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Um modelo de expansão e modernização do sistema financeiro para pequenas e médias indústrias

ARTIGOS

Um modelo de expansão e modernização do sistema financeiro para pequenas e médias indústrias

Frederico Robalinho de Barros

Engenheiro e PhD em economia, coordenador de Estudos Econômicos do IPEA/INPES - Rio de Janeiro

Os mais importantes estudos práticos e teóricos sobre as pequenas e médias indústrias mostraram que, em geral, este extrato industrial caracteriza-se por um deficiente sistema técnico-administrativo e, em especial, por uma profunda carência de assistência financeira. Por outro lado, os enfoques utilizados na maioria dos estudos têm sido orientados, essencialmente, para uma identificação dos obstáculos técnicos e, a posteriori, para a formulação de estratégias e sugestões que objetivam à minimização destas deficiências técnicas e administrativas das pequenas e médias indústrias. Entretanto, o aspecto mais crucial do extrato, que é a carência de uma assistência financeira compatível com suas características estruturais e que se constitui no cerne do problema, não tem sido, até o momento, apreciado com o cuidado que deveria merecer.

Embora a pequena e média indústrias tenham recebido ultimamente atenções especiais por parte de instituições governamentais não foi, por outro lado, esquematizada ainda uma solução para o problema crítico, qual seja o de maior incentivo financeiro àquele extrato. Não obstante tais limitações, todas as indicações relativas à situação das pequenas e médias indústrias no País revelam o papel dinâmico que desempenham no sistema industrial e na promoção do desenvolvimento econômico. Assim, na etapa atual do desenvolvimento industrial, as pequenas e médias indústrias têm-se tornado instrumentos cada vez mais imprescindíveis para o preenchimento de lacunas nas áreas econômicas e sociais, quer em termos de uma contribuição mais efetiva para o valor de transformação industrial, quer para maior contribuição no absorver de mão-de-obra. Dessa forma, não se deve colocar a questão das pequenas e médias indústrias como a de uma carga transitória para a economia, mas sim, como de uma parcela importante da força produtiva, que deve evoluir de modo a capacitar a nação a um desenvolvimento acelerado e de forma integrada.

Admitida, então, a validade de se criar uma política mais realista com aplicação às pequenas e médias indústrias, em particular na área de financiamento, com a finalidade de se alcançarem maiores taxas- de crescimento daquele extrato e permitir, também, um acompanhamento de sua evolução tecnológica, este artigo objetiva a proposição de um mecanismo institucional capaz de canalizar maiores recursos de capital para essas indústrias tendo em vista, sobretudo, metas mais globais de desenvolvimento industrial. Em outras palavras, a abordagem realizada aqui compreende, basicamente, a formulação de uma estratégia a ser implantada, a nível estadual, dentro do atual sistema financeira do País.

1. IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DAS PEQUENAS E MÉDIAS INDÚSTRIAS 1 1 Este item foi extraído em grande parte dos resultados do estudo: Pequena e média indústria: análise dos problemas, incentivos e sua contribuição ao desenvolvimento, de Frederico Robalinho de Barros e Rui Líyrio Modenesi - IPEA/INPES, 1973. Em especial, cabe destacar que a referida parte deve-se à excelente análise de dados estatísticos do IBGE/DEICON para o ano de 1969, realizada pelo economista Rui Lyrio Modenesi, na participação daquele trabalho.

Os estudos do processo de industrialização no mundo revelam sempre a importância da pequena indústria moderna dentro da estrutura industrial e o papel dinâmico que desempenha no sistema industrial e na promoção do desenvolvimento e do crescimento econômico.

No que tange às pequenas e médias indústrias no prisma econômico mundial, sobretudo nos países mais avançados econômica, social e tecnicamente, sua importância tem sido grande. Com efeito, em países como os Estados Unidos, Alemanha Ocidental, Japão, Inglaterra e outros, a presença destas indústrias tem-se constituído em fator básico para o fortalecimento industrial e o preenchimento de importante lacuna social, que é a absorção de mão-de-obra. Este julgamento baseia-se em dados estatísticos de diversos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe, contrariamente à primeira impressão, um considerável número de pequenos estabelecimentos. As pequenas e médias indústrias naquele país empregam parte importante de toda mão-de-obra e participando ativamente na transformação industrial. No ano de 1958 naquele país, 91% de todos os estabelecimentos empregavam 27% de todos os operários, produzindo 23% do valor total da transformação industrial.

A importância relativa da pequena indústria na Alemanha Ocidental e na Inglaterra é tão grande ou maior do que nos Estados Unidos: ela emprega 27 e 26% de toda a mão-de-obra, respectivamente.

Por outro lado, as participações do emprego em pequenas indústrias no total da mão-de-obra são ainda bem mais altas em outros países como Nova Zelândia (62%), Japão (56%) e Suécia (36%). Outro aspecto de importância observado dentro da experiência dos países mais industrializados é o da tendência para a estabilização da participação relativa das pequenas e médias empresas no setor industrial. Em outras palavras, ao contrário de haver uma tendência para o desaparecimento das pequenas empresas nos países, ocorre estabilização do nível dessa participação em valores consideravelmente significativos.

1.1 Participação no valor da transformação industrial (VTI)

Considerando separadamente os três estratos industriais - pequena e média e grande - observa-se que, em 1969,2 2 Foi considerado o ano de 1969 por ter os dados mais recente da Produção industrial. Compilados pelo IBGE/DEICON. os pequenos e médios estabelecimentos industriais predominavam na indústria de transformação brasileira, na proporção de 98,2%, representando, as pequenas indústrias, isoladamente, quase 90% do total. Em conjunto o grande contingente de pequenas e médias indústrias destaca-se mais por sua contribuição ao emprego (63%) do "que pela formação do produto industrial, que é de 56% do VTI (valor de transformação industrial).

No tocante à produtividade, e tomando como medida indicativa a relação entre o VTI e o total de pessoal ocupado, pode-se dizer que a produtividade da mão-de-obra varia, também em sentido crescente, da pequena (Cr$ 13 mil/pessoa ocupada) para a média (Cr$ 18 mil/pessoa ocupada) e a grande indústria (Cr$ 21 mil/pessoa ocupada).

Considerando o quadro 1, observa-se que, em 1969, a pequena e média indústrias contribuíram com mais de 2/3 do VTI em sete gêneros industriais, notadamente mobiliário (89 %) , couros e peles (87%), madeira (82%) e alimentício (80%). Em apenas seis gêneros, a participação da pequena e média indústria foi inferior à metade do VTI, tendo alcançado seu valor mínimo em material de transportes (26%).


Deve-se ressaltar que a classificação dos gêneros industriais por importância da pequena e média indústrias, em relação às duas variáveis escolhidas VTI e número de estabelecimentos, apresenta divergência relativamente pouco significativa em sua parte superior. Assim, a pequena e média indústrias destacam-se quanto à taxa de participação, em termos do número de estabelecimentos fabris, nos setores de madeira, couros e mobiliário com 99,8% do total. Além disso, os sete gêneros em que o VTI contribuía com mais de 2/3 dos VTI são, precisamente, aqueles em que ela absorve maior parcela quanto ao número de estabelecimentos fabris (com exceção de editorial e gráfica, e minerais não-metálicos).

Nos sete gêneros, em que a participação da pequena e média indústrias é intermediária em termos de VTI (variando de 66% em perfumaria a 52% em material plástico, química e papel e papelão), observa-se uma discrepância relativamente menor entre a classificação quanto ao VTI.

Os seis gêneros em que a participação da pequena e média indústrias é de menos da metade do VTI, por ordem decrescente, são: têxtil, metalurgia, material elétrico, borracha, fumo e material de transportes. Quanto ao número de estabelecimentos, a pequena e média indústrias apresentam, nos gêneros de borracha e fumo, participação intermediária, ganhando essa posição da farmacêutica, e papel e papelão.

Cumpre notar que a indústria têxtil surge como o gênero em que a pequena e média indústrias têm menor percentagem de estabelecimentos e contribuição maior para o VTI. Tal resultado, aparentemente surpreendente, parece indicar que nessa indústria, ao contrário do que ocorre em todas as outras dos demais gêneros, a produtividade é, na pequena e média indústrias, superior à da grande indústria. Esse fenômeno parece ser explicável especialmente no tocante à região Nordeste, quando lembramos que, entre as metas prioritárias da Sudene, desde o seu surgimento, no início da década passada, figurou o reequipamento e modernização da indústria têxtil do Nordeste.3 3 Ver Sudene II Plano Direto de Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste 1963-65. Recife, 1968. p. 44. Na verdade, hoje, o parque têxtil do Nordeste destaca-se por sua alta produtividade, daí o surgimento de grande número de pequenas e médias indústrias de confecções, como resultado da política de fortalecimento do setor. Na região Sul e Sudeste, a grande maioria da indústria têxtil de portes pequeno e médio também se reequipou, sobretudo no pólo industrial de Blumenau e Joinville, em Santa Catarina. Por outro lado, as grandes indústrias têxteis estão passando por um lento processo de modernização, evidentemente com algumas exceções.

No quadro 2, a seguir, destaca-se que, na constituição do VTI, cada um dos três tamanhos de indústria exerce predominância.


Observa-se que a pequena indústria é responsável por elevada parcela do VTI gerado em madeira (71%) e mobiliário (60%). Destaca-se, ainda, a pequena indústria em couros e peles (45%), vestuário e calçados (39%), sendo nesses dois gêneros seguida de perto pela média indústria, que respondeu por 42% do VTI no primeiro e 34% no segundo.

A média indústria predomina sobre a grande e pequena na formação do VTI de seis gêneros, desde 47% em diversos até 36% em editorial e gráfica. Neste gênero, observa-se uma distribuição menos desigual do VTI, cabendo às grandes 33% e às pequenas indústrias 31% desse valor. A predominância da média indústria sobre a grande é relativamente pequena em mecânica e quase que imperceptível na farmacêutica, cabendo à pequena indústria 21% do VTI, na primeira e apenas 10% na última.

A grande indústria gera a maior parte do VTI em 11 gêneros, cabendo-lhe mais da metade deste valor em material de transportes (74%), fumo (73%), borracha (68%), material elétrico (60%) e metalurgia (58%). Em todos os 11 gêneros dominados pela grande indústria cabem à média de percentagens do VTI superiores às da pequena indústria, que têm suas maiores participações em minerais não-metálicos e bebidas.

1.2 Participação na geração de empregos

Conforme observado anteriormente, a pequena e média indústrias, em 1969, contribuíram com mais de 2/3 do VTI em sete gêneros industriais, notadamente mobiliário (89%), couros e peles (87%), madeira (82%) e alimentício (80%). Com a introdução da variável "número de empregos gerados", a pequena e média indústrias também se destacaram quanto à absorção de mão-de-obra, sobretudo nos setores de madeira (95%), mobiliário (93%) e couros e peles, com 89%. Para isso, observe-se o quadro 3, a seguir, o qual consigna o número de pessoas ocupadas por setores industriais no ano de 1969.


Por outro lado também, o grande relevo da pequena, média e grande indústrias como absorvedoras de mão-de-obra pode ser melhor ressaltado no quadro 4.


A pequena indústria, por conseguinte, lidera a absorção de mão-de-obra nos quatro setores industriais em que contribui majoritariamente para a formação do VTI e ainda em diversos, minerais não-metálicos e editorial e gráfica. Além disso, na indústria alimentícia, a pequena indústria equipara-se à média: a primeira emprega 41% do pessoal ocupado e a última 42%. Por outro lado, em minerais não-metálicos, ela supera a grande por reduzida margem: 42% contra 40%. Em bebidas, sua participação no emprego equivale à da grande indústria (36%).

Por outro lado, a média indústria ocupa maior contingente de mão-de-obra apenas em quatro dos seis setores industriais, em que é líder na criação do VTI (farmácia, alimentícia, perfumaria e mecânica), já que nos dois setores restantes (diversos e editorial e gráfica) a pequena indústria é a maior absorvedora de mão-de-obra. Ademais, em papel e papelão, e química, a média e a grande indústrias aparecem praticamente em igualdade de condições: na primeira, a percentagem da grande é de 37% e a da média 38%; na química, a percentagem da grande é de 38% e de 37% a da média.

A grande indústria é majoritária na geração de emprego em sete dos 11 setores industriais que têm maior parcela do VTI, uma vez que, como já se observou, em dois dos restantes, praticamente equivale à média (química, e papel e papelão), em um deles à pequena indústria (bebidas) e, por fim, é levemente superada por esta última em outro setor industrial (minerais não-metálicos).

Em conclusão à análise dos dados estatísticos apresentados, pode-se afirmar categoricamente que o Brasil é um país cuja estrutura industrial se caracteriza essencialmente por indústrias de portes pequeno e médio.

2. ALGUMAS DISTORÇÕES DO SISTEMA DE FINANCIAMENTO A PEQUENA E MÉDIA INDÚSTRIAS

A escassez de capital, característica da evolução industrial de um país em desenvolvimento, afeta em alto grau a pequena indústria no Brasil, freando seu desenvolvimento, ao impedir uma oportuna renovação do equipamento e maquinaria e a aquisição de novos elementos para sua ampliação e modernização. Este fenômeno influi, também, na disponibilidade de capital de giro, sobretudo nas regiões afetadas por processos inflacionários e impede que a pequena indústria beneficie-se das economias de escala nas compras e na comercialização por atacado, obrigando-a, muitas vezes, a recorrer a intermediários financeiros, com conseqüente aumento nos custos de operação.

Por outro lado, a pequena indústria não costuma ter acesso aos crédito externos. Somente em alguns casos pode utilizar esta fonte de financiamento, através de corporações de desenvolvimento ou de empresas intermediárias que, em geral, cobram juros superiores aos bancários, o que aumenta os preços de equipamentos e maquinarias.

Reconhecendo as circunstâncias em que se desenvolve a pequena indústria no que se refere a financiamento, diversas instituições estabeleceram mecanismos de assistência creditícia a este setor, adotando formas e modalidades diferentes, segundo as condições econômicas de cada um.

Há também uma noção geralmente aceita de que, nos países subdesenvolvidos, é necessária a intervenção da autoridade pública no processo de divisão e rateio da totalidade dos recursos disponíveis, para elevar mais rapidamente a taxa de crescimento de renda bruta e per capita internas; e isso porque o sistema puro de livre concorrência, face às distorções inerentes ao estágio social e econômico desses países, não imprime um ritmo de avanço condizente com as reivindicações justas de suas populações.

Com efeito, a ocorrência de um desequilíbrio estrutural, crônico, característico desses países, marcado pela precariedade dos serviços de transporte e energia, pela deficiência na produção e distribuição de artigos de subsistência, pela insuficiência de recursos para importar bens e serviços, pela modesta disponibilidade de técnica e mão-de-obra especializada etc, não permite que o livre embate do mercado conduza ao aproveitamento ótimo dos fatores de produção existentes, ou à remoção daqueles pontos de estrangulamento, pois isto exigiria investimentos maciços, de longo período de maturação e baixa rentabilidade. Os recursos privados inclinam-se, com bastante lógica, para os setores de atividade que possam produzir, por unidade de capital empregado, maior renda e a prazo mais curto, independentemente do aspecto de essencialidade que o empreendimento ofereça sob o ponto de vista do interesse da economia como um todo.

É defensável, portanto, a intervenção direta do Poder Público em certos setores da economia, sem que isso corresponda ao afastamento da empresa privada na realização do programa desenvolvimentista; ao contrário, incumbe à autoridade, na hipótese, proporcionar indiretamente as condições estimulantes que orientam os investimentos particulares para os setores cuja expansão se reclame prioritariamente.

Mais ainda: desde que as autoridades governamentais se disponham a intervir, cabe-lhes automaticamente a responsabilidade de fazer com que os recursos obteníveis não se concentrem apenas em suas mãos, nem se canalizem com exclusividade para grupos econômicos privados, nacionais ou estrangeiros, visando à exploração monopolista ou oligopolista daquelas atividades consideradas essenciais à programação de desenvolvimento econômico que estabelecer.

A parcela dos recursos governamentais tem que ser, outrossim, destinada à complementação dos capitais privados que se encaminhem para a materialização dos projetos específicos, não apenas a título de participação societária, mas também, e principalmente, através de operações de empréstimos e financiamentos a longo prazo, para todos os setores industriais, indistintamente do tamanho econômico da empresa.

A própria distribuição de recursos privados capitalizáveis deve obedecer a uma orientação geral, indireta, do Governo central, que também precisa valer-se, para o mesmo fim, de capitais externos provenientes de fontes de crédito particulares e oficiais.

Em linhas gerais, a distribuição e o escalonamento, no tempo de tais investimentos, devemse fazer objetivando à produção em cada setor de atividade, em nível que atenda plenamente, não só à demanda dos consumidores do produto final, mas também, à demanda intermediária do próprio setor, assim como dos demais setores que empregam o produto como fator de sua própria produção.

Dentro desta filosofia, impõe-se, correlatamente, que também o pequeno e médio empresários beneficiam-se de tais recursos, para que - se outras razões não houvesse - não se chegue às posições monopolistas ou oligopolistas a que nos referimos anteriormente.

Releva acentuar que, mesmo nos países altamente desenvolvidos, o problema do financiamento às empresas de menor porte tem causado preocupações sérias, justamente pela alta concentração das poupanças privadas nas grandes corporações. Neles - e com maiores razões no Brasil - um dos mais difíceis obstáculos que se antepõem às pequenas indústrias tem sido sua incapacidade de obter capital. Entre nós, o fato vem assumindo aspecto cada vez mais agudo, já apresentando caráter dramático.

É preciso não esquecer que já passou a época em que o pequeno empresário podia, com êxito, juntar aos seus recursos os de pessoas a ele mais chegadas, amigos e parentes, e com isso iniciar um empreendimento. O caso é que se vem tornando cada vez maior o volume de capital necessário para começar a operar eficazmente um negócio: mais máquinas e maior racionalização do trabalho, com maiores ônus iniciais, são precisos para obter custos de produção competitivos e propiciar serviço eficiente. Isto significa que, para a sobrevivência das pequenas empresas, é mister encontrar um meio através do qual possam elas obter capital como o fazem as grandes organizações.

Não se trata de empréstimos bancários convencionais mas, positivamente, de capitais societários e de empréstimos a longo prazo, dentro de novos esquemas para instalar, remodelar ou expandir a indústria.

Os bancos comerciais podem - e o fazem - proporcionar serviços essenciais à movimentação de negócios, seja das grandes, seja das pequenas empresas. Podem ainda - e o fazem - realizar empréstimos de baixo risco a prazo curto, na base de seus recursos disponíveis, para ensejar a recuperação mais rápida do capital de giro dos mutuários (estoques de matérias-primas, vendas a crédito, despesas correntes de formação de custo etc.). O que não podem, porque não se compreende entre suas finalidades e nem se ajusta à sua capacidade, é fornecer créditos a longo prazo para formação de capital fixo, e tampouco participar societariamente de atividades que fogem ao seu ramo de atuação.

No Brasil, mesmo as grandes organizações enfrentam sérias dificuldades para captar poupanças através do mercado de títulos, o qual, em que pese o relativo robustecimento que vem apresentando, está longe de atender aos reclamos da nossa economia. Por essa deficiência é responsável, em grande parte, a falta de um mecanismo regulador mais eficiente das sociedades financeiras ou bancos de investimentos.

A conseqüência manifesta-se também no crescente apelo das grandes empresas aos créditos oficiais, sobretudo através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, créditos que, por isso, ficam cada vez mais distantes dos pequenos e médios empresários.

Nos Estados Unidos, o caminho encontrado pelo governo para auxiliar as empresas de menor porte abrange desde o fornecimento de recursos públicos, na forma de empréstimos, a sociedade de investimentos, até a participação nos respectivos capitais próprios. As sociedades de investimento por sua conta e risco reemprestam obrigatoriamente aos pequenos e médios empresários, ou a eles se associam como condição básica para levantar aqueles recursos oficiais.

Na França e na Alemanha, o governo criou um fundo especial para fomento da produtividade, operando diretamente com as pequenas e médias empresas, auxiliando-as administrativa, técnica e financeiramente.

Nós, entretanto, apesar da existência do Fipeme e dos outros fundos existentes, estamos descurando perigosamente a questão.

Antes mesmo da criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o Banco do Brasil, pela sua Carteira especializada, devia acorrer às necessidades de capitais para investimentos fixos das empresas. Não o fez, contudo, no nível desejável, uma vez que não se capacitou para a obtenção de recursos que, na boa técnica, pudessem responder por aquelas operações, típicas de bancos de investimentos ou de sociedades afins.

O próprio Banco do Brasil, entretanto, através da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial, tem destinado a maior parte de seus recursos às empresas de grande porte. No ano de 1960, por exemplo, dos 1604 financiamentos que aquele estabelecimento contratou com empresas industriais, no montante global de 6,5 milhões de cruzeiros, 474 corresponderam a 5,7 milhões de cruzeiros.4 4 Banco do Brasil - CREAI - Financiamentos Industriais - 1960. Cifras em cruzeiros de 1972.

Em outras palavras, cerca de 30% dos beneficiados, que se conceituariam como grandes empresários, absorveram quase 88% dos créditos, dos quais, boa parcela, aliás, destinada a finalidades outras que não a aquisição de bens para instalações fixas.

2.1 O ciclo vicioso da carência de garantias da pequena e média indústrias

Nesse item, vamos abordar um dos problemas cruciais que afetam o desenvolvimento das pequenas e médias empresas no País, qual seja, o da carência de garantias reais para contrapartida de financiamento.

A carência de garantias para o lastreamento do crédito dá margem a solicitações de financiamento não condizentes com as necessidades das empresas, o que torna, em geral, a assistência financeira prejudicial aos seus próprios interesses. Em termos práticos, acontece, em geral, que os bancos de desenvolvimento, ou outras instituições financeiras, liberam o financiamento correspondente a um teto limitante, que é função da capacidade da empresa em oferecer garantias reais. As garantias reais exigidas pelas instituições de financiamento correspondem, em geral, a 1,4 vezes o valor do pedido do financiamento, além da exigência complementar de que os recursos próprios disponíveis pela empresa sejam iguais, ou quando muito, sensivelmente inferiores aos recursos de terceiros. Diante deste quadro de exigências, ocorre de imediato dois reflexos sobre as pequenas e médias indústrias. O primeiro é o de que, diante da natureza das IQI origens econômicas, técnicas e sociais deste estrato industrial, há, geralmente, grande limitação na oferta de valores reais a serem colocados em forma de penhora ou hipoteca para as instituições financeiras, o que vem gerar conseqüentemente um impedimento natural de acesso ao financiamento solicitado. O segundo reflexo, ainda do lado da pequena e média indústrias, consiste em que, diante das reais necessidades de capital, tanto para inversões fixas quanto para giro, aquelas empresas, em geral, aceitam as imposições das instituições financeiras de reduzirem o teto de financiamento, uma vez que elas não são capazes de cobrir as garantias solicitadas.

Ocorre que essa redução do nível de financiamento provoca um estrangulamento ainda mais crucial das pequenas e médias industrias, uma vez que as suas reais necessidades de capital, de trabalho ou inversões fixas não são atendidas na sua totalidade, comprometendo ainda mais os índices econômico-financeiros e, conseqüentemente, a estabilidade da empresa no mercado. Isso se deve ao fato de que, numa pequena ou média empresas, a produção não é transformada rapidamente em valores líquidos monetários, porquanto os fatores de produção não são tão eficientes como numa grande empresa.

A própria estrutura administrativa e organizacional de uma pequena ou média indústrias sofre os efeitos negativos de uma não-racionalização ou sistematização do processo produtivo. Assim, a repercussão negativa de um financiamento, não compatível com as necessidades das pequenas e médias indústrias, gera uma situação mais maléfica do que se aquelas empresas tivessem permanecido no status anterior ao financiamento, com seus próprios recursos de capital. Isso se explica pelo fato de que os custos gerados pelos novos encargos financeiros advindos do financiamento industrial, somados aos custos complementares provenientes do processo burocrático de solicitação do financiamento, tais como taxas e comissões, relativas à elaboração da proposta de financiamento, certidões negativas e outros documentos e seguros sobre os equipamentos adquiridos, fazem onerar o financiamento liberado a tal ponto, que, o somatório dos custos deste processo é sensivelmente igual, a médio ou longo prazo, aos lucros gerados pelo financiamento industrial, já reduzido.

Associado a esse fator de carência de garantia real, surge também o fator custo de capital e prazos de amortização. Entende-se que uma pequena e média indústrias, diante das dificuldades naturais existentes dentro do seu complexo técnico, econômico e administrativo, encontrem fortes obstáculos no que se refere à remuneração do capital investido. Por outro lado, sabe-se que as taxas de juros cobrados pelos bancos de desenvolvimento e de investimentos nas operar ções de financiamento para capital de giro ou inversões fixas são consideradas inconsistentes com a estrutura das pequenas e médias indústrias. Somado a este problema, deve-se salientar também o aspecto dos prazos de pagamento ou amortização, impostos por essas instituições financeiras. Em geral, o período estipulado para o retorno dos financiamentos é também incompatível com a capacidade destas indústrias de gerarem uma remuneração suficiente para atender àquelas exigências. Assim, a sucessão de tais impactos negativos sobre a estrutura da pequena e média indústrias atinge um ponto em que os encargos gerados provocam a completa insolvência e, conseqüentemente, o fechamento das atividades industriais de muitas daquelas unidades produtivas. Em alguns casos, quando algumas pequenas e médias indústrias atingem o que podemos chamar de zonas perigosas dos índices econômico-financeiros, são obrigadas a recorrer novamente a outras instituições financeiras, ou mesmo às anteriores que concederam o financiamento industrial e solicitam uma complementação de financiamento. Dificilmente são atendidas e, quando o são, há um comprometimento geral na estrutura daquelas empresas. Esta nova operação de financiamento resulta numa deterioração rápida e em escala crescente daquelas unidades industriais.

Assim, toda esta problemática desponta, quase que invariavelmente, nos pedidos de financiamentos por parte das pequenas e médias industriais, onde o não-atendimento das reais necessidades daqueles estratos industriais provoca uma insuficiência de remuneração do capital investido. Assim, por exemplo, se uma pequena ou média indústrias - vamos admitir - com um capital registrado de Cr$ 400 mil, após uma análise técnica e econômica sumária, chegar à conclusão da necessidade de, digamos, Cr$ 600 mil para capital de giro, a fim de obter melhores preços na aquisição de matérias-primas ou propiciar melhores condições de comercialização aos seus produtos finais, e de Cr$ 200 mil para inversões fixas, para a instalação de algumas máquinas complementares e construção de galpões industriais, terá aberto diante de si duas opções. A primeira é a de permanecer no mesmo status quo, sem recorrer a capital de terceiros, e continuar a competir de forma desigual com as empresas de maior porte dentro do mercado consumidor. A outra é evidente: solicitar os recursos de capital, de Cr$ 800 mil, para atender suas necessidades de giro e de inversões fixas.

Partindo do princípio de que uma unidade industrial de porte pequeno ou médio não é, em geral, capitalizada suficientemente para suprir com recursos próprios as suas necessidades, observa-se uma tendência natural de se recorrer às instituições financeiras. Para sermos mais precisos, vamos admitir que a referida pequena indústria recorra a um banco de desenvolvimento encaminhando, dentro dos padrões do banco, um pedido formal de financiamento à carteira ou divisão industrial. No instante em que o pequeno ou médio empresário inicia suas conversações com os técnicos do banco, podemos dizer que começa um processo técnico e burocrático que, em muitas ocasiões, desencoraja o pequeno ou médio empresário a levar adiante o pedido de financiamento. Vamos admitir que, devido à natureza persistente do pequeno e médio empresário, ele consiga superar essas barreiras iniciais exigidas pela instituição de crédito, quais sejam, uma variada gama de certidões negativas, os três últimos balanços e balancetes recentes, altamente detalhados, além de inúmeras informações de ordem técnica, econômica e administrativa da empresa solicitante. Procede-se, assim, portanto, a uma análise técnico-econômica da empresa, em geral baseada no preenchimento de um amplo questionário exigido pelo banco.

Por outro lado, na análise dos índices econômicos e financeiros da empresa é que surgem os primeiros obstáculos para um financiamento rápido e eficiente, ou seja, tendo a empresa solicitado um financiamento de Cr$ 800 mil, são feitas duas exigências básicas: a) em geral, o banco exige que a participação de recursos de terceiros no financiamento industrial, quer para capital de giro, quer para inversões fixas, seja igual ou, em alguns casos, sensivelmente inferior à participação dos recursos próprios da empresa solicitante; b) o banco, em geral, estabelece que a empresa solicitante ofereça em garantias reais um valor equivalente a 1,4 vezes o valor do pedido de financiamento.

Como se observa, estas duas exigências básicas feitas pelos bancos de desenvolvimento provocam um teto limitante ao crescimento das pequenas e médias indústrias. Nesse caso específico exemplificado, o teto é de Cr$ 400 mil, ou seja, o capital registrado da empresa. Mesmo na hipótese de a empresa conseguir demonstrar a sua real necessidade de um volume de financiamento superior ao seu capital de Cr$ 400 mil, surge a segunda condicionante relativa às garantias reais que, definitivamente, limita o acesso daquela empresa a uma instituição financeira. Atingida, então, a situação em que o pequeno ou médio empresário não pode elevar o seu capital de Cr$ 400 mil para Cr$ 800 mil e tampouco oferecer em garantias reais 1,4 vezes o valor do financiamento solicitado, ou seja, Cr$ 1120 mil, isto provoca a desistência de pedido de financiamento por parte do pequeno ou médio empresário. Nessas circunstâncias, o banco surge, em geral, com uma "solução" aparentemente exeqüível e consistente para a empresa, ou seja, é sugerida uma redução no nível do financiamento solicitado para o nível exigido pelo banco, a fim de que possam ser minimizados os riscos operacionais do banco. Em geral, é feita a exigência de que a pequena empresa solicitante reduza o pedido de crédito ao nível equivalente ao seu capital registrado.

Usualmente, as empresas aceitam as imposições feitas pelos bancos. Assim, as empresas de portes pequeno e médio recebem um financiamento igual ao seu capital registrado. Por outro lado, como foi afirmado anteriormente, o financiamento concedido pelo banco não vem solucionar as reais necessidades daquelas empresas, impedindo-lhes, assim, maior taxa de expansão da capacidade produtiva e, conseqüentemente, maior evolução econômica e financeira. É bem verdade que ocorre, em muitos casos, que o empresário pequeno ou médio recorre a bens (imóveis, propriedade etc.) de terceiros, a fim de conseguir oferecer aquelas garantias exigidas para a obtenção do financiamento industrial. Nesses casos específicos há, pelo menos, uma alternativa restante de crescimento daquelas poucas pequenas e médias indústrias; entretanto, no primeiro caso, quando os empresários de portes pequeno e médio não podem oferecer garantias reais, a situação torna-se mais grave.

No exemplo citado anteriormente ocorre, em geral, um estrangulamento no processo produtivo por deficiência de capital de giro e uma estagnação na expansão da capacidade produtiva das pequenas ou médias indústrias. Como, em geral, os prazos de amortização dos financiamentos estão em torno de 24 a 36 meses, o pequeno ou médio empresário somente perceberá a situação de insolvência da sua empresa quando as alternativas de sobrevivência forem praticamente mínimas. Em alguns casos, quando as empresas atingem esse nível de insolvência, alguns empresários recorrem a outras instituições, a fim de conseguir uma complementação do financiamento para sanar, econômica e financeiramente, a sua empresa. Nessas circunstâncias, as soluções oferecidas por qualquer outra instituição financeira, ou mesmo aquela instituição que concedeu o financiamento, são evidentemente paliativas, uma vez que o segundo financiamento tornará a situação da pequena ou média indústria mais crítica e mais comprometedora.

Tudo isso cria um ciclo, que podemos chamar de ciclo da carência de garantias reais versus financiamento para as pequenas e médias indústrias. Com efeito, a ocorrência de um desequilíbrio estrutural, crônico, característico das pequenas e médias indústrias, marcadas pela precariedade da sua administração e do seu índice tecnológico, como também pela deficiência na produtividade e, sobretudo, na distribuição e comercialização dos produtos finais, e pela modesta disponibilidade financeira, cria esse ciclo, que chamamos de vicioso.

A explicação lógica desse ciclo é que, sendo por natureza pequena e média indústrias, incapazes de oferecer garantias reais para a obtenção de financiamentos industriais para uma regular e estável taxa de expansão, não podem ter acesso ao crédito disponível dos bancos de desenvolvimento. Em conseqüência da impossibilidade de financiamentos compatíveis com as necessidades reais das pequenas e médias indústrias, seu crescimento é inibido. A inibição decorre de falta de capacidade financeira para obter maior taxa de expansão. Finalmente, a falta de capacidade financeira é originada pela carência de garantias reais existentes nesse estrato industrial. Assim, dentro da estrutura de financiamento industrial da parte dos bancos de desenvolvimento é que se desenvolve o ciclo descrito anteriormente, que tem características evolutivas cada vez mais abrangentes. Releva acentuar que a presença desse círculo vicioso de carência de garantias reais versus financiamento industrial é mais aguda nos bancos de investimentos, os quais, pela sua natureza privada e comercial, procuram objetivar sempre a maximização dos lucros ou retorno do capital investido nas suas operações financeiras. Nestas condições, sendo os bancos de investimento também repassadores dos fundos destinados às pequenas è médias indústrias, como o Fipeme, Finame, PIS etc, há uma afluência natural de pedidos de financiamentos a esses bancos por parte de pequenas e médias empresas. Dessa forma, sendo a pressão de demanda nos bancos de investimentos relativamente alta, isto lhe dá condições de fazer extrapolações no seu critério de financiamento industrial. Em linhas gerais, portanto, o critério básico adotado pelos bancos de investimentos concentra-se excessivamente sobre as garantias reais a serem oferecidas pelas empresas.

Dessa forma, independentemente do grau de viabilidade econômica e técnica, da consistência do projeto e da capacidade empresarial, o financiamento é concedido estritamente em função do critério da capacidade de oferecer garantias reais, que se torna, portanto, o mais importante.

Sem embargo, os bancos de investimentos demonstram pouco interesse em financiar empresas industriais que não estejam capacitadas a oferecer garantias reais como forma de contrapartida do financiamento. Em conseqüência dessa limitação estrutural, a oferta subseqüente de assistência financeira às pequenas e médias indústrias não oferece bases fundamentadas para um fortalecimento desse setor. Como se pode observar, os bancos de investimentos não operam, portanto, dentro da filosofia em que foram inicialmente estruturados.

Na verdade, até agora, a maior parcela dos recursos dos bancos de investimentos tende a ser aplicada a curto prazo, em negociações comerciais ou industriais com grupos que se mostram consideravelmente estáveis e sólidos. Isso é demonstrado pelo fato de que, do total dos financiamentos de empréstimos ou de participações contratados, apenas uma pequena parcela foi destinada às pequenas e médias indústrias. Em outras palavras, a maior participação dos financiamentos foi destinada às grandes empresas industriais e comerciais. Do ponto de vista da economia como um todo, pode-se dizer que os bancos de investimentos procuram canalizar seus recursos para aqueles setores industriais ou não industriais que propiciarem melhores retornos de capital. Entretanto, dentro do ponto de vista de uma concepção de política de desenvolvimento industrial, parece haver alguma inconsistência no apoio àquele extrato que é o de maior importância estrutural do País, ou seja, as pequenas e médias indústrias.

Das observações anteriores sobre a atuação dos financiamentos dos bancos de desenvolvimento e dos de investimentos, pode-se depreender a existência de um certo grau de correlação entre a taxa de crescimento, o coeficiente de fortalecimento tecnológico (índice tecnológico), o tamanho das empresas industriais e, finalmente, o grau de concentração dos financiamentos. O resultado de uma análise dessas relações pode levar a concluir que, em vista das condicionantes do financiamento industrial, apenas as grandes empresas industriais encontram livres os corredores de expansão de sua capacidade produtiva, havendo, conseqüentemente, uma marginalização do extrato de pequenas e médias indústrias.

Dentro da teoria econômica, pode-se esperar que, naqueles setores que apresentem maiores economias de escala, exista uma tendência natural para uma maior absorção do fluxo de financiamento provindo dos estabelecimentos de crédito e, conseqüentemente, uma maior evolução na relação capital/produto em função do tempo. Pelo menos dois fatores podem ser responsáveis por essa concentração dos financiamentos e conseqüente marginalização das indústrias de porte pequeno e médio. Estes fatores, relacionados com o tamanho característico da indústria, medido em termos de emprego ou do valor da produção são: as diferenças na estrutura de preços relativos entre as empresas e as diferenças da produtividade da mão-de-obra. Embora as causas de uma maior concentração dos investimentos nas grandes empresas possam ser explicadas por uma análise econômica, está longe de ser justificado, dentro de uma política mais ampla de desenvolvimento e de investimentos, que a única razão da marginalização das pequenas e médias indústrias no processo de financiamento industrial seja a sua incapacidade de oferecer garantias reais para financiamentos.

Nesse particular, seria de considerável importância introduzir mecanismos capazes de corrigir tal situação de desvantagem dessas empresas em relação às grandes, possibilitando-lhes melhores condições para suportar freqüentes estrangulamentos de ordem financeira.

Finalizando, deve-se reafirmar que o cerne do problema de financiamento das pequenas e médias indústrias é a completa ausência de meios reais que garantam os financiamentos solicitados.

2.2 O processo natural de concentração de financiamentos industriais

Dentro do atual sistema de financiamento industrial, torna-se relativamente fácil distinguir dois fluxos de canalização natural de recursos. O fluxo provindo do estrato de grandes indústrias e o fluxo originário do extrato das pequenas e médias indústrias.

Para uma melhor visualização e caracterização do sistema de financiamento, vamos denominar os fluxos provenientes de ambos os extratos industriais como fluxos de demanda de recursos de capital. Evidentemente, o sentido operacional desses dois fluxos é dirigido para o complexo ou sistema institucional de financiamento do País. Por sistema ou complexo institucional de financiamento, chamamos o conjunto de bancos de desenvolvimento e de investimentos ou outras instituições financeiras aglutinadas em um só conjunto de forças institucionais, políticas, técnicas e administrativas. Na verdade, não se pode, dentro desta análise, abstrair a idéia da existência de diferenciações de forças e interesses no conjunto financeiro nacional. Entretanto, para efeitos de simplificação do entendimento do mecanismo operacional, vamos admitir que em tal conjunto financeiro não haja qualquer obstáculo ou impedimento técnico, administrativo e político que, em princípio, venha a conflitar com os interesses do desenvolvimento industrial harmônico do País. Em outras palavras, é considerado que haja um livre acesso perfeitamente fluído dos fluxos de demanda de recursos de capital de ambos os extratos industriais.

Tais fluxos de demanda de recursos de capital são, portanto, dirigidos para o sistema financeiro. Por sua vez, o sistema financeiro institucional, dentro da sua competência técnica, política e administrativa, gera então uma saída de recursos de capital, que denominamos de fluxo total de oferta de recursos de capital.

A intensidade da saída de recursos de capital é, evidentemente, função de duas variáveis básicas. A primeira, a intensidade do fluxo de demanda de recursos de capital provindos dos extratos das grandes e pequenas indústrias e, a segunda, a capacidade geradora de recursos de capital do sistema financeiro. Por capacidade geradora de recursos de capital chamamos ao grau de capacidade técnica e administrativa de uma instituição financeira de liberar financiamentos em função da variável tempo. Assim, em continuação a esse processo de financiamento, é, portanto, gerado um fluxo de recursos de capital que, em retorno ao sistema produtivo, é dividido em dois subfluxos. Os dois subfluxos são dirigidos, um para o extrato de grandes indústrias e o outro para o das pequenas e médias industrias. Atingindo esse nível, o processo tem, então, continuidade, uma vez que o ciclo do sistema produtivo irá gerar bens de consumo, ou bens de capital, cujo resultado financeiro é novamente canalizado para o sistema financeiro, a fim de saldar os compromissos antes assumidos, ficando apenas nos extratos industriais um resíduo financeiro positivo, comumente chamado de lucro, que, posteriormente, é incorporado ao estoque de recursos próprios de capital da empresa.

Entretanto, historicamente, observa-se que, dentro deste fluxo de financiamento, o subfluxo dirigido para o extrato de grandes indústrias é consideravelmente mais intenso e constante do que o que se encaminha para as pequenas e médias indústrias.

Assim, na verdade, se concebermos o sistema como um fluxo hidráulico, haverá maior fluidez de recursos para as grandes indústrias. Por seu turno, essa maior canalização de recursos de capital para o extrato de grandes indústrias gera vima maior concentração de financiamento para aquele setor. A fim de se visualizar melhor esse processo de destinação de recursos de capital por parte do sistema financeiro e a sua conseqüente concentração no extrato de grandes indústrias, apresentamos, em seguida, um esquema que caracteriza o sistema.

Esse processo de concentração de financiamentos industriais é evidente no nosso atual sistema e tem características evolutivas, apresentando, evidentemente, segmentos setoriais e regionais mais intensos. Na verdade, a maior concentração em alguns segmentos setoriais pode ser explicada pela maior capacidade de absorção por parte de alguns setores industriais.

Por outro lado, não parece haver uma tendência temporal definida da concentração setorial de financiamentos industriais. Este aspecto pode ser observado em uma análise sumária da distribuição setorial dos financiamentos executados pelo Fipeme, no período de 1965 a 1971. O processo de financiamentos durante esse período fez-se ciclicamente, ampliando-se e retraindo-se a cada ano. Isto pode ser melhor ilustrado através do movimento da participação dos nove setores mais importantes, ou seja: alimentício, mecânica, metalúrgica, têxtil, minerais, madeiras, papel, material elétrico e química.

Ao longo do período considerado, houve variações significativas na importância relativa desses setores, como se mostra adiante:

Alimentícia: no ano de 1966, essa indústria ficou em quarto lugar, com uma participação de 10% e, no biênio 1968/69, situou-se na terceira posição. O predomínio absoluto desse setor na absorção de financiamentos ocorreu em 1967, quando recebeu 18% dos recursos anuais e, depois, em 1970, quando sua participação foi de 24%. Entretanto, já no ano de 1971, o setor alimentício colocou-se em segundo lugar, com apenas 15% dos financiamentos.

Mecânica: essa indústria foi mais beneficiada por parte do Fipeme em 1965, atingindo o índice de 28% dos recursos anuais, e em 1971, com 18% das aplicações daquele fundo. Por outro lado, observa-se uma variação na participação de absorção de financiamentos por parte do setor mecânica nos anos precedentes, quando, em 1970, foram aplicados apenas 8% dos recursos do Fipeme.

Metalúrgica: o setor recebeu a maior parcela dos recursos disponíveis pelo Fipeme (22%) no ano de 1968. No ano seguinte, houve, entretanto, uma considerável queda da participação do setor nos financiamentos industriais, que foi apenas 5%, o que fez com que o setor figurasse no 10.º lugar. No ano de 1971, houve uma recuperação razoável do setor, com aplicações que atingiram o nível de 11% dos recursos aplicados.

Têxtil: no período de 1966 a 1967 houve uma variação brusca na participação dos recursos aplicados pelo Fipeme neste setor. No ano de 1966 a participação girou em torno de 20% do total das aplicações; entretanto, no ano de 1967, a participação caiu para o índice de 6% das respectivas aplicações. Por outro lado, em 1968, o setor voltou a ter uma participação significativa, atingindo a percentagem de 15% dos financiamentos liberados pelo Fipeme, colocando-se, assim, em segundo lugar. Em seguida, o triênio 1969/71, a participação oscilou entre 7 e 9% das aplicações realizadas pelo Fipeme.

Minerais: o setor iniciou o ano de 1966 com poucas aplicações, representando em torno de 3% do total, havendo, entretanto, no biênio 1967/68, uma evolução das aplicações que o fez atingir o índice de 7%, fazendo com que o setor ocupasse o sétimo lugar de participação.

No ano de 1969, os recursos aplicados pelo Fipeme atingiram o maior índice, que foi o de 16% para essa indústria, fazendo a mesma participar em segundo lugar. Nos anos seguintes, até 1971, houve um pequeno declínio da participação que ficou em torno de 9%.

Madeiras: este setor foi caracterizado, no período considerado, por bruscas variações na participação dos recursos aplicados. No ano de 1966, a participação dos recursos aplicados oscilou em torno de 18% e, em 1967, em volta de 11%. Entretanto, no ano de 1968, o setor recebeu menos de 1%, colocando-se entre os setores menos beneficiados pelo Fipeme. No ano seguinte, houve uma recuperação, atingindo-se o nível de 9% das aplicações, mas no biênio 1970/71 veio novamente a perder em importância.

Papel: o setor absorveu menos de 7% dos recursos em 1967 e 1968. Entretanto, no ano de 1969, recebeu a maior parcela dos recursos (17%), situando-se em primeiro lugar, vindo, porém, a cair de posição nos anos subseqüentes.

Material elétrico: o setor teve grande destaque nos anos de 1967 e 1968, colocando-se, em ambos os exercícios entre os cinco primeiros, com aproximadamente 8 e 7% das aplicações realizadas pelo Fipeme.

Química: no ano de 1965, o setor ocupou o segundo lugar, atingindo o índice de 18,7% das aplicações efetuadas pelo Fipeme. No ano de 1967, entretanto, houve uma redução desse percentual para 9,9%, situando-se o setor em quarto lugar. Nos anos subseqüentes a indústria química manteve-se abaixo do sexto lugar.

Dessa forma, pode-se observar que há uma variação relativa na participação dos financiamentos concedidos pelo Fipeme aos vários setores industriais. Utilizando-se este mesmo procedimento, se formos efetuar uma análise da distribuição regional dos financiamentos, sobretudo daqueles concedidos pelo Fipeme, notaremos uma forte concentração na região Centro-Sul, que recebeu cerca de 70% dos recursos aplicados no período de 1965 a 71. A região Sul absorveu cerca de 14% deste montante, restando apenas cerca de 6% para as demais regiões (Nordeste: 4,4%; Norte: 1,3%; e Centro-Oeste: 0,4%).

A concentração fica melhor evidenciada se for lembrado que São Paulo recebeu, isoladamente, mais da metade das aplicações do período considerado. Em conseqüência dessa estrutura, observa-se que há uma tendência significativa para uma concentração de financiamentos, tanto nos setores em que a grande indústria predomina, como nas regiões mais evoluídas do País. Assim, se se tomar como base o período considerado anteriormente, pode-se dizer que as aplicações do Fipeme passaram a beneficiar um número cada vez maior de grandes empreendimentos, mediante operações de maior vulto financeiro, embora tal fundo tenha sido criado exclusivamente para as pequenas e médias indústrias.

Evidentemente, a atual estrutura de financiamento industrial pode ser correlacionada com o comportamento da distribuição da renda, da demanda e do emprego. Na verdade, a distribuição da renda é, freqüentemente, considerada como uma questão de eqüidade. Entretanto, de um ponto de vista analítico, o modo pelo qual a renda disponível é distribuída influencia, e é influenciada, por outras variáveis econômicas, tal como a concentração dos financiamentos industriais, podendo então ser considerada como uma variável dependente da estrutura do sistema financeiro nacional.

No que se refere a este aspecto, encontra-se um exemplo na teoria do crescimento, onde alguns economistas procuram chamar a atenção para os efeitos da distribuição da renda sobre a determinação da propensão marginal para poupar, e a forma como os recursos são distribuídos nos setores produtivos da economia. O problema consiste, então, em saber o que acontece à demanda final de recursos de capital ao sistema financeiro por parte das pequenas e médias indústrias, quando este processo de financiamento evolui em função do tempo. Evidentemente, a conseqüência e repercussões de todo este sistema são que, segundo o modelo descrito, as aplicações e o uso do capital implicam necessariamente maior canalização para o setor das grandes indústrias.

Como se observa, a aceleração, em termos reais, do ritmo de crescimento dos investimentos industriais é notadamente importante no extrato de grandes indústrias. Portanto, como já foi amplamente discutido, é difícil afirmar que o desenvolvimento financeiro tenha contribuído diretamente para acelerar o desenvolvimento das pequenas e médias indústrias no Brasil, nos últimos anos. Na verdade, embora a organização do sistema financeiro e monetário (controle da inflação, introdução da correção monetária, taxa de câmbio flexível e despesas do governo financiadas pela colocação de títulos no mercado financeiro, e a tributação) tenha diminuído as possibilidades de expansão via autofinanciamento, o desenvolvimento financeiro propiciou às grandes empresas industriais novas fontes externas de financiamento. É bem verdade que a organização do sistema é mais importante para o financiamento da atividade corrente (créditos a curto e médio prazos, fora do sistema bancário) do que propriamente para financiar projetos de médias e pequenas indústrias. Reforçando-se essa hipótese, pode-se afirmar que a maior oferta de crédito a curto e médio prazos pode liberar recursos próprios das empresas para imobilizações fixas de maior vulto. Nesse sentido, o desenvolvimento financeiro deve ter, definitivamente, influenciado a maior aceleração do desenvolvimento industrial das grandes empresas no País.

Por outro lado, as instituições governamentais de fundos específicos de financiamento industrial passaram a contar com recursos cada vez mais apoiados no sistema financeiro e tributário para sua mobilização. Além disso, o critério externo foi reestabelecido e criadas novas linhas. Diretamente, ou através do sistema financeiro, as grandes empresas passaram a beneficiar-se de um fluxo cada vez maior de recursos do exterior.

Por tudo isso, portanto, pode-se afirmar que o sistema de financiamento para as grandes indústrias no Brasil veio beneficiar-se com o de financiamento de projetos industriais, para a expansão ou implantação de grandes indústrias, com algumas exceções no setor de siderurgia e de automobilismo, observa-se elevado grau de financiamento por parte dos recursos disponíveis nos bancos governamentais e privados,

e com um caráter de magnitude crescente. Como fonte interna mais importante, aparece o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), embora o lucro retido pelas grandes empresas industriais seja de grande monta em todos os setores. Por outro lado, quanto aos incentivos fiscais, observa-se que foram as grandes empresas as que mais se beneficiaram, o mesmo acontecendo com relação às fontes externas, que representam um reflexo natural do comportamento da grande indústria no País. Dentre os empréstimos do exterior, predominaram aqueles em moeda e créditos de fornecedores. Os investimentos diretos tiveram grande destaque a partir de 1968 até bem recentemente, quando foi baixada nova Resolução do Banco Central, elevando o custo dos recursos captados pela Resolução n.º 63. Além das fontes anteriormente citadas, tiveram também importância significativa os crédito da Finame, os quais são repassados pela grande maioria dos bancos comerciais.

Por outro lado, quanto ao uso dos recursos, observou-se no período de 1968/1971 substancial aumento nos investimentos em construções e instalações, o que indica que as grandes empresas industriais estão aumentando as implantações de novos estabelecimentos.

Essas características gerais da grande empresa industrial quanto a usos e fontes de recursos de financiamentos industriais indicam uma tendência clara de alto grau de concentração no atual sistema financeiro do País.

Paralelamente a esse aumento do grau de concentração de financiamentos, ocorreu, logicamente, um aumento da participação relativa das grandes indústrias no valor total da transformação industrial. Por outro lado, considerando-se as pequenas e médias indústrias nos usos e fontes dos projetos encaminhados aos bancos de desenvolvimento, segundo os gêneros da indústria de transformação, nota-se que, inicialmente quanto às fontes de recursos, a maioria dos setores apresentou um grau de autofinanciamento baixo e decrescente, isso resultando na necessidade de um aumento de capital, a fim de conseguirem, dentro das exigências dos bancos de desenvolvimento e de investimentos (parcela de recursos próprios igual à de recursos de terceiros), maior volume de financiamento para atender às suas necessidades de capital de giro ou inversões fixas. Como conseqüência natural desse esforço financeiro por parte das pequenas e médias indústrias, houve um decréscimo do nível do lucro retido como fonte interna de recursos. Muito embora o lucro retido pelas empresas de pequeno e médio porte seja consideravelmente baixo, os setores mecânico e têxtil constituem uma exceção à regra, continuando o lucro retido a ser a principal fonte interna de financiamento. Outra exceção ocorre no setor de material elétrico e de comunicações e material de transporte. Neste último, o nível de lucros retidos é consideravelmente elevado, gerando quase que na totalidade o financiamento do setor.

Isso se explica, evidentemente, pelo fato de que a produção do setor de material de transporte, como também o de material elétrico e comunicações, está ligada diretamente à produção da indústria automobilística, que representa o setor mais dinâmico e de maior grau de auto-. financiamento da indústria brasileira.

Observa-se, portanto, neste último exemplo, que quando uma pequena ou média indústria é amparada técnica, administrativa e financeiramente por uma grande indústria, através do mecanismo natural do mercado, ou seja pela compra de produtos industriais complementares, há, de certa forma, uma situação de privilégio por parte da pequena ou média indústria. Um exemplo semelhante ao anterior é o caso específico das indústrias de autopeças, que vivem em função da grande demanda da indústria automobilística. Vale acrescentar que, tendo este subsetor industrial de grande dinamismo quanto ao crescimento da produção, um alto grau de autofinanciamento (independência do sistema financeiro) confere-lhe total autonomia em relação aos bancos de desenvolvimento para o financiamento da formação de capital fixo.

Em resumo ao que foi dito anteriormente, pode-se afirmar que, no conjunto da estrutura industrial do País, o setor de grandes empresas tende a se beneficiar amplamente com a atual estrutura do sistema financeiro nacional.

2.3 Depreciação do talento empresarial e a conseqüente marginalização das pequenas e médias indústrias

Como decorrência natural dos fatos anteriormente descritos, os bancos de desenvolvimento adotam como critérios básicos para financiamentos às empresas industriais, a capacidade de oferecerem garantias reais, em combinação com a tradição da empresa no ramo. Existe, portanto, em princípio, uma depreciação do talento empresarial e uma conseqüente marginalização das pequenas e médias indústrias no processo de desenvolvimento industrial.

Na verdade, a capacidade empresarial do indivíduo que solicita o financiamento nunca é considerada dentro dos critérios de análise dos projetos industriais. Isto porque a capacidade empresarial é muitas vezes confundida com tradição no ramo industrial em que atua o indivíduo, ou simplesmente com o fato de o mesmo possuir bens materiais que, de origem desconhecida ou por herança, fazem o indivíduo credenciar-se perante os órgãos de financiamento. Dentro desta "lógica" de liberação de financiamentos e de abertura de corredores de acesso direto ao crédito industrial, observa-se como fenômeno comum a associação, quase que constante, entre o nome de um indivíduo ou grupo tradicional da região e o limite de crédito ou facilidades financeiras obtidas pelo mesmo. Quase sempre, quando por qualquer motivo de ordem técnica ou econômica, tais empresas, ou mais especificamente, tais empresários, entram em dificuldades financeiras, existe uma preocupação por parte da política de alguns bancos de desenvolvimento de recuperarem, não as empresas propriamente ditas, mas os empresários e seu status e prestígio no meio em que vive e atua.

Não seria demasiado afirmar que, em geral, as origens e causas básicas do estrangulamento financeiro dessas empresas relaciona-se com o mau acompanhamento (follow-up) do projeto de financiamento.

Em outras palavras, a fiscalização da aplicação dos recursos de capital do banco é falha, permitindo, portanto, possíveis vazamentos no fluxo de financiamento às empresas para outros fins que não os especificados no projeto, ou no pedido formal de crédito. Dessa forma, a absorção dos recursos de capital por empresários, que se consideram dentro dos padrões técnicos e administrativos como incompetentes, é quase que um processo contínuo, em detrimento de outros empresários competentes, segundo os mesmos padrões, e merecedores de financiamento industrial.

Parece haver, portanto, um verdadeiro ciclo fechado, sob a forma de um ciclo vicioso, onde os financiamentos industriais são concedidos em maior escala àqueles que dispõem de uma maior capacidade de oferecerem garantias reais e que, concomitantemente com sua condição de empresários tradicionais, reforçam suas posições diante das instituições financeiras. Por outro lado, sendo os pequenos e médios empresários normalmente desprovidos de bens reais, que possam oferecer em garantias ao financiamento solicitado e, igualmente não sendo tão conhecidos na área de jurisdição do banco como empresários "idôneos", forma-se uma barreira impeditiva ao financiamento. Como conseqüência lógica do fechamento do círculo vicioso, ocorre a marginalização das pequenas e médias indústrias no processo de desenvolvimento industrial.

A experiência acumulada em vários bancos de desenvolvimento, no seu histórico de pedidos de financiamentos, mostra que houve casos em que o projeto de solicitação de financiamento para implantação ou expansão era perfeitamente viável, tanto técnica como economicamente, com mercados consumidores em plena ascensão, com excelente qualidade e capazes de competir no mercado local ou regional, mas que não foram deferidos. Em alguns casos, quando tiveram seus projetos deferidos, as garantias reais não eram suficientes para cobrirem o financiamento solicitado.

O que se torna mais grave em todo esse processo é que, em muitas ocasiões, os empresários que solicitavam o financiamento eram indivíduos comprovadamente capazes e habilitados a se expandirem dentro das suas respectivas atividades. Em outras palavras, o fator mais importante para o desenvolvimento de qualquer atividade econômica, ou seja, a capacidade do indivíduo de utilizar a sua inteligência, habilidade e desenvoltura, é colocado em segundo plano nos critérios de liberação de financiamento industrial. Assim, a continuidade de um projeto industrial, que está sempre na dependência das qualidades individuais, como persistência, inovacionismo e visão, tanto no âmbito micro, quanto macro do comportamento da economia, e a agressividade e perspicácia no bom sentido da palavra, inerentes a tantos outros empresários, são muitas vezes comprometidas antes da concretização do projeto. Se fizermos uma análise histórica, observaremos que a materialização do desenvolvimento industrial nas nações, hoje mais evoluídas, fez-se basicamente em torno de uma única variável, que é o elemento humano. Sendo o homem, o elemento central de todo o êxito nos campos técnico, econômico, político e social, e a sua capacidade de iniciar e gerar uma nova época através de constantes transformações no mundo econômico, fez com que muitas nações demonstrassem que é a variável mais decisiva no processo de desenvolvimento econômico.

3. A FORMULAÇÃO DO MODELO OPERACIONAL

Tendo em vista os pontos abordados nos itens anteriores, onde se mostrou que o problema crucial das pequenas e médias indústrias resume-se basicamente numa grave carência de garantias reais para a obtenção de financiamentos de suas atividades, cabe a formulação de um modelo cujo objetivo operacional consistiria basicamente em constituir sociedades, a nível estadual, que objetivem oferecer garantias complementares, em forma de aval, ao financiamento das pequenas e médias indústrias.

O modelo deveria ser de âmbito nacional e as diferentes sociedades incorporadas ao modelo deverão ser constituídas a nível estadual, por motivos de descentralização e facilidades operacionais.

Antes, porém, de iniciar a exposição mais detalhada do modelo, situaremos a posição da atual estrutura de financiamento industrial no País, e, logo em seguida, mostraremos como se deverá estruturar o novo esquema de financiamento, com a introdução do modelo sugerido. A fim de que haja maior clareza na formulação do novo sistema de financiamento, passaremos inicialmente a expor o sistema atual e o projetado após a introdução em forma esquemática. Esta permitirá, evidentemente, mais fácil visualização dos fluxos de financiamento e, conseqüentemente, uma compreensão mais nítida das vantagens a serem introduzidas. Assim, em linhas gerais, a estrutura do sistema atual é a seguinte:

a) Estrutura atual dos fluxos de financiamento

1. Fluxo mais intenso, significando maior volume de financiamentos.

Fluxo menos intenso, significando menor volume de financiamentos.

2. Fator impeditivo básico: carência de garantias reais das pequenas e médias indústrias.

Como se observa, no atual sistema de financiamento existe um fluxo mais intenso de capital investido no extrato das grandes indústrias, o que vem refletir uma marginalização das pequenas e médias indústrias, como já foi discutido anteriormente. Após a introdução do modelo sugerido, a estrutura dos fluxos de financiamento passará a ser a seguinte:

b) Estrutura projetada dos fluxos de financiamento

Resultados da interposição do sistema (B):

1. Fluxo mais intenso de financiamento para as pequenas e médias indústrias.

2. Maior expansão financeira dos bancos de desenvolvimento e de investimentos.

3. Maior taxa de expansão e crescimento da produção industrial das pequenas e médias indústrias.

4. Maior acesso de jovens empresários ao processo de desenvolvimento industrial.

A introdução do modelo da nova estrutura de financiamento faz-se com a interposição de um novo sistema, chamado sociedade de garantia de financiamento ou, simplesmente, sociedades de aval. Assim, portanto, entende-se que uma financiador, e que tem por finalidade precípua ativar o fluxo financeiro para o extrato das pequenas e médias indústrias, mediante a oferta de aval. Assim, portanto, entende-se que uma pequena ou média indústria, dentro do novo sistema de financiamento, terá duas vias de acesso ao incentivo financeiro, quais sejam: o pedido formal de financiamento à instituição financeira e o de complementação de aval à sociedade de garantia de financiamento. Em continuidade a esse fluxo, a instituição financeira concede o financiamento solicitado e a sociedade de aval concede a complementação de garantia necessitada pela empresa. Em conseqüência dessa liberação paralela do aval e do financiamento solicitado há, portanto, maior continuidade e fluidez de recursos de capital para as pequenas e médias indústrias sem, evidentemente, uma redução de nível do financiamento solicitado, fator este que causaria uma deterioração na situação econômico-financeira de muitas daquelas indústrias. Por outro lado, evidentemente é entendido que as operações de concessão de aval complementar de financiamento são praticamente conjuntas, sem causar qualquer estrangulamento ou atraso no processo. Isso se deve ao fato de que a concepção do sistema prevê a ligação institucional entre os dois sistemas paralelos, ou seja, uma via de comunicação em dois sentidos entre os sistemas de financiamento e de concessão de aval comple* mentar. Tal providência torna-se necessária para que haja um perfeito conhecimento e entrosamento dos problemas de financiamento das pequenas e médias indústrias em ambas instituições.

4. CONCLUSÕES

Ao longo desse novo sistema, e sob o prisma de maior circulação de recursos de capital propulsionados pelo sistema financeiro em direção ao extrato das pequenas e médias indústrias, sugeriria de imediato, benefícios que seriam os reflexos naturais da operacionalidade do novo sistema financeiro. Dentre aqueles benefícios diretos imediatos, pode-se citar os seguintes mais importantes:

a) As pequenas e médias indústrias poderiam expandir suas capacidades produtivas a uma maior taxa de crescimento e as mesmas seriam melhor fortalecidas dentro do sistema econômico.

b) Haveria, de imediato, maior expansão financeira por parte das instituições financeiras, de vez que as mesmas poderiam ativar e diversificar mais as suas aplicações.

c) Contribuiria para uma não-marginalização das pequenas e médias indústrias no processo de desenvolvimento industrial, e, conseqüentemente, uma não-concentração dos financiamentos industriais nas grandes empresas.

d) Proporcionaria um acesso de jovens empresários ao processo de desenvolvimento industrial.

É evidente que o primeiro benefício resulta do fato de que, uma vez que as pequenas e médias indústrias passem a receber maior fluxo de capital, as mesmas poderão expandir mais rapidamente as suas capacidades produtivas, através da aquisição de bens de capital (máquinas e equipamentos) com tecnologias mais apropriadas, refletindo numa melhor qualidade dos produtos finais, como também poderão expandir seu nível de faturamento utilizando a mesma capacidade instalada mas, no entanto, fazendo uso de maior intensidade de capital de giro obtido no sistema financeiro. Por outro lado, o uso mais intenso de capital de giro refletirá na utüização da plena capacidade instalada das pequenas e médias indústrias, problema esse dos mais cruciais naquelas empresas, já que a ociosidade das máquinas e equipamentos atinge uma média relativamente alta. Em conseqüência também de maior utilização da capacidade instalada, haveria um substancial incremento na absorção da mão-de-obra, refletindo, assim, em um aumento geral do nível do poder aquisitivo se for mantido, evidentemente, o nível geral dos preços. Dentro de toda essa sistemática, o que se torna mais importante é o considerável incremento da produtividade marginal da mão-de-obra. Como resultado final, deverá ser observado maior fortalecimento das pequenas e médias indústrias no processo de desenvolvimento industrial, como um aproveitamento mais integral dos fatores produtivos existentes em cada região do País.

Em adição a todos esses aspectos já descritos haveria, a longo prazo, uma forte contribuição para a formação de uma mentalidade empresarial nacional, de vez que o acesso de jovens empresários ao processo de financiamento industrial seria mais amplo. Em outras palavras, desde que a grande maioria das pequenas e médias indústrias é controlada por empresários brasileiros, e estas, por sua vez passem a não mais se marginalizarem no processo seletivo de financiamento industrial, havendo conseqüentemente maior fortalecimento desse extrato industrial, viria refletir numa maior participação do empresariado brasileiro na composição do produto interno bruto do País. Na verdade, a principal preocupação deste aspecto da estrutura industrial do Brasil prende-se ao fato de que a maioria dos grupos industriais de porte grande no País está, direta ou indiretamente, ligada a grupos estrangeiros, quer através da concessão de know-how ou através de uma composição direta de capital. Em virtude da capacidade competitiva de tais grupos no mercado, há uma conseqüente barreira ao desenvolvimento e fortalecimento das pequenas e médias indústrias no País. Dessa forma, poder-se-ia dizer que, no conjunto das idéias, a filosofia básica da formação do modelo anteriormente exposto é a de criar, a médio ou longo prazo, maior classe empresarial brasileira, com maior capacitação técnica, econômica e administrativa, capaz de se colocar em uma posição mais privilegiada e forte dentro da estrutura industrial brasileira. Em outras palavras, o modelo sugerido, uma vez implantado, romperia as barreiras tradicionais de que somente as empresas grandes e tradicionais têm maior acesso aos financiamentos industriais. Assim, portanto, o pequeno e médio empresários poderiam ter uma participação mais ativa em todo o desenvolvimento industrial.

  • 1 Este item foi extraído em grande parte dos resultados do estudo: Pequena e média indústria: análise dos problemas, incentivos e sua contribuição ao desenvolvimento, de Frederico Robalinho de Barros e Rui Líyrio Modenesi - IPEA/INPES, 1973.
  • 3 Ver Sudene II Plano Direto de Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste 1963-65. Recife, 1968. p. 44.
  • 4 Banco do Brasil - CREAI - Financiamentos Industriais - 1960. Cifras em cruzeiros de 1972.
  • 1
    Este item foi extraído em grande parte dos resultados do estudo:
    Pequena e média indústria: análise dos problemas, incentivos e sua contribuição ao desenvolvimento, de Frederico Robalinho de Barros e Rui Líyrio Modenesi - IPEA/INPES, 1973. Em especial, cabe destacar que a referida parte deve-se à excelente análise de dados estatísticos do IBGE/DEICON para o ano de 1969, realizada pelo economista Rui Lyrio Modenesi, na participação daquele trabalho.
  • 2
    Foi considerado o ano de 1969 por ter os dados mais recente da
    Produção industrial. Compilados pelo IBGE/DEICON.
  • 3
    Ver Sudene II Plano Direto de Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste 1963-65. Recife, 1968. p. 44.
  • 4
    Banco do Brasil - CREAI - Financiamentos Industriais - 1960. Cifras em cruzeiros de 1972.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1974
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