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Democratização e reforma do Estado: o desenvolvimento institucional dos tribunais de contas no Brasil recente

Democratization and state reform: the institutional development of the courts of accounts in recent Brazil

Resumos

Este artigo analisa as transformações das últimas décadas nos tribunais de contas no Brasil, à luz da discussão da temática do desenvolvimento institucional. Essa perspectiva analítica permite olhar os processos de mudanças nas arenas políticas, no longo prazo, enfatizando não só a resistência dos atores institucionais ou sociais com poder de veto e os mecanismos de path dependence, mas igualmente as conjunturas críticas que permitem levar adiante as transformações, mesmo que de forma incremental. No caso em estudo, a conjuntura crítica da democratização e da Constituição de 1988 trouxe mudanças, mas estas foram neutralizadas pela capacidade de veto da elite dirigente especialmente em alguns tribunais. Por outro lado, a nova conjuntura crítica representada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, alterou a dinâmica política e institucional, permitindo que, até muito recentemente, as mudanças que permaneciam bloqueadas começassem, a partir de então, a ser efetivadas diante da menor capacidade de exercício de tais vetos.

tribunais de contas; reforma do Estado; desenvolvimento institucional; Lei de Responsabilidade Fiscal


This article analyzes the transformations of Brazilian courts of account since the democratization process occurred in the 1980s. The theoretical perspective of institutional development allows us to consider the long-term processes of political change, stressing not only the resistance of institutional and social actors, the situation of path dependence, but also the critical junctures. In this article, the changes brought by the 1988 Constitution in the courts of accounts structure were neutralized by the veto of powerful actors. Only a new critical juncture of the 2000 Fiscal Responsibility Law could alter the political and institutional dynamics and put into practice new changes in these institutions.

Brazilian courts of accounts; state reform; institutional development; incrementalism; Fiscal Responsibility Act


ARTIGOS

Democratização e reforma do Estado: o desenvolvimento institucional dos tribunais de contas no Brasil recente

Democratization and state reform: the institutional development of the courts of accounts in recent Brazil

Maria Rita LoureiroI; Marco Antonio Carvalho TeixeiraII; Tiago Cacique MoraesIII

ISocióloga e professora de administração pública e governo da Fundação Getulio Vargas e da Universidade de São Paulo (FEA/USP). Endereço: Av. Nove de Julho, 2029 - CEP 01313-902, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: mrloureiro@yahoo.com

IICientista político e professor da Fundação Getulio Vargas. Endereço: Av. Nove de Julho, 2029 - CEP 01313-902, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: marco.teixeira@fgv.br

IIIMestre em administração pública e governo pela Fundação Getulio Vargas. Endereço: Av. Nove de Julho, 2029 - CEP 01313-902, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: cassique@gvmail.br

RESUMO

Este artigo analisa as transformações das últimas décadas nos tribunais de contas no Brasil, à luz da discussão da temática do desenvolvimento institucional. Essa perspectiva analítica permite olhar os processos de mudanças nas arenas políticas, no longo prazo, enfatizando não só a resistência dos atores institucionais ou sociais com poder de veto e os mecanismos de path dependence, mas igualmente as conjunturas críticas que permitem levar adiante as transformações, mesmo que de forma incremental. No caso em estudo, a conjuntura crítica da democratização e da Constituição de 1988 trouxe mudanças, mas estas foram neutralizadas pela capacidade de veto da elite dirigente especialmente em alguns tribunais. Por outro lado, a nova conjuntura crítica representada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, alterou a dinâmica política e institucional, permitindo que, até muito recentemente, as mudanças que permaneciam bloqueadas começassem, a partir de então, a ser efetivadas diante da menor capacidade de exercício de tais vetos.

Palavras-chave: tribunais de contas; reforma do Estado; desenvolvimento institucional; Lei de Responsabilidade Fiscal.

ABSTRACT

This article analyzes the transformations of Brazilian courts of account since the democratization process occurred in the 1980s. The theoretical perspective of institutional development allows us to consider the long-term processes of political change, stressing not only the resistance of institutional and social actors, the situation of path dependence, but also the critical junctures. In this article, the changes brought by the 1988 Constitution in the courts of accounts structure were neutralized by the veto of powerful actors. Only a new critical juncture of the 2000 Fiscal Responsibility Law could alter the political and institutional dynamics and put into practice new changes in these institutions.

Key words: Brazilian courts of accounts; state reform; institutional development; incrementalism; Fiscal Responsibility Act.

1. Introdução

No Brasil, como em outros países da América Latina, as reformas do Estado e de suas relações com o mercado, desencadeadas a partir do início dos anos 1990, ocorreram juntamente com a inserção do país na economia global e a democratização das instituições políticas. Assim, o objetivo fiscal de redução dos gastos do governo (para garantir sua credibilidade perante os mercados financeiros) associou-se a promessas de mais eficiência no uso dos recursos públicos e de mais qualidade dos serviços prestados à população, a novas práticas de transparência e maior responsabilização dos governos. Mesmo que tais promessas não tenham, de modo geral, sido cumpridas, a preocupação com o cidadão, com maior controle dos governantes, com padrões mais democráticos de gestão pública, foi gradativamente incorporada na cultura política do país. Embora tímida e hesitante, a dimensão democratizante das reformas de Estado não é apenas retórica. Ela apresenta conteúdos mais ou menos efetivos e diferentes roupagens que abrangem desde a introdução de novas tecnologias que permitem maior divulgação dos atos dos governos até a criação de novos mecanismos de responsabilização política para além dos momentos eleitorais, durante os mandatos, e inclusive sob a forma de controles sociais.1 1 A respeito das diversas etapas do processo de reformas do Estado e a problemática de criação de novos mecanismos institucionais de responsabilização (ou accountability) dos governantes no quadro das reformas de Estado, ver Abrucio e Loureiro (2006). Sobre controles sociais, ver Cunill Grau (1997).

É a partir do prisma da problemática de reforma de Estado, em contexto da construção de novas instituições democráticas, que se insere a presente análise das transformações ocorridas nos tribunais de contas no Brasil, a partir da Constituição de 1988. Com base na temática teórica de desenvolvimento institucional, procuramos discutir o que esse processo particular pode nos ensinar sobre a dinâmica mais geral que pauta o desenvolvimento das instituições políticas.

O conceito de desenvolvimento institucional, segundo Paul Pierson (2004), é mais amplo e tem especificidades em relação ao conceito de mudança institucional. Também se diferencia de escolha institucional. A mudança pode envolver alteração abrupta ou intempestiva. A escolha institucional, por sua vez, implica deliberação intencional e se origina, sobretudo, de uma concepção funcionalista que supõe serem as instituições resultados das escolhas estratégicas de atores racionais. Em contraponto à mudança ou à escolha institucional, a noção de desenvolvimento permite dar conta de transformações que ultrapassam as ações individuais e apresentam uma temporalidade de mais longo prazo. Leva em conta a sequência dos processos e as variações no ritmo das transformações, mais ou menos lentas e graduais.

O conceito de desenvolvimento institucional considera também que as transformações graduais das instituições são frequentemente marcadas por situações de path dependence, isto é, por processos históricos que se caracterizam por trajetórias ou caminhos que, uma vez tomados, são de difícil reversão. Assim, o processo de path dependence tem como traço crucial os chamados retornos positivos crescentes. Pensados inicialmente para a área tecnológica e para a economia, os retornos positivos são particularmente intensos na esfera da política, dadas as relações de autoridade, de coerção, as assimetrias de poder, o horizonte temporal de mais curto prazo dos atores políticos e suas fortes inclinações para o status quo. Além disso, os mecanismos de correção das trajetórias problemáticas - como a competição e a aprendizagem, mais comuns na economia - operam em menor intensidade na esfera política, reforçando aí a permanência em caminhos já trilhados (Pierson, 2004:31-41).

Mesmo que a análise do desenvolvimento de instituições políticas exija que se leve em conta o processo de path dependence, é necessário olhar também para os momentos ou conjunturas críticas que produzem mudanças significativas ou pontos de inflexão da trajetória anterior. As conjunturas são críticas porque colocam os arranjos institucionais em novo patamar ou novas trajetórias. Discutindo a relação entre conjunturas críticas e path dependence, Pierson lembra que a literatura considera que os momentos críticos em que aparecem oportunidades para grandes reformas institucionais são seguidos de longa estabilidade das instituições, ou seja, a mudança institucional é pensada em termos de profundo equilíbrio.

Do nosso ponto de vista, o período entre duas conjunturas críticas não se caracteriza necessariamente por estabilidade. Ao contrário, frequentemente, ele se caracteriza por mudanças graduais, às vezes pouco perceptíveis, que lentamente se acumulam até que fatores exógenos (ao quadro institucional considerado) desencadeiem novos momentos críticos. O estudo que realizamos sobre os tribunais de contas no Brasil mostra que, se as conjunturas críticas são produzidas predominantemente por fatores exógenos, as mudanças incrementais que se seguem a elas ocorrem por variáveis endógenas.

Com relação aos mecanismos específicos através dos quais se processa o desenvolvimento institucional, a literatura identifica três tipos. O primeiro se dá pela superposição de novas a velhas estruturas (layering), havendo a possibilidade, no longo prazo, de tais estruturas paralelas se transformarem em arranjos bem-sucedidos ao status quo institucional. Pode-se lembrar que essa é uma situação bastante conhecida na burocracia brasileira, caracterizada pela criação de novos órgãos ao lado de antigos, com funções, às vezes, superpostas ou mesmo conflitantes, como forma de contornar as resistências de atores cujos interesses foram prejudicados pela inovação. São exemplos bem conhecidos as administrações paralelas do segundo governo Getúlio Vargas e do governo Juscelino Kubitschek, nos anos de 1950.

O segundo tipo de desenvolvimento institucional ocorre por conversão funcional. Nesse processo, as instituições existentes são redirecionadas, com mudanças nas funções que exerciam e/ou nos papéis que os atores nelas desempenhavam. Em outras palavras, mudanças consideráveis no funcionamento de uma instituição são processadas, mesmo havendo uma continuidade formal de suas regras. Tanto os mecanismos de superposição quanto os de conversão funcional supõem que mesmo havendo pressões externas para se adaptar, há igualmente dificuldades para mudanças completas das estruturas. A superposição implica a negociação parcial de alguns componentes institucionais por parte das coalizões reformistas, enquanto outros permanecem intactos.

O terceiro tipo de desenvolvimento institucional ocorre por difusão, quando certas instituições são copiadas ou transportadas, parcial ou integralmente, para outros ambientes ou espaços societários. Esse tipo de desenvolvimento costuma ser também chamado de isomorfismo ou convergência institucional e se dá, em geral, porque os atores que copiam dependem de recursos financeiros dos que estão sendo copiados ou ainda porque buscam se legitimar com esse processo de adoção. Nessa situação novas instituições são criadas ou completamente substituídas (Pierson, 2004).

Por outro lado, o mais completo entendimento do processo de desenvolvimento institucional requer igualmente a análise dos fatores de resistência à mudança e de resiliência, ou seja, a capacidade que as instituições têm de recuperar rapidamente sua forma original quando cessam as pressões por mudança. De modo geral, podem ser indicados dois grandes obstáculos à mudança institucional. O primeiro reside na capacidade de veto de atores que se sentem ameaçados pela mudança. O segundo refere-se à incapacidade das forças de mudança para se consolidarem e vencerem a estrutura de vetos, criando um clima de desequilíbrio ou desajuste da ordem institucional ainda vigente ou de falta de coordenação. O conflito entre fatores de mudança e a estrutura de vetos decorre daquilo que a literatura chama de especificidade de ativos institucionais e de seus retornos positivos. Ou seja, a adaptação dos indivíduos ou organizações aos arranjos existentes permite-lhes o usufruto dos "rendimentos" aí produzidos por seus diferentes investimentos (em pessoas, em conhecimento técnico, em determinadas práticas etc.) e torna o novo arranjo pouco atrativo. Assim, quanto mais antiga for uma ordem institucional mais resistente ela será e mais incrementais serão as mudanças aí ocorridas. Vamos observar como esses processos se deram nos tribunais de contas no Brasil.

Comparando este artigo com outros realizados nos últimos anos sobre os tribunais brasileiros, diferenças de abordagens se destacam. Do ponto de vista disciplinar, parcela significativa da bibliografia relativa aos tribunais de contas se concentra na área do direito. Os estudos jurídicos discutem a especificidade desses órgãos, dentro do sistema de controle da administração pública e os impactos de determinadas legislações sobre as atividades do órgão (Citadini, 1994; Figueiredo, 1991; Souza, 1998; Jacoby Fernandes, 2002), ou de seu status constitucional no Brasil comparado a outros países (Gualazi, 1992; Medauar, 1993). Na área da administração pública, de modo geral, os trabalhos analisam a organização interna e o modelo de gestão desses órgãos e se eles garantem a eficácia e a eficiência dos gastos do governo (Oliveira, 1994; Mansour, 2001; Moreira e Vieira, 2003). As pesquisas efetuadas na ciência política, por sua vez, examinam o papel desempenhado pelos tribunais nas relações entre Executivo e Legislativo, enfatizando questões relativas à governabilidade do sistema político (Speck, 2000; Speck e Nagel, 2002; Martins, 1994; Pessanha, 1997). Também discutem o processo decisório nesses órgãos e o difícil equilíbrio entre o trabalho técnico e o perfil político de seus dirigentes (Teixeira, 2004; Azevedo e Reis; 1994).

De modo geral, os trabalhos são constituídos predominantemente de estudos de caso ou de análises das mudanças formais por que passaram os tribunais brasileiros desde a Constituição de 1891. Há poucos com pretensões explicativas mais abrangentes. Entre eles cabe destaque para o de Figueiredo, Melo e Pereira (2005) que procura identificar os fatores políticos determinantes do desempenho desses órgãos de controle externo. Assim, em perspectiva temporal sincrônica, indicam que a capacidade de fiscalizar irregularidades ou práticas de corrupção de seus jurisdicionados tem alta associação com o grau de competição eleitoral existente em cada estado.

Diferentemente de tais estudos, nosso propósito é entender a lógica do processo de transformação experimentado pelos tribunais de contas no Brasil, ao longo das últimas duas décadas. A pergunta geral que nos orienta é a seguinte: o que essas transformações nos ensinam sobre a dinâmica de desenvolvimento institucional? Assim, procuraremos identificar suas características, seus fatores determinantes, seus momentos ou conjunturas críticas, como se desenrolaram seus processos de path dependence e como a dinâmica entre as forças de resistência e as que impulsionam as inovações pôde gerar ritmos mais ou menos lentos de mudanças. Em outras palavras, analisamos não só as conjunturas que desencadearam mudanças de rumo, mas igualmente a intensidade e o ritmo dessas mudanças e como elas acabaram gerando situações irreversíveis.

Do ponto de vista metodológico, trabalhar com o conceito de desenvolvimento institucional exige que se olhe não apenas para um determinado momento, mas para processos ou sequências que se desenrolam em mais longo prazo. Por essa razão, este estudo toma como referência dois momentos críticos para a análise do desenvolvimento institucional dos tribunais de contas (daqui para frente TCs): a Constituição Federal de 1988 (daqui para frente CF/88) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (daqui para frente LRF), promulgada em maio de 2000. Entre esses dois momentos críticos ocorreu um processo lento e gradual de mudanças que se acumularam e se autorreforçaram, configurando situação de path dependence, ou seja, de trajetórias de difícil reversão. A LRF fundamentalmente não criou novas práticas mas, sobretudo, reforçou processos que já haviam surgido com a CF/88 e se encontravam em gestação, de forma desigual, entre os diversos TCs no país.

Ainda do ponto de vista metodológico, cabe enfatizar outro aspecto importante. Embora tenhamos levantado dados quantitativos sobre os 33 TCs subnacionais (e, em alguns momentos, também incluindo o Tribunal de Contas da União - TCU), os quais nos permitiram oferecer um panorama geral das principais inovações técnicas e institucionais aí ocorridas nos últimos anos, nossa análise se baseia, 2 2 Além dos 27 TCs estaduais, há o TCU, que analisa as contas do governo federal, dois de município (São Paulo e Rio de Janeiro) e quatro municipais que examinam as contas de todos os municípios de seus respectivos estados. São eles: o TCM de Goiás, criado em 1989; o TCM da Bahia, criado em 1991; o TCM do Ceará, em 1992; e o TCM do Pará, em 1994. Nesses estados coexistem assim dois TCs, um que avalia as contas do estado e outro que avalia as contas das prefeituras. Consideramos que a metodologia qualitativa é a que melhor se presta para a análise de processos temporais de mais longo prazo.3 3 O método qualitativo tem sido considerado abordagem metodológica valiosa para a especificação de variáveis intervenientes em processos complexos, para o desenvolvimento de novos conceitos, hipóteses e teorias e, especialmente, para a análise dos mecanismos, cadeias e processos causais presentes em processos históricos de longo prazo (Mahoney, 2007). O material empírico que serviu de base para a análise foi coletado em documentos oficiais (Constituição Federal, as constituições estaduais, leis orgânicas municipais, leis orgânicas dos TCs etc.); incluímos também dados levantados nos sites da internet de todos os TCs do país, e em entrevistas realizadas com oito conselheiros e 11 técnicos nos TCs de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Goiás. E, por fim, foram coletadas informações históricas relativas às trajetórias de carreiras de consselheiros dos tribunais de São Paulo (estadual e municipal), de Minas Gerais (estadual), de Santa Catarina (estadual) e da Bahia (dos municípios).4 4 A escolha destes tribunais foi feita por razões de ordem prática, considerando não só a existência de dados disponíveis, mas também fatores que facilitaram o deslocamento dos pesquisadores.

O texto que se segue está assim organizado. Na seção 2, retomamos, ainda que rapidamente, o desenvolvimento institucional dos TCs no Brasil, desde sua criação no início da era republicana, com ênfase, porém, no período que se inicia com a Constituição de 1988, tomada como conjuntura crítica desencadeadora de uma nova trajetória institucional. Na seção 3, prosseguimos a análise deste processo de desenvolvimento a partir de novo ponto de inflexão, representado pela LRF. Entre as duas conjunturas críticas, procuramos mostrar que estas instituições não permaneceram estáveis, mas em lento e gradual processo de transformação. Nas considerações finais, sistematizamos nossa análise, não só respondendo à pergunta, mas também levantando algumas hipóteses para futuras investigações sobre o tema.

2. Conjunturas críticas e incrementalismo no desenvolvimento institucional dos tribunais de contas no Brasil

Os percalços institucionais ao longo dos regimes políticos

As instituições superiores de controle das contas do Executivo começam a surgir no momento em que o aparato administrativo do Estado moderno se torna mais complexo e se profissionaliza para responder à diversificação das demandas decorrentes das transformações socioeconômicas e da modernização dos regimes políticos (Citadini, 1994; Martins, 1994; Pessanha, 1997; O'Donnell, 1998; Speck, 2000).

No Brasil, os TCs surgem na transição da Monarquia para a República, período em que as instituições estatais se ampliam e se reformulam para se adequarem ao novo regime político. Procurando oferecer uma visão geral das principais transformações sofridas por esses órgãos ao longo de nossa histórica republicana desde 1891 a 1967 (última constituição anterior à atual que será objeto de análise mais detalhada), construímos o quadro a seguir, destacando as mudanças nas atribuições, na forma de recrutamento dos seus dirigentes e nas garantias por eles usufruídas. Como era de se esperar, tais mudanças exprimem as oscilações do regime político e a vulnerabilidade desses órgãos à interferência do Executivo nos períodos autoritários das constituições de 1937 (Estado Novo) e de 1967 (regime militar). Com relação à forma de recrutamento dos dirigentes, observa-se que o Estado Novo retirou do Legislativo a prerrogativa de confirmar a indicação dos membros da alta corte dos TCs e a transferiu para o Conselho Federal, órgão auxiliar do Executivo.

Cabe destaque para uma dimensão que permaneceu estável ao longo de todo esse período, a despeito das mudanças de regime político: trata-se da garantia de permanência ou inamovibilidade de seus dirigentes. Tida como condição para a autonomia do TC, tal garantia sobreviveu, ainda que formalmente, inclusive, nos períodos autoritários.

Considerando avanços do ponto de vista republicano, pode ser destacada a exigência de pré-requisitos para se tornar membro da corte dos TCs. Até 1937, não aparecia qualquer tipo de exigência básica a esse respeito. Após 1946 foi instituída a necessidade de idade mínima e pleno gozo dos direitos políticos. A exigência de conhecimentos específicos só surgiu em 1967, quando se insere, mesmo que de maneira genérica, a necessidade de o candidato possuir notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros e de administração pública. Vejamos as mudanças trazidas pela Constituição democrática de 1988.

As mudanças nos tribunais de contas após a Constituição Federal de 1988

A Constituição de 1988 é um momento crítico no desenvolvimento dos TCs no Brasil, já que coloca esses órgãos em nova trajetória institucional, a da ordem democrática. Ela cria novas regras formais e gera práticas que, mesmo de forma lenta e gradual, têm altos custos políticos de reversibilidade. Entre elas, destacam-se a ampliação das funções dos TCs, abrangendo também o controle de desempenho; a indicação da maioria de seus dirigentes pelo Poder Legislativo e a atribuição à população de poder de denúncia de irregularidades. É o que examinaremos com mais detalhes.

Resultante de intensas disputas entre as forças políticas mais expressivas no país naquele momento, a CF/88 redefiniu as instituições do Estado, ajustando-as à nova conjuntura democrática. No caso dos TCs, foram objetos de debate, e muita controvérsia no processo constituinte sua forma de organização interna, suas atribuições, o critério de seleção dos membros do seu corpo dirigente, bem como as garantias a eles oferecidas. Com relação à forma de organização, alguns grupos defenderam a adoção de modelo de controladoria semelhante ao dos EUA, em que um controlador-geral detentor de mandato fixo, escolhido pelo Executivo com aprovação do Legislativo, dirige o órgão e chama para si a responsabilidade sobre as suas atividades. Todavia, dando continuidade à experiência já em curso no país desde a proclamação da República, prevaleceu a estrutura de direção colegiada e autônoma em relação aos demais poderes, com a atribuição de órgão auxiliar do Legislativo no controle financeiro da administração pública. A redução das atividades e da ingerência do Executivo sobre o órgão, predominante no período anterior, talvez tenha contribuído para a escolha de um caminho no qual fosse amenizado o poder de pressão do governo. Na verdade, o Executivo não tinha forças para resistir às mudanças no novo contexto político de redemocratização em que o Legislativo recuperava seu poder.

No que tange às atribuições dos TCs, destacam-se a definição e a ampliação de suas competências exclusivas como os maiores ganhos para estes órgãos dentro da estrutura de poder. Além da prerrogativa de elaborar parecer técnico sobre a tomada de contas do Executivo, eles também assumiram a função de realizar auditorias de desempenho das políticas públicas, superando assim a atividade de cunho estritamente legalista, que sempre os caracterizou (ver quadro). Isso significa verificar não apenas se o gasto foi realizado segundo as normas legais, mas também se ele produziu o resultado esperado. Inclui-se, ainda, no rol das atribuições, a apreciação da legalidade dos contratos, da admissão de pessoal, concessão de aposentadorias, reformas e pensões, além de se manifestar acerca da legalidade das licitações em caráter prévio, evitando, assim, benefícios a determinados grupos econômicos.5 5 Como exemplo, pode ser citado o veto do TCM-SP a uma licitação pública da gestão do prefeito Paulo Maluf, que visava abrir concorrência pública para a construção com recursos do orçamento municipal de um Colégio Militar e um conjunto de apartamentos para oficiais do Exército. O projeto de lei tinha sido aprovado pela Câmara Municipal, mas a licitação pública acabou sendo inviabilizada pelo TC por considerá-la ilegal. O veto do TCM foi atribuído a pressões da opinião pública em razão do destaque que a imprensa deu ao caso (Teixeira, 2004). Uma única atribuição ainda não foi transferida para os TCs, embora seja considerada, hoje, fundamental para completar a eficácia de sua atuação: o poder para cobrar as multas que eles aplicam aos tomadores de despesas. Atualmente, as penalidades são transformadas em cobrança do Executivo, o que dificulta seu recebimento, dada a pouca agilidade na sua execução.

Outra mudança importante introduzida na conjuntura crítica que permeou a elaboração da CF/88 refere-se à forma de recrutamento do corpo dirigente. Na Constituinte, os grupos se dividiram entre a seleção por concurso público e a indicação exclusiva pelo Executivo com a confirmação do Legislativo, isto é, da forma tradicional. Porém, chegou-se a uma solução intermediária. Nela, o Executivo perdeu o monopólio da indicação dos membros dirigentes (ministros no caso do TCU, e conselheiros nos demais tribunais), passando a indicar apenas 1/3 deles, enquanto o Legislativo ficou responsável pela indicação dos outros 2/3, mantendo-se a aprovação de todos pelos parlamentares. Manteve-se, também, a vitaliciedade e as mesmas garantias oferecidas ao alto escalão do Poder Judiciário.

Além de ver reduzido seu poder de indicação, o Executivo acabou limitado a uma ou duas indicações de livre escolha. Isso porque o texto final da CF/88 prevê que para cada três membros indicados pelo Executivo, dois devem ser selecionados entre os auditores de carreira dos próprios TCs e de representantes do Ministério Público de Contas (daqui para frente MPC).

Todavia, a CF/88, no art. 75 acabou prevendo que "as normas estabelecidas nesta Seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização" dos demais TCs. Essa expressão abriu a brecha para que os estados, na elaboração de suas constituições, assimilassem ou não as mudanças, conforme o embate de forças políticas progressistas e conservadoras aí prevalecentes.

Assim, a organização dos TCs subnacionais pós-1988 se desenvolveu de maneira heterogênea, em função de a capacidade ou não das forças com poder de veto reagirem a mudanças que, porventura, lhes fossem prejudiciais. No caso, por exemplo, de São Paulo, conforme relato de entrevista, os deputados estaduais, em concordância com o governador no período (Orestes Quércia) decidiram manter a influência deste na indicação dos conselheiros do TCE-SP, não incluindo na Constituição estadual as mudanças da CF/88. Ou seja, não se interpretou que o Executivo fosse obrigado a recrutar conselheiros entre auditores e representantes do MP. Tal situação só começou a ser revertida por fatores exógenos, através de ação direta de inconstitucionalidade (ADin), impetrada pela Procuradoria Geral da República.6 6 A Constituição paulista foi obrigada a recepcionar esse requisito por meio da ADin nº 397-6 de 3 de agosto de 2005, impetrada pela Procuradoria Geral da República. Até então todos os conselheiros do TCE-SP e do TCM eram escolhidos pelo Executivo ou Legislativo sem considerar as exigências da CF/88. Em entrevista, um conselheiro do TCE-SP afirmou que a expressão "no que couber" da CF/88 foi interpretada como não obrigatoriedade. Com a ADin, o TCE paulista teve que se submeter e aguarda a aprovação de projeto de lei criando o MPC que está tramitando na Assembleia Legislativa. Com relação aos auditores substitutos, só em 2007 o TCE-SP organizou seu primeiro concurso público de acesso ao cargo, portanto, com enorme atraso em relação aos demais.

Na verdade, a brecha contida na expressão "no que couber", produziu três possibilidades de interpretação da CF/88 quanto à indicação dos conselheiros pelo Executivo. Na primeira, não há livre-provimento por parte do governador, como no art. 75 da Constituição do Paraná, que determina obrigatoriamente que os dois conselheiros indicados pelo Executivo sejam selecionados de forma alternada, entre uma lista tríplice de auditores de carreira e membros do MPC, elaborada previamente pelo próprio TC. Na segunda, o governador tem poder relativo, podendo indicar livremente apenas um conselheiro, como ocorre na maioria dos TCs. As outras duas indicações devem ser feitas alternadamente entre auditores de carreira dos tribunais e membros do MPC. A terceira ocorre nos estados em que o governador foi capaz de manter o poder de indicar livremente a cota de 1/3 das vagas até que as ADins impusessem as alterações estabelecidas pela CF/88. Isso ocorreu no TCE-AC, TCE-SP, TCM-SP e TCM-RJ. O caso mais extremado é o do TCE de São Paulo, em que o Executivo exercia, de fato, o poder de influenciar até as vagas do Legislativo.7 7 Tal situação foi evidenciada quando os governadores Orestes Quércia (1987-1990), Fleury Filho (1991-1994) e Mário Covas (1995-2001) aprovaram ex-secretários de seus governos para praticamente todas as vagas surgidas no Conselho do TCE-SP após 1988. Dos atuais conselheiros do TCE-SP, quatro foram secretários do governo Fleury; dois foram indicados por Quércia; e um era secretário do governo Covas. Destes, apenas um estava no mandato de deputado estadual quando foi indicado para o cargo de conselheiro (Azevedo e Reis, 1994).

Tentando sistematizar as diferenças na distribuição de poder entre Executivo e Legislativo com relação à indicação dos dirigentes dos TCs brasileiros, pode-se indicar o seguinte quadro: em 31 tribunais de contas (27 estaduais e quatro municipais), das sete vagas existentes, o Legislativo provê 2/3 e o Executivo apenas 1/3.8 8 O TC do município de São Paulo é integrado por cinco conselheiros. Do mesmo modo como ocorrem com as vagas do TCU, as escolhas no TCM de São Paulo são feitas em igual proporção entre Executivo e Legislativo. As variações ocorrem nas formas de escolha do Executivo, com mais ou menos autonomia. Em três estados (Paraná, Rio Grande do Sul e Sergipe), o Executivo não possui vaga de livre-provimento, ou seja, não tem nenhuma autonomia de escolha. Em outros três tribunais (TCE-AC, TCE-RJ e TCM-RJ), o Executivo possui duas vagas de livre-provimento, isto é, não é obrigado a nomear necessariamente entre as carreiras de auditores e representantes do MP. No meio dessas duas situações extremadas de ampla e nenhuma autonomia situa-se a grande maioria dos TCs (27), na qual a escolha do Executivo deve ser distribuída entre uma vaga de livre-provimento, uma dentro da carreira de auditor e outra entre os representantes do MP. O caso do TCE-SP, como já mencionado, passou de completa autonomia para autonomia relativa, que predomina para os 27 outros.

No que se refere aos requisitos para se tornar membro do corpo dirigente dos TCs, a CF/88 também proporcionou mudanças. Foi mantida a idade mínima de 35 e máxima de 65 anos. Isso reduziu práticas clientelistas comuns, anteriormente, de nomeação de correligionários políticos com idade próxima dos 70 anos, beneficiando-os, logo a seguir, com aposentadoria integral. Adicionou-se ainda a exigência de pelo menos 10 anos de exercício em atividade profissional em áreas que permitam ao candidato adquirir conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros ou da administração pública. No caso, a exigência é de conhecimentos e não de formação. A abrangência de escolha do indicado para o corpo dirigente dos TCs, possibilitada pela não fixação de atividade profissional específica ou a não exigência de qualificação no ensino superior, explica porque entre os cinco membros do corpo dirigente do TCM-SP, por exemplo, estejam um técnico agrícola, ex-vereador, e um securitário, também ex-vereador, sem formação superior, quando nomeado.9 9 Para que seus nomes fossem aprovados, as atividades políticas foram interpretadas como suficientes para gerar os conhecimentos exigidos para o exercício do cargo de conselheiro do TCM de São Paulo (Teixeira, 2004).

Em suma, pode-se afirmar que as mudanças trazidas pela CF/88, refletindo os novos ventos democráticos que sopravam no país, permitiram maior equilíbrio de poder entre Executivo e Legislativo na indicação dos dirigentes dos TCs, bem como a redução (mesmo que bem modesta) de práticas clientelistas e predatórias dos recursos públicos como a nomeação de pessoas que permaneciam apenas poucos meses no cargo e se aposentavam, em seguida, com salários integrais. Todavia, as modificações trazidas pela CF/88 não contemplaram preocupações com o desempenho desses órgãos e tampouco foram completamente implementadas, dada a dinâmica entre as forças de resistência e as que pressionavam pela inovação institucional dos TCs. Veremos que isso começa a mudar com a LRF.

A LRF e a modernização dos TCs

A LRF foi proposta em contexto de constrangimentos externos, marcado pelas crises financeiras de 1997 e 1998 que tiveram repercussões consideráveis no Brasil e obrigaram o país a pedir socorro financeiro ao FMI e a desvalorizar o câmbio em janeiro de 1999. Além da mudança na política cambial e monetária (com a adoção do câmbio flutuante e do regime de metas inflacionárias), o governo se viu obrigado a efetivar programa rigoroso de ajuste fiscal, gerando desde então superávits primários necessários à garantia de solvência para seus credores internos e externos com a redução sistemática da relação entre dívida pública e PIB. É este quadro de crise financeira que permite explicar a tramitação relativamente rápida da lei que foi aprovada, em maio de 2000, por 385 votos a favor, 86 contra, quatro abstenções (Asazu, 2003; Loureiro e Abrucio, 2004).

O projeto que depois se transformou em LRF não continha referência aos TCs. A ideia de lhes atribuir a função de fiscalizar a lei só começou a surgir durante as audiências públicas no Congresso. A despeito do clima inicial de desconfiança com relação à capacidade dos TCs, a reversão dessa atitude ocorreu após os debates e a argumentação do Instituto Rui Barbosa (órgão ligado à corporação dos conselheiros dos TCs), que procurou convencer os congressistas de que os TCs eram os únicos órgãos com capilaridade necessária para a implementação das exigências legais.10 10 Informações de entrevista com o conselheiro Salomão Ribas, de Santa Catarina, na época presidente do IRB. Por sua vez, a desconfiança com relação à capacidade dos TCs em assumir funções fiscalizadoras está relacionada, em parte, à imagem negativa desses órgãos perante a opinião pública, e outros órgãos estatais que os considera ineficientes e parciais em suas decisões e mesmo sujeitos a práticas de corrupção (Speck, 2001; Abrucio, Arantes e Teixeira, 2005). Assim, a decisão final representou outro marco importante na história institucional dos TCs no Brasil. Se a Constituição de 1988 já havia produzido mudanças significativas e pode ser vista como um ponto de inflexão em seu desenvolvimento institucional, a LRF reforçou o processo. Ela valorizou a função fiscalizatória dos TCs, dando-lhes a atribuição de ser o guardião da lei.

A implementação da LRF exigiu que se iniciasse a modernização tecnológica e reestruturação interna dos TCs. À medida que eles se tornavam peças fundamentais para o sucesso da lei, o governo federal envolveu-se de forma particular com o processo de sua reestruturação. O Ministério do Planejamento, Organização e Gestão (MPOG), através de sua Secretaria de Gestão, encomendou estudos que diagnosticaram a necessidade de se criar sistemas informatizados para recebimento de informações por parte dos estados e municípios, de padronizar procedimentos e conceitos e ainda de capacitar e treinar funcionários para lidar com as novas e ampliadas atribuições dos TCs.11 11 Além do diagnóstico realizado também em 2001 pela Fundação do Instituto de Administração (FIA-USP) (Mazzon e Nogueira, 2002), foi encomendada pesquisa à FGV em 2003 sobre a imagem dos TCs junto à sociedade e a outros órgãos estatais (Abrucio, Arantes e Teixeira, 2005). Com relação às funções dos TCs, a ampliação das suas atividades após a CF/88 também se deve ao fato de que eles passaram a fiscalizar mais entes federativos, pois os municípios aumentaram de 4.491 para 5.561 entre 1991 e em 2001.

Para coordenar esse amplo processo de inovações técnicas e organizacionais, criou-se em 2001 o Programa de Modernização do Controle Externo (Promoex), com o apoio financeiro do BID. O programa encontra-se em funcionamento desde 2006, sob a coordenação do MPOG e incluem em sua gestão funcionários da maioria dos TCs e de suas instituições de apoio estratégico e técnico, como o Instituto Rui Barbosa (IRB) e a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). O programa se insere no contexto maior de modernização da administração pública iniciado no governo FHC e do qual também fazem parte o Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados e do Distrito Federal (Pnage) e o Pnafe, voltado para a modernização das secretarias da Fazenda dos estados e municípios. O Promoex tem gerado impactos nos TCs, não só por reforçar sua modernização tecnológica, mas também por alterar suas relações de poder internas (entre conselheiros e corpo técnico). Os técnicos dos TCs, especialmente os auditores, estão gradativamente aumentando seu peso nos processos decisórios à medida que lideram o desenvolvimento do programa dentro dos tribunais e são os elos de ligação com o MPOG e os organismos internacionais. Isso lhes traz visibilidade externa e lhes permite desenvolver ações conjuntas e articuladas em nível nacional e mesmo internacional.12 12 Como exemplo, pode-se citar o caso do auditor substituto do TCE-PE que, por efeito do seu trabalho junto à coordenação do Promoex, acabou convidado para uma missão internacional financiada pelo BID para montagem do órgão de controle em Moçambique, que tem adotado o modelo brasileiro de TCs.

Fazendo um balanço das inovações apresentadas pelos TCs, a partir da CF/88, destacamos as que visam ampliar a transparência das contas governamentais e estimular a participação da sociedade civil em sua fiscalização, tais como os sistemas informatizados de controle das contas públicas, as ouvidorias e as escolas de contas (Figueiredo, Melo e Pereira, 2005). Os dados coletados nos portais eletrônicos dos respectivos tribunais permitem verificar a intensidade diferencial com que tais iniciativas são implantadas no país.

Com relação à LRF, cabe dizer que ela expandiu os itens a fiscalizar, abrangendo a análise dos relatórios de gestão fiscal e de execução orçamentária do Poder Executivo de todos os entes da federação. Uma vez que houve aumento considerável do volume de documentos recebidos pelos TCs, gerou-se a necessidade do desenvolvimento de sistemas eletrônicos específicos, o que permitiu a padronização, maior eficiência dos procedimentos técnicos e, potencialmente, a redução dos custos operacionais.13 13 O TCE-SC, por exemplo, distribuiu gratuitamente para o de Tocantins e o do Amazonas dois sistemas operacionais criados por seus técnicos (LRF-NET e o ACP). Entrevistados indicaram que a utilização de sistemas informatizados permite a visualização de todo o processo e a identificação de problemas. Com isso, abre-se a possibilidade de atuação preventiva.

Para responder à exigência constitucional de que os TCs estabeleçam relação mais intensa com a sociedade, foi necessário construir novos aparatos institucionais, como as ouvidorias, as escolas de contas e serviços como "disque denúncia", "canal do cidadão" e "fale com o presidente", para que os cidadãos possam identificar e denunciar irregularidades. Embora estabelecidas na CF/88, as ouvidorias só foram institucionalizadas na última década, muito provavelmente associadas à LRF.14 14 A primeira foi criada em 2000, no TCE-PE, em seguida o TCE-RS em 2003 e no TCE-RR em 2004. Alguns tribunais apenas criaram um serviço de ouvidoria junto à corregedoria, como é o caso do TC-GO. Avaliando a intensidade da incorporação desses instrumentos de controle social por parte dos TCs, verifica-se que apenas sete (22%), dos 32 tribunais examinados, possuem ouvidoria institucionalizada, com estrutura desenvolvida especificamente para receber e apurar denúncias, reclamações, sugestões e até elogios. Além de orientação clara sobre como realizar denúncias, esses TCs ainda têm outros canais de comunicação com a sociedade, como e-mails, formulário online, telefone, disque-denúncia e até quiosques para atendimento.

Quanto às escolas de contas, elas são centros de treinamento para os membros dos TCs, para os jurisdicionados e inclusive as entidades públicas envolvidas com esses órgãos.15 15 Destaque especial deve ser dado ao fato de que a escola de contas do TCE-PE faz também treinamento para a população envolvida com o orçamento participativo do Recife e para membros de organizações da sociedade civil que recebem verbas públicas, como MST (Teixeira, 2004; Teles, 2003). Realizam ainda estudos e desenvolvem atividades de informação e orientação dos cidadãos sobre como participar na fiscalização das contas públicas. Mesmo não fazendo parte da realidade de todos os tribunais do país, já que são iniciativas recentes, também vinculadas à LRF, as escolas de contas estão se difundindo na medida em que essa lei alterou diversos mecanismos contábeis e os fiscalizados passaram a ter expectativa de que os TCs atuem de forma mais educativa do que punitiva.16 16 Se até 2005, apenas o TCU, TCE-MG e TCE-PE tinham escolas de contas, em menos de três anos, foram criadas mais 15 novas. Hoje, há 18 escolas e institutos de contas públicas nos TCs brasileiros, e algumas delas (TCE-RJ e TCE-RS) também funcionam como escola de gestão.

Com relação à transparência nos TCs, cabe indicar que eles também experimentaram avanços significativos, quando se compara com o padrão vigente anteriormente, de órgão praticamente isolado da sociedade. Em Pernambuco, por exemplo, o TCE permite acesso livre à prestação de contas do governo, de maneira simplificada e com uma linguagem compreensível para o cidadão, além de divulgar no seu portal os gastos executados pelo próprio órgão. Também o TCE de Mato Grosso disponibiliza dois importantes instrumentos que favorecem o controle social sobre os gastos públicos: o Portal da Transparência e o Portal do Cidadão. No Portal da Transparência é possível verificar as despesas, convênios, contratos e licitações que foram realizadas pelo próprio TCE-MT. Recentemente, chegou a publicar informações sobre a quantidade de cargos existentes, a descrição das atividades correspondentes a cada cargo, a relação, o tipo de vínculo empregatício e onde está lotado cada funcionário. No que se refere ao Portal do Cidadão, é possível acessar informações sobre o julgamento de contas de todos, prefeitos e do governador do estado, assim como verificar se os governantes estão cumprindo a LRF. A existência de mecanismos de transparência pública nos TCs brasileiros - como os exemplificados em Mato Grosso e Pernambuco - mesmo que não possa ser generalizada e apresente níveis diferenciados de desenvolvimento, está em expansão no país.

Em seu conjunto, tais inovações têm contribuído para alterar gradativamente o perfil institucional desses órgãos e sua imagem. Em alguns estados, como Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os TCs estão mais próximos dos entes fiscalizados e da sociedade em geral, realizando sistematicamente reuniões, seminários, publicação de cartilhas e até interação sistemática online. Com isso, é possível supor que a imagem e as práticas que caracterizavam historicamente a instituição possam ser reformuladas. Em Santa Catarina, por exemplo, a pesquisa mostrou que o desempenho de seu TC é elogiado por outros órgãos da administração pública e seus funcionários se orgulham do pioneirismo de muitas de suas inovações.17 17 Entre elas, destaca-se o Plano de Carreira dos Servidores do TCE-SC, aprovado pela AL em 2004, estabelecendo que a livre nomeação para os gabinetes dos conselheiros não pode exceder 50% do total (que é de oito funcionários, número pequeno se comparado a outros TCs do país). O caráter mais avançado em termos da institucionalização democrática do TC-SC revela-se ainda se o confrontarmos, por exemplo, com o TCE-SP em que não há qualquer restrição formal para a livre nomeação nos gabinetes.

Diante desse conjunto de mudanças técnicas e institucionais, pode-se indagar: qual é o balanço do processo de desenvolvimento institucional dos TCs brasileiros?

3. A dinâmica entre as forças de mudança e as forças de resistência

Como já afirmado, a mais completa e adequada compreensão do processo de desenvolvimento institucional requer que se considere não só os fatores de mudança, mas também seus obstáculos. Eles se tornam mais fortes quanto mais antigas são as instituições, por efeito dos mecanismos de retornos positivos trazidos pelo passar do tempo. No caso dos TCs, como eles são aparatos institucionais antigos no país (alguns com mais de 100 anos) e, portanto, apresentam fortes mecanismos de resistência ou resiliência, constata-se que as mudanças requerem longo tempo de maturação e ocorrem por meio de processos não necessariamente lineares e seguros. Na verdade, os pontos de resistência têm sido maiores do que os de inovação.

Assim, de início, podem ser destacados os impactos limitados trazidos pela própria modernização tecnológica dos TCs. Se esse processo é condição necessária para a realização de trabalho mais eficiente e transparente, seus impactos não implicam necessariamente a transparência completa da instituição que ainda não divulgam com clareza seus custos totais, nem tampouco o número de funcionários de livre-provimento dos conselheiros. Aliás, a despeito dos avanços tecnológicos e das iniciativas de reestruturação organizacional continuam a prevalecer práticas políticas não democráticas nesses órgãos, como o nepotismo, o clientelismo etc.18 18 O depoimento de um técnico avaliando o envolvimento dos conselheiros no programa de modernização dos TCs é bastante expressivo: "Os técnicos é que carregam o Promoex... Os conselheiros não se interessam nada pelo Promoex, eles só querem nomear gente". Na verdade, as nomeações de funcionários para os TCs são um dos trunfos políticos mais importantes à disposição de suas elites dirigentes e revelam o padrão não republicano que tem vigorado historicamente nos TCs brasileiros, resistindo fortemente ao ordenamento democrático do país.

A tabela 1 permite visualizar que o volume de funcionários dos TCs varia muito nos diversos estados da federação e não tem a ver com o número de jurisdições fiscalizadas por cada tribunal. Ao contrário, o número de funcionários, inclusive aqueles de livre-provimento, depende de negociações com o Executivo e de relações mais ou menos "amistosas" do presidente do tribunal com o governador que, por prerrogativa constitucional, tem a iniciativa de lei sobre ao tamanho do pessoal do Estado. A discricionariedade que continua a existir nesse processo se revela ainda na ausência de informações estatísticas disponíveis sobre o número de funcionários de livre-provimento existente nos gabinetes dos conselheiros, mesmo no quadro atual, já assinalado, de maior transparência dos TCs à sociedade.

É interessante observar que práticas de nepotismo e clientelismo nos TCs são frequentemente denunciadas, inclusive em estados da federação de maior desenvolvimento socioeconômico, como é caso de São Paulo. Como é a unidade federativa brasileira com o maior grau de desenvolvimento econômico, com imprensa relativamente mais autônoma diante do poder político, poder-se-ia esperar que os TCs paulistas fossem os primeiros órgãos a promover, com a redemocratização e os processos de reforma do Estado que trouxeram novas regras como a LRF, inovações no sentido de tornar suas práticas mais republicanas. Porém, observa-se razoável descompasso entre o desenvolvimento socioeconômico de São Paulo e o desenvolvimento político-institucional de seus TCs, descompasso esse que contraria a própria teoria da modernização, bastante conhecida nas ciências sociais (Lipset, 1967; Dahl, 1997).

Alguns exemplos merecem citação. Em agosto de 2001, a Câmara Municipal da cidade de São Paulo concluiu uma CPI sobre o TCM, identificando diversas irregularidades em sua gestão.19 19 Disponível em: < www.camara.sp.gov.br/central_de_arquivos/vereadores/cpi-tcm.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2008. Entre elas, a existência de 127 cargos de livre-provimento (o que representa uma média de 27,4 cargos para cada um dos cinco conselheiros), e grande parcela estava ocupada por parentes diretos e indiretos de conselheiros: irmãos, sobrinhos, cunhados etc. Para esses cargos de livre-provimento, ainda poderiam ser contratados os servidores da administração municipal (mesmo não efetivos), o que abria brecha para que pessoas prestes a se aposentar terminassem suas carreiras no TCM, portanto, com remuneração mais elevada a ser incorporada no valor final de sua aposentadoria. Vale destacar que os conselheiros do tribunal tentaram, no Judiciário, impedir a abertura da CPI e criaram diversos obstáculos para responder às informações solicitadas (Teixeira, 2004).

No TCE-SP verifica-se situação semelhante, inclusive em período mais recente. Denúncias publicadas em jornais no final de 2007 revelavam que os conselheiros desse órgão empregavam parentes diretos e indiretos em seus gabinetes, configurando, mais uma vez, a prática de nepotismo.20 20 Ver Folha de S.Paulo, 26 dez. 2007. Além do presidente que empregava o irmão - funcionário de carreira da Polícia Civil, o vice-presidente nomeou cinco filhos para funções com remuneração superior a R$ 12 mil mensais e os demais conselheiros também nomearam irmãos e noras como funcionários de seus respectivos gabinetes. Denúncias de irregularidades no TCE-SP são frequentes e datam de muito tempo. Em 3 de fevereiro de 2003, a Folha de S.Paulo já publicava matéria indicando que um funcionário nutricionista do TCE-SP trabalhava, desde 1995, na residência particular de um conselheiro para cuidar da saúde de seu pai. A repercussão dessas denúncias rendeu a abertura de inquérito e gerou reação imediata da própria direção do TCE-SP, que publicou resolução proibindo a contratação direta ou cruzada, sem concurso público, de cônjuge, parente direto ou indireto de conselheiros e auditores, além de fixar um prazo de 90 dias para a demissão dos funcionários que já estavam contratados (Folha de S.Paulo, 10 jan. 2008).

A rápida mudança de postura dos conselheiros (justificada por eles como decorrência das ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra tal prática no Poder Judiciário) pode ser interpretada como enfraquecimento dos fatores de resistência por efeito de pressões externas e de maneira incremental. Relembramos que da mesma forma que o STF, por meio de ADins, obrigou o TCE-SP a incluir em seu corpo dirigente auditores de carreira e membros do MPC, o revês da questão do nepotismo só foi possível pela ação de fatores exógenos, isto é, da repercussão da matéria publicada na imprensa.

O atraso institucional do TCE de São Paulo também aparece com relação à criação da carreira de auditor substituto de conselheiro. Embora tal carreira esteja prevista desde a CF/88, o projeto de lei abrindo tal concurso público só foi encaminhado em 2005, e mesmo assim só veio a ser aprovado pela Assembleia Legislativa (AL) em outubro de 2007. Além disso, tal cargo foi criado com baixíssima remuneração, comparativamente a outros tribunais, o que pode ser certamente interpretado como última forma de resistência às mudanças promovidas pela CF/88.21 21 Enquanto o TCE-MT realizou concurso em janeiro de 2008 oferecendo remuneração de cerca de R$ 20 mil (ver edital no < www.fmp.com.br/php/home.php>), o TCE-SP está oferecendo apenas R$ 3,8 mil para 40 horas semanais de jornada de trabalho. Se nessa remuneração não estão incluídas possíveis gratificações específicas do cargo, há, porém, impedimento para o exercício de outras atividades profissionais que não seja o magistério. O auditor substituto somente terá direito a uma remuneração de conselheiro (cerca de R$ 22 mil), no período em que estiver substituindo um deles ou que assumir definitivamente a função.

Também o projeto de lei criando o MPC no TCE-SP, de onde seria recrutado um membro para o Conselho do Tribunal, encontra-se, desde 2005, em tramitação na AL-SP. Segundo informações de técnicos da Casa, os deputados estaduais, certamente interessados na manutenção da prática costumeira de livre nomeação pelo governador (e sobre a qual acabavam tendo alguma influência), demonstram pouco interesse em formalizar essa mudança institucional.22 22 A resistência ao desenvolvimento de instituições democráticas no TCE de São Paulo se manifesta em várias outras dimensões: a não divulgação do número de funcionários de livre-provimento, dando margem a estimativas que chegam até a 30 pessoas por gabinete e as nomeações de parentes e correligionários, com salários altíssimos, como a imprensa denunciou fartamente no início de 2008. O atraso institucional desses TCs também aparece com relação à criação da carreira de auditor substituto de conselheiro. Embora a carreira esteja prevista desde a CF/88, o projeto de lei abrindo o concurso público para provimento do cargo só foi encaminhado em 2005 e aprovado apenas no final de 2007, mesmo assim, com baixíssima remuneração, comparativamente a outros tribunais, o que também revela resistência às mudanças. (Ver editais de concurso para esses cargos no site do TCE-SP e, para confronto, no do TCE-MT).

Além de nepotismo e clientelismo, os TCs brasileiros também têm apresentado casos de corrupção que chegam a levar conselheiros à prisão, em diversas regiões do país nos últimos dois anos, por efeito da maior eficiência dos órgãos de investigação criminal. Vale a pena recuperar aqui alguns exemplos. Em abril de 2006, a Polícia Federal investigou o desvio de recursos da AL de Rondônia, levando à prisão por fraude um conselheiro do TCE-RO (Folha de S.Paulo, 10 ago. 2006). Em abril de 2007, o STF afastou um conselheiro do TCE-ES e abriu processo criminal contra ele, com base em denúncias oferecidas pelo MPF que o relacionava à prática de peculato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, em processo que se arrastava desde 2003 e que também envolveu o ex-presidente da AL, que cumpre pena em prisão (Folha de S.Paulo, 18 abr. 2007). Em novembro de 2007, a Polícia Federal forneceu subsídios para que o Judiciário determinasse a prisão de vários funcionários públicos, incluindo o presidente do TCE-BA por suspeitas de desvios de recursos em contratos superfaturados (Folha de S.Paulo, 23 e 24 nov. 2007).

Esses e muitos outros exemplos de nepotismo e corrupção (que não é possível reproduzir neste artigo), presentes em TCs de diferentes estados da federação exprimem os limites das nossas instituições democráticas que não incluem ainda mecanismos eficientes de controle para os próprios órgãos de controle (ou seja, não incluem regras de controle dos guardiões). Portanto, eles exprimem déficit político e não excesso de politização (ou partidarização) desses órgãos de controle, como certas teorias normativas afirmam que supõem que tais órgãos devam ser neutros e imparciais politicamente.

Diferentemente dessa visão que poderia ser chamada de tecnicista, não consideramos que a política seja sempre uma dimensão negativa. Ao contrário, ela contém aspectos positivos e fundamentais em uma ordem democrática. Assim, destacamos alguns avanços - ainda que modestos - contidos na politização dos órgãos de controle de contas dos governantes. A primeira dimensão positiva consiste na redução do insulamento dos TCs em relação às diferentes forças políticas dentro do Estado e na sociedade. Cabe citar, como exemplo, o processo de formação de lista tríplice para escolha de conselheiros nas cotas dos auditores substitutos e de representantes do MPC. Esta já começa a ser construída em discussão com os auditores e membros do MPC, antes de ser encaminhada formalmente ao governador, envolvendo negociações dos conselheiros com as corporações profissionais, com o governador e o Legislativo. Mesmo que essa nova situação possa se encaminhar para um jogo de pressões corporativas, ela ainda é menos indesejável do que o padrão anterior, no qual o governador monopolizava a escolha dos conselheiros e pautando-se, predominantemente, por critérios pessoais e clientelistas.

A segunda dimensão positiva da politização - decorrente também do processo de democratização do país - pode ser encontrada na conjuntura política já descrita por Figueiredo, Melo e Pereira (2005), na qual há a maior competição eleitoral para o Poder Executivo. Segundo os autores, quanto maior a possibilidade de alternância das forças políticas no Executivo, maior será a capacidade de fiscalização dos governos por parte dos TCs.

Reforçando os aspectos de resistência e resiliência institucional, presentes nos TCs brasileiros, menção especial pode ser dada ao perfil dos dirigentes. Mesmo que a CF/88 tenha estabelecido novas exigências de qualificação para se ocupar os cargos de direção nos TCs e atribuído maior poder de indicação ao Legislativo, observou-se que o perfil dos dirigentes pouco mudou, nas duas últimas décadas. As tabelas 2 e 3 permitem confrontar o perfil dos dirigentes anteriores à CF/88 com o dos atuais.

Um dos aspectos de interesse a observar na tabela 3 é a correspondência entre o nível da federação em que atuam os dirigentes dos TCs e a carreira política exercida predominantemente no período anterior à nomeação. Assim, há um percentual elevado de ex-vereadores ou políticos com carreira local nos tribunais municipais, de políticos com projeção estadual nos tribunais estaduais, e no TCU os nomeados tiveram projeção nacional, como deputados federais ou senadores. Isso, valendo para os dois períodos comparados. Por outro lado, os dados das tabelas 2 e 3 permitem observar que o período pós-1988 não apresentou mudança significativa no perfil dos dirigentes, nem com relação à formação educacional, à idade no momento da posse e tampouco com relação à carreira política anterior.

Continuam predominando os bacharéis em direito, em proporções de quase 60%, mesmo que a legislação não exija exclusividade da formação jurídica. Com relação à carreira política prévia à nomeação para os TCs, observa-se que a exigência da CF/88 - de que o Poder Executivo escolha necessariamente duas de suas três vagas entre membros de carreiras burocráticas específicas - não alterou significativamente a presença de conselheiros recrutados fora dos meios partidários (aqueles que vieram somente da carreira burocrática passaram de 31,7% para 32,3% na comparação entre os períodos). Isso pode ser explicado pelo fato de que o Legislativo ganhou o monopólio da nomeação de 2/3 das vagas, o que muito provavelmente responde pela manutenção da proporção de conselheiros provenientes da carreira parlamentar (cujo percentual gira em torno de 56% nos dois períodos). Em outras palavras, se de um lado a alteração que exigiu a indicação de 2/3 dos dirigentes dos TCs pelo Legislativo reforçou a presença de ex-parlamentares, de outro, as nomeações efetuadas pelo Executivo devem ser, por lei, feitas entre membros do MPC e da carreira de auditores substitutos. As duas alterações se neutralizaram mutuamente, resultando na presença majoritária (mais de 50%) de conselheiros recrutados dentro da arena político-partidária também no período pós-1988.

Do ponto de vista da idade no momento da posse, observou-se que a exigência constitucional de idade mínima de 65 anos também não gerou efeitos no perfil etário de ingresso na carreira de dirigente do TC. Se no período pré-1988, 33% entravam com mais de 60 anos, esse percentual cai menos do que se poderia esperar, passando para 27%. De toda forma, cabe observar que alguma mudança deve estar em curso como efeito da exigência de idade mínima, já que as informações levantadas para o passado, mesmo que parcas, indicavam situações graves de conselheiros que permaneciam um reduzido tempo no cargo e, muito provavelmente, usufruíam benefícios de aposentadoria especial. A tabela 4 apresenta as informações relativas ao tempo de permanência no cargo de conselheiro.

Observa-se por essa última tabela que os TCs de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul apresentaram os maiores percentuais de curta permanência no cargo de conselheiro: cerca de 50% dos aposentados aí permaneceram menos de cinco anos em atividade.23 23 No material coletado observam-se situações extremadas. No TCE-SC, por exemplo, dois conselheiros ficaram no cargo respectivamente dois e seis meses: o primeiro entre 12 de março de 1968 e 3 de maio de 1968, e o segundo de 2 de janeiro de 1963 a 30 de julho de 1963. Em Minas Gerais, nos anos 1930, José Maria Alkmim ficou no cargo um ano, abandonando-o logo a seguir para voltar à política partidária; em período mais recente outro conselheiro, então indicado por Tancredo Neves, permaneceu pouco mais de cinco meses. No TCM-BA, no período de transição democrática, um ex-deputado estadual permaneceu no cargo de conselheiro apenas oito meses. Esses dados referentes ao período anterior à CF/88 contrastam-se com a maior adesão a práticas mais modernizadoras e republicanas apresentadas hoje por esses mesmos tribunais.

Em suma, além de nepotismo e corrupção que resistem ainda ao processo de democratização e de maior transparência gerada pela modernização tecnológica dos TCs, constatou-se que não houve alterações significativas no perfil de carreira de seus dirigentes. Os dados reforçam a ideia de que operam nos TCs, como em outras instituições políticas, grande resistência à mudança. Essa só ocorre de forma incremental ou acionada por fatores externos. Na verdade, nos meios políticos, operam com maior intensidade os chamados ativos institucionais e os retornos positivos crescentes para seus atores. Esses continuam usufruindo os investimentos que aí fizeram e resistem, até o limite do seu próprio esgotamento, a mudanças que possam ameaçar a velha ordem institucional (Pierson, 2004).

4. Considerações finais

Este artigo analisou as transformações ocorridas nos TCs no Brasil nas últimas décadas, à luz da discussão da temática do desenvolvimento institucional. Como já mencionado, essa perspectiva analítica permite olhar os processos de mudança nas arenas políticas, no longo prazo, enfatizando não só a resistência por parte dos atores institucionais ou sociais que têm poder de veto, mas igualmente as conjunturas críticas que levam adiante as transformações, mesmo que de forma incremental.

No caso concreto dos TCs, a conjuntura crítica da democratização e da Constituição de 1988 trouxe mudanças, mas elas não foram totalmente implementadas em função da existência de capacidade de veto por parte das elites dirigentes (corpo de conselheiros, governadores e parlamentares). Isso ocorreu de forma mais ou menos intensa entre os diferentes tribunais do país. O caso de São Paulo, por exemplo, mostrou maior capacidade de resistência à mudança.24 24 As razões político-institucionais que explicam a maior capacidade de veto dos TCs em São Paulo e, ao mesmo tempo, seu relativamente maior atraso institucional na adoção das mudanças trazidas pela CF/88 não puderam ser explicadas no âmbito deste artigo e necessitam de pesquisas mais específicas. Todavia, é plausível associar as possibilidades menores de alternância política e, portanto, menor demanda de fiscalização (como indicaram Figueiredo, Melo e Pereira, 2005), com maior poder de veto dos TCs às mudanças.

Por outro lado, a nova conjuntura crítica da LRF alterou esse quadro de forças políticas. As turbulências financeiras que atingiram a economia brasileira exigiram a implementação de novas práticas de responsabilidade fiscal e consequentemente o aparelhamento dos TCs para fiscalizar sua execução. A ampliação das funções dos tribunais, sua modernização tecnológica para atender às novas exigências legais, a valorização de seus quadros técnicos (especialmente dos auditores), além do maior poder institucional do Ministério Público no país (Arantes, 2002), tudo isso reduziu a capacidade de veto dos que queriam a manutenção do status quo no interior dos TCs. Ou seja, muitas das inovações trazidas pela CF/88 com relação aos TCs, e que permaneciam bloqueadas, puderam ser então efetivadas. Em outras palavras, fatores exógenos trazidos por uma nova conjuntura crítica permitiram a neutralização dos mecanismos de path dependence, fazendo com que os retornos positivos do status quo não mais operassem de forma crescente. Esta é, na verdade, uma das interpretações possíveis dos fatos mencionados sobre os tribunais de São Paulo, referentes à imposição da carreira de auditor substituto e à proibição de práticas de nepotismo. As mudanças que aí acabaram ocorrendo, mesmo tardiamente, se comparadas às de outros tribunais, foram resultado da consolidação da ordem democrática no país (refletida, por exemplo, em uma imprensa mais livre para exercer denúncias); e também têm relação com o desenvolvimento de certa cultura política de maior responsabilidade fiscal, já identificada nos últimos anos (Loureiro e Abrucio, 2004).

Com relação aos três mecanismos de desenvolvimento institucional (superposição, conversão e difusão institucional), também foram observados nos TCs processos de superposição funcional, já exemplificados em outras áreas da estrutura burocrática brasileira. As escolas de contas criadas (como a de Pernambuco) estão se configurando em novo espaço de poder, paralelo ao colegiado dos conselheiros, já que dispõem de dotação orçamentária específica, de quadro funcional próprio e cuja direção tem sido objeto de disputa por parte de conselheiros e técnicos. Além disso, elas atuam como instrumentos de articulação dos TCs com a sociedade, projetando seus técnicos para outros espaços institucionais como os meios acadêmicos, imprensa e até agências internacionais.

A difusão nos TCs é relativamente frequente e associa-se ao processo de superposição. Obviamente não implica a mudança completa da instituição, como sugere a literatura, mas apenas alterações de aspectos pontuais, e mesmo assim, de forma gradual e diferencial. É o caso das ouvidorias que têm se estendido gradativamente à maioria dos TCs e também das escolas de contas. É ainda o caso da prática bastante difundida entre os diferentes tribunais do país de "orientar antes de punir os jurisdicionados" (surgida após a CF/88 que reforçou o controle predominantemente a posteriori) e que se fortaleceu em especial após a LRF.25 25 Cabe indicar que alguns procedimentos, tais como as licitações, por exemplo, são submetidos a controles a priori e outros a controles concomitantes, como as auditorias operacionais.

Com relação aos mecanismos de conversão funcional (functional conversion), cabe destacar que, devido à própria natureza de órgão constitucional da República brasileira de controle das contas dos governantes, os TCs não experimentaram aquele processo, mas sim o de ampliação funcional, ao incorporarem novas funções. Além das atribuições trazidas pela LRF, pode-se citar ainda o treinamento de pessoal para atuar em novos quadros institucionais como os dos orçamentos participativos, das auditorias de desempenho e de avaliação de programa, as chamadas auditorias de natureza operacional (Anop). Com tais auditorias, os TCs não se concentram apenas, como ocorria antes, nos aspectos legais da aplicação dos recursos públicos. Eles passam a avaliar, também, os resultados das políticas públicas, desenvolvendo trabalho articulado com os gestores de tais políticas. Realizando o chamado controle concomitante e não apenas a posteriori, a ampliação funcional dos TCs tem efeitos para as políticas públicas ao permitir a correção de rota e consequente redução de eventuais prejuízos financeiros aos cofres públicos.

Em seu conjunto, a análise aqui efetuada indica que os pontos de resistência têm sido maiores do que os de inovação. De um lado, porque a modernização tecnológica dos TCs não implicou a transparência completa da instituição. Ela própria não apresenta ainda desempenho nesta área, ou seja, não divulga seus custos totais, nem tampouco o número de funcionários de livre-provimento nos gabinetes dos conselheiros, salvo poucas exceções como Santa Catarina, Pernambuco e Mato Grosso.26 26 A nomeação de funcionários de livre-provimento é trunfo político importante à disposição das elites dirigentes dos TCs. Aliás, o volume de seus funcionários varia muito e não tem relação com o número de jurisdições fiscalizadas por cada tribunal (Figueiredo, Melo e Pereira, 2005). Configura-se, assim, uma situação em que não há instâncias de controle dos próprios controladores.

Por outro lado, o nepotismo e o clientelismo nos TCs ainda são fartamente denunciados, revelando a resistência à democratização e a permanência do padrão não republicano que tem vigorado historicamente nesses órgãos. A teoria do desenvolvimento institucional ajuda a compreender tal situação, ao apontar que em instituições antigas - como os TCs brasileiros, que datam de mais de um século, os fatores de resistência têm mais peso, por efeito dos mecanismos de path dependence, isto é, de retornos positivos trazidos pelo simples passar do tempo. Isso dá aos agentes ligados ao status quo mais força política do que aos agentes da mudança.

Com relação às diferenças apresentadas entre esses órgãos no conjunto do país, seu mais completo entendimento exige estudos qualitativos mais profundos. Conforme aqui constatado, estados como São Paulo apresentam situação de considerável atraso institucional de seus TCs, se comparados com o de estados menos desenvolvidos, marcando o descompasso entre o desenvolvimento socioeconômico e o das instituições políticas.

Todavia, a despeito da heterogeneidade do nível de transparência e dos diferentes níveis de obstáculos à institucionalização de regras democráticas, não se pode anular ou descaracterizar as mudanças que aí estão gradualmente ocorrendo, ao longo das últimas décadas. Procurando evitar incorrer em visão "maximalista" (do "tudo ou nada") que só considera mudanças sociais efetivas as que forem completas (com relação a um receituário abstrato previamente estabelecido) e realizadas de uma vez só, consideramos que as transformações institucionais se processam de forma incremental e não necessariamente de maneira linear ou deliberada. Isso porque a dinâmica das forças políticas pode gerar resultados inesperados (nem sempre negativos), sob a pressão de fatores externos ao próprio ambiente institucional considerado.

Assim, é preciso levar em conta que as inovações têm contribuído para alterar gradativamente o perfil institucional desses órgãos perante a sociedade e o restante do sistema político brasileiro. Em alguns estados, como Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os TCs estão mais próximos dos entes fiscalizados e da sociedade em geral, realizando sistematicamente reuniões, seminários, publicação de cartilhas e até interação sistemática online. Com isso, é possível supor que a imagem e as práticas que caracterizaram historicamente a instituição possam ser gradativamente reformuladas. Em Santa Catarina, por exemplo, a pesquisa revelou que o desempenho do TC é elogiado por outros órgãos públicos e seus funcionários se orgulham do pioneirismo de muitas de suas inovações.27 27 Entre elas, destaca-se o Plano de Carreira dos Servidores do TCE-SC, aprovado pela AL em 2004, estabelecendo que a livre-nomeação para os gabinetes dos conselheiros não pode exceder 50% do total (que é de oito funcionários, número pequeno se comparado a outros TCs do país). O caráter mais avançado em termos da institucionalização democrática do TC-SC revela-se ainda se o confrontarmos, por exemplo, com o TCE-SP em que não há qualquer restrição formal para a livre-nomeação nos gabinetes. Além disso, a ampliação das funções parece estar também gerando mudança na própria imagem dos TCs junto ao restante da administração pública: "ao se aproximarem dos gestores públicos, os tribunais perdem a imagem de algozes".

Por fim, cabe realçar o papel das variáveis exógenas, tais como o processo de redemocratização do país e a elaboração de uma nova carta constitucional e mesmo a influência de crises econômicas como as que geraram a LRF e à atribuição de novas competências aos TCs. Elas abriram oportunidade não só para o surgimento de atores políticos favoráveis à mudança (partidos, lideranças, imprensa livre, organizações sociais e, na área específica dos TCs, os auditores substitutos e o Ministério Público de Contas), mas sobretudo, vêm permitindo-lhes efetuar gradualmente tais mudanças. Portanto, a análise política que olha o longo prazo e os processos incrementais não pode perder de vista tal dimensão.

Para terminar, apresentamos algumas hipóteses surgidas no decorrer deste artigo e que demandam novas pesquisas. São elas:

além do grau de alternância ou competitividade partidária, as características ideológicas e organizacionais do partido do chefe do Poder Executivo, o compromisso pessoal deste chefe e das lideranças mais influentes no Poder Legislativo e no próprio TC podem ser variáveis também significativas para explicar as diferenças da capacidade de fiscalização dos TCs;

os tribunais criados mais recentemente apresentam maior número e mais significativas inovações institucionais, como parecem ser os casos de Santa Catarina e Pernambuco;

no período anterior à Constituição de 1988, o cargo de conselheiro funcionava como "guarda-roupas de amigos" para correligionários, em final de carreira, ou "prêmio de consolação" para os que sofreram derrotas eleitorais. Hoje, isso não é a marca da maioria dos tribunais no país;

os tribunais municipais, na medida em que possuem orçamentos vinculados ao governo estadual e que seus conselheiros são escolhidos pelas assembleias legislativas e pelo governador, manifestariam, em princípio, maior capacidade fiscalizatória ou mais autonomia ante o Executivo municipal do que os tribunais estaduais diante do Executivo estadual.

Artigo recebido em jul. 2008 e aceito em fev. 2009.

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  • 1
    A respeito das diversas etapas do processo de reformas do Estado e a problemática de criação de novos mecanismos institucionais de responsabilização (ou
    accountability) dos governantes no quadro das reformas de Estado, ver Abrucio e Loureiro (2006). Sobre controles sociais, ver Cunill Grau (1997).
  • 2
    Além dos 27 TCs estaduais, há o TCU, que analisa as contas do governo federal, dois de município (São Paulo e Rio de Janeiro) e quatro municipais que examinam as contas de todos os municípios de seus respectivos estados. São eles: o TCM de Goiás, criado em 1989; o TCM da Bahia, criado em 1991; o TCM do Ceará, em 1992; e o TCM do Pará, em 1994. Nesses estados coexistem assim dois TCs, um que avalia as contas do estado e outro que avalia as contas das prefeituras.
  • 3
    O método qualitativo tem sido considerado abordagem metodológica valiosa para a especificação de variáveis intervenientes em processos complexos, para o desenvolvimento de novos conceitos, hipóteses e teorias e, especialmente, para a análise dos mecanismos, cadeias e processos causais presentes em processos históricos de longo prazo (Mahoney, 2007).
  • 4
    A escolha destes tribunais foi feita por razões de ordem prática, considerando não só a existência de dados disponíveis, mas também fatores que facilitaram o deslocamento dos pesquisadores.
  • 5
    Como exemplo, pode ser citado o veto do TCM-SP a uma licitação pública da gestão do prefeito Paulo Maluf, que visava abrir concorrência pública para a construção com recursos do orçamento municipal de um Colégio Militar e um conjunto de apartamentos para oficiais do Exército. O projeto de lei tinha sido aprovado pela Câmara Municipal, mas a licitação pública acabou sendo inviabilizada pelo TC por considerá-la ilegal. O veto do TCM foi atribuído a pressões da opinião pública em razão do destaque que a imprensa deu ao caso (Teixeira, 2004).
  • 6
    A Constituição paulista foi obrigada a recepcionar esse requisito por meio da ADin nº 397-6 de 3 de agosto de 2005, impetrada pela Procuradoria Geral da República. Até então todos os conselheiros do TCE-SP e do TCM eram escolhidos pelo Executivo ou Legislativo sem considerar as exigências da CF/88. Em entrevista, um conselheiro do TCE-SP afirmou que a expressão "no que couber" da CF/88 foi interpretada como não obrigatoriedade. Com a ADin, o TCE paulista teve que se submeter e aguarda a aprovação de projeto de lei criando o MPC que está tramitando na Assembleia Legislativa. Com relação aos auditores substitutos, só em 2007 o TCE-SP organizou seu primeiro concurso público de acesso ao cargo, portanto, com enorme atraso em relação aos demais.
  • 7
    Tal situação foi evidenciada quando os governadores Orestes Quércia (1987-1990), Fleury Filho (1991-1994) e Mário Covas (1995-2001) aprovaram ex-secretários de seus governos para praticamente todas as vagas surgidas no Conselho do TCE-SP após 1988. Dos atuais conselheiros do TCE-SP, quatro foram secretários do governo Fleury; dois foram indicados por Quércia; e um era secretário do governo Covas. Destes, apenas um estava no mandato de deputado estadual quando foi indicado para o cargo de conselheiro (Azevedo e Reis, 1994).
  • 8
    O TC do município de São Paulo é integrado por cinco conselheiros. Do mesmo modo como ocorrem com as vagas do TCU, as escolhas no TCM de São Paulo são feitas em igual proporção entre Executivo e Legislativo.
  • 9
    Para que seus nomes fossem aprovados, as atividades políticas foram interpretadas como suficientes para gerar os conhecimentos exigidos para o exercício do cargo de conselheiro do TCM de São Paulo (Teixeira, 2004).
  • 10
    Informações de entrevista com o conselheiro Salomão Ribas, de Santa Catarina, na época presidente do IRB. Por sua vez, a desconfiança com relação à capacidade dos TCs em assumir funções fiscalizadoras está relacionada, em parte, à imagem negativa desses órgãos perante a opinião pública, e outros órgãos estatais que os considera ineficientes e parciais em suas decisões e mesmo sujeitos a práticas de corrupção (Speck, 2001; Abrucio, Arantes e Teixeira, 2005).
  • 11
    Além do diagnóstico realizado também em 2001 pela Fundação do Instituto de Administração (FIA-USP) (Mazzon e Nogueira, 2002), foi encomendada pesquisa à FGV em 2003 sobre a imagem dos TCs junto à sociedade e a outros órgãos estatais (Abrucio, Arantes e Teixeira, 2005). Com relação às funções dos TCs, a ampliação das suas atividades após a CF/88 também se deve ao fato de que eles passaram a fiscalizar mais entes federativos, pois os municípios aumentaram de 4.491 para 5.561 entre 1991 e em 2001.
  • 12
    Como exemplo, pode-se citar o caso do auditor substituto do TCE-PE que, por efeito do seu trabalho junto à coordenação do Promoex, acabou convidado para uma missão internacional financiada pelo BID para montagem do órgão de controle em Moçambique, que tem adotado o modelo brasileiro de TCs.
  • 13
    O TCE-SC, por exemplo, distribuiu gratuitamente para o de Tocantins e o do Amazonas dois sistemas operacionais criados por seus técnicos (LRF-NET e o ACP). Entrevistados indicaram que a utilização de sistemas informatizados permite a visualização de todo o processo e a identificação de problemas. Com isso, abre-se a possibilidade de atuação preventiva.
  • 14
    A primeira foi criada em 2000, no TCE-PE, em seguida o TCE-RS em 2003 e no TCE-RR em 2004. Alguns tribunais apenas criaram um serviço de ouvidoria junto à corregedoria, como é o caso do TC-GO.
  • 15
    Destaque especial deve ser dado ao fato de que a escola de contas do TCE-PE faz também treinamento para a população envolvida com o orçamento participativo do Recife e para membros de organizações da sociedade civil que recebem verbas públicas, como MST (Teixeira, 2004; Teles, 2003).
  • 16
    Se até 2005, apenas o TCU, TCE-MG e TCE-PE tinham escolas de contas, em menos de três anos, foram criadas mais 15 novas. Hoje, há 18 escolas e institutos de contas públicas nos TCs brasileiros, e algumas delas (TCE-RJ e TCE-RS) também funcionam como escola de gestão.
  • 17
    Entre elas, destaca-se o Plano de Carreira dos Servidores do TCE-SC, aprovado pela AL em 2004, estabelecendo que a livre nomeação para os gabinetes dos conselheiros não pode exceder 50% do total (que é de oito funcionários, número pequeno se comparado a outros TCs do país). O caráter mais avançado em termos da institucionalização democrática do TC-SC revela-se ainda se o confrontarmos, por exemplo, com o TCE-SP em que não há qualquer restrição formal para a livre nomeação nos gabinetes.
  • 18
    O depoimento de um técnico avaliando o envolvimento dos conselheiros no programa de modernização dos TCs é bastante expressivo: "Os técnicos é que carregam o Promoex... Os conselheiros não se interessam nada pelo Promoex, eles só querem nomear gente".
  • 19
    Disponível em: <
  • 20
    Ver
    Folha de S.Paulo, 26 dez. 2007. Além do presidente que empregava o irmão - funcionário de carreira da Polícia Civil, o vice-presidente nomeou cinco filhos para funções com remuneração superior a R$ 12 mil mensais e os demais conselheiros também nomearam irmãos e noras como funcionários de seus respectivos gabinetes. Denúncias de irregularidades no TCE-SP são frequentes e datam de muito tempo. Em 3 de fevereiro de 2003, a
    Folha de S.Paulo já publicava matéria indicando que um funcionário nutricionista do TCE-SP trabalhava, desde 1995, na residência particular de um conselheiro para cuidar da saúde de seu pai.
  • 21
    Enquanto o TCE-MT realizou concurso em janeiro de 2008 oferecendo remuneração de cerca de R$ 20 mil (ver edital no <
    www.fmp.com.br/php/home.php>), o TCE-SP está oferecendo apenas R$ 3,8 mil para 40 horas semanais de jornada de trabalho. Se nessa remuneração não estão incluídas possíveis gratificações específicas do cargo, há, porém, impedimento para o exercício de outras atividades profissionais que não seja o magistério. O auditor substituto somente terá direito a uma remuneração de conselheiro (cerca de R$ 22 mil), no período em que estiver substituindo um deles ou que assumir definitivamente a função.
  • 22
    A resistência ao desenvolvimento de instituições democráticas no TCE de São Paulo se manifesta em várias outras dimensões: a não divulgação do número de funcionários de livre-provimento, dando margem a estimativas que chegam até a 30 pessoas por gabinete e as nomeações de parentes e correligionários, com salários altíssimos, como a imprensa denunciou fartamente no início de 2008. O atraso institucional desses TCs também aparece com relação à criação da carreira de auditor substituto de conselheiro. Embora a carreira esteja prevista desde a CF/88, o projeto de lei abrindo o concurso público para provimento do cargo só foi encaminhado em 2005 e aprovado apenas no final de 2007, mesmo assim, com baixíssima remuneração, comparativamente a outros tribunais, o que também revela resistência às mudanças. (Ver editais de concurso para esses cargos no site do TCE-SP e, para confronto, no do TCE-MT).
  • 23
    No material coletado observam-se situações extremadas. No TCE-SC, por exemplo, dois conselheiros ficaram no cargo respectivamente dois e seis meses: o primeiro entre 12 de março de 1968 e 3 de maio de 1968, e o segundo de 2 de janeiro de 1963 a 30 de julho de 1963. Em Minas Gerais, nos anos 1930, José Maria Alkmim ficou no cargo um ano, abandonando-o logo a seguir para voltar à política partidária; em período mais recente outro conselheiro, então indicado por Tancredo Neves, permaneceu pouco mais de cinco meses. No TCM-BA, no período de transição democrática, um ex-deputado estadual permaneceu no cargo de conselheiro apenas oito meses.
  • 24
    As razões político-institucionais que explicam a maior capacidade de veto dos TCs em São Paulo e, ao mesmo tempo, seu relativamente maior atraso institucional na adoção das mudanças trazidas pela CF/88 não puderam ser explicadas no âmbito deste artigo e necessitam de pesquisas mais específicas. Todavia, é plausível associar as possibilidades menores de alternância política e, portanto, menor demanda de fiscalização (como indicaram Figueiredo, Melo e Pereira, 2005), com maior poder de veto dos TCs às mudanças.
  • 25
    Cabe indicar que alguns procedimentos, tais como as licitações, por exemplo, são submetidos a controles
    a priori e outros a controles
    concomitantes, como as auditorias operacionais.
  • 26
    A nomeação de funcionários de livre-provimento é trunfo político importante à disposição das elites dirigentes dos TCs. Aliás, o volume de seus funcionários varia muito e não tem relação com o número de jurisdições fiscalizadas por cada tribunal (Figueiredo, Melo e Pereira, 2005).
  • 27
    Entre elas, destaca-se o Plano de Carreira dos Servidores do TCE-SC, aprovado pela AL em 2004, estabelecendo que a livre-nomeação para os gabinetes dos conselheiros não pode exceder 50% do total (que é de oito funcionários, número pequeno se comparado a outros TCs do país). O caráter mais avançado em termos da institucionalização democrática do TC-SC revela-se ainda se o confrontarmos, por exemplo, com o TCE-SP em que não há qualquer restrição formal para a livre-nomeação nos gabinetes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      Jul 2008
    • Aceito
      Fev 2009
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