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Desigualdades regionais uma revisão da literatura

ARTIGOS

Desigualdades regionais uma revisão da literatura

Luciano Coutinho

Economista, candidato ao Ph.D. pela Cornell University, EUA

1. Introdução

Este artigo constitui uma revisão da literatura a respeito da "tendência cumulativa para desigualdades regionais". Myrdal foi o primeiro a perceber e ressaltar a natureza autocumulativa das desigualdades regionais como um processo dificilmente reversível em qualquer sistema econômico, face aos mecanismos de causação circular. De acordo com a conceituação de Myrdal, esta causação compreenderia dois tipos de auto-indução:

a) "efeitos dinâmicos" que impulsionariam os pólos de crescimento;

b) "efeitos de retraso" impelindo a autodeterioração das áreas atrasadas.

Como sabemos, existe abundante evidência em favor da teoria acumulativa das desigualdades;1 1 Williamson, J.G . Regional inequality and the process of national development: a description of patterns. Economic Development and Cultural Change, v. 13, 1965. aliás a natureza urgente dos desequilíbrios regionais em todos os países tem pressionado o desenvolvimento de teorias sobre este tópico por economistas, geógrafos e sociólogos. Parte deste desenvolvimento teórico originou um campo interdisciplinar - a ciência regional - que vem-se desenvolvendo em nível acadêmico nos Estados Unidos, Europa e Japão, através de numerosos programas de graduação, pesquisa e congressos de especialistas.

Várias linhas teóricas e estudos empíricos foram produzidos a respeito do problema; porém, como veremos a seguir, apesar de todo o esforço despendido, o conhecimento do processo de criação de desigualdades não avançou muito, faltando-lhe consistência e integração dentre as diversas abordagens e teorias.

O presente artigo não pretende uma revisão extensiva e descritiva de todos os modelos e teorias; pelo contrário, procura sistematizar e criticar, com base em algumas teorias representativas, as correntes mais gerais.

1.1 DIFERENTES ABORDAGENS

A análise da desigualdade espacial da atividade humana, do lado econômico, seguiu duas abordagens diferentes: a primeira e mais antiga é a teoria da localização, onde características funcionais intrínsecas às unidades de produção e "agentes" do sistema econômico são enfocadas - por exemplo, as causas da concentração espacial decorrem de certas características das unidades econômicas de produção, como tamanho, escalas ótimas, centralidade e o custo de transporte representando a fricção do espaço, ou custo da mobilidade no espaço.

A segunda abordagem parte da predefinição2 2 A predefinição ou identificação das regiões é um ponto de partida bastante controvertido. Os critérios para definição das regiões não se beneficiam da análise subseqüente via modelos analíticos, ficando a preconceituação das regiões passível de impugnação como restritiva ou arbitrária. das regiões e tenta explicar as relações inter-regionais (migrações, transferência de poupanças, comércio, etc.) por meio de modelos analíticos.

Cabe ressaltar que muito pouco foi feito no sentido de integrar estas duas abordagens; poucos modelos analíticos levam em consideração as tendências genéticas de aglomeração das unidades econômicas, e, por outro lado, a teoria de localização não incorporou os aspectos macroeconômicos das relações inter-regionais. O resultado desta ausência de síntese refletese no insuficiente conhecimento da natureza e mecanismos cumulativos caracterizados pelo trabalho pioneiro de Myrdal.

Dentro das duas abordagens, várias técnicas analíticas foram desenvolvidas. A mais comum é a formulação de modelos: históricos, lógicoanalíticos, empíricos-estatísticos ou estruturalistas. Estes modelos prestam-se mais facilmente a análises dinâmicas ou de estática comparativa. Outra técnica utilizada é a formulação de sistemas de equilíbrio geral restritos geralmente à análise estática, sendo as matrizes de insumo-produto a aplicação mais freqüente. Todas estas tentativas foram realizadas a diferentes níveis de abstração, como muito bem ilustra o trabalho de Meyer (de 1963).

Somente um tipo de teoria pode ser descartado a priori: trata-se da teoria econômica neoclássica, pois baseia-se por axioma no autoequilíbrio entre diversos mercados, sob equalização automática de produtividades marginais. Elimina portanto a possibilidade de processos instáveis, explosivos e acumulativos, não podendo oferecer nada à compreensão do processo de desigualdade regional.

2. Comentário sobre as abordagens convencionais

2.1 TEORIA DE LOCALIZAÇÃO E SUAS RAMIFICAÇÕES

a) Teoria de Lõsh e sua versão moderna por Berry

Raciocinando em termos de concorrência perfeita e distribuição homogênea dos recursos naturais sobre o espaço, Lösh3 3 Lösh, A. The economics of location. New Haven, Yale University Press, 1954. demonstrou que uma hierarquia de cidades (ou pólos) é inevitável se as unidades de produção de cada setor têm escalas diferentes, portanto servindo a áreas de mercado de diferentes tamanhos.

Dada a hipótese de concorrência e homogeneidade da distribuição dos recursos naturais, demonstra-se que a forma mais racional da área de mercado seria a hexagonal - isto é, os produtores formariam uma rede de hexágonos contíguos, de tamanho ótimo e uniforme, para as áreas de mercado de cada atividade. Supondo-se que existam n atividades diferentes, existiriam n redes ótimas de hexágonos de tamanhos diferentes, de tal forma que, quando superimpostas, estas redes tenderiam a formar um sistema de hierarquia completo.

Este sistema, com uma ordenação de pólos ou nódulos urbanos de tamanho decrescente, pode ser representado pela distribuição lognormal da percentagem cumulativa da população. Este sistema representaria o arranjo mais racional da atividade humana sobre o espaço, de tal forma que o nódulo maior teria atividades compreendendo áreas de mercado de tamanho 1 a n, os seguintes de 1 a (n-1) e assim por diante até os nódulos mínimos que somente teriam a atividade de ordem 1.

Cristaller tentou comprovar esta teoria mediante exemplos empíricos, analisando o sistema urbano da Prússia. A versão moderna desta foi desenvolvida por Brian Berry4 4 Berry, Brian. City size distribution and economic development. Economic Development and Cultural Change, v. 9, Jul. 1961. em termos matemáticos pela maximização de leis de entropia dentro do sistema. Em termos simplificados, o teorema de Berry é o seguinte: a) dado que as atividades humanas (econômicas e não econômicas) podem ser ordenadas por escala de operação no espaço; b) dada a população total e o espaço ilimitado - a maximização da entropia dará origem a uma distribuição hierarquizada de cidades, que pode ser representada pela distribuição log-normal. Para comprovar a sua teoria, Berry utilizou a econometria, estimando a distribuição da percentagem cumulativa da população por tamanho de cidades e de fato encontrou que mais da metade dos países tinha uma distribuição próxima à log-normal. Entretanto, a outra metade dos casos, que não se conformam à log-normal, ocorre sob as mais variadas condições de densidade populacional e estágio de desenvolvimen-to; perplexo, Berry não consegue explicar as numerosas "exceções".5 5 Id. ibid.

As forças que agem no sentido de hierarquizar o sistema urbano podem explicar a polarização da distribuição populacional sobre o espaço, porém, não ajudam muito a compreensão dos processos de desigualdade regional. A formulação da teoria de centralidade e hierarquia é estática e, apesar de partir do conceito de escalas ótimas, não considera a interação destas sob a forma de economias (ou deseconomias) externas, dentro e entre os nódulos urbanos.

b) Análise de polarização (escola francesa)

Os mesmos conceitos básicos da teoria de centralidade foram usados para análise de polarização, com resultados interessantes. A teoria de polarização, desenvolvida inicialmente por Perroux, é bastante flexível, presta-se a análises parciais e, pelo conceito de pólos de crescimento, permite realizar interpretações dinâmicas.

A teoria de polarização pode ser facilmente acoplada a outros conceitos da teoria de localização; há por exemplo muito em comum entre o conceito de área de polarização e os de área de mercado, área de oferta/demanda desenvolvidos por Hoover. A teoria de polarização também pode ser aplicada no contexto de modelos inter-regionais incorporando os efeitos de economias de escala e externas. Aliás, este é um dos poucos campos onde o trabalho de síntese desenvolveu-se.

Até pouco esta teoria não tinha desenvolvido técnicas de quantificação dos seus conceitos. Como veremos posteriormente, a técnica de "complexos industriais", desenvolvida por Isard, constitui uma formulação quantitativa rigorosa do conceito de pólo de crescimento, apesar de restringir-se à polarização industrial.

Apesar das suas contribuições positivas à teoria, não trata as desigualdades regionais como um processo político e econômico onde a estrutura de poder, transferência de poupanças e desigualdades implícitas nas relações inter-regionais, aparentemente iguais ou equivalentes, têm importância fundamental.

c) A síntese weberiana de Isard

As teorias de centralidade (Lösh-Berry) e de polarização (escola francesa) partem de um conceito implícito de que existem economias de escala e de aglomeração. A teoria derivada de Weber,6 6 Weber, Alfred. Theory of the location of industries. University of Chicago Press, 1929. por outro lado, enfatiza o fenômeno da aglomeração e suas causas econômicas, enquanto as anteriores preocupam-se mais com o funcionamento destas aglomerações, do ponto de vista da polarização ou hierarquia.

A teoria weberiana tradicional ressaltava a importância dos custos de transporte, como custo econômico de mobilidade no espaço e derivava - dentro dos cânones de racionalidade econômica, isto é, minimização de custos/maximização de lucros - princípios básicos de localização industrial ótima. Isard7 7 Isard, W. Location and space economy. MI T Press, 1956. desenvolveu sistematicamente as idéias de Weber com respeito às economias de aglomeração, integrando estas com a teoria de localização baseada em custos de transporte. Além disso, Isard considera outros fatores para explicação das decisões de localização, todos atuando do lado dos custos de produção, como disponibilidade de mão-de-obra e salários reais, infra-estrutura, recursos naturais e, recentemente, os custos de poluição. A idéia-chave da síntese weberiana reside no papel estratégico que se atribui à localização industrial como elemento-guia da distribuição espacial da população. A localização industrial por sua vez é explicada pelos fatores já mencionados.

O estudo das relações interindustriais, por meio das técnicas de insumo-produto e dos efeitos de aglomeração, evoluiu dentro dessa escola: distintos tipos de economias externas e de escala e sua manifestação espacial, a nível de setor industrial e a nível de pólos urbanos e áreas metropolitanas, foram identificados.

A análise weberiana da aglomeração e custo de transporte oferece instrumentos analíticos poderosos para a compreensão das forças que orientam a localização industrial e urbana. Por exemplo, certos conceitos como: a) "patamar" mínimo de aglomeração industrial para que as economias se tornem relevantes e dinâmicas (conceito semelhante às idéias de Rosenstein-Rodan a respeito do big push aplicado numa dimensão espacial); b) conceituação de um estágio de "congestionamento generalizado" onde deseconomias começam a atuar decisivamente nas áreas metropolitanas.

Estes conceitos são relativamente complexos dada a heterogeneidade dos diversos tipos de economias de escala e aglomeração: por exemplo, dependem da composição setorial das indústrias do pólo, das diversas escalas de operação dos serviços e utilidades públicas, do sistema de transporte urbano e sua articulação com o sistema regional, etc. Em outras palavras, cada um destes fatores pode apresentar escalas ótimas de diferentes tamanhos, causando oscilações nas economias de aglomeração agregadas. A sistematização destes aspectos permitiu a identificação de tipologias de pólos e áreas metropolitanas.

Apesar destes pontos positivos, a síntese weberiana pode ser criticada por ter ignorado os mesmos aspectos fundamentais que as anteriores, por exemplo, o problema da estrutura de poder e apropriação, da transferência de capital e poupanças, controle e difusão de tecnologia, etc.

2.2 MODELOS ANALÍTICOS

Este parágrafo trata de caracterizar e avaliar os modelos e idéias mais freqüentemente utilizados para análise das relações inter-regionais, através de alguns exemplos representativos.

2.2.1 A teoria da base econômica

A teoria da base econômica8 8 North, D.C . Location theory and regional economic growth. Journal of Political Economy, v. 63, Jun. 1955. opera sob as seguintes hipóteses a respeito da estrutura econômica da região (ou pólo metropolitano):

a) existência de um setor de exportação, diferenciado ou homogêneo, que constitui a atividade mais importante em termos de emprego e renda gerada;

b) existência de atividades subsidiárias orientadas para o mercado interno da região (atividades não básicas); sendo que em última análise a renda gerada endogenamente pelas atividades subsidiárias depende do setor exportador;

c) as exportações da região são exogenamente determinadas pelos mercados externos a essa região. Esses mercados, por sua vez, não são afetados significativamente pelo nível da renda da região ou pelas suas importações. Em outras palavras, existiria uma dependência unilateral da região com relação à demanda dos seus produtos pelas demais regiões, porém nenhum efeito em sentido oposto ou interação multilateral.

Este modelo foi submetido a intensas críticas:9 9 Tiebout, C. Exports and regional economic growth. Journal of Political Economy, v. 64, Apr. 1956. suas hipóteses são restritivas e mal qualificadas. O multiplicador de renda derivado do nível autônomo das exportações depende da estabilidade das relações e hipóteses assumidas. Se estas relações são instáveis, a magnitude do multiplicador torna-se variável, diluindo o poder explicativo da teoria. Outras críticas apontam a falta de outros elementos como: propensão a consumir e importar, dada a renda interna na região, impostos e gastos públicos, etc. Porém, mesmo com a aplicação do modelo para inclusão destes aspectos, permanece de pé a crítica anterior relativa à estabilidade do multiplicador, que além de tudo poderia variar com a definição do tamanho da região.

Em resumo, a teoria: a) não considera as relações inter-regionais de insumo-produto e portanto ignora qualquer tipo de interdependência; b) implicitamente admite que a região é homogênea (sem dimensão espacial), isto é, não se qualifica a estrutura econômica interna

(setor exportador e não básicos) em termos espaciais e econômicos, impossibilitando a compreensão da sua própria base teórica; c) o problema de transferência de capitais e poupanças pelo setor financeiro e uma análise da apropriação do excedente econômico, a exemplo das teorias anteriores, são completamente ignorados.

2.2.1.1 Modelo da base econômica com diferenciação interna, versão de Baldwin

Algumas das características do modelo da base econômica poderiam ser frutiferamente aprofundadas se as hipóteses básicas fossem melhor definidas em termos históricos. Esta idéia levou Baldwin10 10 Baldwin. Patterns of development of newly settled regions. Manchester School of Economics and Social Studies, v. 28, May. 1956. a aplicar o modelo para o caso das economias primário-exportadoras: o caso clássico de dualismo entre um setor de exportação ligado a mercados metropolitanos e um setor subsidiário de subsistência dependente da atividade exportadora (caso da economia do café no Brasil na segunda metade do século XIX) .

Neste caso, algumas das hipóteses básicas do modelo seriam válidas: como a determinação exógena do valor das exportações e inexistência de dependência bilateral, uma vez que uma economia primário-exportadora não influencia os mercados metropolitanos. Além disso, Baldwin tentou qualificar a natureza da base econômica em termos de classes sociais, comparando dois casos distintos com o objetivo de identi-ficar características do crescimento de cada um:

a) plantation - caso de uma economia de exportação latifundista requerendo grandes somas de investimento inicial, meios de transporte e comercialização do produto, atividades subsidiárias e qualificação de um grupo de capitalistas capazes de exercer competentemente a gerência do empreendimento.

Neste tipo de economia, a distribuição da renda é altamente concentrada, sendo o poder dominado pela classe latifundiária e capitalista comercial. Dependendo do caso histórico, estas duas classes podem ser parcial ou totalmente controladas por metrópoles estrangeiras. O excedente econômico apropriado pela classe dominante é transferido para o exterior, seja de forma direta ou pela importação de produtos de luxo. O mercado interno é portanto limitado em termos de população e o poder multiplicativo de atividades paralelas ao setor de exportação é muito baixo; em outras palavras, o potencial de crescimento deste tipo de economia depende totalmente da demanda externa pelo seu produto de exportação;

b) economia de minifúndios - um tipo de economia de exportação operando com pequenas propriedades familiares, exigindo pequeno montante de capital inicial, utilizando técnicas intensivas em trabalho, necessitando menor capacidade gerencial em função de maior papel exercido pela alocação de mercado nas decisões econômicas. A distribuição da renda seria muito mais equalitária que no caso anterior e a estrutura da demanda interna permitiria o desenvolvimento de atividades manufatureiras, no início pouco sofisticadas porém com grande potencial de crescimento. O mercado seria amplo, em termos de população, com grande efeito multiplicativo das atividades paralelas.

Neste caso, a única restrição à taxa de crescimento da economia seria a taxa interna de poupanças e o desenvolvimento tecnológico. Segundo Baldwin, a "economia de minifúndios" não só tenderia a originar uma industrialização endógena como também teria menor tendência a desigualdades espaciais, com o desenvolvimento "equilibrado" de um sistema urbano dentro da distribuição log-normal. Por outro lado, a plantation deixaria como herança forte tendência ao desequilíbrio regional, uma vez que todo o sistema voltado para a exportação reforçaria em excesso a cidade central (em geral porto marítimo), sede dos negócios e da vida das classes dominantes.

É interessante ressaltar que a qualificação das classes sociais e o modo de produção permitem a Baldwin uma percepção mais poderosa dos padrões de desenvolvimento. Do ponto de vista histórico, entretanto, a aplicação do modelo da base econômica restringe-se ao tipo de economia colonial dependente, uma vez que a "economia de minifúndios" imaginada por Baldwin serve apenas como um caso polar oposto ao primeiro, para fins de comparação, sem relevância do ponto de vista histórico. Muitos cientistas regionais, vítimas da ideologia liberal e da crença na perfeição da alocação de mercado, realmente propõem o esquema de Baldwin como solução para o desenvolvimento regional - principalmente no planejamento da ocupação de novas regiões. Este tipo de ideologia tem inspirado vários projetos de reforma agrária e, até certo ponto, de programas de colonização como o da Transamazônica - tendendo facilmente à utopia ou ao fracasso, pois não se percebe a natureza desigual do comércio capitalista,11 11 A rede de comercialização, em geral, implica vários estágios entre o pequeno produtor e o consumidor. Neste processo, capitalistas comerciais atacadistas impõem condições de intercâmbio altamente desfavoráveis aos pequenos proprietários ou usuários da terra, a ponto de reduzir-lhes a renda ao nível da subsistência. nem as relações de dependência entre o poder político das classes de cada região, para não citar os aspectos já mencionados antes como a transferência de capitais e poupanças e controle da tecnologia.

2.2.2 O modelo "comércio-sim, ajuda-não"

A idéia "comércio-sim, ajuda-não" (trade-notaid) representa uma crítica à ajuda externa através de emprésticos em favor da intensificação do comércio. A versão mais sofisticada desta idéia foi produzida por Vietorisz.12 12 Vietorisz, T. The planned interregional location of industry: argument in favor of a "trade-not-aid" approach. United Nations Industriai Review of Organization, p. 1-60, Sep. 1967. Neste trabalho, propõe-se uma maximização planejada das vantagens comparativas de cada região com autofinanciamento dos investimentos, numa perspectiva de longo prazo. Em outras palavras, ao invés de predicar a transferência de fundos entre regiões ricas e pobres sob a forma de empréstimos, propõe-se uma divisão de atividades produtivas entre as regiões como intensificação do comércio, de forma que cada região especializar-se-ia nos setores onde possui vantagens comparativas de longo prazo.

A idéia baseia-se em velhos teoremas da teoria econômica convencional de que existem economias de especialização dados conjuntos heterogêneos de recursos naturais em cada região e de que o comércio resultaria em ganhos para todos.

Como efetivar este plano? A resposta de Vietorisz é a seguinte: as regiões subdesenvolvidas devem elevar sua taxa de poupanças para assegurar um elevado nível de investimentos e crescimento. Mesmo que a rentabilidade destes investimentos não seja maior do que nas regiões desenvolvidas, devem existir mecanismos institucionais prevenindo a fuga de poupanças das áreas atrasadas. A concessão de incentivos, especialmente para projetos envolvendo complexos industriais que aproveitem economias de escala e aglomeração, deve ser privilegiada. Incentivar estes investimentos de menor rentabilidade nas áreas atrasadas pode representar um sacrifício para a taxa agregada de crescimento a curto prazo, porém representa a alternativa mais dinâmica e produtiva a longo prazo. Paralelamente, o comércio deve ser incentivado e um sistema de transporte eficiente deve ser implantado.

Surge aqui a pergunta crítica: como as regiões atrasadas podem elevar suas taxas de poupança e investimento? Aqui Vietorisz reconhece o papel das condições sociais e políticas no desenvolvimento regional: critica a teoria econômica por enfocar estreitamente o problema reduzindo-o à acumulação de capital físico, ou, no máximo, introduzindo um tratamento formalista para o capital humano.

Mudanças qualitativas na educação e treinamento do povo, com novos valores culturais, são um pré-requisito necessário para o esforço de desenvolvimento. Até aí a resposta é muito geral e Vitorisz tem consciência disso: para elevar a taxa de poupanças dentro deste contexto são "necessárias profundas mudanças institucionais e de estrutura de poder; entretanto, este trabalho deliberadamente omitira estes aspectos". Como muitos dos tecnocratas modernos, Vietorisz sabe muito bem onde está a raiz dos problemas, porém, recusa-se a examiná-las, preferindo propor artifícios pragmáticos e meias soluções.

O lado crítico do trabalho de Vietorisz é todavia interessante. Alinha todos os argumentos contra a ajuda/empréstimos através de governos: a) os fundos são em geral manipulados pelos interesses dominantes na região receptora e muitas vezes desviados dos objetivos sociais; b) em geral existe o compromisso de compra de insumos do país (ou região) emprestador (isto é, ajuda "amarrada") de forma que somente uma parcela pequena dos fundos é efetivamente gasta na região. Assim, este tipo de ajuda estimula muito pouco a economia local;13 13 Como exemplo cita-se o caso do Sul da Itália, onde todos os gatos e investimentos básicos da Cassa Per II Mezzogiorno (a SUDENE italiana) apenas contribuíram para estimular a economia industrial do Norte, falhando em corrigir a disparidade regional. (Cf. Chenery, H. B. Development policies for southern Italy. Quarterly Journal of Economics, v. 76, Nov. 1962.) c) dado o impacto limitado sobre a economia regional e sobre as exportações regionais, esta política tende a endividar cronicamente com acumulação de juros.

Segundo Vietorisz, se o comércio fosse incentivado, a região subdesenvolvida poderia contar com um saldo positivo no balanço de pagamentos, ganhando capacidade de importar os bens de capital necessários para o processo de crescimento acelerado no caso da taxa de poupanças da região ter-se elevado, diminuindo as desigualdades regionais. Aqui cabe repetir a crítica anterior: a omissão de examinar as condições cruciais de mudança político-social esvazia a teoria do autor, reduzindo-a ao nível de ideologia apologética do comércio e das surradas teses de vantagens comparativas.

Imagine-se, por exemplo, uma região ainda no estágio de exportação de produtos primários: neste caso a intensificação do comércio somente reforçaria o setor exportador do tipo tradicional, sendo provável que as classes dominantes se beneficiassem quase que exclusivamente desta situação, aumentando seu padrão de consumo importado. Mesmo no caso de uma economia em transição (nos primeiros estágios da substituição de importações), a intensificação comercial poderia beneficiar somente aos velhos setores exportadores, uma vez que os produtos manufaturados não teriam condições competitivas nos mercados externos. O reforço aos setores tradicionais pode impedir o desenvolvimento de novas atividades industriais se os recursos disponíveis, o trabalho qualificado e outros investimentos forem alocados de acordo com as demandas dos grupos tradicionais, resultando em acentuação do dualismo. Tudo depende de que grupos controlam o poder e as decisões-chave de política econômica.

Mesmo no caso em que o grupo capitalista industrial esteja no poder, nada garante que uma intensificação do comércio externo da região (com o resto do país e com outros países) ajude a diminuir as disparidades. Sob as condições de dependência tecnológica e estru-turas monopolistas,14 14 Merhav argumenta que a tecnologia importada, sendo intensiva em capital físico e operando com grandes escalas para os mercados das regiões atrasadas, tende a concentrar os setores industriais. A criação de "elites operárias" por um lado e a estrutura oligopolista, por outro, tendem a impedir a difusão dos ganhos de produtividade e progresso técnico, com inevitáveis conseqüências do lado espacial. A renda concentrar-se-ia não somente do ponto de vista funcional mas também acentuaria significativamente as desigualdades intra-regionais. (Merhav. Technological depenãence, monopoly and growth. N. York, Pergamon Press, 1970.) que caracterizam a industrialização recente, é muito provável que as desigualdades regionais permaneçam e que se acentuem as desigualdades infra-regionais, como aparenta ser o caso do Nordeste brasileiro.15 15 coutinho, L. Avaliação do desenvolvimento recente no Nordeste, Instituto de Pesquisas Econômicas, Universidade de São Paulo, 1970. Tese de mestrado. Desta maneira, o efeito da intensificação do comércio sobre as atividades voltadas para o mercado interno da região pode ser insignificante ou até mesmo negativo, isto é, se houver uma substituição em massa destas atividades por poucas unidades intensivas em capital, causando desemprego. Em outras palavras, a intensificação do comércio com os setores líderes de uma região não necessariamente se traduz em efeitos dinamizadores para outros setores subsidiários.

Em resumo, a teoria de Vietorisz peca por omissão: a falta de qualificação das classes e grupos sociais no poder, do controle sobre as decisões de investimento na região e a negligência com relação à dependência tecnológica e às grandes empresas oligopolistas.

2.2.3 Modelos inter-regionais de insumo-produto

Uma revisão extensiva da literatura sobre modelos de insumo-produto inter-regionais produzida por Tiebout16 16 Tiebout, C. Regional and interregional input-output models: an appraisal. Southern Economic Journal, v. 24, 1957. e Meyer17 17 Meyer. Regional economics: a survey. American Economic Review, v. 53, 1963. apontou os seguintes problemas: a) as matrizes insumo-produto são de natureza estática, o que conflita com o seu uso mais freqüente - o de projeção de efeitos iterativos e multiplicativos para variáveis e setores econômicos. Estas projeções estão sujeitas a vários erros pois muitos coeficientes variáveis são mantidos constantes; b) se bem que este tipo de modelo possa apresentar uma qualificação sistematizada da estrutura econômica de cada região, os aspectos espaciais (ou locacionais) não são imediatamente aparentes.

O conhecimento da estrutura econômica a nível das relações inter-setoriais e inter-regionais é de enorme importância para a compreensão da substância das relações de intercâmbio entre as regiões e para previsão de possíveis mudanças estruturais no futuro. Entretanto, muitas vezes a forma de agregação dos setores e a falta de melhores informações sobre a distribuição espacial impedem a realização acurada das previsões. Neste sentido, as seguintes modificações foram propostas por Shapiro:18 18 Shapiro, D.M . Regional dualism and the input-output techniques. Department of Planning, Cornell University, 1972. Mimeogr.

a) distinguir os setores em "dinâmicos", "intermediários" e "defasados", de acordo com a elasticidade de crescimento e as características tecnológicas:

1. setores dinâmicos: demanda dinâmica e tecnologia avançada;

2. setores intermediários: demanda estável e tecnologia avançada;

3. setores defasados: demanda estável e tecnologia tradicional.

Estas distinções informariam sobre o potencial dinâmico do crescimento regional do lado do emprego e renda setorial (existe uma pressuposição implícita de que os setores de tecnologia avançada seriam poupadores de mão-de-obra direta).19 19 A demanda de trabalho e o desemprego tecnológico podem ser adequadamente projetados por meio da taxa de crescimento da demanda e das características tecnológicas, por exemplo, os setores "intermediários" tendem a criar desemprego pois a taxa de crescimento da demanda é baixa o que implica a criação de novos empregos em ritmo inferior à substituição tecnológica de mão-de-obra por equipamento. A partir das relações de insumo-produto podem ser identificados os setores com altos/baixos efeitos de multiplicação (verticais e horizontais);

b) a aplicação mecânica dos modelos de insumo-produto pode distorcer as informações mais relevantes sobre a estrutura econômica interregional. O grau de agregação e o tratamento homogêneo dado aos setores podem disfarçar a complexidade destas relações: por exemplo, a região atrasada pode ter subsetores "dinâmicos" diretamente ligados à economia capitalista avançada da região metropolitana. Por outro lado as áreas avançadas sempre apresentam setores "defasados" e pobres. Estes aspectos refletem-se no quadro espacial e precisam ser tratados explicitamente. Contra a homogeneização artificial das características regionais, sugeridas pelas teorias simplistas e de dualismo, propõe-se um tratamento explícito das características da tecnologia, isto é, de forma que a matriz de insumo-produto possa ser expressa em termos físicos ou em termos de produtividade média por homem empregado. Além disso, um tratamento espacial explícito e menos agregado seria desejável.

A nível microeconômico, uma das aplicações mais interessantes da técnica de insumo-produto é a chamada análise de complexos industriais.20 20 Isard, Schooler & Vietorisz. Industrial complex analysis and regional development. MIT Press, 1959. Este tipo de análise apresenta os seguintes aspectos importantes: a) constitui uma formulação rigorosa do conceito de pólo-industrial do ponto de vista quantitativo, medindo inclusive os efeitos de polarização sobre outras atividades e áreas; b) permite um tratamento quantitativo das economias agregadas de aglomeração, pela acumulação de economias externas a nível do pólo industrial; c) oferece uma base para a planificação de custos comparativos de projetos entre regiões.

Todavia certa medida de precaução é necessária se a análise de complexos industriais constitui a única base da estratégia de desenvolvimento regional. Na maioria dos casos, estes complexos são planejados para servir a mercados externos - podendo cair nas mesmas limitações já apontadas para a teoria da base econômica, isto é, a formação de "enclaves" quase que exclusivamente ligados e dependentes da economia metropolitana, sem nenhum efeito endógeno sobre a região. Isto ressalta a idéia de que é necessário qualificar muito bem a complexidade das estruturas econômicas regionais e da sua inter-relação - os complexos industriais devem ser planejados dentro desta perspectiva; de outro modo a técnica perde o poder de captar as interações dinâmicas com outros setores, com a força de trabalho e sua distribuição, e indiretamente com a demanda interna e a distribuição da renda regional. Em resumo, os complexos devem ser vistos dentro de uma matriz inter-regional, de preferência sob as modificações propostas por Shapiro.

2.2.4 Imperialismo e modelos de dependência

Todos os modelos e teorias comentados até este ponto ignoram um aspecto crucial das relações econômicas: a distribuição e apropriação do excedente econômico. Este aspecto é essencial para a compreensão do poder econômico (controle de decisões, investimentos, alocação do trabalho, etc.) e para a identificação das classes e subgrupos econômicos que exercem o poder sobre os setores dominados com base nas relações de propriedade existentes. A compreensão de como o investimento se distribui regionalmente não pode prescindir de uma análise sistemática das classes sociais e suas funções econômicas no contexto inter-regional. Até aqui, excetuando algumas referências superficiais (Baldwin e Vietorisz), nenhuma das teorias abordou este lado da questão.

Esta abordagem foi desenvolvida por teóricos marxistas para análise das relações internacionais e algumas extrapolações foram feitas a nível inter-regional. Andrew G. Frank21 21 Frank, A.G. Capitalism and underdevelopment in Latin America. Monthly Review Press, 1965. representa deste ponto de vista uma posição extrema e clara. Dentro da sua visão, qualquer relação inter-regional constitui apenas uma parte de um sistema hierarquizado de metrópoles e satélites. O sistema teria a seguinte estrutura:

a) cada pólo (região) está fortemente conectado a um pólo metropolitano de ordem superior e muito fracamente ligado a outros de sua mesma ordem de importância;

b) a relação entre qualquer pólo-metrópole e outro pólo-satélite é uma relação de exploração e dependência (ou dominação).

A exploração realiza-se através de termos de intercâmbio desfavoráveis, remessa de lucros e transferência de excedente via setor bancário e financeiro (migração de poupanças), royalties, e outras formas abertas ou clandestinas de transferência. A dependência-dominação realiza-se pela instituição de formas políticas de poder e controle para preservar esta estrutura; por exemplo, controle econômico e político das classes dominadas por meios de comunicação, culturais, financeiros e em último caso pela força que pode chegar ao extremo da invasão militar metropolitana. Além disso, as classes dominantes dos pólos-satélite são controladas pela metrópole através do crédito, acessibilidade a novas oportunidades (mercados, inovações, associações, etc).

Frank supõe que este tipo de relação de exploração é linear e diretamente proporcional à duração no tempo e intensidade das transações, isto é, quanto maior a duração e intensidade das relações entre metrópole e satélite, maiores os efeitos cumulativos da exploração. Como resultado inevitável deste processo, uma defasagem crescente tenderia a perpetuar-se. Sob este ponto de vista, o fenômeno do subdesenvolvimento não constitui um acidente ou atraso histórico mas o produto direto do desenvolvimento dos centros metropolitanos. Dentro da estrutura hierárquica, o subdesenvolvimento regional a nível intranacional seria apenas um dos elos finais de uma rede que começa nas grandes potências econômicas.

O modelo de Frank tem sido criticado pela sua estrutura causai simplista, entretanto, a visão do subdesenvolvimento como o outro lado da moeda do processo de desenvolvimento metropolitano representa uma importante contribuição. A deficiência do modelo de Frank está na caracterização simplista desta relação como algo uniforme, unívoco, quase mecânico, não percebendo que a relação metrópole-periferia pode ser dialeticamente divergente, tanto do ponto de vista espacial quanto histórico. Ao estudar o desenvolvimento capitalista na Rússia, Lênin descreve a natureza complexa e de dois gumes deste processo. Os pólos capitalistas em desenvolvimento assim como as áreas atrasadas estão articulados às metrópoles, respondendo aos seus movimentos de acumulação. A evolução da economia metropolitana emite estímulos de dinamização de determinadas atividades na periferia. Quando estas atividades limitam-se à exploração e fornecimento de matérias-primas não reprodutíveis, um tipo de colonialismo econômico tende a cristalizar-se - muitas vezes em linhas semelhantes ao esquema de Frank. Porém, certos pólos periféricos podem ser privilegiados pela exportação de capital metropolitano para setores tecnologicamente avançados, reproduzindo nestes, embora em menor escala, características econômicas e sociais da sociedade metropolitana. A tendência inerente ao sistema capitalista de estimular determinados setores e áreas e em contraste impor a outros setores e áreas condições de estagnação e desigualdade foi caracterizada por Lênin como uma lei de desenvolvimento desigual e combinado. Dentro desta perspectiva enfatizou a exportação de capital industrial sob o controle de grandes monopólios como a característica essencial do imperialismo desde as primeiras décadas do século XX . O imperialismo é a saída natural para a acumulação do capital monopolista metropolitano diante das dificuldades inerentes ao processo de acumulação doméstico (exaustão de mercados, pressão salarial, etc).

Deste ponto de vista, Lênin diverge da visão de Rosa Luxemburg,22 22 Luxemburg, R. The accumulation of capital. Monthly Review Press, 1972 que tendia a ver o imperialismo como um aspecto inevitável do processo de acumulação, desde as origens do capitalismo competitivo. A acumulação leva necessariamente à expansão e imposição de relações capitalistas às áreas atrasadas, destruindo as formas de produção pré-capitalistas, e mais, a acumulação não pode prescindir da expansão imperialista pois o sistema possui um desequilíbrio interno permanente que precisa ser compensado pela transferência de excedente econômico das áreas atrasadas. Este desequilíbrio permanente (insuficiência estrutural de demanda) foi derivado por Luxemburg da análise dos modelos de reprodução com expansão do volume 2 d'O capital.

Por outro lado, esta controvérsia pode ser em parte reconciliada, uma vez que Lênin trabalhou a questão a nível de análise histórica concreta, isto é, a formação do capital monopolista e financeiro nos fins do século XIX e começo do século XX, baseando-se largamente nas idéias de Hilferding. Rosa Luxemburg, por outro lado, discutiu a questão num nível de abstração mais elevado. Contudo, sua visão a respeito da natureza do imperialismo tende a impugnar a definição de Lênin como restritiva, isto é, limitada à fase de acumulação industrial monopolista.

Do ponto de vista político, Lênin previu que a exportação de capital industrial tenderia a acorrentar os interesses das classes dominantes dependentes aos interesses do capitalismo metropolitano. O imperialismo formaria pirâmides de dominação ou cadeias hierarquizadas de "alianças" e submissão; por exemplo, a I Guerra Mundial foi caracterizada como uma guerra entre metrópoles pela hegemonia imperialista. Dentro desta perspectiva, Lênin criticou duramente as ideologias nacionalistas que mobilizavam o povo para a guerra e de fato o nacionalismo foi, como no caso do fascimo e do nazismo, e tem sido usado até o presente como uma poderosa ideologia de manipulação política das massas. Hoje, com a evolução das grandes corporações e conglomerados "multinacionais" é preciso rejeitar não somente o internacionalismo que serve ao grande capital (como "integração do país ao sistema internacional moderno", ou "abrir as portas às inovações tecnológicas das empresas internacionais", etc.) como também ao uso mais sutil do nacionalismo como uma ideologia diversionista e utópica.

O desenvolvimento recente de teorias de dependência, tentando analisar a articulação da estrutura de poder das áreas atrasadas com as classes dominantes metropolitanas, pode ajudar a explicar a origem de políticas de controle e estímulo a exportação de capital. A nível regional, por exemplo, a realocação de investimento governamental e a instituição de políticas de incentivo podem funcionar harmonicamente com os interesses metropolitanos. A necessidade de exportar capital precisa ser apoiada nas regiões atrasadas com infra-estrutura e minoração de riscos, sem eliminar porém racionalidade capitalista da alocação de recursos. O mecanismo do art. 34/18 (incentivos fiscais para o Nordeste do Brasil) constitui um exemplo interessante. A exportação de capitais dos pólos desenvolvidos do Sul para o Nordeste é escorada por todos os lados, sendo o fator risco praticamente dividido por 10, pois o empresário investidor entra em geral com menos de 20% do capital, ficando o restante integralizado pelos fundos do 34/18 proveniente do imposto de renda de outros.

A importância destas teorias reside na reabilitação da análise política como integrante necessária da análise econômica. Somente assim pode ser clarificado o papel do Estado e das classes que apropriam o excedente econômico e tomam as decisões de política. Além disso, permite articular as relações da estrutura de poder, a nível regional, com uma super-hierarquia de dominação que vai a nível internacional, ressaltando por outro lado como a exportação de capital e a distribuição inter-regional dos investimentos realizam-se sob o controle de certas classes e subgrupos sociais. A análise da acumulação capitalista deste ponto de partida da substância aos processos de desigualdade regional: que grupos efetivam a transferência de poupanças e as decisões de investimento - sob que racionalidade, e qual a importância relativa dos fatores puramente tecnológicos (como as economias externas e de aglomeração) e até que ponto estes não são também objeto de controle?

3. Comentário e conclusões

A maioria das abordagens e modelos sobre o processo de desigualdades regionais pode ser criticada pela estreiteza de enfoques incapazes de inter-relacionar os vários aspectos envolvidos, como:

a) os efeitos tecnológicos (economias/deseconomias de aglomeração e escala; controle, geração e distribuição do progresso técnico, etc.);

b) a racionalidade intrínseca à exportação de capital (causas da exportação de capital, taxas diferenciais de lucros e progresso técnico, estruturas oligopolistas, papel das instituições financeiras e bancárias, etc.);

c) a estrutura do poder de classes e a apropriação e distribuição do excedente (estrutura de poder, papel do Estado, intervenção sobre o processo espontâneo de desigualdade regional, articulação de interesses, etc).

A maioria dos modelos e teorias restringem-se a, apenas, um dos itens ou subitens citados. Muito pouco foi feito no sentido de definir os níveis de inter-relação destes fatores para a formulação de estruturas causais complexas. Deste ponto de vista, a síntese globalizante oferecida pela versão moderna da teoria clássica do valor tem sido relegada pelas teorias regionais.

O problema básico da formação do valor e distribuição do excedente econômico gerado nas regiões e o problema da substância do intercâmbio inter-regional não são abordados. Em todos os modelos citados (como o da base econômica, trade-not-aid, de insumo-produto, metrópole-satélite, etc.) existe uma estrutura de preços implícita que não é discutida. Este aspecto foi levantado pela CEP AL através de Prebish, a nível macro-regional ("deterioração dos termos de intercâmbio"), entretanto sem uma base teórica convincente.

3.1 NOTA SOBRE O INTERCÂMBIO DESIGUAL ENTRE REGIÕES

A falta de uma teoria consistente para explicar a deterioração dos termos de intercâmbio e a própria substância das condições de valor implícita nas transações constitui uma séria deficiência da teoria das desigualdades regionais. A idéia de que o intercâmbio entre duas regiões - mesmo que esteja com a balança comercial em equilíbrio em termos de preços - possa implicar uma transferência implícita de excedente econômico entre regiões precisa ser rigorosamente estabelecida.

Este passo pode ser dado a partir da formulação desenvolvida por Sraffa23 23 Srafia, P. Production ot commodities by meansot commodities. Cambridge, Cambridge University Press, 1960. sobre a teoria clássica do valor trabalho, que pode ser facilmente expressa por matrizes inter-regionais de insumo-produto. Dentro desta formulação, é possível demonstrar inequivocamente que uma transação entre regiões, por exemplo, uma compra x venda no mesmo valor monetário, não envolve necessariamente uma troca de equivalentes. Em outras palavras, o princípio da troca de equivalentes entre regiões é apenas uma aparência. Na verdade, se os preços fossem estabelecidos de forma diferente, a mesma transação em termos monetários implicaria quantidades físicas diferentes. Isto é, a relação entre quantidades físicas transacionadas depende da forma como estas mercadorias são "valorizadas", ou seja, de como os respectivos preços são determinados.

Admitindo-se que os preços são estabelecidos primariamente pelas condições de produção, com pequenos ajustes posteriores para fatores não previstos ou decorrentes de incerteza e causas aleatórias, pode-se demonstrar que os preços das mercadorias das regiões desenvolvidas são "supervalorizados" ou superestimados, sucedendo o contrário com os preços das regiões atrasadas. Uma vez que o preço é fixado pelas empresas com base no custo dos insumos24 24 Os insumos são classificados em dois grupos: o trabalho direto remunerado pelo salário e os insumos de trabalho indireto ou meios de produção. Estes envolvem o equipamento físico, as matérias-primas e partes intermediárias, uso de energia não humana, etc.; resumidamente denomina-se este conjunto de capital constante. (de trabalho direto e indireto) pela aplicação de uma taxa de lucros sobre estes, pode-se demonstrar que as mercadorias, cujo processo de produção é intensivo em capital constante (equipamento, matérias-primas, partes intermediárias, isto é, todos os custos exclusive salários), tendem a ser supervalorizadas. Por outro lado, as mercadorias cuja produção envolve o uso intensivo de trabalho direto tendem a ser subvalorizadas. Este processo precisa ser compreendido no âmbito das relações de insumo-produto o que torna as coisas mais complicadas.

Intuitivamente, porém, é fácil perceber que os preços dos produtos produzidos sob processos sofisticados, com grande participação de maquinaria e partes fornecidas por outros produtores, tendem a ser mais altos do que os daqueles produzidos por técnicas intensivas em mão-de-obra. O problema entretanto reside nas condições de propriedade dos meios de produção: os preços são estabelecidos de forma a criar uma determinada margem de lucro, computada sobre o capital envolvido na produção, sendo que este capital é apropriado privadamente assim como o retorno sob a forma de lucros. Em outras palavras, o processo de estabelecimento dos preços e a distribuição da renda entre classes (que vivem da venda do trabalho ou da propriedade do capital) são faces diferentes da mesma substância. Deste ponto de vista, não se pode compreender a determinação de preços a nível regional e inter-regional sem uma visão qualificada das condições tecnológicas de produção e sem a correspondente forma de apropriação do capital, definindo as relações de produção.

A compreensão do processo de formação do valor e distribuição do produto assim como das relações de intercâmbio entre regiões, precisa ser feita no quadro das relações de insumo-produto, principalmente sob as condições de dualismo complexo, com níveis salariais diferentes, com estruturas oligopolistas diferentes, sob condições sociais e políticas diversas em cada região. O problema é muito complicado para o escopo limitado deste parágrafo cujo objetivo é somente o de chamar atenção para o intercâmbio desigual.25 25 Emmanuel, A. Unequal exchange. Monthly Review Press, 1971; e Coutinho, L. Unequal exchange between regions. Syracuse, 1973. (Regional Science Association Papers). Em resumo, mesmo quando débitos eqüivalem a créditos no comércio interregional, está implícito que uma forma de valorar as mercadorias precisa ser analisada. Admitindo-se que as regiões avançadas têm maior intensidade de capital e que as regiões pobres tendem a produzir mercadorias com maior conteúdo de trabalho direto, pode-se concluir, a partir dessa análise, que existe uma transferência implícita de excedente entre as regiões. Esta transferência de excedente ou trabalho não remunerado pode ser rigorosamente definida como uma forma de exploração implícita nas relações inter-regionais.

Referências bibliográficas

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  • 1
    Williamson, J.G . Regional inequality and the process of national development: a description of patterns.
    Economic Development and Cultural Change, v. 13, 1965.
  • 2
    A predefinição ou identificação das regiões é um ponto de partida bastante controvertido. Os critérios para definição das regiões não se beneficiam da análise subseqüente via modelos analíticos, ficando a preconceituação das regiões passível de impugnação como restritiva ou arbitrária.
  • 3
    Lösh, A.
    The economics of location. New Haven, Yale University Press, 1954.
  • 4
    Berry, Brian. City size distribution and economic development.
    Economic Development and Cultural Change, v. 9, Jul. 1961.
  • 5
    Id. ibid.
  • 6
    Weber, Alfred.
    Theory of the location of industries. University of Chicago Press, 1929.
  • 7
    Isard, W.
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  • 8
    North, D.C . Location theory and regional economic growth.
    Journal of Political Economy, v. 63, Jun. 1955.
  • 9
    Tiebout, C. Exports and regional economic growth.
    Journal of Political Economy, v. 64, Apr. 1956.
  • 10
    Baldwin. Patterns of development of newly settled regions.
    Manchester School of Economics and Social Studies, v. 28, May. 1956.
  • 11
    A rede de comercialização, em geral, implica vários estágios entre o pequeno produtor e o consumidor. Neste processo, capitalistas comerciais atacadistas impõem condições de intercâmbio altamente desfavoráveis aos pequenos proprietários ou usuários da terra, a ponto de reduzir-lhes a renda ao nível da subsistência.
  • 12
    Vietorisz, T. The planned interregional location of industry: argument in favor of a "trade-not-aid" approach.
    United Nations Industriai Review of Organization, p. 1-60, Sep. 1967.
  • 13
    Como exemplo cita-se o caso do Sul da Itália, onde todos os gatos e investimentos básicos da Cassa Per II Mezzogiorno (a SUDENE italiana) apenas contribuíram para estimular a economia industrial do Norte, falhando em corrigir a disparidade regional. (Cf. Chenery, H. B. Development policies for southern Italy.
    Quarterly Journal of Economics, v. 76, Nov. 1962.)
  • 14
    Merhav argumenta que a tecnologia importada, sendo intensiva em capital físico e operando com grandes escalas para os mercados das regiões atrasadas, tende a concentrar os setores industriais. A criação de "elites operárias" por um lado e a estrutura oligopolista, por outro, tendem a impedir a difusão dos ganhos de produtividade e progresso técnico, com inevitáveis conseqüências do lado espacial. A renda concentrar-se-ia não somente do ponto de vista funcional mas também acentuaria significativamente as desigualdades intra-regionais. (Merhav.
    Technological depenãence, monopoly and growth. N. York, Pergamon Press, 1970.)
  • 15
    coutinho, L.
    Avaliação do desenvolvimento recente no Nordeste, Instituto de Pesquisas Econômicas, Universidade de São Paulo, 1970. Tese de mestrado.
  • 16
    Tiebout, C. Regional and interregional input-output models: an appraisal.
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  • 17
    Meyer. Regional economics: a survey.
    American Economic Review, v. 53, 1963.
  • 18
    Shapiro, D.M . Regional dualism and the input-output techniques. Department of Planning, Cornell University, 1972. Mimeogr.
  • 19
    A demanda de trabalho e o desemprego tecnológico podem ser adequadamente projetados por meio da taxa de crescimento da demanda e das características tecnológicas, por exemplo, os setores "intermediários" tendem a criar desemprego pois a taxa de crescimento da demanda é baixa o que implica a criação de novos empregos em ritmo inferior à substituição tecnológica de mão-de-obra por equipamento.
  • 20
    Isard, Schooler & Vietorisz.
    Industrial complex analysis and regional development. MIT Press, 1959.
  • 21
    Frank, A.G.
    Capitalism and underdevelopment in Latin America. Monthly Review Press, 1965.
  • 22
    Luxemburg, R.
    The accumulation of capital. Monthly Review Press, 1972
  • 23
    Srafia, P.
    Production ot commodities by meansot commodities. Cambridge, Cambridge University Press, 1960.
  • 24
    Os insumos são classificados em dois grupos: o trabalho direto remunerado pelo salário e os insumos de trabalho indireto ou meios de produção. Estes envolvem o equipamento físico, as matérias-primas e partes intermediárias, uso de energia não humana, etc.; resumidamente denomina-se este conjunto de capital constante.
  • 25
    Emmanuel, A.
    Unequal exchange. Monthly Review Press, 1971; e Coutinho, L.
    Unequal exchange between regions. Syracuse, 1973.
    (Regional Science Association Papers).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1973
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