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Estratégia-como-prática social para a construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas em Florianópolis

La estrategia-como-práctica social para la construcción social de la perspectiva de género en las políticas públicas en Florianópolis (SC)

Resumo

O objetivo desta pesquisa consistiu em analisar como ocorre a estratégia-como-prática social para a construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas. A pesquisa qualitativa foi realizada na Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (CMPPM) de Florianópolis (SC). A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas, observação direta e análise documental. Constatou-se que as práticas (atividades) e o modo como são realizadas (práxis) pelos praticantes configuram a estratégia-como-prática social, por haver interações entre a sociedade e o ambiente interno, bem como por impactar a criação de ações e políticas que buscam minimizar as desigualdades entre gêneros no município.

Palavras-chave:
strategizing; estratégia-como-prática; políticas de gênero; políticas públicas; metodologia qualitativa

Resumen

El objetivo de esta investigación fue analizar cómo ocurre la estrategia-como-práctica social para la construcción de una perspectiva de género en las políticas públicas. La investigación cualitativa se llevó a cabo en la Coordinadoría Municipal de Políticas Públicas para las Mujeres (CMPPM) de Florianópolis (SC). Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas, observación directa y el análisis de documentos. Se encontró que las prácticas (actividades) y el cómo se hacen (praxis) por los profesionales dan forma a la estrategia-como-práctica social, por tener interacciones entre la sociedad y el medio ambiente interno y por el impacto en la creación de acciones y políticas que buscan minimizar las desigualdades entre géneros de la ciudad.

Palabras clave:
strategizing; estrategia-como-práctica; políticas de género; políticas públicas; metodología cualitativa

Abstract

This research analyzes how strategy as social practice occurs in the construction of a gender perspective in public policy. Qualitative research was carried out in the Municipal Public Policy Coordinating Committee for Women (CMPPM) of Florianopolis (SC). Data was collected through semi-structured interviews, direct observation, and documental analysis. It was found that practices (activities) and how they are carried out (praxis) by practitioners shape strategy as social practice because of the interactions between society and the internal environment, and because they also affect the creation of these actions and policies, which seek to minimize inequality between the genders in this municipality.

Keywords:
strategizing; strategy as practice; gender policy; public policy; qualitative methodology

1. Introdução

Uma recente perspectiva dentro do campo de estudo da estratégia é da estratégia-como-prática, que visa estudar a estratégia acontecendo no dia a dia por meio das práticas, práxis e praticantes, com a preocupação na prática social (Jarzabkowski, 2005JARZABKOWSKI, Paula. Strategy as practice: an activity-based approach. Londres: Sage, 2005.; Whittington, 2006WHITTINGTON, Richard. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.).

As práticas são todas as atividades da organização, a práxis é a forma como essas práticas são realizadas e os praticantes são os sujeitos que as executam. A interconexão de práticas, práxis e praticantes constituem o strategizing, ou seja, as atividades, práticas e ações no fazer da estratégia resultando em interações e mudanças sociais (Jarzabkowski, Balogun e Seidl, 2007JARZABKOWSKI, Paula; BALOGUN, Julia; SEIDL, David. Strategizing: the challenge of a practice perspective. Human Relation, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007.).

Os praticantes estão num sistema social e suas interações, o modo como executam as práticas, os motivos e desejos envolvidos de todos tornam possível compreender a práxis em vários níveis (Jarzabkowski, 2010JARZABKOWSKI, Paula. Activity-theory approaches to studying strategy as practice. In: GOLSORKHI, Damon et al. (Ed.). Cambridge Handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 127-140.; Whittington, 2014WHITTINGTON, Richard. Making strategy: the hard work of institutional innovation in an open professional field. In: EURAM - EUROPEAN ACADEMY OF MANAGEMENT ANNUAL MEETING, XIV, 2014, Valencia. Annals… p. 1-34.).

Pensando no contexto das mudanças e interações sociais, o strategizing pode ser estudado na construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Essa perspectiva busca incorporar ações e políticas que visem reduzir as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade (Farah, 2004FARAH, Marta F. S. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004.; Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.).

A busca por direitos igualitários no país, como o acesso ao voto, se deu em grande medida influenciada pelos movimentos feministas pioneiros, que se articularam e apresentaram consistência em seus projetos e propostas, alcançando a implantação de políticas públicas para as mulheres no Brasil (Blay, 1999BLAY, Eva A. Gênero e políticas públicas ou sociedade civil, gênero e relações de poder. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 133-145.; Coelho, 1999COELHO, Clair C. Gênero e políticas públicas. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 147-154.; Gonçalves, 2006GONÇALVES, Andréa L. História & gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.).

As políticas públicas voltadas para as mulheres até então adotadas no país, de forma geral, não necessariamente contemplam a perspectiva de gênero, pois em seu escopo costumam reiterar as posições de gênero desiguais já estabelecidas. De acordo com Bandeira (2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.), embora haja distinções, as políticas brasileiras para as mulheres não excluem as de gênero, mas em longo prazo devem se transformar em políticas de gênero.

Enquanto as políticas públicas voltadas para as mulheres são menos abrangentes e centram-se na visão tradicional do feminino, da responsabilidade feminina nas atividades de reprodução social, de educação dos filhos, do cuidado com as pessoas idosas e doentes, entre outros, as políticas públicas de gênero abrangem a diferenciação dos processos de socialização entre homens e mulheres, bem como a natureza dos conflitos dessas relações, criando possibilidades para as mulheres, centrando-se no desenvolvimento de uma maior autonomia e empoderamento das mesmas. Essas diferenças são importantes quando se pensa na resolução dos problemas ocasionados na natureza das relações e nos padrões de comportamento entre os sexos (Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.).

Em Florianópolis, Santa Catarina, a Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (CMPPM) é o órgão responsável por “assessorar, assistir, apoiar, articular e acompanhar ações, programas e projetos direcionados à mulher (Prefeitura de Florianópolis, 2016PREFEITURA DE FLORIANÓPOLIS. Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para as mulheres. Apresentação. Florianópolis. Disponível em: <Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/mulher/index.php?cms=apresentacao&menu=4 >. Acesso em: 30 jul. 2016.
http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/mulhe...
)”, buscando incorporar as demandas das mulheres florianopolitanas. As ações, programas e projetos assessorados e acompanhados pela CMPPM incorporam a perspectiva de gênero ao buscar possibilitar maior autonomia e empoderamento às mulheres do município, no sentido de focarem ações que tentem promover autonomia econômica e social de mulheres, como o Projeto Diálogo com as Comunidades.

Tendo em vista a luta dos movimentos feministas brasileiros por criar mecanismos que garantissem perante a lei direitos igualitários, e também considerando a estratégia ocorrendo no dia a dia de uma organização, é possível conectar conceitos teóricos importantes e ter outro olhar no “fazer estratégia”, um olhar para além das atividades e ações realizadas, mas também para as desigualdades existentes entre os gêneros.

As pessoas que fazem a estratégia tornam essas práticas importantes para a sociedade (Whittington, 2004WHITTINGTON, Richard. Estratégia após o modernismo: recuperando a prática. Revista de Administração de Empresas, v. 44, n. 4, p. 44-53, out./dez. 2004.). Ao refletir sobre a estratégia-como-prática social para a construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas, nota-se que os atores interagem com o ambiente interno, por meio de órgãos governamentais, e também com o ambiente externo, de acordo com as debilidades e problemas sociais. Essas interações permitem verificar que a práxis (a forma de realizar as práticas pelos praticantes) está proporcionando mudança social e que esses elementos são construídos de acordo com as necessidades e problemas da sociedade. A práxis se tornou o mecanismo, as articulações e integrações em conferências e encontros, para que se pudessem definir diretrizes e alcançar estratégias de implantação de políticas de gênero.

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi analisar como ocorre a estratégia-como-prática social para a construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas.

Adotou-se a metodologia qualitativa, por meio de um estudo de caso único. Selecionou-se a Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (CMPPM), no município de Florianópolis, em Santa Catarina, por estar ligada à temática da proposta a ser estudada. As técnicas de coleta de dados foram entrevistas semiestruturadas, observação direta e análise documental.

A análise dos dados ocorreu adotando-se a técnica de análise narrativa (Godoi, Bandeira-de-Mello e Silva, 2006GODOI, Christiane K.; BANDEIRA-DE-MELLO, Rodrigo; SILVA, Anielson B. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006.), bem como se utilizou da técnica pattern matching (Trochim, 1989TROCHIM, William M. K. Outcome pattern matching and program theory. Evolution and Program Planning, v. 12, n. 4, p. 355-366, 1989.). Encontrou-se que as práticas (atividades) e como são realizadas (práxis) pelos praticantes configuram a estratégia-como-prática social ou o strategizing, justamente, por essas interações sociais entre a sociedade e o ambiente interno impactarem a criação de ações e políticas que buscam minimizar as desigualdades entre gêneros. Este estudo pretendeu conectar os temas estudados de modo a compreender a estratégia acontecendo no dia a dia no setor público, bem como proporcionar um olhar humanizado e chamar a atenção para as desigualdades entre os gêneros.

2. A estratégia-como-prática social

Os estudos de estratégia vêm sendo construídos nas últimas seis décadas por importantes pesquisadores que contribuem com múltiplas abordagens e conceitos, desde os mais clássicos aos atuais (Chandler, 1962CHANDLER, Alfred D. Strategy and structure: chapters in the history of the industrial enterprise. Cambridge, MA: MIT Press, 1962.; Ansoff, 1965ANSOFF, Harry Igor. Corporate Strategy: business policy for growth and expansion. Nova York: McGraw-Hill, 1965.; Mintzberg, 1973MINTZBERG, Henry. The nature of managerial work. Nova York: Harper and Row, 1973.; Porter, 1980PORTER, Michael E. Competitive strategy. Nova York: Free Press, 1980.; Whittington, 1996WHITTINGTON, Richard. Strategy as practice. Long Range Planning, v. 29, n. 5, p. 731-735, 1996.; Jarzabkowski, 2005JARZABKOWSKI, Paula. Strategy as practice: an activity-based approach. Londres: Sage, 2005.; Golsorkhi et al., 2010GOLSORKHI, Damon et al. Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.; Whittington, 2014Lopes, Brenner; Amaral, Jefferson N.; Caldas, Ricardo W. Políticas públicas: conceitos e práticas. Belo Horizonte: Sebrae/MG, 2008.).

No processo de formação da estratégia, busca-se entender e explicar como as estratégias são formuladas, implementadas e avaliadas. Mintzberg e Waters (1985MINTZBERG, Henry; WATERS, John S. Of strategies, deliberate and emergent. Strategic Management Journal, v. 6, n. 3, p. 257-272, 1985.) descreveram dois tipos de estratégias: as deliberadas e as emergentes. As deliberadas são as estratégias definidas e posteriormente realizadas. Caso contrário, serão estratégias não realizadas. Já as estratégias emergentes não seguem um padrão definido e pretendido, mas surgem quando algum plano resolve ser diversificado ou alterado.

A tomada de decisão por meio das estratégias deliberadas são decisões de cima para baixo (top-down), seguindo o modelo racional, formal e burocrático na organização. Nas estratégias emergentes, as decisões acontecem no sentido oposto, de baixo para cima (bottom-up), com uma visão democrática e priorizando a participação das pessoas (Mintzberg e Waters, 1985MINTZBERG, Henry; WATERS, John S. Of strategies, deliberate and emergent. Strategic Management Journal, v. 6, n. 3, p. 257-272, 1985.; Mintzberg, Ahlstrand e Lampel, 2010MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safári de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.), e há, ainda, o processo integrador de formação da estratégia (middle-up-down), na qual a gerência intermediária articula as decisões que vêm de cima e de baixo, envolvendo todos os níveis hierárquicos (Andersen, 2000AndersEn, Thomas J. Strategic planning, autonomous actions and corporate performance. Long Range Planning, v. 33, n. 2, p. 184-200, 2000.; Lavarda et al., 2010LAVARDA, Rosalia A. B.; CANET-GINER, Maria Teresa; PERIS-BONET, Fernando J. How middle managers contribute to strategy formation process: connection of strategy processes and strategy practices. Revista de Administração de Empresas, v. 50, n. 4, p. 358-370, 2010.).

Para investigar com profundidade como a estratégia é implementada e como ela se desenvolve na organização analisada neste artigo, leva-se em consideração a abordagem da estratégia-como-prática (Jarzabkowski, 2005JARZABKOWSKI, Paula. Strategy as practice: an activity-based approach. Londres: Sage, 2005., 2010JARZABKOWSKI, Paula. Activity-theory approaches to studying strategy as practice. In: GOLSORKHI, Damon et al. (Ed.). Cambridge Handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 127-140.; Whittington, 2006WHITTINGTON, Richard. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.; Johnson et al., 2007Johnson, Gerry et al. Strategy as practice: research directions and resources. Nova York, NY: Cambridge University Press, 2007.; Jarzabkowski, Balogun e Seidl, 2007JARZABKOWSKI, Paula; BALOGUN, Julia; SEIDL, David. Strategizing: the challenge of a practice perspective. Human Relation, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007.; Golsorkhi et al., 2010GOLSORKHI, Damon et al. Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.; Whittington, 2014WHITTINGTON, Richard. Making strategy: the hard work of institutional innovation in an open professional field. In: EURAM - EUROPEAN ACADEMY OF MANAGEMENT ANNUAL MEETING, XIV, 2014, Valencia. Annals… p. 1-34.). Nessa abordagem o foco está nas atividades cotidianas, socialmente realizadas por meio de ações e interações dos atores envolvidos, não somente as formais, mas as atividades que podem ter consequências significativas para as organizações e para as pessoas (Johnson, Melin e Whittington, 2003Johnson, Gerry; MELIN, Leif; Whittington, Richard. Micro strategy and strategizing: towards an activity-based view. Journal of Management Studies, v. 40, n. 1, p. 3-22, 2003.; Jarzabkowski, 2005JARZABKOWSKI, Paula; Wilson, David C. Thinking and acting strategically: new challenges for interrogating strategy. European Management Review, v. 1, n. 1, p. 14-20, 2004.; Johnson et al., 2007Johnson, Gerry et al. Strategy as practice: research directions and resources. Nova York, NY: Cambridge University Press, 2007.; Junquilho, Almeida e Leite-da-Silva, 2012JUNQUILHO, Gelson S.; LEITE-DA-SILVA, Alfredo R.; CARRIERI, Alexandre P. A estratégia como prática na administração pública contemporânea. In: SILVESTRE, Hugo C.; ARAÚJO, Joaquim F. (Org.). Coletânea em administração pública. Lisboa: Escolar, 2012. v. 1, p. 143-162.).

Assim, considerar a estratégia uma prática social, como algo que as pessoas fazem, tem um efeito descentralizador sobre as proposições tradicionais da finalidade da estratégia. A análise se desloca um nível abaixo para tratar dos processos estratégicos gerais e das atividades daqueles que praticam a estratégia, fugindo da perspectiva gerencialista e passando a considerar não mais a performance dos estrategistas, mas sim o modo como desempenham seus papéis. Assim, “aceitar a estratégia como uma prática social envolve a recusa em privilegiar a performance da firma, em benefício da performance do campo como um todo ou dos praticantes da estratégia individualmente” (Whittington, 2004WHITTINGTON, Richard. Estratégia após o modernismo: recuperando a prática. Revista de Administração de Empresas, v. 44, n. 4, p. 44-53, out./dez. 2004.:48).

Uma perspectiva principal da estratégia-como-prática é a preocupação com a prática social, pois esta se demonstra como configuração de atividades devido às interações sociais (Regnér, 2008REGNÉR, Patrick. Strategy-as-practice and dynamic capabilities: steps towards as dynamic view of strategy. Human Relations, v. 61, n. 4, p. 565-588, 2008.).

Whittington (2006WHITTINGTON, Richard. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.) enfatizou que a integração de três elementos, que não necessariamente combinam ao mesmo tempo: práticas, práxis e praticantes, condiz com a estratégia-como-prática. As práticas se referem às rotinas e atividades realizadas dentro da organização. A práxis refere-se à forma em que as pessoas realizam as atividades, e os praticantes são os estrategistas que executam as atividades, ou seja, os que realizam as práticas.

O ‘fazer estratégia’, ou seja, a interconexão de práticas, práxis e praticantes chama-se strategizing - atividades e práticas estratégicas (Jarzabkowski e Wilson, 2004JARZABKOWSKI, Paula; Wilson, David C. Thinking and acting strategically: new challenges for interrogating strategy. European Management Review, v. 1, n. 1, p. 14-20, 2004.; Johnson et al., 2007Johnson, Gerry et al. Strategy as practice: research directions and resources. Nova York, NY: Cambridge University Press, 2007.). Essa abordagem para avaliar a estratégia-como-prática considera as atividades realizadas, as práticas, bem como permite um estudo dos praticantes da estratégia e das práxis em que estão envolvidos (Jarzabkowski, 2010JARZABKOWSKI, Paula. Activity-theory approaches to studying strategy as practice. In: GOLSORKHI, Damon et al. (Ed.). Cambridge Handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 127-140.).

Para o entendimento dos elementos que se interconectam formando a strategizing, pode-se dizer que as práticas são as atividades consideradas no contexto cultural e social, pois os indivíduos interagem no coletivo e também na comunidade. Elas orientam as atividades por intermédio da combinação da cognição, racionalidade, comportamento etc. (Jarzabkowski, Balogun e Seidl, 2007JARZABKOWSKI, Paula; BALOGUN, Julia; SEIDL, David. Strategizing: the challenge of a practice perspective. Human Relation, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007.; Jarzabkowski, 2010JARZABKOWSKI, Paula. Activity-theory approaches to studying strategy as practice. In: GOLSORKHI, Damon et al. (Ed.). Cambridge Handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 127-140.).

Nas práxis as atividades coletivas são realizadas de forma intencional ou objetivamente orientada. As objetivamente orientadas são de longa duração, de acordo com o histórico ou cultura da organização, porém, ao longo do tempo, ações são reconstruídas de acordo com os motivos e desejos das diferentes partes. Entender essa relação é essencial para compreender a práxis, ou seja, entender como as atividades estratégicas são realizadas nos diferentes níveis organizacionais (Jarzabkowski, Balogun e Seidl, 2007JARZABKOWSKI, Paula; BALOGUN, Julia; SEIDL, David. Strategizing: the challenge of a practice perspective. Human Relation, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007.; Jarzabkowski, 2010JARZABKOWSKI, Paula. Activity-theory approaches to studying strategy as practice. In: GOLSORKHI, Damon et al. (Ed.). Cambridge Handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 127-140.).

Os praticantes são os sujeitos interagindo dentro de um sistema de base social, executam as atividades e o modo como as executam depende de seus pensamentos e de quem são (Jarzabkowski, Balogun e Seidl, 2007JARZABKOWSKI, Paula; BALOGUN, Julia; SEIDL, David. Strategizing: the challenge of a practice perspective. Human Relation, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007.; Jarzabkowski, 2010JARZABKOWSKI, Paula. Activity-theory approaches to studying strategy as practice. In: GOLSORKHI, Damon et al. (Ed.). Cambridge Handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 127-140.).

A abordagem da estratégia-como-prática não se limita em verificar como os estrategistas que decidem as estratégias pensam e conduzem, mas também compreender como as demais pessoas da organização contribuem (Golsorkhi et al., 2010GOLSORKHI, Damon et al. Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.).

Assim, a adoção do enfoque da estratégia como prática, como algo que a organização faz, tem espaço para ser estudada em diferentes lócus, independentemente do enfoque gerencialista sobre estratégia ao longo da história da administração (Whittington, 2004WHITTINGTON, Richard. Estratégia após o modernismo: recuperando a prática. Revista de Administração de Empresas, v. 44, n. 4, p. 44-53, out./dez. 2004.; Golsorkhi et al., 2010GOLSORKHI, Damon et al. Cambridge handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.). A exemplo, vêm sendo desenvolvidos estudos trazendo a estratégia como “artes do fazer” em contextos não empresariais, que destacam as articulações entre representações sociais, estratégias e táticas cotidianas (Leite-da-Silva, Carrieri e Junquilho, 2011LEITE-DA-SILVA, Alfredo R.; CARRIERI, Alexandre P.; JUNQUILHO, Gelson S. A estratégia como prática social nas organizações: articulações entre representações sociais, estratégias e táticas cotidianas. Revista de Administração de São Paulo, v. 46, n. 2, p. 122-134, 2011.) ou as “artes do fazer” na gestão de escolas públicas (Junquilho, Almeida e Leite-da-Silva, 2012JUNQUILHO, Gelson S.; ALMEIDA, Roberta A.; LEITE-DA-SILVA, Alfredo R. As “artes do fazer” gestão na escola pública: uma proposta de estudo. Cad. EBAPE.BR, v. 10, n. 2, p. 329-356, jun. 2012.).

De modo a compreender a estratégia acontecendo no dia a dia no setor público, passa-se a abordar a administração pública e apresentar o entendimento de políticas públicas.

3. Administração pública e políticas públicas

A constituição da administração pública no Brasil, segundo Farah (2011FARAH, Marta F. S. Administração pública e políticas públicas. Rev. Adm. Pública, v. 45, n. 3, p. 813-836, maio/jun. 2011.), teve início a partir de 1930, tendo como objetivo o treinamento de servidores para a administração pública moderna. Antes disso, ela limitava-se ao direito administrativo, na elaboração de leis e regulamentos, e prevalecia o patrimonialismo.

Nas últimas décadas ocorreram diversas transformações na administração pública brasileira. Esse movimento de reforma se dá por influência de forças externas que sinalizam a necessidade de mudança nas melhorias dos serviços públicos. A nova concepção da gestão no setor público, New Public Management, visava utilizar adequadamente instrumentos de gestão privada, ajustá-los e aplicá-los no serviço público (Araújo, 2000Araújo, Joaquim F. Tendências recentes de abordagem à reforma administrativa. Revista Portuguesa de Administração e Políticas Públicas (Rapp), Fórum: Modernizar a Administração Pública, v. 1, n. 1, p. 38-47, 2000.).

Uma das atividades da administração pública tem sido a implementação de políticas públicas (Oszlak, 1982OSZLAK, Oscar. Políticas públicas e regimes políticos: reflexões a partir de algumas experiências Latino-Americanas. Rev. Adm. Pública, v. 16, n. 1, p. 17-60, jan./mar. 1982.). Neste artigo, optou-se por se utilizar o conceito proposto por Heidemann (2009HEIDEMANN, Francisco G. Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento. In: HEIDEMANN, Francisco G.; SALM, José F. (Org.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: EdUnB, 2009. p. 23-39. ), que entende políticas públicas como ações e decisões realizadas pelos governos em conjunto com a sociedade e o mercado:

Em termos político-administrativos, o desenvolvimento de uma sociedade resulta de decisões formuladas e implementadas pelos governos dos Estados nacionais, subnacionais e supranacionais em conjunto com as demais forças vivas da sociedade, sobretudo as forças de mercado em seu sentido lato. Em seu conjunto, essas decisões e ações de governo e de outros atores sociais constituem o que se conhece com o nome genérico de políticas públicas. {Heidemann, 2009HEIDEMANN, Francisco G. Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento. In: HEIDEMANN, Francisco G.; SALM, José F. (Org.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: EdUnB, 2009. p. 23-39. :28}

Buscando promover o bem-estar da sociedade, os governos buscam se utilizar das políticas públicas por meio de ações, metas e planos prioritários que atendam demandas sociais prioritárias. Esses grupos que discutem, criam e executam as políticas públicas são denominados de atores, que podem ser os “estatais”, oriundos do governo ou do Estado, e os “privados”, oriundos da sociedade civil. As propostas das políticas públicas partem do Poder Executivo, que também as coloca em prática, já as que são definidas partem do Poder Legislativo (Lopes, Amaral e Caldas, 2008Lopes, Brenner; Amaral, Jefferson N.; Caldas, Ricardo W. Políticas públicas: conceitos e práticas. Belo Horizonte: Sebrae/MG, 2008.).

O ciclo de políticas públicas passa por sete fases, de acordo com Secchi (2014SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2014.): (1) identificação do problema, (2) formação de agenda, (3) formulação de alternativas, (4) tomada de decisão, (5) implementação, (6) avaliação e (7) extinção.

A primeira fase é identificar o problema, buscando a proximidade do estado ideal. A formação da agenda, segunda fase, significa selecionar as prioridades a partir dos problemas advindos da sociedade, o que é relevante. Após essa agenda, as políticas são formuladas, terceira fase, as quais definem ações, programas e métodos que serão desenvolvidos de modo a atender às demandas.

A quarta fase é a tomada de decisão; em todo processo de formulação de políticas públicas as decisões são tomadas, seja de quais prioridades estarão na agenda, ou de quais ações serão escolhidas. A implementação é a quinta fase do ciclo, onde se concretiza tudo o que foi planejado. Se o corpo administrativo, responsável por essa execução, não estiver atento ao controle e monitoramento, falhas poderão comprometer a política pública.

A sexta fase é de avaliação, que deve ser realizada em todo o ciclo e contribui para o aprendizado dos gestores bem como para melhorias a serem feitas. Nessa fase, o “processo de implementação e o desempenho da política pública são examinados com o intuito de conhecer melhor o estado da política e o nível de redução do problema que a gerou” (Secchi, 2014SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2014.:63).

A última fase é de extinção, quando há solução da demanda/problema ou quando se perde importância do mesmo. Portanto, as políticas públicas visam assegurar direitos da sociedade, e, entre esses direitos, estão os direitos de gênero.

4. Perspectiva de gênero nas políticas públicas

Essa perspectiva parte da premissa sobre a existência de desigualdades nas relações de gênero na sociedade e de haver a necessidade de incorporar políticas sociais para redução dessas desigualdades, buscando promover maior socialização e diminuição de conflitos entre os gêneros (Farah, 2004FARAH, Marta F. S. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004.; Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.).

As políticas públicas no Brasil, em grande parte, não necessariamente contemplam a perspectiva de gênero quando construídas e voltadas para as mulheres, pois permanecem reproduzindo relações de exploração e de dominação patriarcais, capitalistas e racistas. Apesar de tais políticas acabarem reiterando-se como instrumentos de reprodução de mecanismos da desigualdade de gênero, Bandeira (2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.) acredita que as políticas brasileiras focadas nas mulheres em longo prazo devem se transformar em políticas de gênero. Segundo a autora, para se concretizar tal possibilidade, seria necessária a consolidação de uma perspectiva de gênero mais crítica e abrangente junto aos órgãos responsáveis e às pessoas competentes pela construção de tais políticas.

Enquanto as políticas públicas para as mulheres são menos abrangentes e centram-se na visão tradicional do feminino, da responsabilidade feminina de reprodução social, educação dos filhos, entre outros, as políticas públicas de gênero centram-se na busca por autonomia e empoderamento. Abrangem a natureza dos conflitos e a diferenciação dos processos de socialização entre gêneros (Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.).

A luta das mulheres no mundo visando direitos igualitários ocorreu e ainda ocorre por meio dos movimentos feministas, que, segundo Gonçalves (2006GONÇALVES, Andréa L. História & gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.), não se limitam às mobilizações em relação aos feminismos, mas também à inserção das mulheres nas organizações, na minoria presente no espaço público e nos diversos meios de expressão, como na literatura, nos jornais, nas pinturas.

As conquistas das mulheres no mundo ligadas às questões políticas, por ser esta a forma de garantir e formalizar seus direitos perante a lei, iniciaram-se há mais de um século. O que pode ser considerado como o marco inicial dos feminismos no Ocidente foi a 1a Convenção para o Direito das Mulheres, em 1848, na cidade de Seneca Falls, Nova York (Estados Unidos). Nessa convenção, as pautas traziam discussões das condições sociais, civis e religiosas das mulheres; entretanto, não desencadeou pautas como o direito ao voto (Gonçalves, 2006GONÇALVES, Andréa L. História & gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.).

O direito das mulheres ao voto no Brasil levou décadas para se lograr como efetivo. Em 1891, durante as discussões da Assembleia Constituinte, houve explícita rejeição para com esse direito. Mesmo diante desse fato, a primeira mulher aceita na Ordem dos Advogados (OAB), Myrthes de Campos, juntamente com a professora Leolinda Daltro solicitaram seus alistamentos eleitorais e foram negados. Não compactuando com esse fato, Leolinda Daltro fundou em 1910 o Partido Republicado Feminino, com o intuito de debater sobre o voto das mulheres. Na verdade, as mulheres eram consideradas na época pela ciência frágeis e com menor inteligência, sem condições para a área pública, sendo culturalmente educadas para o lar e o cuidado familiar (Soihet, 2012SOIHET, Rachel. A conquista do espaço público. In: PINSKY, Carla B.; PEDRO, Joana Maria. Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 218-237.).

As mulheres brasileiras passaram a ter o direito ao voto em 1932, pelo Decreto no 21.076, de 24 de fevereiro, porém incorporado na Constituição apenas em 1934 e só exercido nas eleições de 1945 (Blay, 1999BLAY, Eva A. Gênero e políticas públicas ou sociedade civil, gênero e relações de poder. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 133-145.; Soihet, 2012SOIHET, Rachel. A conquista do espaço público. In: PINSKY, Carla B.; PEDRO, Joana Maria. Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 218-237.).

O ano de 1975 foi um marco para o desenvolvimento dos movimentos das mulheres/feministas que adquiriu notoriedade e reconhecimento pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse mesmo ano, ocorreu a I Conferência Mundial de Mulheres, no México, onde foram definidas propostas com intuito de proporcionar às mulheres as mesmas oportunidades que aos homens. Apesar de os governos, na época, terem evidenciado que iriam cumprir tais propostas, não foi o que realmente se efetivou (Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.). Dois anos depois, uma importante conquista vigorou no Brasil, a Lei no 6.515, de 1977, do direito ao divórcio (Brasil, 2014BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Curso igualdade de gênero e desenvolvimento sustentável, Brasília, 2014.).

Nos anos 1970 e 1980, as lutas pela igualdade de gênero enfrentaram diversas barreiras, por todos os diferentes nichos sociais, entre elas, pelos meios de comunicação que buscavam ridicularizar as militantes femininas afirmando que suas lutas eram pautadas em casos não verdadeiros, que a violência contra as mulheres e estupros eram provocados pelas próprias vítimas, numa tentativa de desvalorização das lutas feministas e de estereotipá-las como mulheres exibicionistas “queimadoras de sutiãs” e alienadas; porém, o movimento não se enfraqueceu por essa repressão (Blay, 1999BLAY, Eva A. Gênero e políticas públicas ou sociedade civil, gênero e relações de poder. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 133-145.).

No final da Década da Mulher das Nações Unidas (1976-85) foi criado, pela Lei no 7.353, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), com objetivo de promover políticas nacionais que eliminassem a discriminação das mulheres, assegurando-lhes igualdades (Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.). Foi um importante passo para a efetiva inclusão da perspectiva de gênero nas políticas públicas, por haver instâncias específicas que tratassem dos direitos das mulheres. Nos anos 1980 e 1990 ocorreu uma estruturação nos grupos de mulheres que se organizaram por redes de interesse, como o direito das mulheres, contra a violência às mulheres, direito reprodutivos etc. (Coelho, 1999COELHO, Clair C. Gênero e políticas públicas. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 147-154.).

A partir de 1987, a articulação de mulheres, com as mais diferentes demandas, ficou conhecida como o lobby do Batom. Esse lobby buscou sensibilizar deputados e senadores para uma Nova Constituição, que considerasse os direitos fundamentais para as mulheres. Era composto por lideranças feministas e deputadas federais. Dessa forma, o Brasil passou pela redemocratização com a reforma da Constituição de 1988, também chamada de uma “Nova República”. As mulheres passaram a ter direitos e obrigações iguais aos dos homens perante a lei. Entre as propostas aceitas estavam a punição por discriminação, a abolição da posição superior familiar do homem e as mulheres com direito ao domínio e uso da terra (Soihet, 2012SOIHET, Rachel. A conquista do espaço público. In: PINSKY, Carla B.; PEDRO, Joana Maria. Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 218-237.; Brasil, 2014BORGES, Marianne V.; LEITE-DA-SILVA, Alfredo R.; JUNQUILHO, Gelson S. Implicações simbólicas no trabalho em grupo: um estudo em um Procon municipal, Revista Gestão & Conexões. Management and Connections Journal, Vitória (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul./dez. 2014.).

O movimento iniciou uma nova fase em 1990 e volta com toda força ao debater “Conjuntura Política” no V Encuentro Feminista Latinoamericano y Del Caribe, na Argentina. Mulheres brasileiras que integravam as políticas, militantes e dirigentes partidárias discutiram como ampliar a visibilidade do movimento. A partir disso, houve uma transformação. As ações que foram planejadas resultaram em políticas públicas. Lutas em relação a “violência, saúde e direitos reprodutivos, educação, trabalho, luta contra pobreza, participação política, entre outras”, começaram a ser implementadas (Coelho, 1999COELHO, Clair C. Gênero e políticas públicas. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 147-154.:148).

Outro marco importante a favor das mulheres foi a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Beijing, no ano de 1995, onde discussões sobre relações raciais e étnicas foram abertas, levando a uma exaustiva divergência (Ribeiro, 1995RIBEIRO, Matilde. Mulheres negras brasileiras: de Bertioga a Beijing. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, p. 446-457, 1995.). Apesar de o Brasil ter assumido o compromisso de efetivar as ações da proposta da Conferência de Beijing, buscando melhorias em relação à discriminação contra mulher, mortalidade materna, emprego, participação na esfera de decisão etc., somente dois anos depois da Conferência estudaram a viabilidade dessa proposta (Blay, 1999BLAY, Eva A. Gênero e políticas públicas ou sociedade civil, gênero e relações de poder. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 133-145.).

Foi nessa Conferência que também se chamou a atenção dos Estados para o princípio de transversalidade de gênero, traduzido de gender mainstreaming. Bandeira (2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.) entende transversalidade de gênero nas políticas públicas como:

A ideia de elaborar uma matriz que permita orientar uma nova visão de competências (políticas, institucionais e administrativas) e uma responsabilização dos agentes públicos em relação à superação das assimetrias de gênero, nas e entre as distintas esferas do governo. Esta transversalidade garantiria uma ação integrada e sustentável entre as diversas instâncias governamentais e, consequentemente, o aumento da eficácia das políticas públicas, assegurando uma governabilidade mais democrática e inclusiva em relação às mulheres. {Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.:5}

Para transformar os espaços de opressão e invisibilidade das mulheres dentro do aparelho estatal foi necessário um novo jeito de fazer política pública: por meio da transversalidade, de modo a transformar as relações de poder seculares desiguais entre homens e mulheres e buscar espaços públicos e privados sem divisão sexual. Um mundo mais justo e igualitário, com respeito às diferentes orientações sexuais, além da igualdade racial e étnica (Brasil, 2013BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.).

A transversalidade de gênero é um constructo teórico e um conjunto de ações e de práticas políticas e governamentais que buscam incorporar a temática de gênero em distintas esferas de responsabilidade pública (Brasil, 2013BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.). Como constructo teórico, permite entender de forma mais adequada as estruturas e dinâmicas sociais que se mobilizam - no enfrentamento das desigualdades de gênero, raciais, geracionais, de classe, entre outras (Brasil, 2013BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.).

Enquanto conjunto de ações e de práticas, constitui uma reorganização de todas as políticas públicas e das instituições para incorporar a perspectiva de gênero de modo a haver responsabilidade compartilhada. Entende-se que não cabe apenas a responsabilidade de um determinado organismo de construção e elaboração de políticas voltadas para as mulheres no combate às desigualdades de gênero, e sim de todos os órgãos dos três níveis federativos (União, estados/Distrito Federal e municípios). “Nesse cenário, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) adquire o papel de coordenação horizontal e, enquanto coordenadora, deve articular os órgãos, organizar os trabalhos, acompanhar e avaliar os resultados” (Brasil, 2013BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.:10).

Por conta de pressões internacionais oriundas da ONU, acordos em convenções como Beijing, da pressão e legitimidade dos movimentos feministas, em 2003 houve o marco de um novo contexto político para as mulheres brasileiras: a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Criada com o objetivo de buscar “promover a igualdade entre homens e mulheres e combater todas as formas de preconceito e discriminação herdadas de uma sociedade patriarcal e excludente” (SPM, 2016SPM. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Sobre a SPM. Disponível em: <Disponível em: http://www.spm.gov.br/arquivos-diversos/sobre/spm >. Acesso em: 28 jul. 2016.
http://www.spm.gov.br/arquivos-diversos/...
), por meio de articulação com os demais ministérios e secretarias especiais. O compromisso desde o início de sua criação foi a elaboração de um Plano Nacional de Política para as Mulheres (PNPM) em 2004, atendendo às necessidades de gênero (necessidades de combate a violência, saúde, educação, direitos trabalhistas, direitos reprodutivos etc.), e avaliar essas ações por intermédio de seu Comitê de Articulação e Monitoramento (Natividade, 2009Natividade, Daise R. Empreendedorismo feminino no Brasil: políticas públicas sob análise. Rev. Adm. Pública, v. 43, n. 1, p. 231-256, jan./fev. 2009.; Brasil, 2014BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.).

Em 2006 entra em vigor a Lei Maria da Penha, no 11.340, criada para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Essa lei faz parte dos compromissos e das estratégias traçadas pelo PNPM, como parte de um conjunto de metas de enfrentamento da violência contra as mulheres, tema que desde a década de 1970 faz parte das reivindicações e lutas das mulheres em todo o mundo, e que desde a Conferência de Beijing em 1995 se torna compromisso firmado pelos comitês dos países participantes (Cortês, 2012CORTÊS, Iáris R. A trilha legislativa da mulher. In: PINSKY, Carla B.; PEDRO, Joana M. Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 260-285.; Brasil, 2014BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.).

Em 2007, ocorreu a II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (II CNPM) com objetivo de avaliar a implementação do I PNPM e pensar em novas ações para inserir no II PNPM - 2008. Em 2011, realizou-se a 3a Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (III CNPM) e o resultado foi o PNPM 2013-15, com ainda maior inserção das temáticas de gênero. O PNPM repassa as diretrizes para políticas para as mulheres, entre as quais estão: autonomia e igualdade das mulheres perante os homens e participação ativa das mulheres nas políticas públicas. Participaram da construção dos PNPM: órgãos governamentais, a SPM e a sociedade civil organizada (Brasil, 2014BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.).

Todos os PNPM (2004, 2008 e 2013) foram implementados adotando a ideia da transversalidade de gênero, “tanto do ponto de vista horizontal (entre os ministérios) quanto do vertical (porque ele responde nos níveis estadual, distrital e municipal às conferências realizadas nesses âmbitos)” (Brasil, 2013BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.:10).

A definição de transversalidade de gênero e raça faz entender que as dimensões de gênero, raça e etnia são estruturantes das desigualdades sociais (Brasil, 2013BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.). Importante perspectiva, visto que, de acordo com dados do Censo Demográfico de 2010 (Brasil, 2011BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O perfil da extrema pobreza no Brasil com base nos dados preliminares do universo do Censo 2010. Brasília: MDS, 2011.), as pessoas negras (70,8%) e as mulheres (50,5%) são a maior parte do contingente de extremamente pobres e indigentes no país.

O princípio da transversalidade de gênero passou a se fazer presente em todas as comissões e grupos de planejamento e discussão de políticas governamentais, com extensão de ações ao âmbito internacional junto aos países em desenvolvimento. Nesse contexto mundial, a incorporação da transversalidade de gênero levou os governos a não apenas incorporarem essa perspectiva unicamente em alguma secretaria de atuação na área da mulher, mas sim assimilar seus impactos em todas as políticas públicas propostas pelo Estado, levando em conta as especificidades de homens e mulheres (Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.).

Bandeira (2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.) ressalva que, ainda que tal perspectiva tenha entrado nos princípios norteadores na construção de políticas no país, nos Planos Plurianuais (PPA) pouco se notou na efetiva incorporação da transversalidade de gênero, raça/etnia, geração e orientação sexual, perdendo o foco com o que se comprometeram: com os grupos mais vulneráveis.

Ao fazer uma reflexão, nas últimas décadas as mulheres passaram a atuar em espaços políticos que, graças as suas pressões e projetos, conseguiram implantar políticas públicas e minimizar, um pouco, a desigualdade de gênero (Blay, 1999BLAY, Eva A. Gênero e políticas públicas ou sociedade civil, gênero e relações de poder. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 133-145.). Para Coelho (1999COELHO, Clair C. Gênero e políticas públicas. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 147-154.:151) “enquanto as mulheres não fizerem parte das cúpulas governamentais, as políticas sociais do estado não atenderão seus interesses, assim como permanecerão inalteradas as leis que reforçam as desigualdades entre os sexos”.

Por fim, para alcançar o objetivo proposto, a partir da revisão teórica realizada e considerando-se a questão de pesquisa: como ocorre a estratégia-como-prática social para a construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas?, elaborou-se uma proposição para guiar o estudo empírico, entendendo-se que as proposições procuram responder às questões de pesquisa antes mesmo dos resultados reais da pesquisa empírica (Vergara, 2010VERGARA, Sylvia. Métodos de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2010.).

Este é o seu enunciado: Proposição (P1): A estratégia-como-prática social ocorre por meio de mecanismos (práticas de políticas públicas) próprios (práxis) criados pelos sujeitos (praticantes) para minimizar as desigualdades entre gêneros.

5. Metodologia

A metodologia da pesquisa adotada foi qualitativa (Denzin e Lincoln, 2006DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna S. Planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2006.), por permitir não somente a compreensão do contexto onde se produzem os eventos, mas também o conhecimento a respeito desses eventos, e seu uso tende a ampliar a visão total do fenômeno estudado (Pettigrew et al., 1992PETTIGREW, Andrew M.; Ferlie, Ewan; McKEE, Lorna. Shaping strategic change. Londres: Sage, 1992.).

Adotou-se o método de estudo de caso único (Eisenhardt, 1989EISENHARDT, Kathleen M. Building theories form case study research. Academy of Management Review, v. 14, n. 4, p. 532-550, 1989.), que se caracteriza por estudar os fenômenos como um processo dinâmico, dentro de seu contexto real, com o objetivo de explicá-los de forma global e tendo em conta toda a sua complexidade. O estudo de caso, portanto, foi desenvolvido com vistas ao aprofundamento da questão de pesquisa, para a qual se buscou compreender como ocorre a estratégia-como-prática social para a construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas.

Assim, a unidade de análise deve apresentar o fenômeno de investigação de como respeitar as peculiaridades dos objetivos propostos (Pérez-Aguiar, 1999PÉREZ AGUIAR, Waldo. El estudio de casos. In: SARABIA, Franciso José et al. Metodología para la investigación en marketing y dirección de empresas. Madri: Pirámide, 1999.). A unidade de análise deste estudo foi a sede da Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (CMPPM) de Florianópolis (SC). A seleção da organização para o estudo de caso foi de forma intencional, não aleatória e de acordo com a observação dos seguintes critérios: (i) ter localização na cidade de Florianópolis (SC), tendo em vista a acessibilidade ao lócus; (ii) ser um órgão público com práticas estratégicas ligadas às políticas públicas de gênero ou para as mulheres; (iii) haver interesse da organização para realização do estudo (intencionalidade).

Para o desenho de pesquisa utilizou-se de três técnicas para coleta de dados: entrevista semiestruturada, observação direta e análise documental (Godoi, Bandeira-de-Mello e Silva, 2006GODOI, Christiane K.; BANDEIRA-DE-MELLO, Rodrigo; SILVA, Anielson B. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006.), propiciando o processo de triangulação de dados para buscar maior confiabilidade na análise dos mesmos (Vergara, 2010VERGARA, Sylvia. Métodos de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2010.).

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com toda a equipe (cinco colaboradoras: uma coordenadora, uma assessora, uma auxiliar administrativa e duas estagiárias) de acordo com um roteiro de questões predefinidas, na segunda quinzena de outubro de 2014.

A observação direta teve inspiração na abordagem etnográfica (Silva, 2009SILVA, Hélio R. S. A situação etnográfica: andar e ver. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 32, p. 171-188, 2009.); foram feitas anotações no diário de campo referentes ao acompanhamento do projeto chamado Diálogo com as Comunidades, durante o mês de novembro de 2014, no qual se procurou observar o modo de execução e o comportamento das responsáveis, por meio da história de vida de cada uma, no dia a dia das atividades realizadas.

Na análise documental foram verificados: Relatório Anual de Gestão 2012; Relatório 2014; I Plano Municipal de Políticas para as Mulheres; Decreto nomeação Dalva Maria Kaiser para Coordenação; documento da Lei no 7.625-08 Coordenadoria da Mulher; documento da Lei no 7.682-08 Criação do Comdim; Compilado de Leis Municipais de Florianópolis dos Direitos para as Mulheres; Decreto no 6.932 - criação projeto atividade; Abaixo-Assinado Comdim; Cronograma e Projeto 16 Dias de Ativismo; Organograma Secretaria da Mulher.

A análise dos dados ocorreu adotando-se a técnica de análise da narrativa (Godoi, Bandeira-de-Mello e Silva, 2006GODOI, Christiane K.; BANDEIRA-DE-MELLO, Rodrigo; SILVA, Anielson B. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006.), a partir da definição de categorias de análise (Kerlinger, 1979KERLINGER, Fred. N. Metodologia da pesquisa em ciências sociais: um tratamento conceitual. São Paulo: EPU; Edusp, 1979.), bem como se utilizou da técnica de pattern matching (Trochim, 1989TROCHIM, William M. K. Outcome pattern matching and program theory. Evolution and Program Planning, v. 12, n. 4, p. 355-366, 1989.), comparando-se o marco teórico com os dados coletados em entrevistas, observação direta e análise dos documentos. As categorias de análise serviram para orientar a pesquisa tanto na fase de coleta quanto de análise dos dados. A partir da definição das categorias, foi possível uma análise detalhada da proposição estabelecida. Para operacionalizar e analisar as categorias, há dois tipos de definições: a constitutiva (DC) e a operacional (DO) (Kerlinger, 1979KERLINGER, Fred. N. Metodologia da pesquisa em ciências sociais: um tratamento conceitual. São Paulo: EPU; Edusp, 1979.).

A definição constitutiva busca palavras por outras palavras, geralmente, definições de dicionário ou conceitos teóricos, e são por si só insuficientes para os propósitos científicos. Dessa forma, adota-se também a definição operacional, pois é possível, por meio dela, testar as proposições a partir da coleta de dados, proporcionando um elo entre os conceitos e as observações in loco (Kerlinger, 1979KERLINGER, Fred. N. Metodologia da pesquisa em ciências sociais: um tratamento conceitual. São Paulo: EPU; Edusp, 1979.). Foram definidas quatro categorias de análise (CA), decorrentes do objetivo proposto e buscando afirmar ou não a proposição teórica:

a)Categoria 1 (CA1): Práticas

DC: são as atividades, rotinas e ações realizadas dentro da organização, no dia a dia (Jarzabkowski, 2005JARZABKOWSKI, Paula. Strategy as practice: an activity-based approach. Londres: Sage, 2005.; Whittington, 2006WHITTINGTON, Richard. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.).

DO: buscou-se identificar essas atividades por meio de perguntas específicas na entrevista semiestruturada e análise de documentos dos projetos/ações realizadas atualmente.

b)Categoria 2 (CA2): Práxis

DC: refere-se à forma como as pessoas (praticantes) realizam as práticas (atividades) (Jarzabkowski, 2005JARZABKOWSKI, Paula. Strategy as practice: an activity-based approach. Londres: Sage, 2005.; Whittington, 2006WHITTINGTON, Richard. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.).

DO: buscou-se analisar a práxis, por meio de perguntas específicas na entrevista semiestruturada, observação direta e análise de documentos.

c)Categoria 3 (CA3): Praticantes

DC: são os sujeitos interagindo dentro de um sistema de base social, executam as atividades e o modo como as executam depende de seus pensamentos e de quem são (Jarzabkowski, Balogun e Seidl, 2007JARZABKOWSKI, Paula; BALOGUN, Julia; SEIDL, David. Strategizing: the challenge of a practice perspective. Human Relation, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007.; Jarzabkowski, 2010JARZABKOWSKI, Paula. Activity-theory approaches to studying strategy as practice. In: GOLSORKHI, Damon et al. (Ed.). Cambridge Handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 127-140.).

DO: buscou-se analisar, por meio de perguntas específicas na entrevista semiestruturada e observação direta, se todas da equipe interagem e participam de atividades, projetos e ações realizadas atualmente.

d)Categoria C4 (CA4): Perspectiva de gênero nas políticas públicas

DC: parte da premissa de que há desigualdade entre gêneros e que se torna necessária a criação de políticas e ações que minimizem esses conflitos e garantam direitos igualitários (Farah, 2004FARAH, Marta F. S. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004.; Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.).

DO: buscou-se, por meio de observação, perguntas específicas na entrevista e conversas informais conhecer mais a vida das entrevistadas, suas motivações, anseios, como se percebem na organização, como percebem as desigualdades e discriminações entre homens e mulheres e se a CMPPM atua sanando esses problemas.

Assim, passa-se à análise conjunta das categorias, articulando-se a descrição das práticas, práxis e praticantes a partir dos dados coletados nas entrevistas, na observação e nos documentos, “dialogando” continuamente com o marco teórico construído.

6. Análise dos resultados

A Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (CMPPM) de Florianópolis (SC) foi criada por intermédio da Lei no 7.625, de 5 de maio de 2008, mas somente implantada no ano de 2009, vinculada à Prefeitura de Florianópolis.

A CMPPM é um órgão articulador, responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas, programas, projetos e ações nas áreas da saúde, segurança, emprego, salário, moradia, educação, agricultura, raça, etnia, comunicação, participação política e outras, buscando incorporar as demandas das mulheres florianopolitanas.

Além das competências estabelecidas em lei, a CMPPM tem suas ações orientadas pelas diretrizes do I Plano Municipal de Políticas para as Mulheres (PMPM) de Florianópolis de 2012, e não atua apenas na defesa das mulheres vítimas de violência, mas também para melhorar a qualidade de vida dessas mulheres do município, possibilitando ações que promovam uma maior autonomia para elas.

Na CA1: práticas, que são as atividades, rotinas e ações realizadas dentro da organização, no dia a dia (Whittington, 2006WHITTINGTON, Richard. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.), identificou-se que as atividades realizadas pela CMPPM estão contempladas em sete: (1) Projeto Diálogo com as Comunidades; (2) Projeto 16 Dias de Ativismo; (3) Ação de Renomeação da Câmara Técnica; (4) Ação de Proposta da Estrutura da Secretaria da Mulher; (5) Ação de Datas Comemorativas; (6) Ação de Articulação e (7) Ação de Gestão. Cada atividade está subdividida em ações (práxis) descritas adiante.

A partir do que foi observado durante a investigação, as práticas da CMPPM no fazer estratégia são pensadas considerando as demandas e as dificuldades levantadas por mulheres de Florianópolis, mas também considerando a capacidade estrutural da Coordenadoria.

Apesar de a perspectiva de gênero nas políticas públicas partir da premissa sobre a existência de desigualdades entre homens e mulheres, e de haver a necessidade de incorporar políticas sociais para redução das desigualdades e, assim, ocorrer maior socialização e diminuição de conflitos entre homens e mulheres (Farah, 2004FARAH, Marta F. S. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004.; Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.), há uma distinção entre políticas públicas de gênero das políticas para as mulheres. As políticas para as mulheres centram-se na visão tradicional do feminino, enquanto as de gênero centram-se na promoção de autonomia e do empoderamento das mulheres (Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.).

A preocupação da CMPPM de Florianópolis está em ações centradas em mulheres e com as demandas que elas possuem; entretanto, incorpora a perspectiva de gênero ao buscar possibilitar ações que promovam maior autonomia para elas. Na perspectiva da Coordenadoria, o Projeto Diálogo com as Comunidades (mais bem explicitado a seguir) abrange a autonomia por potencializar as relações cotidianas, a formação de vínculo, a compreensão do mundo e das relações sociais, incentivando a busca de parcerias, o empreendedorismo e a descoberta das habilidades e forças contidas em cada participante dos módulos oferecidos pelo projeto. É muito importante apoiar o protagonismo e formação das mulheres na sociedade e no mercado de trabalho, tendo como objetivo a promoção da autonomia econômica e social de mulheres, visando o fortalecimento para atuação no meio público.

Na CA2: práxis, que é o modo como essas sete atividades são desenvolvidas (Whittington, 2006WHITTINGTON, Richard. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.). No (1) Projeto Diálogo com as Comunidades inicialmente houve sua elaboração no ano de 2009, definindo-se os temas das palestras de acordo com os eixos 1 e 5 do I Plano Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (I PMPM) de Florianópolis (SC), os quais abordam, respectivamente, autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho, com inclusão social e participação das mulheres nos espaços de poder.

Após elaboração e aprovação do projeto, a CMPPM de Florianópolis solicitou à Prefeitura a abertura de edital de licitação para contratação de palestrantes e também elaborou, entregou e arquivou todos os ofícios referentes a contratação de motorista, compra de materiais para os kits e alimentos para os lanches.

A CMPPM de Florianópolis iniciou em junho de 2014 a articulação e planejamento das turmas em 15 localidades de Florianópolis, principalmente em locais com Centros de Referência de Assistência Social (Cras) (Agronômica, Barra da Lagoa, Ribeirão da Ilha, Rio Vermelho, Carianos, Costeira, Monte Serrat, Pântano do Sul, Presídio Feminino, Associação Mulheres Negras Antonieta de Barros, Centro Multiuso, Biblioteca Barreiros Filho, Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, Fundação Catarinense de Assistência Social e Associação de Moradores do Campeche). Definiram as responsáveis em cada comunidade de realização das palestras para que elas pudessem formar as turmas. Entretanto, a CMPPM também fez a divulgação do projeto e convite de participação para as mulheres das comunidades, por meio das páginas próprias no Facebook e website, por telefone e e-mails. Ao final, formaram-se 15 turmas e cada uma delas com uma responsável do bairro.

As atividades finais de montagem dos kits, criação da lista de presença e arte gráfica para folders e cartazes são importantes para garantir a documentação adequada para a posterior prestação de contas ao final do projeto. Assim, ocorreu o controle da frequência das participantes, além de fotos comprovando a participação e o número de mulheres.

Em virtude de as palestras - sete em cada uma das 15 turmas - ocorrerem com uma média de duas vezes por dia, todos os dias da semana, a equipe da CMPPM se dividiu no acompanhamento das turmas, de acordo com a agenda de cada uma. Na primeira semana do projeto, a coordenadora foi em todos os encontros para apresentar a CMPPM de Florianópolis e explicar melhor os objetivos do projeto.

De acordo com a coordenadora, esse projeto demandou bastante tempo de todas as colaboradoras, pois foram 105 encontros e se fez necessária toda a atenção para garantir seu sucesso:

Esse curso diálogo com as comunidades está nos tomando muito tempo, porque nossa ideia é que o curso seja bem qualificado, a gente podia deixar o palestrante sozinho, mas todo encontro vai alguém da coordenadoria junto acompanhar, pra que as mulheres se sintam bem acolhidas e isso demanda tempo, porque são 105 encontros. {Coordenadora da CMPPM de Florianópolis, 2014}

Foi o projeto de maior duração e teve sua elaboração orientada de forma objetiva por meio dos eixos 1 e 5 do I PMPM de Florianópolis. Ou seja, a coordenadora enxergou a necessidade de as mulheres receberem capacitações para se inserirem mais no mercado de trabalho e nos ambientes sociais, proporcionando assim ações que promovessem maior autonomia para essas mulheres.

O Projeto Diálogo com as Comunidades foi a forma de buscar a promoção de autonomia das mulheres, de modo a profissionalizá-las para o mercado de trabalho. Esse Projeto busca apoiar o protagonismo e a formação das mulheres na sociedade e no mercado de trabalho, tendo como objetivo a promoção da autonomia econômica e social de mulheres, visando o fortalecimento para atuação no meio público.

O (2) Projeto 16 Dias de Ativismo baseia-se numa campanha internacional que visa conscientizar a sociedade em geral sobre a violência contra as mulheres. No município de Florianópolis, a CMPPM é responsável por buscar parcerias com demais instituições governamentais e não governamentais para disseminar a temática.

Essa campanha é antecipada no Brasil, devido à comemoração do Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, como relatou a coordenadora:

16 Dias de Ativismo não é um projeto nosso, estamos na sexta edição no município, ela já vem mundialmente há muito tempo, é 16 dias, que é 25 de novembro a 10 de dezembro, mas no Brasil, em função do dia da Consciência Negra, começa dia 20 de novembro, aqui em Florianópolis nós começamos em 2009 com uma campanha muito tímida. Esse ano, já estamos com uma agenda bem boa de atividades, conseguimos mídias, parcerias. {Coordenadora da CMPPM de Florianópolis, 2014}

O tema da campanha internacional de 2014 foi “pelo fim da violência contra as mulheres”; contudo, a CMPPM de Florianópolis buscou inserir outro tema em conjunto: “conheça e faça valer seus direitos”. Essa inserção ocorreu em comum acordo com todos os participantes das reuniões (Secretarias e instituições não governamentais). Até o mês de novembro de 2014, ocorreram três reuniões, nos meses de julho, agosto e setembro de 2014, nas quais a CMPPM de Florianópolis articulou e entrou em contato por telefone e e-mail para convocar responsáveis para a participação.

As pautas e discussões dessas reuniões foram dedicadas à definição do tema da campanha, das ações e responsáveis, das datas e horários, e dos responsáveis por captação de recursos. Após cada reunião, a CMPPM de Florianópolis elaborou as atas das reuniões, para que todos tivessem ciência do que foi discutido.

Como resultado dessas reuniões, houve a criação de cronograma (planilha) com datas, responsáveis por cada dia e ações a serem realizadas, como palestras, teatros e atividades para sensibilizar sobre a violência contra a mulher.

A CMPPM de Florianópolis elaborou, entregou (para a Prefeitura) e arquivou os ofícios para solicitação de compra de materiais, sendo obrigatório esse procedimento. Posteriormente, a equipe fez ligações para empresas privadas com intuito de obter patrocínio para a campanha. A última atividade realizada foi de criação de folder com o cronograma.

Neste projeto (16 Dias de Ativismo), as estratégias são deliberadas por ser uma campanha internacional com a temática já definida; há também as estratégias emergentes, que ocorrem por meio do diálogo no dia a dia, conforme o interesse e a participação das instituições nas reuniões. Nessas reuniões é possível definir como será a conscientização sobre a violência contra as mulheres em Florianópolis.

A (3) Ação de Renomeação da Câmara Técnica teve o intuito de criar um comitê para monitorar e avaliar o I PMPM de Florianópolis. Para início dessa renomeação, foram necessários a elaboração, a entrega e o arquivamento de ofício de solicitação de membros para comporem essa Câmara, segundo a coordenadora descreveu:

Nós também já viemos trabalhando, chamando os componentes da Câmara Técnica, ainda faltam algumas Secretarias, alguns órgãos indicarem, pra que a gente possa estar novamente nomeando, fazer um decreto de nomeação. {Coordenadora da CMPPM de Florianópolis, 2014}

Este é um processo legal que deve ser seguido por normas do setor público. Dessa forma, por meio de ligações e envio de ofícios às instituições, a CMPPM de Florianópolis articulou para que cada instituição enviasse seu responsável. Após todas as instituições enviarem seus responsáveis, a CMPPM pôde dar continuidade às demais atividades de criação de decreto de nomeação da câmara técnica; organização e agendamento de reuniões dos membros; ata de reunião; articulação com as secretarias sobre responsabilidades de cada uma em cada eixo do Plano.

A (4) Ação de Proposta da estrutura da Secretaria da Mulher teve início por parte da CMPPM de Florianópolis após um projeto de lei proposto por uma vereadora (Beatriz Kauduinski, do PCdoB), e realização de Audiência Pública. Posteriormente, o prefeito de Florianópolis solicitou uma proposta de impacto financeiro à CMPPM. Essa solicitação ocorreu em uma reunião, depois que a coordenadora explicou ao prefeito a impossibilidade de se implantar o I PMPM com a atual estrutura.

Dessa forma, a CMPPM de Florianópolis elaborou o organograma, funções e orçamento. Para esse orçamento, foram solicitados os orçamentos do Centro de Referência de Atendimento a Mulher em Situação de Violência (CREMV) e da Casa de Passagem, para inserção na proposta. A ideia foi integrar todos os serviços prestados para as mulheres em Florianópolis em um único lugar.

Houve o agendamento de reunião com o prefeito para a penúltima semana de novembro de 2014, juntamente com a criação de abaixo-assinado, repasse para instituições e coleta de assinaturas, visando entregá-lo nessa reunião.

A criação dessa Secretaria da Mulher é vista com bastante importância pela equipe, tendo em conta a implantação de políticas e a realização de ações que beneficiem as mulheres no município.

Na (5) Ação de Datas comemorativas, a CMPPM de Florianópolis constantemente verifica o calendário com datas comemorativas, que ao total são quatro: em março o Dia Internacional da Mulher (8), em maio o Dia Internacional de Combate à Homofobia (17), em julho da Mulher Negra (25) e em novembro a Campanha de Enfrentamento Contra a Violência contra as Mulheres (25).

Por já estarem atentas às datas, buscam organizar ou participar de festas, palestras ou shows, de acordo com a assessora:

{...} datas comemorativas a gente também faz alguma coisa na data, ou um evento, ou uma palestra, ou uma festa, show, alguma coisa a gente faz, para não ficar esquecido, é uma maneira de lembrar a população que ainda está bem preconceituosa nessas relações, tanto a mulher quanto LGBT. {Assessora da CMPPM de Florianópolis, 2014}

Geralmente, as instituições responsáveis visitam a sede da CMPPM de Florianópolis ou mantêm contato por telefone para convite aos eventos. A divulgação dessas datas comemorativas ocorreu por meio de publicações nas páginas próprias do Facebook ou website.

A CMPPM de Florianópolis também realiza a (6) Ação de Articulação, seja com órgãos governamentais ou não governamentais. A coordenadora conversa, constantemente, por telefone com membros da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM) e com a Coordenadoria Estadual da Mulher, e participa no colegiado, uma reunião toda segunda-feira com órgãos e coordenadorias do município de Florianópolis. Nessas reuniões todos puderam conhecer mais a CMPPM, seus projetos e ações.

Essa articulação é de responsabilidade da coordenadora que busca coletar informações sobre ações de outras Secretarias/Coordenadorias por meio de ligações e conversas informais, por exemplo, sobre o que a área da Saúde (Secretaria) está fazendo em relação ao I PNPM, se a Secretaria da Educação tem ações efetivas nas questões raciais e homofóbicas, se a lei que trata disso está sendo respeitada. Além de estar cuidando da liberação da viabilidade de construção (terreno) da Casa da Mulher Brasileira, projeto do governo federal e da articulação com o CREMV, ainda não implementado.

A coordenadora é convidada para viagens e participação em oficinas, encontros e fóruns por todo o Brasil e busca, assim, legitimar a CMPPM de Florianópolis. Caso não seja possível sua ida a esses eventos, alguém da equipe a substitui.

As participações em 2014 foram: Encontro Nacional de Vereadoras, Assessoras, Procuradoras e Servidoras de Câmaras Municipais; Seminário Mulheres LBT (Lésbicas, Bissexuais e Transexuais); II Encontro Regional Sul de Políticas Públicas para a População LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais); Encontro Regional Sul, do Fórum Nacional dos Organismos de Políticas para as Mulheres (OPMs); lançamento do programa “Mulher Viver sem Violência em Santa Catarina”; Seminário Internacional sobre Mídia e Violência de Gênero e Oficina de Capacitação no Instrumento de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM); 4a Assembleia Geral Ordinária do Fórum Nacional de Gestoras e Gestores Estaduais e Municipais de Políticas Públicas para População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Fonges LGBT) e do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM).

A equipe da CMPPM de Florianópolis reúne-se toda segunda-feira, para verificar o que foi realizado ou não, em relação aos projetos e ações. Entretanto, após o início do projeto Diálogo com as Comunidades, essa reunião não ocorreu e a verificação se deu no dia a dia. Além dessas reuniões, a equipe troca mensagens no aplicativo de celular Whatsapp, para eventuais decisões, quando nem toda a equipe está presente na sede da CMPPM.

A última atividade da CMPPM de Florianópolis é a (7) Ação de Gestão, que se realiza pelo levantamento de orçamento da Coordenadoria para o ano de 2015 e, em seguida, a elaboração, a entrega e o arquivamento de ofício com o orçamento 2015. Caso a CMPPM não oficialize esse orçamento para o próximo ano, não terá a verba viabilizada para execução dos projetos e ações.

Os ofícios seguem um modelo padrão e devem ser sempre assinados, carimbados pelo setor que recebeu e suas cópias arquivadas na sede da CMPPM de Florianópolis. Ao final de cada ano, se faz necessário elaborar o relatório de gestão, com todos os projetos e ações realizados no ano e detalhes das atividades e dos resultados.

Uma das grandes responsabilidades de gestão da CMPPM de Florianópolis é a prestação de contas à Prefeitura de Florianópolis. Para garantir a confiabilidade, todas as documentações são arquivadas.

Como última atividade da Ação de Gestão, está o acompanhamento das atividades. Tornam-se importantes o acompanhamento e o monitoramento para se verificar se tudo está ocorrendo conforme o planejado.

Ainda, dentro da CA2, a tomada de decisão nos diferentes níveis da organização pode ser identificada em todas as atividades realizadas.

Todas as integrantes da equipe enfatizaram que as decisões são tomadas em conjunto, por consenso e dificilmente são individuais. A coordenadora toma decisões no planejamento, delegação e execução de atividades; já a equipe afirma não caber a elas alguma decisão nessas etapas. A coordenadora acredita que muitas decisões cabem a ela, já que há questões que somente ela poderia resolver:

Tem questões que sou eu que tenho que resolver, questões de carro e logística, que elas não vão saber na hora ligar, poder se colocar da mesma forma ou ser ouvida da mesma forma enquanto eu como coordenadora, então algumas vezes eu realmente tenho que delegar, mas isso a gente faz num processo de conversação muito tranquilo. {Coordenadora da CMPPM de Florianópolis, 2014}

Assim, percebe-se que a tomada de decisão na definição do projeto Diálogo com as Comunidades resulta das estratégias deliberadas (Mintzberg e Waters, 1985MINTZBERG, Henry; WATERS, John S. Of strategies, deliberate and emergent. Strategic Management Journal, v. 6, n. 3, p. 257-272, 1985.), por ser um projeto que segue os dois eixos do I PMPM de Florianópolis de 2012. Entretanto, o I PMPM foi formulado baseado no II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres de 2008, elaborado pela Secretaria Nacional da Mulher (SPM) que assume o papel top-down (Andersen, 2000AndersEn, Thomas J. Strategic planning, autonomous actions and corporate performance. Long Range Planning, v. 33, n. 2, p. 184-200, 2000.).

Já o projeto 16 Dias de Ativismo segue deliberação internacional, top-down por um lado, bem como surgem estratégias que emergem de novas demandas do município (bottom-up), principalmente quando se trata de violência contra as mulheres.

As cinco ações Renomeação da Câmara Técnica, Proposta da estrutura da Secretaria da Mulher, Datas comemorativas, Articulação e Gestão resultam das estratégias emergentes, pois surgem de necessidades do dia a dia para funcionamento da CMPPM de Florianópolis.

A coordenadora assume papel middle-up-down na tomada de decisão por articular e integrar as decisões que vêm tanto de cima para baixo (top-down), por exemplo, as decisões que a Secretaria Nacional da Mulher (SPM) encaminha como alinhamento nacional, quanto de baixo para cima (bottom-up) de acordo com as demandas de mulheres de Florianópolis.

Na CA3: praticantes, que são os sujeitos que interagem num sistema social e executam as atividades (Jarzabkowski, Balogun e Seidl, 2007JARZABKOWSKI, Paula; BALOGUN, Julia; SEIDL, David. Strategizing: the challenge of a practice perspective. Human Relation, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007.; Jarzabkowski, 2010JARZABKOWSKI, Paula. Activity-theory approaches to studying strategy as practice. In: GOLSORKHI, Damon et al. (Ed.). Cambridge Handbook of strategy as practice. Cambridge: Cambridge University Press , 2010. p. 127-140.), são as colaboradoras da CMPPM de Florianópolis, por participarem de todas as atividades. Entretanto, somente a coordenadora realiza a articulação com órgãos governamentais e sociedade civil. Assim, toda a equipe, composta por cinco integrantes, são as praticantes da estratégia.

No quadro 1 apresentam-se as práticas, como são realizadas (práxis) e quem são os praticantes que as realizam.

Na CA4: para analisar a perspectiva de gênero nas políticas públicas da CMPPM de Florianópolis se fez necessário saber mais da história de vida de cada integrante da equipe e buscar perceber seus olhares para questões de gênero, papel da CMPPM, motivações, anseios, paixões pela causa.

Pode-se perceber que, quando questionadas sobre qual interesse inicial para se vincular à instituição, a princípio nenhuma tinha conhecimentos críticos de perspectivas feministas e/ou de relações de gênero. Todas buscavam por um emprego e quando, efetivamente, começaram a participar de eventos relacionados com as questões de gênero e realizarem as atividades da CMPPM, se identificaram com a temática e começaram a buscar mais conhecimento a respeito, ainda que de forma incipiente.

Quadro 1
Práticas, práxis e praticantes

O que remonta à reflexão de que, a partir das relações entre práxis e gênero - tanto no contexto catarinense quanto brasileiro -, isso se delineia como um problema estrutural, pois o envolvimento com a causa só ocorre depois de se conhecer e se envolver com o tema. Remetendo para a importância que teve a Conferência em Beijing (1995), onde a transversalidade de gênero foi reconhecida e levou os governos a não incorporar essa perspectiva unicamente em alguma secretaria de atuação na área das mulheres, mas sim vinculá-la em todas as políticas públicas propostas pelo Estado (Bandeira, 2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.; Natividade, 2009Natividade, Daise R. Empreendedorismo feminino no Brasil: políticas públicas sob análise. Rev. Adm. Pública, v. 43, n. 1, p. 231-256, jan./fev. 2009.; Brasil, 2014BORGES, Marianne V.; LEITE-DA-SILVA, Alfredo R.; JUNQUILHO, Gelson S. Implicações simbólicas no trabalho em grupo: um estudo em um Procon municipal, Revista Gestão & Conexões. Management and Connections Journal, Vitória (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul./dez. 2014.).

A adoção da transversalidade de gênero pelo Estado impulsionou a criação da SPM (em 2003) e, consequentemente, dos PNPM (2004, 2008 e 2013). De acordo com a SPM (Brasil, 2013BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013.), a elaboração do primeiro PNPM foi essencial para possibilitar a disseminação e o repasse de diretrizes para políticas para as mulheres brasileiras, tendo sido incorporada a perspectiva da transversalidade também em todos PNPM posteriores.

De uma forma geral, a práxis só ocorre no cotidiano das organizações. A ação é decorrência das atividades e só vai existir a partir do planejamento dessas atividades. Se o PNPM não estava em grande disseminação em Florianópolis, e as colaboradoras não tinham algum conhecimento ou vínculo com ele - por ser uma Coordenadoria recente -, é natural que não possuíssem conhecimentos críticos das questões de gênero.

É importante ver a participação e o entusiasmo das mulheres nesses espaços porque, segundo Coelho (1999COELHO, Clair C. Gênero e políticas públicas. In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 147-154.), enquanto as mulheres não fizerem parte desses ambientes, as políticas não atenderão seus interesses, permanecerão inalteradas as leis e as desigualdades entre os gêneros.

No marco teórico, pôde se resgatar a luta das mulheres por condições igualitárias aos homens por meio de movimentos feministas que, segundo Gonçalves (2006GONÇALVES, Andréa L. História & gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.), não se limitavam às mobilizações em relação aos feminismos, mas também à falta de inserção das mulheres nas organizações, na minoria presente no espaço público e nos diversos meios de expressão.

Buscou-se também perceber se a CMPPM de Florianópolis tem sido efetiva no assessoramento, na articulação e no acompanhamento de ações, programas e projetos que incorporem políticas públicas de gênero, tentando conseguir reduzir as desigualdades. A partir da análise que fazem as cinco colaboradoras, têm realizado ações de acordo com sua estrutura organizacional, apesar de a considerarem pequena, e também dos recursos financeiros que possuem na Coordenadoria e que consideram escassos. Segundo a estagiária 2:

Eu acho que, dentro da estrutura que a gente tem, a gente está conseguindo fazer o possível, mas eu acho que poderia ser um órgão mais investido para poder levar mais informações para as pessoas. Porque como a gente viu no projeto (Diálogo com as Comunidades) muitas nem conheciam a Coordenadoria da Mulher, e, em minha opinião, é uma das mais importantes de Florianópolis, porque a população feminina é mais da metade, então defendemos os direitos da maior parte da população da cidade. {Estagiária 2 da CMPPM de Florianópolis, 2014}

Durante esse processo, a ampliação do conhecimento sobre questões de gênero e das desigualdades a que as mulheres são sujeitas, as colaboradoras se perceberam ao longo desse processo perdendo preconceitos (como no que se refere a questões relacionadas com as temáticas homossexuais, lésbicas e transexuais), mais abertas para as diferenças de orientação sexual e mais conscientes sobre diferentes realidades que a mídia mainstream muitas vezes esconde (como a grande quantidade de mulheres que sofrem violência doméstica, por exemplo).

Por fim, o ciclo de formulação de políticas públicas passa por sete fases sugeridas por Secchi (2014SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2014.), as quais cinco são contempladas na CMPPM de Florianópolis. A primeira é de (1) identificação do problema, onde o foco foi buscar projetos e ações que estimulassem a autonomia das mulheres de Florianópolis, bem como conscientizassem e apoiassem o fim da violência contra as mulheres; após isto, a fase de (2) formação da agenda, onde a equipe definiu o que seria priorizado, muito por conta da sua estrutura organizacional; a terceira fase de (3) formulação de políticas para sanar as demandas, momento em que foram definidas políticas no I Plano Municipal de Políticas para as Mulheres de Florianópolis; entretanto, nem todos os eixos foram colocados em prática.

A quarta fase é de (4) tomada de decisão, a qual a coordenadora assume papel middle-up-down na tomada de decisão, por articular e integrar as decisões que vêm tanto de cima para baixo (top-down) quanto de baixo para cima (bottom-up). A quinta é de (5) implementação das ações onde ocorre a estratégia-como-prática social (Jarzabkowski, 2005JARZABKOWSKI, Paula. Strategy as practice: an activity-based approach. Londres: Sage, 2005.). A fase de (6) avaliação das políticas públicas não foi identificada na CMPPM. Para isto, houve a Ação da Câmara Técnica, para que se possam avaliar as políticas públicas. Por fim, a fase de (7) extinção também não foi identificada, por estar ainda em início de implementação de políticas públicas e por não realizar a avaliação das mesmas.

7. Considerações finais

A presente pesquisa teve como objetivo analisar como ocorre a estratégia-como-prática social para a construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas adotadas no município de Florianópolis (SC), em sua Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (CMPPM).

Percebeu-se, ao analisar as práticas (atividades), como são realizadas (práxis) e quem as realizam (praticantes), quais ações e políticas públicas de gênero são incorporadas e contribuem na minimização das desigualdades entre homens e mulheres. Dessa forma, a proposição definida pôde ser confirmada, pois as atividades que constituem o strategizing ou a estratégia-como-prática social são resultantes de interações sociais no dia a dia com a sociedade e dentro da própria organização, na articulação entre diferentes representações sociais estratégicas cotidianas (Leite-da-Silva, Carrieri e Junquilho, 2011LEITE-DA-SILVA, Alfredo R.; CARRIERI, Alexandre P.; JUNQUILHO, Gelson S. A estratégia como prática social nas organizações: articulações entre representações sociais, estratégias e táticas cotidianas. Revista de Administração de São Paulo, v. 46, n. 2, p. 122-134, 2011.).

As práticas da CMPPM de Florianópolis enquadram-se em sete atividades: projetos Diálogo com as Comunidades e 16 Dias de Ativismo; as ações de Renomeação da Câmara Técnica, Proposta da Estrutura da Secretaria da Mulher, Datas Comemorativas, Articulação e Gestão. Essas atividades seguem um processo burocrático tendo em vista o setor público; entretanto, não há formalização de quais atividades devam ser realizadas.

Buscou-se também identificar como cada prática é desenvolvida. Dessa forma, notaram-se 26 ações desempenhadas pelas praticantes e, nesse processo, a delegação de atividades é por consenso, cabendo à coordenadora a tomada de decisão final, assumindo o papel de middle-up-down, por articular decisões que vêm de cima para baixo (top-down) e de baixo para cima (bottom-up), de acordo com Andersen (2000AndersEn, Thomas J. Strategic planning, autonomous actions and corporate performance. Long Range Planning, v. 33, n. 2, p. 184-200, 2000.).

Caracterizou-se o praticante que influencia a estratégia-como-prática social e verificou-se que todas as integrantes da equipe, por participarem das ações e projetos, contribuem no fazer a estratégia acontecer. Devido a todas as integrantes da equipe serem mulheres, evidenciou-se a existência de certo engajamento e motivação crescente, o que acaba impactando suas vidas pessoais e outras mulheres da região.

Todas as integrantes eram mulheres brancas, o que pode sinalizar a ainda presente ausência de negras e indígenas na formulação das pautas voltadas para as mulheres florinopolitanas, assim como na efetiva construção de agendas que atendam às demandas dessas mulheres no município. Não foram questionadas identidade de gênero nem tampouco a orientação sexual da equipe, o que nos dificulta analisar se as mulheres lésbicas e as pessoas transexuais também sofrem tal dificuldade na construção de políticas voltadas para elas em Florianópolis. Quanto à perspectiva de gênero nas políticas públicas, constatou-se que elas decorrem da demanda de mulheres do município e que todas as atividades realizadas buscam promover a redução das desigualdades de gênero, como em campanhas de conscientização da violência contra as mulheres (16 Dias de Ativismo) e projetos com intuito de buscar promover maior autonomia para o mercado de trabalho e empoderamento econômico (Diálogo com as Comunidades).

Esta pesquisa contribui para avanços na discussão de atividades, práticas e práxis que compõem o strategizing, sugeridos por Whittington (2014WHITTINGTON, Richard. Making strategy: the hard work of institutional innovation in an open professional field. In: EURAM - EUROPEAN ACADEMY OF MANAGEMENT ANNUAL MEETING, XIV, 2014, Valencia. Annals… p. 1-34.), por permitir estudar a estratégia no dia a dia no setor público e chamar a atenção para as desigualdades entre os gêneros que ainda permeiam nossa sociedade. Ainda, buscou-se resgatar a compreensão do contexto em que as mulheres estão inseridas, os direitos conquistados e garantidos por lei e a disseminação das políticas de gênero na gestão pública no Município de Florianópolis em 2014.

As limitações apontadas estão relacionadas com a impossibilidade de se entrevistar as mulheres atendidas pelas atividades da CMPPM e com a não possibilidade de realização da pesquisa na Coordenadoria Estadual de Santa Catarina, a qual teria contribuído para estudo comparativo.

Como futuras linhas de pesquisa, aponta-se a expansão do estudo para outros órgãos públicos que tenham ações e políticas de gênero, de modo a viabilizar a comparação e perceber similaridades, assim como elementos simbólicos nos quais “o estereótipo negativo do funcionário público” e a ação desses se apresentam “para explicar os limites e a heterogeneidade da participação e interação no trabalho” (Borges, Leite-da-Silva e Junquilho, 2014BORGES, Marianne V.; LEITE-DA-SILVA, Alfredo R.; JUNQUILHO, Gelson S. Implicações simbólicas no trabalho em grupo: um estudo em um Procon municipal, Revista Gestão & Conexões. Management and Connections Journal, Vitória (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul./dez. 2014.). Pode-se, também, focar estudos de estratégia-como-prática social em organizações privadas e buscar-se aprofundar a discussão sobre relações de gênero, verificando se há desigualdades nas práticas e no ambiente organizacional, assim como buscar a comparação entre organizações públicas e privadas.

Entende-se que o estudo da estratégia-como-prática social tem um novo rumo na construção de políticas públicas de gênero. Passando um olhar humanizado de que todas as práticas e a forma com que são realizadas (práxis) pelos praticantes podem impactar a sociedade e minimizar as desigualdades entre gêneros no mercado de trabalho e nos ambientes sociais.

Entende-se que a CMPPM de Florianópolis realiza, de acordo com sua estrutura organizacional, atividades que busquem a promoção de autonomia das mulheres em espaços sociais e profissionais, e os anseios das colaboradoras, que passaram a se identificar com a causa, trazem um olhar e ânimo diferentes. Assim, suas atividades estão impactando diversas mulheres no município de Florianópolis (SC); no entanto, é importante ainda ressaltar que tantas outras mulheres ainda não são impactadas por tais políticas, sendo importante um maior enfoque na busca daquelas que necessitem de ações do Estado para alterarem as ainda presentes relações de desigualdades, violência e exploração que ainda são infligidas tanto por questões de gênero, mas também de raça, classe, orientação sexual, geracional, deficiência física, entre tantas outras. Para caminhar no sentido que propõe Bandeira (2005BANDEIRA, Lourdes. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.), e resultar em políticas de gênero (e, portanto, capazes de modificar as desigualdades existentes), é preciso que os atores que participam das instituições responsáveis pela assessoria, elaboração, planejamento e execução de políticas públicas voltadas para mulheres no município se apropriem cada vez mais da discussão crítica sobre as desigualdades de gênero, raça, classe, geracional, entre outras, ainda presentes na atualidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2015
  • Aceito
    13 Set 2016
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