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A importância da educação e da hierarquia na diferenciação dos salários: um estudo de caso

COMENTÁRIOS

A importância da educação e da hierarquia na diferenciação dos salários: um estudo de caso* * Os autores agradecem a orientação dos Profs. Rodolfo Hoffmann e Oriowaldo Queda e os comentários de Edmar L. Bacha na elaboração do presente trabalho.

J. F. Graziano da SilvaI; M. C. R. Cardinalli PerezII

IProfessor assistente do Departamento de Economia Rural da Faculdade de Medicina Veterinária e Agronomia de Jaboticabal

IIM. S. em Ciências Sociais Rurais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo

1. INTRODUÇÃO

A relação entre nível de educação e remuneração do trabalho, dada pela teoria do capital humano, foi empregada em recente estudo de Langoni1 1 Langoni C. G. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro. Expressão e Cultura, 1973. 315 p. Para uma abordagem mais completa da teoria do capital humano veja Hansen, Lee, ed. Education, Income and human capital. New York, Columbia University Press, 1970. 320 p. ; ou ainda Becker, G. Human capital. New York, Columbia University Press, 1964. 187 p. para justificar a desigualdade de distribuição da renda no Brasil.

Langoni ajustou aos dados do Censo de 1970 uma função do tipo log-linear, enrique a variável depende (log da renda individual) é explicada pelo nível de educação, idade, sexo, setor, de atividade, região e pela posição na ocupação. Os resultados mostraram que o nível de educação foi a variável que mais "explicou"2 2 Sempre que usarmos este termo entre aspas estamos nos referindo à explicação estatistica, isto é, à contribuição marginal da variável independente para as diferenças observadas na variável dependente. as diferenças na. renda.

Procurando não repetir considerações anteriormente formuladas, pretendemos dar aqui uma contribuição ao grande debate que se seguiu à publicação do livro de Langoni.3 3 Veja em especial: Tolipan, R. & Tinelli, A., org. A controvérsia sobre a distribuição de renda e desenvolvimento. Rio, Zahar, 1975. 319 p. ; Hoffmann, R. Considerações sobre a evolução recente da distribuição da renda no Brasil. Revista da Administração de Empresas, Rio, FGV, v. 13, n. 4, p. 7-17, out./dez. 1973; Fischlow, A. O grande debate da distribuição de renda: uma réplica mais completa. Estudos Econômicos, São Paulo.v.4,n. 3, p. 155-70, 1974; Carnoy M. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico no Brasil: um comentário. Revista de Administração de Empresas, Rio, FGV, v.14,n,4, p. 86-93, jul./ago. 1974. As réplicas de Langoni a essas criticas podem ser encontradas em: Langoni, C. G. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico: uma reafirmação. Rio, Ensaios Econômicos, EPGE/FGV, 1973 mimeogr. , e em Langoni, C. G. Distribuição de renda: uma versão para a minoria. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio, v. 4, n. 1, p. 167-80. fev. 1974.

Nossa atenção será dirigida em especial à influência de variáveis representativas do status do indivíduo, tais como riqueza, background familiar, posição na ocupação, hierarquia, etc, não incluídas na regressão e que, por estarem positivamente correlacionadas com a variável educação, levaram a uma superestimação da contribuição marginal desta última.

Esta crítica, embora já tenha sido anteriormente formulada,4 4 Fischlow, A. Brazilian income size distribution: another look. Berkeley, University of California, 1974. 112 p. datilogr. : Malan, P. Ainda sobre a distribuição de renda. Revista de Administração de Empresas, Rio, FGV, v. 14, n. 2, p. 116-23, mar/abr. 1974; Graziano da Silva, J. F. Interpretação critica de alguns recentes estudos sobre distribuição de renda no Brasil. Dissertação de mestrado apresentada à ESALQ/USP, Piracicaba, SP, 1974. 181 p. não foi empiricamente testada. Nossa tentativa foi a de obter uma amostra que, embora restrita, possibilitasse o teste empírico.

2. MATERIAL E MÉTODO

Os dados com que trabalhamos fazem parte dá relação de empregados que as empresassem observância ao disposto no art. 360 da Consolidação das Leis do Trabalho (Lei dos 2/3), são obrigadas a enviar anualmente ao Ministério do Trabalho.

As informações obtidas referem-se a uma empresa da indústria de bebidas, localizada no estado de São Paulo, no mês de abril de 1974. Para cada empregado dispunha-se das seguintes informações relevantes: sexo, estado civil, ano de nascimento, número de dependentes, grau de escolaridade, data de admissão na empresa, horas normais de trabalho por semana, horas extras, meses trabalhados no ano anterior, função e salário total mensal.5 5 A empresa em questão é uma sociedade anônima em que 80% das ações pertencem a um grupo de 10 individuos com parentesco entre si e que detêm tres dos quatro cargos eletivos da diretoria. O número de empregados registrados no mês de abril de 1974 era de 219 pessoas, tendo a folha de pagamento neste mês alcançado o total de Cr$ 197 100,97. O lucro liquido da empresa no ano de 1973 foi de aproximadamente Cr$ 6 milhões. Os diretores, por ocuparem cargos eletivos e terem participação acionária na empresa, para efeito legal, são considerados empregadores. Os dados referentes a esses individuos foram obtidos em entrevistas diretas.

Com auxílio do organograma da empresa e conhecida a função de cada empregado, construímos uma "escala hierárquica" representada a seguir:

Foram eliminados os menores de idade e os que executam as funções de "vigia" e "faxineira". Os primeiros, pelo fato de a legislação em vigor permitir que lhes sejam pagos salários inferiores ao salário minimo. Os demais, devido às dificuldades de enquadrá-los na "escala hierárquica" construída.

Desse modo, a amostra ficou reduzida a 221 indivíduos assim distribuídos: quatro diretores, cinco gerentes, quatro chefes administrativos, três supervisores, 47 empregados administrativos, 20 operários especializados e 138 operários.

Os operários especializados (mecânicos, carpinteiros, torneiros, pedreiros, etc.) foram considerados num nível hierárquico diferente dos demais operários por constituírem quase que um grupo de "autônomos" em relação à linha de produção da firma. Devido ao pequeno número e ao caráter não rotineiro das tarefas exercidas, recebem um tratamento "privilegiado" por parte dos supervisores, sendo-lhes concedida inclusive uma certa autonomia de decisão.

Nos empregados administrativos foram agrupados todos os subalternos dos chefes administrativos (datilógrafos, secretárias, telefonistas, auxiliar de contabilidade, cobradores, vendedores, etc).

O modelo escolhido foi uma regressão múltipla log-linear:6 6 Pastore e Bianchi utilizaram um modelo causal, recorrendo à técnica da análise de trajetória ( path analysis) para explicar a variância de salários de uma amostra de 22 587 profissionais especializados da indústria de transformação paulista. A variável dependente era o sálàrio-hora do Individuo e as variáveis individuais (1) capacitação profissional. (2) importância funcional, (3) idade, (4) tempo de firma e (5) tempo no cargo. Para maiores detalhes ver Pastore, J. & Bianchi, Ana Maria F. Determinação de salários: uso de um modelocausal. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 7-26, 1974.

onde:

Yh = salário mensal mais 1/12 de salário (referente ao 13.º) do indivíduo h; Si = sexo (s0 = masculino; S1 = feminino); Ih = idade do individuo h (em anos); Ej,h = nível de educação (E0 = analfabeto; E1 = primário incompleto; E2 = primário completo; E3 = ginásio incompleto; E4 = ginásio completo; E5 = científico incompleto; E6 = científico completo; E7 = superior incompleto; E8 = superior completo); Hk,h = posição hierárquica na empresa (H0 = operário; H1 = membros da diretoria e gerentes; H2 = chefes administrativos; H3 = empregados administrativos; H4 = supervisores; H5 = operário especializado; H6 = gerentes); Th = tempo de serviço do indivíduo h na empresa (em meses).

Foram também testados modelos em que a variável nível educacional aparece agregada. Nesses casos,

b3,j Ej,h foi substituído por b4,mEAm,h onde EAm,h são os níveis de educação agregados (EA0 = E0 + E1; EA1 = E2 + E3; EA2 = E4 + E5; EA3 = E6 + E7; EA4 = E8)

As variáveis Si, Ej ou EAm e Hk são dummies, isto é, assumem os valores 1 se o individuo pertence àquele grupo, e zero em caso contrário.

Como utilizamos um programa convencional no qual o intercepto é automaticamente calculado, em cada conjunto de dummies, um dos valores foi deixado no termo constante para que a matriz apropriada não fique singular e possa ser invertida.

Nesse caso, b0 representa a média geométrica (em logaritmo) dos salários dos operários analfabetos do sexo masculino com idade e tempo de serviço iguais a zero; (evidentemente, esse individuo não existe, sendo apenas o resultado da formulação matemática do modelo) e os coeficientes das variáveis medem os desvios em relação ao termo constante b0. Assim, b1 representa o acréscimo (ou decréscimo, caso seja negativo) do logaritmo do salário da mulher em relação ao do homem; b3,j, o desvio do logaritmo do salário dos analfabetos (j=0), etc.

Uma análise preliminar dos dados com regressão múltipla permitiu-nos eliminar as variáveis estado civil, número de dependentes e horas de trabalho na semana (horas normais + extras). As duas primeiras apresentavam um coeficiente de correlação simples elevado com as variáveis sexo e idade, mostrando que essas variáveis estavam captando o mesmo efeito na regressão. A última apresentou uma variância muito pequena e, conseqüentemente, sua contribuição para explicar as variações de Y foi insignificante.

Uma justificativa, puramente econométrica, para se usar o modelo log-linear é a de que é mais real supor que os erros aleatórios são proporcionais ao salário recebido (Y), ou seja, que nos salários mais baixos os erros aleatórios seriam, em termos de cruzeiros, menores que nos salários mais altos, o que implica admitir heterocedasticia na regressão.7 7 No modelo linear, admite-se que os erros são homocedásticos, isto é, V(e h) = E(e ) = γ 2 Considerando que seja utilizado o modelo log-linear onde Zh = 1n Yh Uma vez que, neste caso,

Assim, caso o erro tenda a crescer proporcionalmente com o valor de Y, o modelo log-linear permite contornar o problema da heterocedasticidade.

Segundo Langoni, "a formulação logarítmica é o simples reconhecimento, por um lado, de que a distribuição da renda é acentuadamente assimétrica e, por outro lado, de que o efeito das variáveis explicativas sobre a renda tende a ser proporcional e não absoluto".8 8 Langoni, op. cit. p. 107.

Langoni assinala ainda que "do ponto de vista estrito da 'teoria do capital humano', a relação sugerida é entre a educação, idade e salários, e não necessariamente renda".9 9 Langoni, op. cit. p. 104. Isso implica importante vantagem dos nossos dados em relação aos de Langoni já que, enquanto a sua variável dependente é a renda declarada no Censo de 1970, nós trabalhamos com o salário nominal no mês de abril de 1974, e que, além de ser mais coerente com a teoria, evita uma série de imperfeições a que estão sujeitos os dados censitários.10 10 Para uma discussão das limitações dos dados do censo de 1970 veja Graziano da Silva. op. cit. p. 70-89. Ressalte-se que no salário dos diretores não foi incluida a parcela dos lucros distribuídos da empresa.

Uma segunda vantagem é que a variância das horas trabalhadas, na amostra, foi muito pequena, e que praticamente elimina uma causa importante da variação dos salários recebidos entre empregados para uma mesma função.

Uma terceira vantagem é que, por tratar-se de um estudo de caso, foi-nos possível conhecer a estrutura de produção da empresa e, a partir desta, elaborara "pirâmide" hierárquica dos cargos dentro da empresa.

As limitações dos nossos dados prendem-se sobretudo ao fato de estarmos trabalhando com uma empresa isolada.

Ressalte-se que Pastore,11 11 Pastore, J. Determinantes da diferenciais de salários. Tese de Livre Docência apresentada à Faculdade de Economia e Administração da USP, São Paulo, 1973. 177p. estudando os fatores responsáveis por variações de salários, que ocorrem entre profissionais de nível médio e superior da mão-de-obra especializada na indústria de transformação do estado de São Paulo, conclui que os salários são mais sensíveis a fatores individuais do que a atributos da firma.12 12 Pastore, op. cit. p. 157. Assim, ao trabalharmos com uma firma, somente estamos eliminando variáveis tais como tamanho, grau de complexidade e tecnologia que seriam importantes apenas na diferenciação de salários de ocupações do tipo blue-collar.

Não é nosso intuito argumentar no sentido de que a estrutura salarial da empresa em estudo seja passível de generalização. Mas, por outro lado, não há motivos para que se aceite, a priori, que a "teoria do capital humano" não possa ser aplicada neste particular para "explicar" as diferenças salariais observadas.

3. A JUSTIFICATIVA PARA AS VARIÁVEIS UTILIZADAS E O COMPORTAMENTO ESPERADO

A dummy Si procura captar as diferenças salariais atribuídas ao sexo. Seria difícil argumentar acerca das diferenças de produtividade entre o homem e a mulher, a não ser que estejamos falando de funções diretamente ligadas à produção que dependam de aptidões tais como força bruta, resistência, agilidade, etc. Na amostra, existem mulheres apenas no ramo administrativo (secretárias, datilógrafas, caixas, etc). Como em tais casos é difícil de se medir a "produtividade marginal", as diferenças captadas por Si devem ser atribuídas a avaliação subjetiva13 13 Em nossas entrevistas ouviu-se, freqüentemente, a explicação de "eficiência" e "confiança", como justificativa para as diferenças de remuneração de pessoas que ocupam a mesma função administrativa. Por exemplo, a "secretária do chefe" tem um salário mais alto "porque é uma pessoa de absoluta confiança" do mesmo. e a discriminações. Como o peso desta última é elevado na sociedade brasileira, espera-se que, em média, as mulheres ganhem menos que os homens, eliminando o efeito das variáveis idade, nível de educação, tempo de serviço e posição hierárquica.

A variável idade estaria captando o efeito experiência adquirida, ou seja, uma forma de aprendizado diferente da educação formal recebida. Espera-se que as pessoas mais velhas recebam salários mais altos, eliminando o efeito das variáveis sexo, nível de educação, tempo de Serviço e posição hierárquica. Pastore14 14 Pastore, op. cit. p. 156. encontrou correlações reduzidas entre idade e salários no caso de pessoal especializado, tendo obtido melhores resultados quando focalizava a mão-de-obra em geral. Salienta ainda uma tendência no sentido de ramos tradicionais - indústrias de alimentação, calçados, têxtil, bebidas (que é o nosso caso), etc. - exibirem correlações mais reduzidas entre idade e salários, sendo estes, justamente, os ramos onde se registram as maiores médias de idade para o pessoal especializado.

As dummies Ej (níveis de educação) refletem, segundo a "teoria do capital humano", os acréscimos de produtividade resultantes dos investimentos em educação. É preciso relembrar que uma elevada correlação existente entre a renda e o nivel de educação não significa uma relação causa-efeito. Se tomarmos o caso de um indivíduo isoladamente, a melhoria do seu nível educacional realmente lhe possibilita um maior nível de renda; mas, se considerarmos a sociedade como um todo, uma vez que os recursos para educação são escassos, as oportunidades educacionais são aproveitadas de forma desigual, pois o seu desfrute por parte das diversas classes e grupos está condicionado pela riqueza, nível de renda e preparação cultural de que disponham. Existe, portanto, um círculo vicioso entre nivel de renda e oportunidade de educação, pois o status do indivíduo (nivel de renda, riqueza e posição social da família) é o fator que determina sua possibilidade de acesso a níveis mais elevados de educação.15 15 É confortador relembrar que o próprio Langoni (1973, p. 139) reconhece que "a educação parece ser um Importante meio através do qual o status social influencia a renda dos Individuos", multo embora nas suas conclusões ele abandone qualquer proposta no sentido de que uma politica visando a redistribuição da renda deva atuar sobre a riqueza das famílias. Ao contrário, ele procura argumentar que os mecanismos através dos quais o status social condiciona o acesso à educação tendem a ser menos operantes com o desenvolvimento econômico e que, portanto, a educação serla a variável relevante para a politica econômica. Segundo a "teoria do capital humano", é de se esperar a ocorrência de uma relação direta entre o salário recebido e o nivel educacional.

As dummies EAm (nível de educação agregados) são agregadas das variáveis Ej de tal modo que cada indivíduo que pertença a um dado nível EAm tenha um título formal completo (diploma de: primário ou equivalente, ginásio ou equivalente, colegial ou equivalente, superior ou equivalente). O motivo principal para agregar as variáveis Ej foi tornar o modelo mais semelhante ao utilizado por Langoni. Espera-se de EAm o mesmo comportamento descrito para Ej.

A variável tempo de serviço na empresa procura captar o treinamento durante o período em que o indivíduo está no desempenho do seu cargo. Essa variável incorpora também os ganhos advindos da maior estabilidade do empregado, bem como do prestígio e confiança adquiridos junto à direção da empresa. Supõe-se que o tempo de serviço na empresa esteja positivamente correlacionado com o salário recebido. Pastore constatou que o tempo de firma e o tempo no cargo têm um efeito praticamente desprezível sobre os salários. "Este resultado reflete uma estrutura empresarial moderna, onde a qualidade da mão-de-obra supera sua seniority na definição de padrões salariais."16 16 Pastore, op. cit. p. 156.

As dummies Hk (hierarquia) foram introduzidas no modelo, porque se acredita que a "teoria do capital humano" seja insuficiente para explicar as diferenças salariais baseadas em critérios que levam em conta somente a qualificação da força de trabalho.17 17 Attali e Guillaume afirmam que a abordagem da teoria do capital humano é "um exemplo do uso pervertido de uma análise indutiva: transforma Interdependências em casualidade, para afastar a explicação da diferenciação dos níveis de educação por fatores mais fundamentais, tais como o melo-amblente cultural e a origem social". (Attali, J. & Guillaume, M. A antieconomia - uma crítica à teoria econômica. Rio, Zahar, 1975. p. 202 Para uma critica dos termos "capital humano" veja em especial Leite Lopes, J. S. Sobre o debate da distribuição de renda: leitura critica de um artigo de Fishlow. In: Tollpan & Tinelll, org. op. cit. p. 304-11. Assim, a qualificação pode explicar satisfatoriamente o acréscimo salarial de um químico, por exemplo, em relação a um operário braçal, mas não é suficiente para explicar o acréscimo salarial de um gerente em relação a seu subordinado.

Marchal e Lécaillon,18 18 Marchal, J. & Lecalllon, Jacques. Is the income of the "cadres" a special class of wages? The Quarterly Journal of Economics, Cambridge, v. 73, n. 2, p. 166-82. May 1958. referindo-se aos gerentes das empresas (cadres), apesar de ressaltarem que estes possuem um grau de qualificação (ou treinamento) superior à média dos empregados administrativos, reconhecem que o acréscimo da remuneração recebida por esse grupo em relação aos outros trabalhadores, geralmente, excede à quantia necessária para amortizar as somas gastas em seus treinamentos.

Em sua análise, Pastore conclui que "a importância funcional avaliada através do cargo que ocupava na empresa - mostrou-se um determinante parcial poderoso de diferenciais de salários (...) inclusive superior ao da variável capacitação profissional".19 19 Pastore, op. cit. p. 155.

Uma outra abordagem do problema é dada a partir do conhecimento da estrutura da empresa industrial. Segundo Dahrendorf,20 20 Dahrendorf, R. Claas and class conflict in industrial society. 6. ed. Stanford, Stanford University Press, 1967. 366 p. a empresa industrial é uma associação imperativamente coordenada, onde distingue-se o aspecto "funcional" da divisão do trabalho e o aspecto hierárquico da subordinação. Do ponto de vista estritamente funcional, o trabalhador não especializado, o chefe de seção e os executivos estão em um mesmo nível. A empresa não pode funcionar normalmente se uma destas posições permanecer vaga. Porém, com vistas à organização a direção dos diversos processos de produção que compõem a empresa, outro sistema, que não o da divisão de trabalho, é necessário, ou seja, o sistema de subordinação. Este sistema, que estabelece as relações de autoridade entre as diversas posições, permite a operação sem fricção do processo total de produção. Essa autoridade tem caráter hierárquico e é delegada pelos proprietários a seus representantes, os gerentes, e desses a seus subordinados. Os encarregados de posição de dominação e seus subordinados formam dois grupos com certos interesses conflitantes. Dahrendorf ressalta ainda que o grupo dos trabalhadores com posição de dominação tem interesses congruentes com os do grupo capitalista, no sentido de que é interesse do primeiro manter as relações de autoridade existentes, isto é , seu próprio status que, em última análise, significa manter o modo de produção capitalista.

Portanto, seria a própria escala de autoridade necessária para que a empresa industrial funcione harmonicamente, ou seja, seria a hierarquia a componente básica para a explicação da estrutura salarial ao nível burocrático.21 21 Burocracia refere-se a principios de organização que se caracterizam pela racionalidade da tomada de decisão, pelas relações sociais impessoais, "rotinização" das tarefas e centralização da autoridade. Esse aspecto é ressaltado por Mata e Bacha22 22 Mata, Milton & Bacha, Edmar. Emprego e salários na indústria de transformação. 1949/1969. Pesquisa a Planejamento Econômico. Rio, v. 3, n. 2, p. 303-40. jun. 1973. quando afirmam que a "teoria do capital humano certamente não capta esse fenômeno de hierarquização, que parece ser bastante mais importante do que o fenômeno de qualificação (preocupação única daquela teoria) para explicar a estrutura salarial ao nível burocrático".

Bacha23 23 Bacha, E. Hierarquia e remuneração gerencial. In: Tolipan & Tinelli, org. op. cit. p. 135. levanta a hipótese de que, se fizermos o corte trabalhadores/gerentes, deveremos observar dois padrões distintos: "para os trabalhadores, a educação terá um efeito 'marginal', no sentido de o salário do operário mais qualificado superar o do menos qualificado apenas pelo custo de treinamento (com controle para experiência). Quando, entretanto, passarmos para as funções gerenciais, a cada novo nível hierárquico corresponderá um saldo salarial, haja ou não diferenciação em niveis educacionais. Ou seja, o fator fundamental na determinação da estrutura de salários será a posição na escala hierárquica e não a qualificação individual".

Mas a hierarquização não se manifesta apenas no nivel burocrático! Ela está presente na estruturada produção propriamente dita, onde também se faz legitimar pelas diferenças salariais entre um cargo e outro.

A necessidade da hierarquização ao nivel da produção é abordada por Wachtel24 24 Wachtel, H. Class consciousness and stratification in the labor process. The Review of Radical Political Economics, v. 6, n. 1, p. 10-2, Spring 1974. p. 10-2. ao salientar que a evolução do capitalismo da era dos clássicos para o capitalismo monopolista parece ser acompanhada por uma fragmentação da classe operária. Embora a tendência à proletarizaçâo da população tenha continuado, ou mesmo se acelerado, o caráter qualificativo da classe operária mudou. A homogeneização da força de trabalho na indústria moderna foi suplantada pela estratificação no capitalismo monopolista. Os operários são estratificados por tipo de indústria e ocupação, pela raça e grupo étnico e pelo sexo. O sistema educacional reforça essa estratificação. O efeito disso é dividir os trabalhadores por "linhas de status" e dai reduzir a solidariedade de classe, ao mesmo tempo que proporciona uma legitimação para as desigualdades inerentes ao funcionamento do capitalismo. At-tali e Guillaume25 25 Attali & Guillaume, op. cit. p. 204-5. também enfatizam esse aspecto do fenômeno. Segundo estes autores, até 1900, o capitalismo exigia a homogeneização da força de trabalho, o que provocou uma capacidade revolucionária muito forte do sindicalismo. Após esse período, o capitalismo escolheu, deliberadamente, a estratégia da divisão, a fim de resolver as contradições entre o aumento dos salários e a concentração crescente do capital, o que, em última análise, resultou no desenvolvimento da organização científica do trabalho, na burocracia, na fixação de escalas de salário e principalmente no uso do progresso técnico. A escala hierárquica, e sua conseqüente desigualdade salarial, desviou os trabalhadores de suas reinvindicações de poder.

Bowles26 26 Bowles, Samuel. The integration of higher education into labor sistem. The Review of Radical Political Economics, v. 6, n. 1, p. 107. Spring 1974. sallenta que a educação formal contribui para a renda futura do individuo, em parte pelo conhecimento transmitido na escola; mas de igual ou mesmo maior importância são os padrões de comportamento e as atitudes para com o trabalho, para com os operários e para com a autoridade que são incutidos pela escola. Do ponto de vista do empregador, o diploma formal muitas vezes não significa a habilidade cognitiva adquirida na escola; ao contrário, provê um rótulo para as atitudes e padrões de comportamento consistentes com as relações hierárquicas da produção na empresa moderna e um hábil distintivo de privilegio que tem por objetivo segmentar a força do trabalho.

Uma abordagem diferente foi utilizada por Carnoy27 27 Carnoy. op. cit. p. 91. ao reafirmar a hipótese apresentada por Thurow e Lucas,28 28 Thurow, Lester & Lucas, Robert. The American distribution of Income: a structural problem. Washington D. C. Joint Economic Committee, E.S. Government Printing Office, 1972. de que "a produtividade marginal é um atributo dos cargos e não dos ocupantes". (...) "O critério principal, pois, que os empregadores usam na seleção dos trabalhadores é a 'treinabilidade'. Os trabalhadores que tenham características especificas, que os empregadores percebem que reduzirão os custos de treinamento serão selecionados e receberão os melhores trabalhos." A análise de Thurow e Lucas conclui que a estrutura salarial é determinada por fatores exógenos à oferta e demanda de trabalho, o que explicaria a constância dos salários face ao excesso de oferta de trabalho, a existência de mercados de trabalho altamente estruturados e o aumento secular e onipresente das exigências educacionais para o trabalho.

Nas diferentes abordagens aqui apresentadas, a estrutura hierárquica da empresa foi reconhecida como um dos fatores importantes na diferenciação salarial entre os empregados, seja ao nivel burocrático, seja ao nível da produção propriamente dita.

A dummy hierarquia foi construida de modo a medir as diferenças de salário entre um determinado nivel (diretoria, gerentes, chefes administrativos, empregados administrativos, supervisores e operários especializados) e os operários não-especializados. Estamos procurando assim captar as diferenças de salários devidas ao status dos cargos que os indivíduos ocupam e não aos "méritos" dos seus ocupantes, baseados na hipótese de que seria a própria escala de autoridade (necessária para que a empresa industrial funcione harmonicamente) o componente básico para explicar a estrutura salarial da empresa. Espera-se que os diferenciais de salário associados aos diferentes níveis hierárquicos sejam positivos em relação ao nivel operário não-especializado.

4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 Resultados das regressões log-linear

O modelo (1) apresentado no quadro 1 inclui as variáveis que se mostram mais importantes na explicação dos logaritmos dos salários recebidos. Como se pode notar, com exceção dos coeficientes dos níveis de educação E1 e E2 (primário incompleto e primário completo), os demais são estatisticamente diferentes de zero ao nivel de significância de 10% ou menos.


O coeficiente de S1 (sexo feminino) é negativo e estatisticamente diferente de zero ao nível de 99,9% de probabilidade, indicando que as avaliações subjetivas e as discriminações em relação ao sexo são fatores muito importantes na diferenciação dos salários recebidos entre o homem e a mulher.

A primeira surpresa aparece na análise dos coeficientes da variável educação (E1 a E8). Segundo Schultz,29 29 Schultz, Theodore. O valor econômico da educação. Rio, Zahar, 1967. 101 p. adepto da "teoria do capital humano", "as diferenças de salários entre as pessoas que apenas concluíram o curso primário e as que receberam instrução adicional são expressivas em valores absolutos, e representam um rendimento vantajoso para o investimento adicional". A hipótese básica é que a instrução, até a idade em que os salários não recebidos se incorporam ao custo, é altamente "lucrativa", porque as diferenças de salários entre trabalhadores analfabetos e os que têm alguma ou toda instrução primária "são suficientemente amplas, não somente para compensar o menor período de vida ativa, que é característico dos paises de baixa renda, como também, para favorecer uma elevada taxa de rendimento, adicionalmente. A formulação dessas proposições subentende que todos os custos da instrução são, implicitamente, atribuídos aos futuros salários".30 30 Schultz. op. cit. p. 76-7.

Esperava-se, portanto, que os coeficientes de E1 e E2 fossem altamente significativos e que as diferenças entre os coeficientes de E3 e E2, E4 e E3, ... E8, e E7, fossem todas positivas refletindo os maiores investimentos em educação por parte dos indivíduos de um nível educacional mais elevado.

Os resultados do modelo (1) mostraram que os coeficientes de E1 (primário incompleto) e E2 (primário completo) não são significativos nem ao nível de 10%. As diferenças entre os coeficientes de E5 - E4 e E8 - E7 são negativas. Isso significa que ao se passar de um nível de educação com ginásio completo (E4) para cientifico incompleto (E5) e do nível superior incompleto (E7) para superior completo (E8), não foram encontrados aumentos significativos nos salários recebidos, havendo, pelo contrário uma redução nos mesmos.

As variáveis I e T têm os coeficientes de regressão positivos e altamente significativos (0,1%), indicando que a idade (experiência adquirida) e o tempo de serviço na empresa são fatores importantes na determinação dos salários.

As variáveis H1 a H6 apresentaram também os coeficientes positivos e estatisticamente diferentes de zero ao nivel de significância de 10% ou menos. Os valores dos coeficientes confirmam os resultados antecipados pela escala hierárquica estabelecida no diagrama obtido a partir do organograma dá empresa, demonstrando que o status do cargo que o individuo ocupa influencia o seu nível de remuneração, seja ao nivel administrativo ou da produção propriamente dita.

Os modelos (2) e (3) foram obtidos a partir do modelo (1) excluindo-se as variáveis hierarquia e educação, respectivamente.

O aumento, em valor absoluto, verificado nos coeficientes de regressão quando passamos do modelo (1) para o (2) indica que a variável excluida no modelo (2) - hierarquia - está positivamente correlacionada com idade, educação e tempo de serviço na empresa. Se considerarmos o modelo (1) sem grandes problemas de especificação, os coeficientes da variável educação no modelo (2) estão superestimando os verdadeiros coeficientes dessa variável;31 31 Da mesma maneira, os coeficientes da variável hierarquia no modelo (3) também estão superestimados. e essa superestimativa é acentuadamente maior para os níveis de educação mais elevados (E7 e E8).

Comparando-se os modelos (1) e (3) verifica-se que a variável educação está negativamente correlacionada com idade e tempo de serviço na empresa, e positivamente correlacionada com a variável hierarquia, o que discutiremos posteriormente no item 4.2 deste trabalho.

O quadro 2 apresenta os resultados das regressões log-lineares quando se agrega a variável educação, de modo a representar, em cada nivel, a posse de um diploma legal ("distintivo"). No nivel EA0 foram agrupados os analfabetos e os indivíduos com primário incompleto; no EA1 ( os com primário completo e ginásio incompleto; e assim sucessivamente até o nível EA4 (superior completo) onde permaneceram os mesmos indivíduos do nível E8.


De modo geral, os resultados confirmaram os obtidos para o quadro 1. Para o modelo (4), a diferença mais importante, quando comparado com o modelo (1), é um aumento quase que generalizado (exceção feita apenas para a variável tempo de serviço) dos coeficientes das variáveis e seus respectivos testes t, principalmente os das variáveis que representam a hierarquia: todos são significativos a 0,1 %. A incoerência com a teoria do capital humano fica evidenciada, pelo fato de o coeficiente de EA4 ser menor que o de EA3.

O modelo (5), que se obteve excluindo a variável hierarquia de (4), é o que mais se aproxima do de Langoni.32 32 Langoni não inclui a variável tempo de serviço e utiliza setor de atividade e região (que na nossa análise podem ser considerados como variáveis de controle); ele utilizou 7 dummies para representar idade, ao passo que nós medimos essa variável diretamente, em anos. Os resultados de (5) são "mais compatíveis" com a teoria do capital humano, o coeficiente de EA1 é altamente significativo; as diferenças entre os coeficientes dos níveis educacionais agregados são todas positivas e substancialmente maiores que as dos modelos (1), (2) e (4).

A coerência dos resultados do modelo (5) com os obtidos por Langoni indica que estes só foram possíveis devido ao efeito conjugado de: a) a exclusão de variáveis indicativas do status do indivíduo; e b) a utilização de uma medida para a educação num nível de agregação tal que mascarou as diferenças de anos de estudo dentro de um mesmo nível e captou concomitantemente o efeito da "posse de um diploma", diferente para cada um dos níveis. Com relação ao primeiro item, poder-se-ia retrucar que a inclusão da proxy posição na ocupação não alterou os resultados de Langoni. Nem poderia! Também aí o nivel de agregação é tão elevado que na categoria de empregador estão desde o proprietário de um carrinho de pipoca que emprega um guri para estourar o milho, até o Sr. Matarazzo; no grupo dos empregados, desde o "bóia-fria" até o gerente da Volkswagen do Brasil e no grupo dos autônomos, desde engraxates e biscateiros até profissionais liberais, como médicos, dentistas e advogados, É evidente que a variável posição na ocupação não poderia nunca medir "de maneira indireta, o impacto das diferenças de acesso à propriedade sobre a desigualdade da distribuição da renda" como o quer Langoni.33 33 Langoni, op. cit. p. 133. Nos dados com que trabalhamos, esse problema não existe porque foram eliminados os rendimentos não provenientes de salários. Sobre o segundo item, o próprio Langoni34 34 Langoni, op. cit. p. 103. 35 A expressão R2- R2i, onde R2 é o coeficiente de determinação de regressão em que todas as variáveis independentes são consideradas e R2i é o coeficiente de determinação na regressão em que a variável i é excluída, nos dá a contribuição marginal da variável i. A expressão R2 - dá ás variáveis diversas explicativas na regressão em que todas as variáveis independentes são consideradas. Veja Theil, H. Principies of econometrics. New York, John Wiley e Son., 1971. p. 179. reconhece a pobreza da medida utilizada para a variável educação. Mas se esquece disso nas conclusões, e o que é pior, nas suas "implicações politicas", quando sua argumentação perde o caráter "neutro e científico" para adquirir um cunho ideológico-justificativo.

4.2 A integração entre a posição na hierarquia e a educação

A essa altura devemos nos preparar para uma contra-argumentação: não é a educação a causa da diferenciação hierárquica?

Para melhor responder a essa pergunta, analisemos inicialmente o quadro 3 que apresenta a contribuição marginal de cada variável, ou seja, a importância relativa de cada variável no modelo quando todas as outras são levadas em consideração. Dois aspectos são importantes e devem ser analisados. O primeiro é que as participações percentuais das contribuições das variáveis educação e hierarquia no total são substancialmente maiores que as respectivas contribuições de sexo, idade e tempo de serviço. Note-se também que a contribuição da variável hierarquia é bem maior que a da variável educação, principalmente no modelo (4), onde a variável educação aparece agregada. O segundo aspecto é o elevado grau de multicolinearidade" presente nos modelos, indicando a interdependência entre as diversas variáveis explicativas.


O que mais importa para a nossa análise não é a interação entre todas as variáveis, mas, particularmente, entre a hierarquia e o nível educacional. Para tanto, nos quadros 4 e 5 apresentamos os modelos em que essas duas variáveis aparecem sozinhas. Pelo quadro 4, verifica-se que a variável educação, isoladamente, explica 62,13% das variações nos logaritmos do salário recebido (modelo 8), enquanto a variável hierarquia explica 78,74% dessas mesmas variações (modelo 9). Conjuntamente, hierarquia e educação explicam 80,26% dessas variações. A multicolinearidade entre essas duas variáveis é de 60,61%. No quadro 5, onde a variável educação aparece agregada, a multicolinearidade entre esta e a hierarquia é menor, sendo da ordem de 51 %. Isso evidencia, em ambos os casos, a interação elevada dessas variáveis, o que não invalida sua importância do efeito independente, como pode ser visto pelos elevados níveis de significância dos testes t dos parâmetros (principalmente os das variáveis hierarquia) em todas os modelos apresentados.36 36 Pode-se demonstrar que não há razão para que a multicolinearidade afete seriamente a estimativa da variância residual. Assim sendo, as estimativas das variâncias das estimativas dos parâmetros serão indicadores adequados da existência de multicolinearidade. O efeito de uma variável independente pode ser suficientemente forte, de tal maneira que os respectivos coeficientes se mostrem estatisticamente diferentes de zero apesar da multicolinearidade; uma multicolinearidade bastante alta impedirá, entretanto, que se detecte a influência de variáveis importantes. Veja Johnston, J. Econometrics methods. 2. ed. New York, McGraw-Hill Book Company, 1973. p. 162-3.



A educação não capta o efeito independente da hierarquia. Na verdade, o efeito desta última é muito mais importante que o da primeira.37 37 A contribuição marginal da educação no modelo (7) foi de 1,52% e de 1,23% no modelo (10); a da variável hierarquia, 18,13% e 28,59, respectivamente. A educação legitima a posição hierárquica que o individuo ocupa na empresa, mas não é a causa desta. No caso de cargos técnicos, a educação pode ter uma relação de causa com o salário recebido, porém, para a estrutura hierárquica de modo geral, maiores níveis educacionais nem sempre correspondem a maiores salários. Por outro lado, uma posição hierárquica superior implica, necessariamente, um salário superior ao dos subordinados, quando a qualificação eminentemente técnica não está envolvida.

Graziano da Silva38 38 Graziano da Silva, op. cit. p. 122. ressalta que "uma parcela razoável da expansão verificada nas taxas de matrícula do ensino superior foi para atender a demanda de individuos que, já obtendo ganhos relativamente altos (e quase sempre associados a rendas de propriedades e por transmissão de um status familiar), procuram obter simplesmente um título representativo do status que a educação de nível superior confere ao seu possuidor na sociedade brasileira atual".

Na empresa em questão, verificou-se que os indivíduos que foram promovidos a cargos hierarquicamente superiores aos que ocupavam anteriormente eram estimulados a adquirir um nivel educacional compatível com a nova posição. Esse processo mostrou-se especialmente importante para os cargos mais elevados da pirâmide hierárquica, ou seja, para os diretores e gerentes, o que confirma ser a educação mais um instrumento de legitimação do status ocupado pelo individuo do que de ascensão social.

Uma ressalva importante deve ser feita antes de finalizarmos. A amostra com que se trabalhou é muito pequena e restrita para que as conclusões derivadas da nossa análise possam ser generalizadas sem a devida cautela. Esperamos poder repetir o modelo para amostra mais ampla em futuras pesquisas.

a variância de Zh será, aproximadamente,

Então, V(Yh) = YV(Zh)

se considerarmos, V(Zh) = 2 temos que, Syh Yh

  • 1 Langoni C. G. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro. Expressão e Cultura, 1973. 315 p.
  • Para uma abordagem mais completa da teoria do capital humano veja Hansen, Lee, ed. Education, Income and human capital New York, Columbia University Press, 1970. 320 p.
  • ; ou ainda Becker, G. Human capital New York, Columbia University Press, 1964. 187 p.
  • 3 Veja em especial: Tolipan, R. & Tinelli, A., org. A controvérsia sobre a distribuição de renda e desenvolvimento. Rio, Zahar, 1975. 319 p.
  • ; Hoffmann, R. Considerações sobre a evolução recente da distribuição da renda no Brasil. Revista da Administração de Empresas, Rio, FGV, v. 13, n. 4, p. 7-17, out./dez. 1973;
  • Fischlow, A. O grande debate da distribuição de renda: uma réplica mais completa. Estudos Econômicos, São Paulo.v.4,n. 3, p. 155-70, 1974;
  • Carnoy M. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico no Brasil: um comentário. Revista de Administração de Empresas, Rio, FGV, v.14,n,4, p. 86-93, jul./ago. 1974.
  • As réplicas de Langoni a essas criticas podem ser encontradas em: Langoni, C. G. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico: uma reafirmação. Rio, Ensaios Econômicos, EPGE/FGV, 1973 mimeogr.
  • , e em Langoni, C. G. Distribuição de renda: uma versão para a minoria. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio, v. 4, n. 1, p. 167-80. fev. 1974.
  • 4 Fischlow, A. Brazilian income size distribution: another look. Berkeley, University of California, 1974. 112 p. datilogr.
  • : Malan, P. Ainda sobre a distribuição de renda. Revista de Administração de Empresas, Rio, FGV, v. 14, n. 2, p. 116-23, mar/abr. 1974;
  • Graziano da Silva, J. F. Interpretação critica de alguns recentes estudos sobre distribuição de renda no Brasil. Dissertação de mestrado apresentada à ESALQ/USP, Piracicaba, SP, 1974. 181 p.
  • 6 Pastore e Bianchi utilizaram um modelo causal, recorrendo à técnica da análise de trajetória (path analysis) para explicar a variância de salários de uma amostra de 22 587 profissionais especializados da indústria de transformação paulista. A variável dependente era o sálàrio-hora do Individuo e as variáveis individuais (1) capacitação profissional. (2) importância funcional, (3) idade, (4) tempo de firma e (5) tempo no cargo. Para maiores detalhes ver Pastore, J. & Bianchi, Ana Maria F. Determinação de salários: uso de um modelocausal. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 7-26, 1974.
  • 11 Pastore, J. Determinantes da diferenciais de salários. Tese de Livre Docência apresentada à Faculdade de Economia e Administração da USP, São Paulo, 1973. 177p.
  • 17 Attali e Guillaume afirmam que a abordagem da teoria do capital humano é "um exemplo do uso pervertido de uma análise indutiva: transforma Interdependências em casualidade, para afastar a explicação da diferenciação dos níveis de educação por fatores mais fundamentais, tais como o melo-amblente cultural e a origem social". (Attali, J. & Guillaume, M. A antieconomia - uma crítica à teoria econômica. Rio, Zahar, 1975. p. 202 Para uma critica dos termos "capital humano" veja em especial Leite Lopes,
  • 18 Marchal, J. & Lecalllon, Jacques. Is the income of the "cadres" a special class of wages? The Quarterly Journal of Economics, Cambridge, v. 73, n. 2, p. 166-82. May 1958.
  • 20 Dahrendorf, R. Claas and class conflict in industrial society. 6. ed. Stanford, Stanford University Press, 1967. 366 p.
  • 22 Mata, Milton & Bacha, Edmar. Emprego e salários na indústria de transformação. 1949/1969. Pesquisa a Planejamento Econômico. Rio, v. 3, n. 2, p. 303-40. jun. 1973.
  • 24 Wachtel, H. Class consciousness and stratification in the labor process. The Review of Radical Political Economics, v. 6, n. 1, p. 10-2, Spring 1974. p. 10-2.
  • 26 Bowles, Samuel. The integration of higher education into labor sistem. The Review of Radical Political Economics, v. 6, n. 1, p. 107. Spring 1974.
  • 28 Thurow, Lester & Lucas, Robert. The American distribution of Income: a structural problem. Washington D. C. Joint Economic Committee, E.S. Government Printing Office, 1972.
  • 29 Schultz, Theodore. O valor econômico da educação. Rio, Zahar, 1967. 101 p.
  • 35 A expressão R2- R2i, onde R2 é o coeficiente de determinação de regressão em que todas as variáveis independentes são consideradas e R2i é o coeficiente de determinação na regressão em que a variável i é excluída, nos dá a contribuição marginal da variável i. A expressão R2 - dá ás variáveis diversas explicativas na regressão em que todas as variáveis independentes são consideradas. Veja Theil, H. Principies of econometrics. New York, John Wiley e Son., 1971. p. 179.
  • 36 Pode-se demonstrar que não há razão para que a multicolinearidade afete seriamente a estimativa da variância residual. Assim sendo, as estimativas das variâncias das estimativas dos parâmetros serão indicadores adequados da existência de multicolinearidade. O efeito de uma variável independente pode ser suficientemente forte, de tal maneira que os respectivos coeficientes se mostrem estatisticamente diferentes de zero apesar da multicolinearidade; uma multicolinearidade bastante alta impedirá, entretanto, que se detecte a influência de variáveis importantes. Veja Johnston, J. Econometrics methods. 2. ed. New York, McGraw-Hill Book Company, 1973. p. 162-3.
  • *
    Os autores agradecem a orientação dos Profs. Rodolfo Hoffmann e Oriowaldo Queda e os comentários de Edmar L. Bacha na elaboração do presente trabalho.
  • 1
    Langoni C. G.
    Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro. Expressão e Cultura, 1973. 315 p. Para uma abordagem mais completa da teoria do capital humano veja Hansen, Lee, ed.
    Education, Income and human capital. New York, Columbia University Press, 1970. 320 p. ; ou ainda Becker, G.
    Human capital. New York, Columbia University Press, 1964. 187 p.
  • 2
    Sempre que usarmos este termo entre aspas estamos nos referindo à explicação estatistica, isto é, à contribuição marginal da variável independente para as diferenças observadas na variável dependente.
  • 3
    Veja em especial: Tolipan, R. & Tinelli, A., org.
    A controvérsia sobre a distribuição de renda e desenvolvimento. Rio, Zahar, 1975. 319 p. ; Hoffmann, R. Considerações sobre a evolução recente da distribuição da renda no Brasil.
    Revista da Administração de Empresas, Rio, FGV, v. 13, n. 4, p. 7-17, out./dez. 1973; Fischlow, A. O grande debate da distribuição de renda: uma réplica mais completa.
    Estudos Econômicos, São Paulo.v.4,n. 3, p. 155-70, 1974; Carnoy M. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico no Brasil: um comentário.
    Revista de Administração de Empresas, Rio, FGV, v.14,n,4, p. 86-93, jul./ago. 1974. As réplicas de Langoni a essas criticas podem ser encontradas em: Langoni, C. G. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico: uma reafirmação. Rio,
    Ensaios Econômicos, EPGE/FGV, 1973 mimeogr. , e em Langoni, C. G. Distribuição de renda: uma versão para a minoria.
    Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio, v. 4, n. 1, p. 167-80. fev. 1974.
  • 4
    Fischlow, A. Brazilian income size distribution: another look. Berkeley, University of California, 1974. 112 p. datilogr. : Malan, P. Ainda sobre a distribuição de renda.
    Revista de Administração de Empresas, Rio, FGV, v. 14, n. 2, p. 116-23, mar/abr. 1974; Graziano da Silva, J. F. Interpretação critica de alguns recentes estudos sobre distribuição de renda no Brasil. Dissertação de mestrado apresentada à ESALQ/USP, Piracicaba, SP, 1974. 181 p.
  • 5
    A empresa em questão é uma sociedade anônima em que 80% das ações pertencem a um grupo de 10 individuos com parentesco entre si e que detêm tres dos quatro cargos eletivos da diretoria. O número de empregados registrados no mês de abril de 1974 era de 219 pessoas, tendo a folha de pagamento neste mês alcançado o total de Cr$ 197 100,97. O lucro liquido da empresa no ano de 1973 foi de aproximadamente Cr$ 6 milhões. Os diretores, por ocuparem cargos eletivos e terem participação acionária na empresa, para efeito legal, são considerados empregadores. Os dados referentes a esses individuos foram obtidos em entrevistas diretas.
  • 6
    Pastore e Bianchi utilizaram um modelo causal, recorrendo à técnica da análise de trajetória (
    path analysis) para explicar a variância de salários de uma amostra de 22 587 profissionais especializados da indústria de transformação paulista. A variável dependente era o sálàrio-hora do Individuo e as variáveis individuais (1) capacitação profissional. (2) importância funcional, (3) idade, (4) tempo de firma e (5) tempo no cargo. Para maiores detalhes ver Pastore, J. & Bianchi, Ana Maria F. Determinação de salários: uso de um modelocausal.
    Estudos Econômicos, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 7-26, 1974.
  • 7
    No modelo linear, admite-se que os erros são homocedásticos, isto é, V(e
    h) = E(e
    ) =
    γ
    2
    Considerando que seja utilizado o modelo log-linear onde
    Zh = 1n Yh
    Uma vez que, neste caso,
  • 8
    Langoni, op. cit. p. 107.
  • 9
    Langoni, op. cit. p. 104.
  • 10
    Para uma discussão das limitações dos dados do censo de 1970 veja Graziano da Silva. op. cit. p. 70-89.
  • 11
    Pastore, J.
    Determinantes da diferenciais de salários. Tese de Livre Docência apresentada à Faculdade de Economia e Administração da USP, São Paulo, 1973. 177p.
  • 12
    Pastore, op. cit. p. 157.
  • 13
    Em nossas entrevistas ouviu-se, freqüentemente, a explicação de "eficiência" e "confiança", como justificativa para as diferenças de remuneração de pessoas que ocupam a mesma função administrativa. Por exemplo, a "secretária do chefe" tem um salário mais alto "porque é uma pessoa de absoluta confiança" do mesmo.
  • 14
    Pastore, op. cit. p. 156.
  • 15
    É confortador relembrar que o próprio Langoni (1973, p. 139) reconhece que "a educação parece ser um Importante meio através do qual o
    status social influencia a renda dos Individuos", multo embora nas suas conclusões ele abandone qualquer proposta no sentido de que uma politica visando a redistribuição da renda deva atuar sobre a riqueza das famílias. Ao contrário, ele procura argumentar que os mecanismos através dos quais o
    status social condiciona o acesso à educação tendem a ser menos operantes com o desenvolvimento econômico e que, portanto, a educação serla a variável relevante para a politica econômica.
  • 16
    Pastore, op. cit. p. 156.
  • 17
    Attali e Guillaume afirmam que a abordagem da teoria do capital humano é "um exemplo do uso pervertido de uma análise indutiva: transforma Interdependências em casualidade, para afastar a explicação da diferenciação dos níveis de educação por fatores mais fundamentais, tais como o melo-amblente cultural e a origem social". (Attali, J. & Guillaume, M.
    A antieconomia - uma crítica à teoria econômica. Rio, Zahar, 1975. p. 202 Para uma critica dos termos "capital humano" veja em especial Leite Lopes, J. S. Sobre o debate da distribuição de renda: leitura critica de um artigo de Fishlow. In: Tollpan & Tinelll, org. op. cit. p. 304-11.
  • 18
    Marchal, J. & Lecalllon, Jacques. Is the income of the "cadres" a special class of wages?
    The Quarterly Journal of Economics, Cambridge, v. 73, n. 2, p. 166-82. May 1958.
  • 19
    Pastore, op. cit. p. 155.
  • 20
    Dahrendorf, R.
    Claas and class conflict in industrial society. 6. ed. Stanford, Stanford University Press, 1967. 366 p.
  • 21
    Burocracia refere-se a principios de organização que se caracterizam pela racionalidade da tomada de decisão, pelas relações sociais impessoais, "rotinização" das tarefas e centralização da autoridade.
  • 22
    Mata, Milton & Bacha, Edmar. Emprego e salários na indústria de transformação. 1949/1969.
    Pesquisa a Planejamento Econômico. Rio, v. 3, n. 2, p. 303-40. jun. 1973.
  • 23
    Bacha, E.
    Hierarquia e remuneração gerencial. In: Tolipan & Tinelli, org. op. cit. p. 135.
  • 24
    Wachtel, H. Class consciousness and stratification in the labor process.
    The Review of Radical Political Economics, v. 6, n. 1, p. 10-2, Spring 1974. p. 10-2.
  • 25
    Attali & Guillaume, op. cit. p. 204-5.
  • 26
    Bowles, Samuel. The integration of higher education into labor sistem.
    The Review of Radical Political Economics, v. 6, n. 1, p. 107. Spring 1974.
  • 27
    Carnoy. op. cit. p. 91.
  • 28
    Thurow, Lester & Lucas, Robert.
    The American distribution of Income: a structural problem. Washington D. C. Joint Economic Committee, E.S. Government Printing Office, 1972.
  • 29
    Schultz, Theodore.
    O valor econômico da educação. Rio, Zahar, 1967. 101 p.
  • 30
    Schultz. op. cit. p. 76-7.
  • 31
    Da mesma maneira, os coeficientes da variável hierarquia no modelo (3) também estão superestimados.
  • 32
    Langoni não inclui a variável tempo de serviço e utiliza setor de atividade e região (que na nossa análise podem ser considerados como variáveis de controle); ele utilizou 7
    dummies para representar idade, ao passo que nós medimos essa variável diretamente, em anos.
  • 33
    Langoni, op. cit. p. 133. Nos dados com que trabalhamos, esse problema não existe porque foram eliminados os rendimentos não provenientes de salários.
  • 34
    Langoni, op. cit. p. 103.
    35 A expressão
    R2- R2i, onde
    R2 é o coeficiente de determinação de regressão em que todas as variáveis independentes são consideradas e
    R2i é o coeficiente de determinação na regressão em que a variável i é
    excluída, nos dá a contribuição marginal da variável i. A expressão
    R2 -
    dá ás variáveis diversas explicativas na regressão em que todas as variáveis independentes são consideradas. Veja Theil, H.
    Principies of econometrics. New York, John Wiley e Son., 1971. p. 179.
  • 36
    Pode-se demonstrar que não há razão para que a multicolinearidade afete seriamente a estimativa da variância residual. Assim sendo, as estimativas das variâncias das estimativas dos parâmetros serão indicadores adequados da existência de multicolinearidade. O efeito de uma variável independente pode ser suficientemente forte, de tal maneira que os respectivos coeficientes se mostrem estatisticamente diferentes de zero apesar da multicolinearidade; uma multicolinearidade bastante alta impedirá, entretanto, que se detecte a influência de variáveis importantes. Veja Johnston, J.
    Econometrics methods. 2. ed. New York, McGraw-Hill Book Company, 1973. p. 162-3.
  • 37
    A contribuição marginal da educação no modelo (7) foi de 1,52% e de 1,23% no modelo (10); a da variável hierarquia, 18,13% e 28,59, respectivamente.
  • 38
    Graziano da Silva, op. cit. p. 122.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Out 1975
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