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Origem étnica e situação socioeconómica dos universitarios paulistas

ARTIGOS

Origem étnica e situação socioeconómica dos universitarios paulistas* * A coleta e a codificação dos dados em que êste trabalho se baseia foram feitas pelos alunos do curso de teoria e prática de pesquisa ministrado pela autora, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Sáo Paulo, em 1967-1968. A transposição das informações para cartões IBM foi realizada pelo Centro de Processamento de Dados da Fundação Educacional de Santo André. As tabelas foram elaboradas pelo Centro de Computação Eletrônica da Faculdade de Ciências Econômicas daquela universidade. A essas instituições e ao grupo de alunos mencionado, a autora expressa o seu reconhecimento.

Aparecida Joly Gouveia

Livre-docente da Universidade de São Paulo

A demanda de ensino superior em São Paulo, como em todo o Brasil, cresceu acentuadamente na década de 60. As matrículas na primeira série das escolas superiores do estado passaram de 8.656, em 1960, a 34.577, em 1968.1 1 Pastore, José. O ensino superior em São Paulo. Instituto de Pesquisas Econômicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1970. Contudo, o aumento de vagas não tem sido suficiente para atender ao número crescente de candidatos aos exames vestibulares. A competição nêstes exames, porém, varia segundo o ramo de estudo e a filiação institucional da escola. Sabem os candidatos que, em geral, o acesso a universidades estatais é mais difícil que aquêle a faculdades filiadas a entidades particulares, e que é pior ingressar em cursos de engenharia e medicina que nos de menor prestígio, tais como economia ou jornalismo.2 2 Devido à prática de inscrições múltiplas, isto é, em mais de um ramo e/ou faculdade, não se podem fazer estimativas seguras sôbre diferenças entre os ramos quanto ao grau de competição nos vestibulares. Os dados referentes aos vestibulares realizados na Guanabara, em 1967, indicam, para os ramos mencionados, as seguintes proporções de candidatos para vagas: medicina 6,3; engenharia 4,9; direito 2,2; Jornalismo 1,7, (Cunha, Nádia Franco da. O acesso 1 universidade. Trabalho apresentado à (V Conferência Nacional de Educação, 1969.)

Tradicionalmente, cada faculdade administrava seu vestibular e estabelecia seus próprios padrões para a admissão. Nos últimos anos, algumas tentativas têm sido feitas no sentido de se estabelecerem exames comuns para todos os concorrentes. Entretanto, as universidades abrangidas pelo estudo que relataremos não se incluem entre as que, em 1967, já haviam adotado essa medida. Assim, não dispomos de dados que permitam comparar as habilidades intelectuais dos admitidos aos diferentes cursos. Sabendo-se que existem variações quanto ao grau de competição nos vestibulares, é de se esperar que se verifiquem, entre os ramos, diferenças quanto ao tipo de estudantes que selecionam. E é provável que aquêles que forem aceitos nos vários ramos difiram não só quanto a características psicológicas, tais como nível intelectual e motivação para o trabalho escolar mas, também, quanto à origem social e a outros fatores aos quais se condicionam as experiências de socialização.

De fato, conforme se verá, os dados de que dispomos mostram que os cursos divergem quanto à situação socioeconómica dos estudantes que acabam por selecionar. O propósito dêste trabalho* porém, não é simplesmente hierarquizar os ramos em função do grau de seletividade social do corpo discente.3 3 Sôbre a seletividade social do corpo discente dos diversos ramos do ensino superior em São Paulo, ver Gouveia, Aparecida J. Democratização do ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 50 (112) 1968. A sua preocupação fundamental prende-se à questão teórica de alcance mais amplo, qual seja, a distinção entre fatores estruturais e culturais na determinação da trajetória que o indivíduo percorre na vida.

Por fatores estruturais entendemos os relacionados com a situação de classe, na acepção que êste conceito tem para Weber: "We may speak of a class when 1. a number of people have in common a specific causal component of their life chances, in so far as

2. this component is represented exclusively by economic interests in the possession of goods and opportunities for income, and 3. is represented under the condition of the commodity or labor markets".4 4 "Falamos de classe quando: 1. certo número de pessoas tem em comum um componente causal de oportunidades de vida especifico, na medida em que êsse componente é representado; 2) exclusivamente por interêsses econômicos na posse de bens e possibilidades de renda e 3) de acordo com as condições dos mercados ele bens e serviços." Gerth, H. H. & Mills, C. Wright. From Max Weber. New York, Oxford University Press, 1953. p. 181.

Fatores culturais, aqui, são os representados por valores presumivelmente relacionados com a origem étnica. Uma definição de valor, adequada para os fins em vista, seria a de Kluckhohn.- "A value is a conception, explicit or implicit, distinctive of an individual or characteristic of a group, of the desirable which influences the selection of available modes, means and ends of action".5 5 "Valor é uma concepção, expllcita ou implicita, caracterlstica de um individuo ou de um grupo, a respeito do que é desejável e que influencia a escolha de modos, instrumentos e fins da ação." Kluckhohn, Clyde & outros. Values and value·orientations in the theory of social action. In: Parsons, Talcott & Shils, A. Edward, ed. Toward a general theory of action. Cambridge, Harvard University Press, 1951. p. 395.

Não dispomos de nenhuma evidência direta de que os grupos étnicos que constituem as correntes imigratórias identificadas nêste trabalho apresentem diferenças significativas quanto aos valores por que se orientam. Partimos da hipótese de que certas distinções quanto a valores existem e que talvez possam explicar a representação diferencial dos diversos grupos entre os estudantes admitidos nas várias áreas do ensino superior em São Paulo. Não temos elementos para refutar essa hipótese, mas examinaremos as indicações que os dados fornecem-nos quando os supostos efeitos de certas orientações culturais são investigados em função da situação socioeconómica da família de que o estudante provém.

Várias pesquisas, realizadas principalmente nos Estados Unidos, têm-se preocupado com a influêcia da origem étnica e da filiação religiosa sôbre o encaminhamento escolar, o destino profissional e o êxito econômico. Explícita ou implicitamente, elas inspiram-se em teorias que explicam não só a realização individual, mas também o estágio de desenvolvimento econômico de uma nação, por fatores psicológicos relacionados com certos valores ou princípios étnicos.6 6 Uma discussão dêsses estudos e teorias encontre-se em Lipset, Seymour M. & Bendix, Reinhard. Social mobility in industrial society, Berkeley e Los Angeles, University of California Press, 1959. Um dêsses estudos indica que a preocupação com a ascensão social e a educação superior é maior entre os judeus que erttre os italianos, não se diferençando êstes, entretanto do restante da população estudada nos Estados Unidos.7 7 Strodtbeck, Fred L. Family interaction, values and achievement. In: McClelland, David C. et alii. Talent and society. New York, D. Van Nostrand Company Inc., 1958. Em outros trabalhos, comparam-se católicos e protestantes quanto a inclinações intelectuais e escolha de carreira.8 8 Greely. Andrew M. A note on pclltlcal and social differences among ethnic college graduates. Sociology of Edueation, 42 (1) 1969.

As informações que possuímos mostram o que está ocorrendo, em matéria de encaminhamento escolar e profissional, em uma sociedade em que a composição e a sucessão das correntes imigratórias, bem como as condições de convivência e competição são bem diferentes das que se verificaram na história da imigração nos Estados Unidos. Esperamos que a análise possa oferecer elementos não só para comparações entre situações históricas diversas como, também, para a discussão de certas orientações teóricas.

2. OS DADOS

Os dados referem-se a uma amostra de 1.860 estudantes, que representam aproximadamente um quarto dos que, em 1967, foram admitidos e matricularam-se nas três universidade então existentes na cidade de São Paulo: Mackenzie, Pontifícia Universidade Católica e Universidade de São Paulo. Naquêle ano, essas três abrangiam 80% do total de alunos aceitos nos cursos superiores aí localizados; a cidade compreendia 42% da primeira série no estado de São Paulo, e êste 20% das matrículas do País.

Algumas tentativas têm sido feitas no sentido de se caracterizar a composição socioeconómica do corpo discente das universidades brasileiras.9 9 Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. Castro, C L. Monteiro de et alii. Caracterização socioeconómica do estudante universitário. MEC - Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, Rio de Janeiro, 1968. Infelizmente, porém, os esquemas de amostragem e os critérios para a determinação de status socioeconómico utilizados, bem como o nível de agregação em que os dados são apresentados, não permitem realizar comparações que possam indicar em que medida os estudantes da cidade de São Paulo assemelham-se aos das demais.

A amostra foi constituída à base das proporções em que os estudantes dos vários ramos figuravam no total da população considerada, respeitando-se também a distribuição por período - diurno e noturno.10 10 Para a constituição da amostra, que foi colhida entre junho e novembro de 1967, adotaram-se os seguintes critérios: a) com base em informações obtidas nas secretarias das faculdades, estabeleceu-se o número de estudantes de cada ramo a ser incluído, e selecionaram-se as turmas em que os questionários deveriam ser aplicados; b) nas faculdades que forneceram relações nominais, a seleção dos alunos que deveriam responder ao questionário foi feita mediante sorteio, no dia em que os pesquisadores tiveram acesso às turmas selecionadas, em período de aula. Quando não se dispunha de relação nominal, procedia-se a uma amostra sistemática selecionando-se os que ocupavam determinados lugares em cada fila de carteiras. Em alguns casos, os questionários foram preenchidos fora do período de aulas, porém, sempre no recinto da escola. Inclufram-se apenas os que haviam prestado exame vestibular em 1967. Os dados foram colhidos mediante a aplicação de um questionário que inclui outros dados além dos que utilizamos.

3. RAMO DE ESTUDO E ORIGEM SOCIOECONÓMICA

Considerar-se-á, inicialmente, a hipótese de que a matrícula em determinada área de estudos relaciona-se com a situação socioeconómica da família do estudante. Essa hipótese fundamenta-se, antes de mais nada, em noções a respeito das condições em que se dá a preparação para a universidade - a existência dos cursinhos e o seu custo.

As primeiras constatações, relativas à freqüência a êstes cursos e à origem escolar dos estudantes da amostra reforçam as expectativas iniciais. Do total da amostra, 75% foram seus freqüentadores; porém, a proporção dêstes é maior entre os aprovados em engenharia e medicina (95 e 90%, respectivamente) que entre os admitidos a cursos para os quais a competição é menor. Por outro lado, verifica-se que, embora a maioria dos estudantes provenha do colégio secundário, a êssé respeito também nota-se certa variação entre os ramos. A proporção dos provenientes de outros cursos - comercial, industrial ou normal - mostra-se muito pequena, nas faculdades de engenharia e medicina, um pouco maior em direito e farmácia, mas atinge quase 2/5 em economia e administração de emprêsas. Tal constatação tem significado porque se sabe, a partir de estudos anteriores,11 11 Gouveia, Aparecida J. & Havighurst, Robert J. Ensino médio e desenvolvimento. São Paulo, Companhia Editora Melhoramentos, 1969. que a freqüência a determinado tipo de curso, no nível médio, relaciona-se marcadamente com a origem socioeconómica.

3.1 Agrupamento, dos ramos

Poder-se-ia examinar a hipótese proposta levando-se em conta a origem socioeconómica dos alunos admitidos a cada um dos 34 ramos do ensino superior representados em nossa amostra. Contudo, como se considera prudente fracionar a amostra segundo o sexo do estudante (a fim de afastar efeitos espúrios que esta variável poderá introduzir) e como, nêste trabalho, tem-se em vista verificar também a influência da origem étnica, se mantivéssemos aquêle grau de refinamento não teríamos, para certos ramos, um número de casos suficiente para a análise pretendida.

Em face de tal limitação, agruparemos os ramos utilizando o conteúdo dos exames vestibulares. Três áreas mais inclusivas são assim estabelecidas. A primeira abrange aquêles ramos para os quais se exige, no vestibular, certo nível de conhecimentos em ciências exatas e/ou naturais: engenharia, matemática, física, química, geologia, arquitetura e urbanismo, medicina, odontologia, farmácia, veterinária, ciências biológicas e enfermagem. Outra área define-se agrupando-se direito, ciências sociais, filosofia, jornalismo, letras (as várias subclassificações então existentes), história, geografia, comunicações culturais, pedagogia e serviço social. Nesta inclui-se também psicologia, não obstante o fato de matemática ter certo peso nos vestibulares para êste ramo (qualquer objeção contra tal decisão não afetará as conclusões da análise, pois a inclusão de psicologia nessa área só poderia concorrer para diluir os resultados e não para alterá-los ou distorcê-los).

Economia e administração de emprêsas constituem a terceira área. A decisão de mantê-las à parte baseia-se principalmente na consideração da importância numérica das matrículas e no caráter recente de sua expansão.

3.2 Critério para a determinação da origem socioeconómica

Partindo-se do conceito de situação de classe, tal como definido por Weber, restaria estabelecer os critérios que permitissem, no nível empírico, determinar a posição de cada um dos 1.860 estudantes de nossa amostra, obviamente, a tarefa é das mais complexas e, provavelmente, a imprecisão das informações e a natureza grosseira do instrumento de medida utilizado terão ocasionado alguns erros de classificação. De qualquer forma, porém, trata-se de instrumento que leva a resultados compatíveis com dados que, a nosso ver, podem constituir um teste de validade externa.

A classificação fundamenta-se em informações, fornecidas pelo estudante, relativas à natureza da ocupação e situação de emprêgo de seu pai. O esquema abrange sete categorias ou posições. Quando, uma vez feita a classificação dos estudantes segundo esse esquema, examina-se a freqüência do trabalho remunerado, verifica-se que a proporção dos que trabalham aumenta gradativamente à medida que se passa das categorias mais para as menos elevadas. O fato, que já fora constatado em uma pesquisa sôbre estudantes do ensino médio,12 12 Os resultados obtidos foram os seguintes: repete-se agora entre os universitários.13 13 Hipótese comparável é sugerida por Bourdieu e Passéron, em relação a "escolhas" feitas por estudantes franceses. Bourdleu, P. & Passéron, J. C. Le. héritiers: les etudiants et la culture. Paris, Les Editions de Minult, 1964. Esse é o principal elemento em que nos baseamos para aceitar a escala como um instrumento de medida adequado para os fins em vista. Para os objetivos da análise proposta e os f racionamentos da amostra que esses objetivos impõem, considerou-se aconselhável agrupar as sete posições originais da escala em três estratos, a saber: alto, médio e baixo (correspondentes às posições, 1-2, 34 e 5-6-7).

Utilizando esse esquema e o critério para agrupamento dos ramos como indicados, obtivemos a distribuição apresentada na tabela 1.

3.3 Relações observadas

Como se vê na tabela 1, referentes aos estudantes masculinos, 2/5 encontram-se na área A (a fim de abreviar a apresentação, referências a esta área serão feitas utilizando-se simplesmente a expressão "ciência e tecnologia"). Os demais distribuem-se, em proporções aproximadamente iguais, entre as áreas B - economia e administração de emprêsas - e C, constituída, como vimos, de direito, filosofia, ciências sociais, letras, história, geografia, pedagogia, psicologia, serviço social, jornalismo e comunicações culturais (que será designada "ciências humanas e ramos correlatos"). Por outro lado, o sexo feminino concentra-se marcadamente na C. Um quinto apenas está em "ciência e tecnologia", e proporção insignificante (2%) em economia e administração.

Porém, indicam os dados que a preferência dos estudantes masculinos por "ciência e tecnologia" é afetada pela origem socioeconómica. Com efeito, a proporção dos matriculados nesse campo diminui quando se passa dos estratos mais elevados para os menos, mostrando a diferença estatisticamente significativa e bastante acentuada quando se cruza a linha que separa as categorias constituídas de ocupações não manuais da de ocupações manuais - estrato baixo. Inversamente, as proporções dos matriculados nas áreas B e C são maiores entre os filhos de trabalhadores manuais que entre os estudantes provenientes a camadas mais elevadas. Poder-se-ia assim dizer que os mais modestos ingressam com maior facilidade no ensino superior quando se contentam com economia e administração de emprêsas ou ciências humanas e ramos correlatos.

Tal fraseado, porém, poderia levar a interpretações errôneas. Não queremos dizer que os ramos dispostos nessas áreas constituam sempre, conscientemente, uma segunda escolha. Nossa hipótese é a de que os "fatores de realidade", relacionados com a situação socioeconómica, levariam esses indivíduos a alimentar aspirações compatíveis com seus recursos e condições familiares.

Convém ponderar, por outro lado, que, realizando cursos na área de ciências humanas, esses estudantes estarão se encaminhando para profissões que requerem habilidades verbais que êles, em razão mesma de sua origem mais modesta, talvez não tenham conseguido desenvolver.14 14 Sôbre a relação entre origem social e desenvolvimento da linguagem, ver Bernstein, Basil. Social class and linguistic development. In: Halsey, A., Floud, Jean & Anderson, C. Arnold, ed. Edueation, eeonomy and society. Glencoe, III, The Free Press, 1961. Ocorre, porém, que, por levarem a profissões em geral menos prestigiosas e menos compensadoras em têrmos monetários,15 15 As percepções que os estudantes têm do mercado de trabalho são consentâneas com as noções (assistemáticas) que temos sôbre as recompensas diferenciais dos vários campos. Perguntou-se ao estudante: "Se você terminasse hoje o curso que está fazendo e fosse trabalhar, quanto você acha que poderia ganhar por mês aproximadamente?". A percentagem dos que, em 1967, esperavam ganhar mais de Cr$ 800,00 mensais variou de 43,4% entre os matriculados em ciência e tecnologia a 28,3% entre os matriculados em ciências humanas e ramos correlatos, emparelhando-se com os primeiros e os de economia e administração (40,6%). os cursos incluídos nesse campo não têm vestibulares tão competitivos quanto os de medicina e engenharia. Por outro lado, aquêles cursos exigem menor tempo de permanência na escola, facilitando, assim, o exercício simultâneo de uma atividade paga. De fato, nossa amostra indica que 3/4 dos estudantes de direito têm algum tipo de emprêgo remunerado, enquanto que, entre os de medicina, a proporção dos que trabalham é de apenas 1/10.

Os dados da tabela 1 mostram ainda que a relação entre a origem socioeconómica e a área de estudo, observada entre os estudantes masculinos, não prevalece quando se trata do sexo feminino. As moças concentram-se em ciências humanas e ramos correlatos, qualquer que seja a sua origem socioeconómica, verificando-se, mesmo, que a proporção aí matriculada, ao contrário do que se dá entre os rapazes, tende a ser um pouco maior entre as de origem mais elevada. Assim sendo, a evidência é a de que as noções e valores que têm tradicionalmente definido os papéis da mulher são mais poderosos que as vantagens advindas da situação socioeconómica. As que, por suas condições familiares, poderiam realizar cursos mais prestigiosos o fazem tão pouco ou até menos freqüentemente quanto as de recursos mais modestos.

4. RAMO E ORIGEM ÉTNICA

Na tabela 2 investiga-se uma segunda hipótese, qual seja, a existência de relação entre origem étnica e "escolha" da área de estudos.

A definição operacional da origem étnica foi feita de modo a ser possível identificar os maiores grupos de população representados entre os estudantes universitários. A classificação baseou-se em informações fornecidas, pelo estudante, sôbre a religião e o país de nascimento de seus avós. As seguintes categorias foram estabelecidas:

Brasileiro - todos os avós nascidos no Brasil, excluídos os de religião judaica.

Judeu - um ou mais avós de religião judaica.

Japonês - um ou mais avós nascidos no Japão.

Sírio-libanês - um ou mais avós nascidos na Síria ou Líbano.

Latino - um ou mais avós nascidos em Portugal, Itália ou Espanha, se não se enquadrar como japonês, sírio-libanês ou judeu. (Dada a freqüência dos casamentos entre portugueses, italianos e espanhóis, seria difícil estabeJecer uma classificação mais refinada.)

Outro - avós nascidos em outras nações e descendentes de intercasamentos não incluídos na categoria anterior. (Na amostra não se verificou nenhum casamento entre japoneses, sírio-libaneses e/ou judeus.)

No que se refere aos estudantes do sexo feminino, a tabela 2 indica que a concentração nos ramos incluídos na área C - ciências humanas e ramos correlatos - não é tão acentuada entre as japonesas quanto nos demais grupos. Na verdade, a proporção que se encontra na área A - ciência e tecnologia - é tão elevada quanto a daquêles ramos.

Pode-se ver também, na referida tabela, que a preferência das estudantes de origem sírio-libanesa por ciências humanas e ramos correlatos é maior que a presenciada em qualquer outro grupo - 97% delas concentram-se aí. São, assim, estas moças as que menos se desviam das definições tradicionais do papel da mulher.

Examinando os dados referentes aos estudantes masculinos,, constatamos que, entre os judeus, 3/5 convergem para ciência e tecnologia, dividindo-se os demais pelas outras áreas - B e C - em proporções aproximadamente iguais. Sírio-libaneses e japoneses também parecem preferir ciência e tecnologia. A metade dos japoneses encontra-se nesta área; e como também relativamente numerosas são as matrículas em economia e administração, A e B abrangem 90% dos japoneses que ingressam na universidade. Assim sendo, notável a respeito dêstes é o fato de "evitarem" ciências humanas e ramos assemelhados.

Em comparação com os grupos mencionados, os latinos apresentam proporção menor em ciência e tecnologia, e maior em ciências humanas e ramos correlatos. Os brasileiros aproximam-se dos latinos.

Como interpretar a relação entre origem étnica e "escolha" da área de estudos indicada por nossos dados? Uma primeira hipótese poderia ser sugerida.

Sabendo-se que a origem socioeconómica afeta diferencialmente a probabilidade de admissão aos diversos ramos, pode-se suspeitar que a relação entre origem étnica e área de estudo, observada na tabela 2, resulte simplesmente da posição dos vários grupos étnicos na hierarquia socioeconómica da sociedade brasileira (ou paulista).

Não dispomos de informações referentes à posição dos diversos grupos na população total e não sabemos em que medida o perfil da população universitária assemelha-se ao daquela. Contudo, conforme se vê na tabela 3, certas diferenças quanto à composição socioeconómica observam-se entre os grupos étnicos, tal como êstes se representam na amostra de universitários.

Focalizando, na tabela 3, as discrepâncias quanto à proporção de filhos de trabalhadores manuais - estrato 3 - verificamos que, entre os judeus, nenhuma estudante classifica-se nêste nível e que, entre os sírio-libaneses, apenas 3% aí se incluem.16 16 Não dispomos de dados sôbre a distribuição ou posição dos slrio-libaneses na sociedade global. sôbre os judeus, informam Rattner e Bolaffi: "... uns eram (no pafs de origem) simples alfaiates, carregadores ou mercadores pobres, ao passo que outros haviam sido banqueiros, juristas, técnicos ou profissionais liberais. Para alguns, a migração concretizou a promessa da América, para outros ela implicou na perda de uma Europa privilegiada, mas aqui uns e outros tornaram-se prósperos comerciantes..." (O grifo não está no original.) Rattner, Heinrich & Bolaffi, Gabriel. O estudante universitário judeu perante o judaísmo: um estudo sociológico. 1964. mimeogr. Entretanto, entre os japoneses, a proporção de estudantes de origem assim modesta eleva-se a 1/4.

Pelos dados dessa tabela conclui-se, conseqüentemente, que a situação socio-econômica poderia talvez explicar as altas percentagens de judeus e sírio-libaneses matriculados em cursos de ciência e tecnologia, mas não se poderia aplicar tal explicação aos japoneses.

5. RELAÇÃO ENTRE SITUAÇÃO SOCIOECONÓMICA, ORIGEM ÉTNICA E AREA DE ESTUDO

Uma visão mais precisa da relação entre origem étnica e área de estudos é fornecida pela tabela 4, onde se controla o efeito da situação econômica. Nessa, bem como na tabela subseqüente, incluem-se apenas os estudantes masculinos. Isso porque, como se viu, a origem socieconômica pràticamente não afeta as escolhas femininas.

Os dados da tabela 4 mostram que a influência da situação socioeconómica sôbre a probabilidade de inscrição na área de ciência e tecnologia faz-se sentir de maneira generalizada. Com apenas uma exceção - constituída pelos judeus - a percentagem matriculada nêstes ramos decresce congruentemente quando se baixa na escala socioeconómica. A respeito, porém, da exceção apontada, convém notar que a amplitude de variação, no que diz respeito à situação socioeconómica, é menor entre os judeus que nos demais grupos, visto que, entre êles, não se encontram estudantes do estrato inferior.

Por outro lado, percebemos que a relação estatística entre a origem étnica e a área de estudo, indicada anteriormente na tabela 2, não desaparece quando se controla a variável situação socioeconómica.

Considerando os estudantes do nível alto, comprovamos que as percentagens referentes às matrículas na área de ciência e tecnologia sugerem o mesmo padrão observado na amostra total - a "propensão" aos ramos incluídos nesta área é menor entre os brasileiros e latinos que nos grupos minoritários. Igualmente, não se altera a posição relativa dos diferentes grupos no que respeita às matrículas em ciências humanas e ramos correlatos. Contudo, entre os japoneses, não se encontra aí nenhum matriculado; quando pertencem a esse nível socioeconómico, os japoneses encaminham-se para cursos de ciência e tecnologia ou para economia e administração de emprêsas.

Os estudantes de estrato médio, como acontece com os de situação mais elevada, judeus e japoneses apresentam percentagens de inscrição em ciência e tecnologia bem mais altas que as registradas no grupo brasileiro. Porém, os sírio-libaneses, nêste nível, equiparam-se aos brasileiros.

Dentre os estudantes do estrato inferior, a incidência de matrículas na área de ciência e tecnologia continua sendo maior entre os japoneses que dentre os brasileiros e latinos. Quanto aos demais grupos minoritários, nenhum estudante judeu e apenas um sírio-libanês situa-se nêste nível socioeconómico.

Assim sendo, o grupo brasileiro é o que, ao longo de toda a escala socioeconómica, possui as mais baixas percentagens em ciência e tecnologia e as mais altas em ciências humanas e ramos correlatos.

Examinando-se a tabela por outro ângulo, isto é, segundo as matrículas em ciência e tecnologia, constata-se que, suas percentagens mais elevadas encontram-se: no nível baixo, entre os japoneses; no médio, entre os judeus; no alto, entre os sírio-libaneses. Nota-se, também, ser êste último o grupo étnico em que a preferência por ciência e tecnologia é mais influenciada pela situação socioeconómica.

Convém, entretanto, considerar a distribuição dos estudantes dentro da área de ciência e tecnologia. Nem todos os ramos nela incluídos têm o prestígio de que gozam os cursos de medicina e engenharia. Campos menos desejáveis ou socialmente menos visíveis como os de odontologia, veterinária, farmácia e geologia (para não mencionar enfermagem que é escolhido apenas por mulheres), classificam-se nessa área. Também aí se incluem biologia, matemática, química e física, cujos diplomados acabam, muito provavelmente, em grande maioria ingressando no magistério secundário.

Os dados referentes a cada um dêsses ramos que, por razões de ordem prática, não são apresentados nêste trabalho, indicam como era de se esperar, que o corpo discente dos cursos de engenharia e medicina é bem mais seleto socialmente que o dos demais.17 17 Gouveia, Aparecida J. & Havighurst, Robert J. op. cit.

Engenharia e medicina perfazem a maioria das matrículas agregadas nessa área. Porém, a concentração nela é bem maior entre os judeus e os sírio-libaneses que entre os japoneses. Dos matriculados em ciência e tecnologia encontram-se: 75% dos judeus, 70% dos sírio-libaneses, 61% dos brasileiros, 60% dos latinos e apenas 41% dos japoneses.

Esse padrão poderia ter sido previsto a partir dos dados sôbre a composição socioeconómica dos vários grupos étnicos. Poder-se-ia mesmo esperar que os japoneses, que provém de famílias mais modestas, especialmente quando comparados aos estudantes judeus e sírio-libaneses, menos freqüentemente se encontrassem em medicina e engenharia que em outros ramos científico-tecnológicos.

Por outro lado, parece que o acesso à educação superior e a "resistência" às ciências humanas "custam" mais aos japoneses que aos de outras origens. Esta hipótese esboçou-se a partir de certas constatações feitas no decorrer da análise, a saber:

1. A percentagem dos que entram na universidade no ano seguinte ao da conclusão do curso médio é menor entre os japoneses que entre os estudantes de outras origens: 22% entre os japoneses, 36 a 55% em outros grupos (a maior percentagem registrando-se entre os judeus).

2. Enquanto que entre os judeus e os sírio-libaneses encontram-se apenas 23% e 27%, respectivamente, de estudantes com mais de 20 anos de idade, entre os japoneses, bem como entre os brasileiros e latinos, os assim atrasados constituem aproximadamente 2/3 (65%) dos que se matriculam na universidade.

3. A percentagem dos que passaram a infância e a adolescência na área metropolitana de São Paulo é menor entre os japoneses que entre os estudantes de outras origens: 23% apenas dos japoneses, em comparação com 40 a 72% dos estudantes de outros grupos (também a esse respeito, os judeus são os que mais se distanciam dos japoneses). Assim, os japoneses menos freqüentemente que os de outras origens tiveram a oportunidade de beneficiar-se dos estímulos educacionais encontrados na metrópole.

4. A percentagem de filhos de agricultores é maior entre os japoneses que entre os estudantes de outras origens: 32%, em comparação com 12 e 0% em outros grupos. Como nessa categoria poder-se-iam encontrar filhos de grandes fazendeiros, convém assinalar que, entre os classificados como agricultores, a percentagem de japoneses que se acham no nível socioeconómico "alto" é de apenas 17%, em contraposição a percentagem bem mais elevada - 41% - verificada entre os agricultores brasileiros.

6. QUESTÕES QUE A ANALISE SUGERE

Vimos que a probabilidade de o indivíduo chegar a matricular-se em determinada área do ensino superior é afetada pela situação socieconômica de sua família. Sentimos, por outro lado, que existe uma associação estatística entre a origem étnica e a matrícula em certas áreas de estudo; e que indícios dessa associação persistem quando se controlam os efeitos da composição socioeconómica dos diferentes grupos étnicos. Os estudantes brasileiros e latinos são os menos propensos à ciência e tecnologia e, por outro lado, os mais propensos a direito, ciências humanas e ramos correlatos. Contrariamente, os japoneses são os que menos freqüentemente matriculam-se nesta área. Concentram-se em ciência e tecnologia quando provêm de família de nível médio ou superior; mesmo, porém, entre os de origem mais modesta, que mais raramente chegam a matricular-se aí, são os japoneses os que mais comumente o fazem.

Engenharia e medicina, que perfazem a maioria das matrículas nessa área, são as profissões preferidas pelos estudantes secundários do sexo masculino em São Paulo como em outras cidades do Brasil.18 18 Gouveia & Havighurst. op. cit. Os cursos de medicina e engenharia talvez fossem a meta dos que acabam matriculando-se em outros ramos científico-tecnológicos. Acreditamos, também, que a pequena participação do sexo feminino na composição das matrículas na área de ciência e tecnologia seja, em parte, conseqüência da maior "desejabiiidade" e visibilidade social de medicina e engenharia. Como, porém, a competição para o ingresso nêstes campos é acirrada, acabam os ramos correlatos recebendo estudantes masculinos e/ou de origem relativamente elevada em proporções maiores que as encontradas em ciências sociais, filosofia, letras, pedagogia e ramos assemelhados.

Não queremos com isso dizer que todos os alunos matriculados na área de ciência e tecnologia, em cursos que não os de medicina e engenharia, tenham antes tentado o vestibular para outros ramos. Nossa hipótese é a de que certa proporção talvez tentasse medicina ou engenharia se tivesse mais capacidade ou mais confiança em sua capacidade. E que outra proporção talvez já tenha eliminado a sua "dissonância cognitiva",19 19 Sôbre o conceito de dissonância congnitiva e a teoria em que nossa hipótese baseia-se, ver Festinger, L. A theory of cornitive dissonance. Evanston, 111., Row & Peterson, 1957. sôbre os desenvolvimentos dessa teoria, ver Rodrigues, Aroldo. Consistência cognitiva e comportamento social. Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada, 21, jun. 1969. chegando, de fato, a desejar veterinária, odontologia, física ou outro ramo científico-tecnológico.

Essas observações e especulações são feitas porque se coloca em pauta o comportamento dos estudantes japoneses. Como chegam êles, especialmente os de origens mais modestas, nas proporções constatadas, à área de ciência e tecnologia?

Fazendo notar que, de acordo com nossas suposições, nem todos provavelmente terão atingido as metas visadas (por isso, que, como vimos, menos da metade encontra-se em medicina e engenharia), recorramos às teorias culturalistas mencionadas na parte introdutória dêste trabalho. Essas teorias destacam a importância dos valores e de certas disposições psicológicas como fatores de êxito. Delas, uma das que é mais freqüentemente mencionada é a de McClelland, psicólogo social, que inclusive elaborou uma escala para medir o motivo de realização, isto é, o desejo de atingir padrões de excelência nas realizações pessoais. De acordo com os estudos internacionais de McClelland, os escores obtidos nessa escala mostram-se significativamente mais altos entre os meninos do Japão que entre os da Alemanha e do Brasil, em 1961.

Por outro lado, entre os valores enfatizados pela cultura japonesa estaria o grande apreço à educação.20 20 Saito, Hiroshi. O japonês no estado de São Paulo. In: Marcondes, J. V. Freitas & Pimentel, Osmar. São Paulo: espirito, povo e instituições. São Paulo, Livraria Pioneira Editôra, 1968. Cardoso, em um estudo sôbre a aculturação dos Imigrantes japoneses no Brasil, refere-se ao respeito que têm pelas atividades intelectuais como a um "valor trazido do Japão."21 21 Cardoso, Ruth C L. O agricultor e o profissional liberal entre os japoneses no Brasil, Revista de Antropologia, 11, (1 e 2) 1963.

Admitamos que os japoneses dêem grande valor à educação e, também, que a estrutura familiar e as práticas de socialização destas crianças levem a atitudes e hábitos de trabalho propícios à disciplina escolar e ao êxito nos estudos, mesmo assim, caberia uma hipótese alternativa (embora não por força mutuamente exclusiva): em que medida o desempenho dos estudantes japoneses explicar-se-ia pelas circunstâncias históricas em que se dá o esforço de integração e ascensão dêsse grupo na sociedade brasileira? Como imigração em grandes números, a corrente dêsse povo é mais nova que a dos portugueses, italianos e espanhóis. Não teriam os latinos se comportado como hoje o fazem os japoneses se tivessem chegado ao Brasil numa época em que a educação fosse considerada importante para a ascensão social, e a ciência e a tecnologia grandemente valorizadas?

A propósito de tal indagação, convêm mencionar algumas indicações de uma pesquisa sôbre mobilidade social, realizada por Hutchinson e colaboradores (1960), em que se estudou um grupo de descendentes de Imigrantes italianos radicados na cidade de São Paulo. Com base nos resultados das provas psicológicas aplicadas por Martuscelli, afirma aquêle autor: "... entre os de ascendência italiana, o desejo para a realização individual é mais forte que o comum" (verificado na população da cidade de São Paulo). Na época, porém, em que se deu a maior parte da imigração italiana, o caminho para a ascensão social era o o enriquecimento a partir de atividades comerciais ou indústrias de pequeno vulto. Castaldi, utilizando material obtido mediante entrevistas com imigrantes e seus descendentes, mostra como "o êxito econômico, obtido pelos primeiros imigrantes, na maioria analfabetos, contribuiu, em muitos casos, para diminuir aos seus olhos, e aos olhos dos filhos, o valor da instrução".22 22 Hutchinson, Bertram. Mobildade e trabalho. MEC - Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, Rio de Janeiro, 1960. p. 355. Assinala Hutchinson: "Muitos dêsses imigrantes e muitos dos que alcançaram êxito econômico receberam pequena educação; e embora, à medida que o seu empreendimento progride, a necessidade de um filho educado se acentue, a educação continua a ter um valor apenas simbólico. A maior educação do filho é considerada pelo imigrante como culminação, e não tanto como meio, de um processo de mobilidade decorrente do êxito econômico."23 23 Hutchinson, B. op. cit. p. 15.

Dessa pesquisa, outra constatação relevante para a interpretação de nossos dados é a que se refere à mobilidade diferencial de brasileiros e "estrangeiros": o "estudo evidenciou, de modo considerável, um mais elevado grau de ambição entre os imigrantes estrangeiros (italianos) e seus filhos do que entre os brasileiros cuja ascendência está mais firmemente radicada no Brasil. Na verdade, parece não restar dúvida que a mobilidade ascendente é maior entre os primeiros do que entre os brasileiros "puros"".24 24 Hutchinson, B. op. cit. p. 13.

Ambiciosos e atentos às oportunidades que se lhes ofereciam ao tempo em que lutavam por uma melhoria de status na sociedade paulista, os descendentes de italianos, a que se refere Hutchinson, hoje, em situação diferente, quase não se distinguem dos brasileiros, isto é, não se comportam como membros de grupos minoritários, conforme indicam os dados referentes à matrícula nas diferentes áreas do ensino superior discutidos nêste trabalho. Provavelmente já se aliviaram das preocupações que ainda afligem os que mais recentemente chegaram ao Brasil. Talvez, da mesma maneira que os brasileiros, tenham mais pontos de apoio nas estruturas de poder. Em face de tais especulações, a hipótese seria, assim, a de que a "utilidade marginal" da educação superior e a de um curso na área de ciência e tecnologia, como instrumento para garantir status, é maior para indivíduos pertencentes a grupos minoritários (judeus e japoneses) que para brasileiros e latinos. Porém, outra hipótese, menos provável a nosso ver, é a de que brasileiros e latinos, mais despreocupados no que respeita a status, estariam menos atentos a transformações que ocorrem na instrumentalidade relativa dos vários ramos do ensino superior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Castaldi, Carlo. O ajustamento do imigrante à comunidade paulista: estudo de um grupo de imigrantes italianos e de seus descendentes. In: Hutchinson, Bertram. Mobilidade e trabalho. MEC Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, Rio de Janeiro, 1960.

McClelland, David. The achieving society. Princeton, N. J. , D. Van Nostrand Company Inc., 1961.

  • McClelland, David. The achieving society Princeton, N. J. , D. Van Nostrand Company Inc., 1961.
  • *
    A coleta e a codificação dos dados em que êste trabalho se baseia foram feitas pelos alunos do curso de teoria e prática de pesquisa ministrado pela autora, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Sáo Paulo, em 1967-1968. A transposição das informações para cartões IBM foi realizada pelo Centro de Processamento de Dados da Fundação Educacional de Santo André. As tabelas foram elaboradas pelo Centro de Computação Eletrônica da Faculdade de Ciências Econômicas daquela universidade. A essas instituições e ao grupo de alunos mencionado, a autora expressa o seu reconhecimento.
  • 1
    Pastore, José. O ensino superior em São Paulo. Instituto de Pesquisas Econômicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1970.
  • 2
    Devido à prática de inscrições múltiplas, isto é, em mais de um ramo e/ou faculdade, não se podem fazer estimativas seguras sôbre diferenças entre os ramos quanto ao grau de competição nos vestibulares. Os dados referentes aos vestibulares realizados na Guanabara, em 1967, indicam, para os ramos mencionados, as seguintes proporções de candidatos para vagas: medicina 6,3; engenharia 4,9; direito 2,2; Jornalismo 1,7, (Cunha, Nádia Franco da. O acesso 1 universidade. Trabalho apresentado à (V Conferência Nacional de Educação, 1969.)
  • 3
    Sôbre a seletividade social do corpo discente dos diversos ramos do ensino superior em São Paulo, ver Gouveia, Aparecida J. Democratização do ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 50 (112) 1968.
  • 4
    "Falamos de classe quando: 1. certo número de pessoas tem em comum um componente causal de oportunidades de vida especifico, na medida em que êsse componente é representado; 2) exclusivamente por interêsses econômicos na posse de bens e possibilidades de renda e 3) de acordo com as condições dos mercados ele bens e serviços." Gerth, H. H. & Mills, C. Wright.
    From Max Weber. New York, Oxford University Press, 1953. p. 181.
  • 5
    "Valor é uma concepção, expllcita ou implicita, caracterlstica de um individuo ou de um grupo, a respeito do que é desejável e que influencia a escolha de
    modos, instrumentos e fins da ação." Kluckhohn, Clyde & outros. Values and value·orientations in the theory of social action. In: Parsons, Talcott & Shils, A.
    Edward, ed.
    Toward a general theory of action. Cambridge, Harvard University Press, 1951. p. 395.
  • 6
    Uma discussão dêsses estudos e teorias encontre-se em Lipset, Seymour M. & Bendix, Reinhard. Social mobility in industrial society, Berkeley e Los Angeles, University of California Press, 1959.
  • 7
    Strodtbeck, Fred L. Family interaction, values and achievement. In: McClelland, David C. et alii.
    Talent and society. New York, D. Van Nostrand Company Inc., 1958.
  • 8
    Greely. Andrew M. A note on pclltlcal and social differences among ethnic college graduates.
    Sociology of Edueation, 42 (1) 1969.
  • 9
    Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. Castro, C L. Monteiro de et alii.
    Caracterização socioeconómica do estudante universitário. MEC - Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, Rio de Janeiro, 1968.
  • 10
    Para a constituição da amostra, que foi colhida entre junho e novembro de 1967, adotaram-se os seguintes critérios:
    a) com base em informações obtidas nas secretarias das faculdades, estabeleceu-se o número de estudantes de cada ramo a ser incluído, e selecionaram-se as turmas em que os questionários deveriam ser aplicados;
    b) nas faculdades que forneceram relações nominais, a seleção dos alunos que deveriam responder ao questionário foi feita mediante sorteio, no dia em que os pesquisadores tiveram acesso às turmas selecionadas, em período de aula. Quando não se dispunha de relação nominal, procedia-se a uma amostra sistemática selecionando-se os que ocupavam determinados lugares em cada fila de carteiras. Em alguns casos, os questionários foram preenchidos fora do período de aulas, porém, sempre no recinto da escola. Inclufram-se apenas os que haviam prestado exame vestibular em 1967.
  • 11
    Gouveia, Aparecida J. & Havighurst, Robert J. Ensino médio e desenvolvimento. São Paulo, Companhia Editora Melhoramentos, 1969.
  • 12
    Os resultados obtidos foram os seguintes:
  • 13
    Hipótese comparável é sugerida por Bourdieu e Passéron, em relação a "escolhas" feitas por estudantes franceses. Bourdleu, P. & Passéron, J. C. Le. héritiers: les etudiants et la culture. Paris, Les Editions de Minult, 1964.
  • 14
    Sôbre a relação entre origem social e desenvolvimento da linguagem, ver Bernstein, Basil. Social class and linguistic development. In: Halsey, A., Floud, Jean & Anderson, C. Arnold, ed. Edueation, eeonomy and society. Glencoe, III, The Free Press, 1961.
  • 15
    As percepções que os estudantes têm do mercado de trabalho são consentâneas com as noções (assistemáticas) que temos sôbre as recompensas diferenciais dos vários campos. Perguntou-se ao estudante: "Se você terminasse hoje o curso que está fazendo e fosse trabalhar, quanto você acha que poderia ganhar por mês aproximadamente?". A percentagem dos que, em 1967, esperavam ganhar mais de Cr$ 800,00 mensais variou de 43,4% entre os matriculados em ciência e tecnologia a 28,3% entre os matriculados em ciências humanas e ramos correlatos, emparelhando-se com os primeiros e os de economia e administração (40,6%).
  • 16
    Não dispomos de dados sôbre a distribuição ou posição dos slrio-libaneses na sociedade global. sôbre os judeus, informam Rattner e Bolaffi: "... uns eram (no pafs de origem) simples alfaiates, carregadores ou mercadores pobres, ao passo que outros haviam sido banqueiros, juristas, técnicos ou profissionais liberais. Para alguns, a migração concretizou a promessa da América, para outros ela implicou na perda de uma Europa privilegiada, mas aqui uns e outros tornaram-se prósperos comerciantes..." (O grifo não está no original.) Rattner, Heinrich & Bolaffi, Gabriel. O estudante universitário judeu perante o judaísmo: um
    estudo sociológico. 1964. mimeogr.
  • 17
    Gouveia, Aparecida J. & Havighurst, Robert J. op. cit.
  • 18
    Gouveia & Havighurst. op. cit.
  • 19
    Sôbre o conceito de dissonância congnitiva e a teoria em que nossa hipótese baseia-se, ver Festinger, L. A theory of cornitive dissonance. Evanston, 111., Row & Peterson, 1957. sôbre os desenvolvimentos dessa teoria, ver Rodrigues, Aroldo. Consistência cognitiva e comportamento social.
    Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada, 21, jun. 1969.
  • 20
    Saito, Hiroshi. O japonês no estado de São Paulo. In: Marcondes, J. V. Freitas & Pimentel, Osmar. São Paulo: espirito, povo e instituições. São Paulo, Livraria Pioneira Editôra, 1968.
  • 21
    Cardoso, Ruth C L. O agricultor e o profissional liberal entre os japoneses no Brasil,
    Revista de Antropologia, 11, (1 e 2) 1963.
  • 22
    Hutchinson, Bertram.
    Mobildade e trabalho. MEC - Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, Rio de Janeiro, 1960. p. 355.
  • 23
    Hutchinson, B. op. cit. p. 15.
  • 24
    Hutchinson, B. op. cit. p. 13.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1972
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