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A taxa múltipla de retorno de um investimento

ARTIGOS

A taxa múltipla de retorno de um investimento

Antônio C. M. Mattos

Professor do Departamento de Informática e Métodos Quantitativos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

1. INTRODUÇAO

Problema muito comum na prática financeira é aquele em que se procura selecionar projetos de investimento, com base na taxa de retorno de cada um. Por esse critério, os projetos de menor retorno são preteridos em favor dos de taxas mais elevadas.

Ocorre, entretanto, que, não obstante seja esse critério intensiva e extensivamente utilizado, pode conduzir a decisões inadequadas para a empresa.

A principal razão dessa falha é que, no caso geral, os projetos de investimento podem apresentar não apenas uma taxa de retorno, mas sim várias, e todas elas igualmente aceitáveis, do ponto de vista da matemática financeira.

Tal problema é, muitas vezes, contornado através do cálculo de uma taxa de retorno pelos métodos convencionais e, ao encontrá-la, "pára-se por aí" ,como se a taxa obtida fosse a única. Assim, se por um acaso essa primeira taxa encontrada for pequena, o projeto pode ser postergado. Caso, ao contrário, aconteça de se achar em primeiro lugar a outra taxa, mais elevada, o mesmo projeto é então colocado na lista dos prioritários.

Vê-se, então, que tal ambigüidade é inerente à utilização do critério das taxas de retorno.

2. OBJETIVOS DO TRABALHO

Com base nas observações feitas, este trabalho procurará mostrar, numa primeira parte - intitulada "Os fatos" - alguns exemplos e algumas propriedades que podem esclarecer melhor a questão da multiplicidade das taxas de retorno. Numa segunda parte - cognominada "A teoria" - serão evidenciados os métodos que possibilitem descobrir todas as taxas existentes em um investimento, com a finalidade de se saber se tal critério financeiro poderá ser utilizado com êxito no investimento em análise. Esta segunda parte é mais dirigida aos que já possuem algum conhecimento de matemática.

3. OS FATOS

A determinação da taxa de retorno de um investimento é realizada através da caracterização de um "plano completo", ou seja, aquele que possui um início, um desenvolvimento e, principalmente, um término.

Assim, por exemplo, para se analisar o retorno de um investimento em imóveis, há de se considerar sua aquisição, locação e a venda respectiva. A falta de qualquer um desses elementos invalida a análise.

Claro está que o estudo do plano não implica a efetiva execução das transações, mas apenas exige que os valores sejam os mais reais possíveis.

Outro aspecto que merece destaque é que apenas deverão ser consideradas na análise, débitos e créditos em caixa (disponível). Assim, valores referentes a depreciações e valorizações, que não são lançados no disponível, não devem ser incluídos no estudo, em hipótese alguma.

Uma vez obtidos os valores correspondentes a um plano de investimento a ser eventualmente realizado, em execução, ou até mesmo já terminado, podem eles ser convenientemente apresentados sob a forma de um "diagrama dos fluxos de caixa". Tal representação visual (veja figura 1) possui em sua parte inferior os investimentos realizados (ou previstos) e, na parte de cima, os retornos de capital associados. Ambos são referidos a uma escala de tempo.


Na prática, lida-se com uma infinidade de situações diferentes, no que tange aos tipos de investimentos. Tal diversidade faz com que os diagramas associados também se apresentem nas mais variadas formas. Assim, a idéia de que um plano deve-se iniciar com um desembolso e ser seguido apenas por uma série de reembolsos é uma super-simplificação da realidade e deve ser evitada.

Em conseqüência, as "simplificações" que às vezes são feitas, para enquadrar um projeto no caso acima, podem trazer como conseqüência uma simplificação nos cálculos, mas constituem um falseamento dos fatos. E, numa época em que as máquinas de calcular já são vendidas em supermercados, tal prática é decisivamente injustificável.

A partir do estabelecimento das transações de caixa, constituintes de um plano de investimento, podese passar à determinação das suas taxas de retorno.

Diz-se que uma taxa mede o retorno que um capital investido teve, se os investimentos descontados - ou seu valor atual - forem iguais ao valor atual dos retornos.

Assim, por exemplo, se um capital de $1.000 tiver sido investido durante 10 meses, tendo sido recebida, em devolução, uma importância de $2.159, poder-se-á dizer que houve um retorno de 8% a/m, já que os $2.159, multiplicados pelo fator de desconto de 0,463193,1 1 Fator d valor atua, pagamento simples, para 10 períodos, à taxa de 8% ((1 + i) -n). produzem os $1.000 inicialmente investidos. Então, como o valor atual de $2.159 é $1.000, a 8% a/m, e este valor é igual aos $1.000 investidos, diz-se que a taxa de retorno foi de 8%. Como se pode notar, não existe outra taxa, neste caso, que forneça o mesmo valor atual de $1.000.

Por este raciocínio, que pode ser imediatamente estendido aos demais casos, é possível verificar se uma dada taxa pode ser considerada como retorno de um investimento dado.

Procurar-se-á, em seguida, apresentar alguns casos bastante simples, onde se mostrará que a taxa de retorno não é necessariamente única. Ressalte-se que tais exemplos são meramente ilustrativos, não permitindo quaisquer generalizações. Estas serão apresentadas numa parte subseqüente. Na realidade, infinitos exemplos podem ser construídos para cada caso, desde os mais elementares até os mais complexos.

Um primeiro caso é o já apresentado na figura 1. Aí, embora se tenha investido $2.300 para obter $3.200, dando a impressão de ter havido um retorno razoável, é, na realidade, um exemplo de um planosem taxa de retorno. Ou seja, não existe uma taxa que produza um valor atual dos investimentos, igual ao dos retornos. Desse modo, é um caso onde a decisão baseada na taxa de retorno não pode ser aplicada.

Um segundo exemplo é mostrado na figura 2.


Aqui, um total de $5.200 foi aplicado, rendendo $5.300. O retorno é único e corresponde a 10%, como se comprova no quadro 1.


Os valores iguais a $4.471 comprovam que 10% são a taxa de retorno desse plano.

O terceiro caso, apresentado na figura 3, possuiduas taxas de retorno: 0% e 20%. O fato de os investimentos serem iguais aos retornos ($3.300) já sugere o 0%. Entretanto, a taxa de 20% é igualmente válida e aceitável, embora nada intuitiva.


A comprovação se dá no quadro 2.


O quarto e último exemplo tem três taxas de retorno, a saber, 3, 20 e 100%, todas igualmente válidas e corretas (figura 4). A comprovação se dá no quadro 3.



Apresentam-se, em seguida, algumas regras práticas, referentes às taxas múltiplas de retorno.2 2 Tais regras acham-se demonstradas em Mattos, referência bibliográfica nº 5, p. 63 e seguintes.

a) Podem ser construídos infinitos planos de investimento, todos com as mesmas taxas de retorno, a partir de apenas um deles. Para tanto, basta multiplicar (ou dividir) todos os valores em $ pelo mesmo número. Assim, por exemplo, se forem multiplicados por 5 os montantes da figura 1, obter-se-á outro plano, também sem taxas de retorno (veja figura 5).


b) É necessário verificar se o total retornado é maior que o investido, para que as taxas possam ter interpretação prática. Assim, no caso da figura 2, os retornos montam a $5.300, que é um valor maior que $5.200 (investimentos). Isto se deve ao fato de que, ao se inverter o sentido das flechas no diagrama, as taxas não mudam de sinal, mas permanecem as mesmas. Como exemplo, o plano da figura 6, que é o da figura 2 "invertido", também possui 10% de "retorno".


c) O número de taxas de retorno que se pode esperar de um plano varia, desde zero (i.e., não existe) até um máximo dado pelo número de períodos considerados.

Assim, um plano de investimentos que considera um período de 30 meses pode ter até 30 taxas de retorno. No plano da figura 4, como foi visto, existem três taxas de retorno, que é o máximo de taxas para um plano com três períodos considerados. Alguns autores têm procurado estabelecer critérios que permitam caracterizar melhor quantas taxas são esperadas. Citamos, como exemplo, o interessante artigo do Prof. Clóvis de Faro (2).

d) A alteração de apenas um valor de um plano altera, pelo menos, uma de suas taxas de retorno.

Assim, se, no plano da figura 4, o montante de $2.472 for aumentado para $2.600, passará a haver apenas a taxa de retorno de 112,61% (figura 7).


Diante do até aqui exposto, pode-se concluir que o conceito de taxa de retorno, se não utilizado com critério, poderá conduzir a falsos resultados.

Para contornar tais dificuldades, alguns autores têm lançado mão de vários expedientes, aos quais remetemos o leitor interessado no assunto (1, p. 229; 3, p. 503).

4. A TEORIA

Como mencionado no item 2, será apresentada, agora, a teoria matemática que rege as taxas de retorno.

Se for considerado um fluxo de caixa dado pelos montantes (ak), k = 0, 1, 2, ..., n; sendo n o número de períodos que envolveu um plano completo, a taxa de retorno será tal que torna o valor atual líquido nulo.

Em termos matemáticos:

Essa equação não se altera se todos os seus termos forem multiplicados pelo número (1 + i)n. Se, além dis for definida a variável x= 1 + i, obter-se-á o polinômio completo de grau n.

Assim, as taxas de retorno do plano (ak) nada mais são do que as raízes reais não nulas, subtraídas de 1, desse polinómio.

Considerando-se que (rk) são as n raízes desse polinómio, ele poderá ser, também, escrito:

Esta última expressão sugere uma forma de se determinar todas as taxas de retorno de um plano. Com efeito, conhecendo-se uma das raízes rk, o polinômio (1) pode ser dividido por (x-rk). No novo polinómio de grau (n-1), uma nova raiz pode ser pesquisada, e o processo se repete até o cálculo de todas as raízes.

Para a pesquisa de uma raiz, podem ser usados os algoritmos do cálculo numérico, como por exemplo o de Newton (4, p. 76); o descrito em DeGarmo (1, p. 476); e o de Newton-Raphson (2, p. 60).

A divisão de um polinômio (ak) (k = 0, 1, ..... n) pelo binômio (x - r), dando o polinómio (bk) (k = 1, ... n) de 1º grau inferior, pode ser realizada pelo método iterativo; sendo a última igualdade uma forma de se verificar o acerto da divisão (isto é, resto nulo):

Como ilustração, suponhamos que se deseja determinar as taxas do plano expresso na figura 2. O polinómio correspondente é:

P(x) = x3 - 3,1 x2 + 4,2x - 2,2 = 0

Determinando uma raiz, através do microcomputador HP -25,3 3 Polinômios de maior grau podem ser resolvidos através do microcomputador SR-52, da Texas Instruments Inc. com o algoritmo mostrado em HP (4), obtém-se r - 1,1 - correspondente aí = 10%.

Procedendo-se à divisão:

b1 = 1

b2 = 1,1.1 - 3,1 = -2

b3 = 1,1. (-2) 4,2 = 2

Confirmação:

b3 = -(-2,2)/1,1 = 2

Então:

P(x) = (x-1,1)(x2-2x + 2)

O polinómio de 2º grau possui raízes imaginárias, já que (-2) 2- 4.2 = -4.

Assim, o plano expresso por P(x) possui apenas uma taxa de retorno (10%).

  • 1. DeGarmo, E. P. Engineering economy, 4. ed. New York, MacMillan, 1969.
  • 2. Faro, Clóvis de. O critério da taxa interna de retorno e o caso dos projetos do tipo investimento puro. Rev. Adm. Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, p. 57, set./out. 1976.
  • 3. Grant, E. L., & Ireson, W. G. Principles of engineering economy. 4. ed. New York, The Ronald Press, 1964.
  • 4. Hewlett-Packard. HP-25 application programs, USA, Hewlett-Packard, 1975.
  • 5. Mattos, A. C. M. O modelo matemático dos juros, Petrópolis, Vozes, 1975.
  • 1
    Fator d valor atua, pagamento simples, para 10 períodos, à taxa de 8% ((1 +
    i)
    -n).
  • 2
    Tais regras acham-se demonstradas em Mattos, referência bibliográfica nº 5, p. 63 e seguintes.
  • 3
    Polinômios de maior grau podem ser resolvidos através do microcomputador SR-52, da Texas Instruments Inc.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1978
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