizations. Strategic Management Journal, 40(4), 465-475.), sugere-se que sejam utilizados o modelo de análise e outras proposições feitas nesta pesquisa, de modo a suprir a lacuna observada na literatura.

A presente pesquisa tem limitações, haja vista que não foram entrevistados stakeholders relevantes como os usuários. Por isso, sugere-se que esses atores sejam considerados no grupo de entrevistados de futuras análises e que seja pesquisada uma maior quantidade de PPPs dos diversos entes federativos.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2020
  • Aceito
    06 Fev 2021
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