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Problemas de transportes: comentários sobre a solução inicial de duas etapas

ARTIGOS

Problemas de transportes: comentários sobre a solução inicial de duas etapas

Getúlio Góes Ferreti

Mestre em Ciências, Professor do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina

1. INTRODUÇÃO

Em um comentário desta revista1 1 Rodrigues, Maria M. E. Mischan. Método dos transportes: desenvolvimento de uma nova solução inicial. Revista de Administração de Empresas, v. 15, n. 2. p. 40-6, mar/abr. 1975. foi proposto um novo método para a obtenção da solução inicial dos problemas de transportes. O presente trabalho tem por objetivos, mostrar, através de dois exemplos, que a aplicação de tal método não leva sempre a uma solução ótima, e colaborar, assim, para o melhor posicionamento daquele estudo dentro do algaritmo clássico de solução dos problemas de transportes. Durante o presente estudo. a solução apresentada naquele trabalho será chamada de método das duas etapas. Para melhor localização do problema faz-se, de inicio, uma breve descrição do problema de transportes.

2. PROBLEMAS DE TRANSPORTES

O problema de programação linear, conhecido como "de transportes", pode ser definido como:

Esse problema representa a situação clássica em que se têm m fábricas, cada uma delas com produção, por unidade de tempo, igual a a/ unidades, que devem ser distribuídas a n depósitos, cada um deles demandando bj unidades por unidade de tempo. O mínimo custo unitário de transporte entre uma fábrica i e um depósito j é considerado constante e igual a Cij. Querem-se determinar as quantidades, Xij, que devem ser transportadas da fábrica i ao depósito j, de modo a se incorrer no mínimo custo total de transporte (equação 1), ao mesmo tempo em que fiquem satisfeitas as restrições quanto às produções de cada fábrica (equação 2) e quanto às demandas de cada depósito (equação 3). Em muitos casos reais as restrições (2) e (3) não estão em forma de igualdades, ou seja, não se tem:

São os casos em que a soma das quantidades disponíveis nas fábricas não é igual à soma das quantidades demandadas pelos depósitos. Nessas situações, para adaptar o problema real ao clássico de transportes, dado pelas equações (1) até (3), cria-se ou um depósito fictício ou uma fábrica fictícia, com demanda ou produção que faça com que a equação (4) fique satisfeita, ou, equivalentemente, as restrições (2) e (3) tomem a forma de igualdades. Os custos fictícios são considerados nulos. A equação (4) faz com que o problema sempre tenha solução viável, e, conseqüentemente, tenha solução ótima.

Colocando-se o mesmo problema na forma matricial tem-se:

onde c é um vetor linha, cujas n componentes são os custos unitários de transportes, X é um vetor coluna, cujas m x n componentes são as quantidades que serão transportadas, A é uma matriz de ordem (m + n) x (m x n) e â é um vetor coluna cujas m + n componentes são as produções e as demandas. A matriz A apresenta estrutura simples e característica: seus elementos são todos ou zero ou um e seu posto (rank) é igual a m + n -1. Essa estrutura de matriz A é que permitiu o desenvolvimento de um algoritmo especial para a solução do problema de transportes. No entanto, apesar de ser um algoritmo especial, ele não deixa de ser apenas uma modificação do algoritmo simples, conservando deste último a característica de exigir uma solução inicial básica viável e, iterativamente, por um processo finito, chegar a uma solução ótima.

3. PROCESSOS PARA OBTENÇÃO DE UMA SOLUÇÃO INICIAL BÁSICA VIÁVEL

O primeiro passo para a resolução de um problema "de transportes" é a determinação de uma solução inicial, viável. Muitos métodos são utilizados para isso. Dentre eles comentaremos apenas dois. Quando se utiliza computadores, o método mais usado é o canto noroeste, por não exigir muitas comparações entre números e, por isso mesmo, ser computacionalmente bastante rápido. A solução inicial obtida por esse método está na maioria das vezes, bastante longe da ótima. Essa desvantagem, no entanto, é compensada pela sua simplicidade e rapidez de execução. Já o método de Vogel é mais adequado para execuções manuais, pois baseia-se todo ele na comparação entre números, o que em computador é relativamente demorado.

A solução inicial obtida pelo método de Vogel está na maioria dos casos, bastante próxima da ótima; daí a maior razão de seu uso em execuções manuais.

4. COMENTÁRIOS SOBRE O MÉTODO DAS DUAS ETAPAS

A própria autora reconhece que, no seu estudo, não pesquisou um número estatisticamente significativo de casos. Esclarece também, e com muita propriedade, que não espera validade universal para o método, que, no entanto, dá resultados excelentes para certos casos. Em suma, é um método heurístico como o são todos os demais métodos de obtenção de solução inicial. Convém ressaltar que a heurística utilizada, embora não deixada explícita no artigo, é uma heurística excelente. Começar pela linha (coluna) de maior soma de custos e por isso mesmo candidata a possuir os maiores custos individuais, e aproveitar dessa linha (coluna), progressivamente, as células que apresentarem os menores custos quando comparados com os demais custos das colunas (linhas), certamente é uma boa idéia. O que, no entanto, não se pode esperar, é que se chegue sempre a uma solução ótima, mesmo que seja após a aplicação das duas etapas do método.

4.1 Primeiro exemplo

Trata-se de um exemplo em que se procura maximizar o lucro decorrente da venda de um certo produto elaborado em quatro diferentes fábricas, e vendido a cinco mercados distintos. Como o algoritmo de transportes é aplicado mais para problemas de minimização, transforma-se a maximização em minimização através da equação:

De acordo então com o quadro 1, a seguir, cada unidade produzida na fábrica 2, se vendida no mercado 1 dará um lucro de 300 unidades monetárias, se vendida no mercado 2 dará um lucro de 325 unidades monetárias etc. Seria o caso de um vendedor monopolista e discriminador de preços. O mercado 6 é fictício e foi criado para que a soma das produções seja igual à das demandas, conforme já se comentou anteriormente.



Aplicando o método das duas etapas começa-se pela linha que apresenta maior soma de custos, que é a linha 2, depois passa-se à linha 3 etc. A menor diferença da linha 2 é igual a zero e corresponde à coluna 6. A segunda menor diferença é 25 e aparece nas colunas 1, 2 e 3.

Nesses casos de empate optou-se pela alocação a partir da célula de menor custo.

A solução obtida pela primeira etapa do método é apresentada no quadro 2, onde, por simplicidade de escrita, não aparecem os custos.


O custo total dessa solução é -201.250 (lucro = 201.250), que não é o custo ótimo.

Aplicando a segunda etapa do método, começa-se pela coluna 6, depois passa-se para a 5, e assim por diante. A solução encontrada nessa segunda etapa é a apresentada no quadro 3.


O custo total dessa solução é de -199.375 (lucro = 199.375), que continua não sendo a ótima, já que uma das soluções ótimas é dada no quadro 4.


O custo ótimo é, então, -206.875 (lucro = 206.875).

4.2 Segundo exemplo2 2 Exemplo tirado de Hadley. G. (ver bibliografia).

Trata-se do problema, cujos custos unitários, demandas e produção aparecem no quadro 5, abaixo.



A primeira etapa do método produz a solução do quadro 6 a seguir que não é ótima.



O custo dessa solução é de 331

A segunda etapa do método fornece a solução do quadro 7 a seguir.



O custo total dessa solução é de 358.

Como se pode ver, o método das duas etapas também nesse caso não deu soluçlo ótima, já que uma das soluções ótimas pode ser vista no quadro 8, com custo total ótimo de 330.


Poder-se-ia continuar a apresentação de inúmeros exemplos em que o método das duas etapas não leva a uma solução ótima.

5. CONCLUSÃO

O método das duas etapas para a obtenção de uma solução inicial para o problema de transportes nem sempre leva a uma solução que também é ótima. Como todos os outros métodos, é mais adequado para um tipo de problema do que para outros. Em vista disso, a segunda etapa do método é perfeitamente dispensável, uma vez que após a primeira etapa, para saber se ela é ótima deve-se utilizar um dos métodos de obtenção de solução ótima (stepping-stone ou da dualidade, este último também chamado método do Dantzig). Ora, uma vez verificada a não-otimalidade, e não se podendo garantir que a segunda etapa do método chegará a ele, é mais fácil, por envolver menos cálculos, utilizar o método de Dantzig para se chegar ao ótimo, mesmo porque esse método converge sempre.

A primeira etapa do método, no entanto, é sem dúvida de grande utilidade.

BIBLIOGRAFIA

  • Rodrigues, Maria M. E. Mischan. Método dos transportes: desenvolvimento de uma nova solução inicial. Revista de Administração de Empresas, FGV, v. 15, n. 2, p. 40-6, mar/abr. 1975.
  • Hadley, G. Linear programming. Reading. 8.Ş ed. Massachussets, Addison-Wesley Publishing, 1974.
  • Dantzig, G. B. Linear programming and extensions. Princeton, New York, Princeton University Press, 1963.
  • Hillier, SH. & Liebermann, G. J. Introduction to operations research. 6. ed. San Francisco, California, Holden Day, 1970.
  • 1
    Rodrigues, Maria M. E. Mischan. Método dos transportes: desenvolvimento de uma nova solução inicial.
    Revista de Administração de Empresas, v. 15, n. 2. p. 40-6, mar/abr. 1975.
  • 2
    Exemplo tirado de Hadley. G. (ver bibliografia).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1976
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