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Administração de empresas e desenvolvimento

ARTIGOS

Administração de empresas e desenvolvimento* * Conferência pronunciada peio Prof. Gustavo de Sá e Silva na Escola Superior de Guerra, em 28 de abril de 1971.

Gustavo de Sá e Silva** ** Professor-adjunto do Departamento de Mercadologia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas.

Se lançarmos um olhar retrospectivo sobre o enorme e complexo arcabouço teórico erigido ao longo dos últimos dois séculos pelos "filósofos mundanos" de que nos fala Robert Heilbroner, em seu interessante livro de biografias de grandes economistas,1 1 Heilbroner, Robert L. The wordly philosophers. New York, Simon and Schuster, 1961. poderemos observar que, salvo algumas contribuições bastante recentes e ainda não bem definidas, a ciência econômica sempre se ocupou de analisar, no capítulo da Teoria da Firma, as relações causais entre os fatores da produção - natureza, capital e trabalho - e os resultados conseqüentes, em termos de quantidades geradas de bens econômicos tangíveis. Certamente este exercício mental sempre se fêz com o pressuposto axiomático de que a firma tende automaticamente a obter a maximização de resultados na combinação de qualquer quantidade e proporção de fatores de produção.

Esta preocupação, perfeitamente justificável quando o ser humano começava a concentrar sua atenção sobre os problemas decorrentes de uma produção insuficiente para eliminar a miséria, não pôde ser totalmente eliminada até hoje. É comum ouvir-se falar no "trabalho improdutivo" dos homens e mulheres cuja atividade não está diretamente ligada ao processo de extração ou transformação da riqueza material. Nos Estados Unidos é ainda corrente o uso das expressões blue collar worker e white collar worker, para distinguir o trabalhador que veste o macacão daquele que pode trabalhar com roupa de passeio. O primeiro, que com as suas mãos extrai da terra a matéria-prima e a transforma em um produto acabado, gera com a sua atividade um trabalho produtivo; o outro, que simplesmente planeja, regulamenta, comanda, registra, coordena e controla a atividade do primeiro, gera um trabalho não produtivo.

Algumas contribuições mais recentes têm procurado eliminar esta discriminação. Já se ofereceu ao conceito de utilidade uma noção mais ampla, segundo a qual a utilidade incorporada à matéria-prima pelo trabalho de extração e transformação se identifica como "utilidade de forma", à qual se devem agregar a "utilidade de tempo" e a "utilidade de espaço", que se incorporam ao produto acabado com as atividades que o transportam, armazenam, financiam e seguram até que, das prateleiras do produtor, seja êle transferido às prateleiras do varejista no preciso momento e local em que é desejado pelo consumidor final. Um brinquedo de Natal tem uma utilidade que cresce à medida que se aproxima o mês de dezembro; essa utilidade só se manifesta se, entre 15 de novembro e 24 de dezembro, êle estiver exposto à venda ao consumidor em uma loja varejista adequada. As atividades econômicas que permitiram ao fabricante produzi-lo em maio, armazená-lo e garantir o seu transporte para que, na época certa, estivesse ao alcance do consumidor no local adequado, adicionaram utilidades intangíveis mas concretas à sua original e tangível utilidade de forma.

Assim também, aos três clássicos fatôres de produção já se sugere a agregação de um quarto fator: o empreendimento. A classificação tradicional oferece como remuneração à natureza, a renda; ao capital, o juro; e ao trabalho, o salário. A nova contribuição sugere, como retribuição ao empreendimento, o lucro.

A noção hoje talvez mais difundida das funções do empresário é a de Schumpeter, que propõe ao empreendimento a tarefa de "reformar ou revolucionar os padrões de produção pela exploração de invenções ou, mais geralmente, de possibilidades tecnológicas ainda não tentadas na produção de uma nova mercadoria ou de mercadorias conhecidas por métodos novos; tentando novas fontes de matéria-prima; abrindo novas vias de distribuição para seu produto; reorganizando sua indústria; e assim por diante ... " 2 2 Schumpeter, Joseph A. Teoria do desenvolvimento eeensmtee. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1961. p. 93; New York, 1947. p. 132. O empresário é assim o responsável pela combinação ótima dos demais fatôres de produção, postulada como automática até então. A concepção desta nova entidade, como se vê, constitui enorme contribuição à teoria, uma vez que atrai a atenção dos estudiosos para o aspecto vigorosamente dinâmico dos processos econômicos e de todos os interessados na verdade, que é esta: os fatôres da produção não se combinam automàticamente de maneira a maximizar os resultados de seus esforços. Esta maximização, ao contrário, exige o concurso da imaginação aliada a uma complexa técnica de liderança e organização. Admite-se mesmo que o empresário seja infenso à inovação; o que o faz empresário é o fato de que detém o poder de inovar e, assim, é um inovador potencial. 3 3 Ver por exemplo, a classificação de empresários sugerida por oanhof, Clarence. Observations on entrepeneurship in agriculture. In: Cole, Arthur. Change end the entrepeneur. Cambridge, Mass. Harvard Unlversity Press, 1949. p. 22-4.

Liderança, organização e inovação são objetivos que desejamos reconhecer nos administradores, públicos e de emprêsas. Entre os administradores de emprêsas estas características são tanto mais necessárias quanto estejam êles expostos a situações de concorrência agressiva, em que a linha divisória que separa o sucesso do fracasso se desenha ao longo da medida em que sejam capazes de liderar, organizar e inovar.

Meu objetivo hoje é precisamente demonstrar - diria melhor, sugerir - a estreita inter-relação que existe entre a administração empresarial e o desenvolvimento econômico em uma economia de mercado, descentralizada e em crescimento como é a nossa. Pretendo discorrer sôbre o assunto analisando também como se pode formar e aperfeiçoar eficientemente o administrador; a importância para a nossa vida econômica e social da emprêsa multinacional, cujo tamanho e poder nas próximas décadas pode ser hoje aquilatado por alguns sintomas que já se divisam no horizonte; e as providências que já estão sendo tomadas em nações mais desenvolvidas, seja para estimular ou prevenir esta nova situação. Ao final, não me furtarei de oferecer algumas idéias para uma ação desintegrada e objetiva, do ponto de vista nacional, que desenvolvi ao longo da experiência acumulada durante 17 anos de docência e seis de direção na primeira escola de nível universitário em administração de emprêsas na América Latina.

Assim, o quadro sinótico que observarei em minha preleção é o seguinte:

O desenvolvimento econômico e a administração empresarial

Objetivos do desenvolvimento econômico

Objetivos da administração empresarial

Influência da administração de emprêsas sôbre o desenvolvimento econômico

O administrador de emprêsas

o componente humano. e a liderança

Administração centralizada e descentralizada

Rigidez e flexibilidade da emprêsa

Formação do administrador de emprêsas

Evolução e tendências do ensino de administração

Formação do administrador empresarial no Brasil

Considerações finais

Resumo Conclusão

2. O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E A ADMINISTRAÇAO EMPRESARIAL

2.1 Objetivos do desenvolvimento econômico

É sabido que os critérios que se devem adotar na avaliação do desenvolvimento de uma economia, particularmente do nível em que se encontra e da direção e velocidade com que progride, constituem assunto bastante controvertido e que já gerou extensa literatura. Não pretendo ater-me por tempo demasiado na análise desta questão, uma vez que certamente outros mais capacitados o farão ou terão feito aqui. É talvez conveniente lembrar que as chamadas áreas subdesenvolvidas apresentam certas características comuns que foram identificadas por vários estudiosos e classificadas por Leibenstein como: econômicas, demográficas, sanitárias, tecnológicas e político-cultura is. 4 4 Leibenstein, Harvey. Atraso e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Centro de Publicações Técnicas da Aliança para o Progresso, 1967. p. 45-8.

Entre as características econômicas incluem-se, entre outras: proporção elevada da população na agricultura; desemprêgo disfarçado; pouco capital per capita; quase nenhuma economia de grande parte da população: proporção elevada de gastos em alimentação; volume baixo de comércio per capita; crédito escasso; moradias insatisfatórias.

Aspectos demográficos e sanitários típicos são: altos índices de mortalidade e natalidade infantil; deficiências dietéticas; saúde precária; e medidas sanitárias inadequadas.

Entre as características tecnológicas estão incluídas: baixa produtividade da terra; tecnologia pouco desenvolvida; e ineficiência nos serviços de transporte e comunicações.

Finalmente são caracteristicas político-culturais: um alto grau de ignorância; predomínio da mão-de-obra infantil; inexistência de classe média; valôres tradicionais; e uma posição inferior das mulheres.

De modo geral, no entanto, um indicador sobressai como meio de avaliação imediata e comparação de níveis e taxas de desenvolvimento econômico: a renda nacional e a sua relação com a população total existente. Mais ainda: há indicações de que ocorre uma estreita relação entre a capacidade de produção de uma economia e a redução dos problemas acima mencionados. Daí tender-se a concentrar a atenção nesse critério de mensuração quando se comparam economias e a velocidade com que se desenvolvem. 5 5 Para uma defesa mais detalhada dessa posição, ver por exemplo Leibenstein, Arthur. op. cit., capo 2.

Assim é fácil compreender que uma das grandes preocupações dos governos de hoje seja a de fazer crescer a capacidade produtiva da economia, tanto em têrmos absolutos como - e principalmente - em têrmos relativos por habitante. A ameaça de um inevitável aumento da distância econômica que separa as nações mais desenvolvidas das menos desenvolvidas, articulada em trabalhos recentemente publicados com sucesso em vários países, é aprovável origem da crescente popularidade com que a idéia de rápido desenvolvlrnento econômico torna-se aceita como objetivo nacional. Natural pois que a meta do desenvolvimento tenha sido encarnpada pelos governantes e constitua norte ele seus programas de ação. No Brasil, como em outras nações, êste objetivo já se inseria entre as metas de govêrno muito antes de se ter tornado assunto de interêsse popular como é hoje. O interêsse social dos problemas relativos à organização e ao funcionamento da economia foi apreendido pelas nossas elites dirigentes a partir de quando começaram a ser conhecidos os resultados dos estudos e pesquisas sôbre desenvolvimento econômico levados a efeito nos Estados Unidos e Europa, durante a década dos anos 30 e particularmente após a Segunda Grande Guerra. A êsse respeito permito-me lembrar a importante contribuição que tem sido dada ao conhecimento de nossa economia pela Fundação Getúlio Vargas.

Se, porém, o desenvolvimento da economia e a obtenção de uma elevada taxa de crescimento da renda nacional são desejados pelos governantes, o poder de que dispõem para atingir êsses resultados é normalmente limitado. A limitação, ao contrário do que supõem muitos, não resulta do grau de centralização de comando a que se subordina a economia. Com efeito, o século XX presenciou a opção de várias nações por um sistema econômico centralizado, em que as decisões sôbre a produção e a distribuição da riqueza êmanam totalmente do Estado. A história está demonstrando que nestas nações os governos também encontraram limitações ao seu poder de decisão na inexorabilidade das leis econômicas que subordinam épfocesso produtivo e uma' adequada combinação dos fatôres de produção e o processo de consumo a uma adequada previsão dos tipos e quantidades de bens a produzir. A necessidade de reprimir a iniciativa ea liberdade, nesses sistemas centralizados, gerou por sua vez outras limitações ao poder do Estado, que ainda não encontrou meios satisfatórios de estimular adequadamente a produção e o consumo.

Em economias descentralizadas como a nossa as decisões sôbre a produção, a distribuição e o consumo da riqueza oebem em princípio às unidades de produção e de consumo da economia: a emprêsa e a família. O sistema de mercados e o mecanismo de preços em regime de concorrência garantem o equilíbrio nos entendimentos que diàriamente devem manter produtor e consumidor. O papel do Govêrno, como sabemos, é o de coibir abusos, estimular comportamentos econômicos desejados e, nos casos em que a iniciativa privada é incompetente ou oferece riscos à segurança e à tranqüilidade do sistema, interferir diretamente no processo econômico, agindo seja como produtor ou consumidor. No Relatório sôbre a economia que encaminhou ao Congresso Americano em fevereiro de 1970 o Presidente Nixon definiu com grande clareza o papel do Govêrno em uma economia de mercado. Permito-me repetir o seguinte trecho de sua mensagem:

"Além do contrôle geral das políticas monetária e fiscal, o Govêrno deve estabelecer a estrutura necessária à atividade econômica, a fim de 'que nõssa economia livre e aberta mantenha suas características de sensibilidade e eficiência.

A necessidade de 'regras do jôgo' com relação a contratos, direitos de propriedade, fraude e métodos justos de concorrência, é óbvia... É necessário proibir a venda de alimentos e drogas perigosos e proscrever o trabalho infantil, condições insalubres de trabalho e a discriminação no emprêgo. Mas, assim como novas regras se tornam necessárias, regras . antigas podem tornar-se obsoletas e prejudicar nossos' esforços de realizar a capacidade da economia. Como dependemos do setor privado para produzir proporção esmagadora de nossos bens e serviços, o Govêrno deve assegurar que a concorrência seja vigorosa e os mercados eficientes. A concorrência vigorosa é a principal proteção aos interêsses do consumidor; na maior parte das áreas da economia ela ajuda a criar mercados eficientes que respondem prontamente aos desejos dos consumidores, e nos quais os custos de produção e distribuição são mantidos em baixo nível. Um sistema financeiro que funcione bem e consumidores bem informados são também necessários nos mercados eficientes; o Govêrno pode desempenhar e tem desempenhado um papel vital nestas áreas.

Em alguns poucos exemplos, a concorrência por si só não é suficiente para proteger o interêsse dos consumidores, ou essa proteção pode não ser possível. Economias de produção em larga escala podem ser tão grandes que deixem lugar a um número muito pequeno de emprêsas - muito poucas para permitir uma concorrência eficiente. Onde dlreitos de propriedade sejam mal definidos a concorrência pode levar ao desperdício de recursos valiosos ou à degradação do ambiente. Como resultado, nessas áreas uma regulamentação elaboráda sôbré preços, produção e padrões de serviço vem sendo prescrita. Em alguns setores da economia - a agricultura é um' exemplo - a habilidade dos compradores e vendedores de reagir prontamente a alterações na demanda e na oferta pode ser tão limitada que os preços flutuam mais do que é tolerável, seja para consumidores ou produtores. Em tais situações a intervenção do Govêrno nos mercados pode ser desejável.

O Govêrno também tem um papel como participante na atividade dos mercados. Alguns empreendimentos, essenciais ao bem-estare à segurança nacionais, têm sido confinados à operação governamental. Tradicionalmente o serviço de correios tem sido uma operação do Govêrno, embora êle exista precipuamente para prover um serviço pelo qual se cobra um preço e se tende cobrir seus custos com suas· receitas ...

Seja qual fôr a razão que leve o Govêrno a se engajar em atividades do mercado, êle deve observar certas regras para assegurar uma operação eficiente e efeitos que atendam aos princípios de eqüidade. Certas operações são, evidentemente, deliberadamente subsidiadas para atender a interêsses públicos essenciais; em tais casos é sempre boa prática a identificação explícita do subsídio no orçamento. Com exceção dêstes casos, porém, os preços devem refletir os custos para que recursos não sejam desperdiçados e usuários involuntàriamente subsidiados às custas de outros. Regras são também necessárias para orientar os administradores das emprêsas do Govêrno, para que levem em conta todos os custos, não só os que constam dos orçamentos

O Govêrno se envolve, portanto, na atividade econômica por muitas razões. Êle deve estabelecer as 'regras do jôgo' para os participantes do setor privado; deve facilitar a concorrência e desenvolver a eficiência dos mercados; deve impor regulamentação detalhada onde o mercado não ofereça segurança suficiente aos interêsses dos consumidores, devido a condições monopolísticas inevitáveis; e deve estabelecer regras para a sua própria participação na atividade do mercado." 6 6 Nixon, Riehard D. Economic report of the president. Washington, D.C., United States Printing Offiee, 1970. p. 90-2.

Esta exposição, algo longa embora sucinta, das oportunidades e da . responsabilidade do Estado na conquista do objetivo do desenvolvimento econômico tem como objetivo específico ressaltar a enorme parcela que nesse sentido cabe aos empresários em uma economia de mercado. Não se trata de acumular atenções para as responsabilidades sociais do empresário freqüentemente eleito bode expiatório de uma situação que, sem o seu concurso, provàvelmente seria pior. Trata-se, isto sim, de notar que o empresário é o agente do progresso, tanto nas economias desenvolvidas como nas subdesenvolvidas. E que, malgrado os seus esforços, êle é em geral limitado pela falta de domínio de uma complexa técnica que evolui contìnuamente e pela escassez dos recursos administrativos que tem a seu alcance.

Porque, de forma geral, os objetivos do empresário são compatíveis com o desenvolvimento econômico; e sua ação, desde que adequadamente estimulada e controlada pelo Estado, indispensável ao crescimento da riqueza. É o que passaremos a examinar à seguir.

2.2 Objetivos da administração empresarial

A Divisão do Trabalho e a Revolução Industrial permitiram o aparecimento, no cenário econômico dos últimos 100 anos, das grandes érnprêsas produtoras de bens e serviços- instituições cuja vitalidade e capacidade de crescimento nos levam a deparar hoje com gigantescas organizações que exibem produção superior às de muitas nações. Em conferência infelizmente não publicada que pronunciou em março de 1969 na Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, por ocasião da reunião anual do Conselho Latino Americano de Decanos de Escolas de Administração, o Dr. Edgardo Reyes Salcido, deão da Escola Graduada de Administração de Emprêsas do Instituto Tecnológico de Monterrey, no México, afirmou que, se listássemos as nações e as grandes emprêsas então existentes no mundo, por ordem decrescente de sua produção anual, a metade' das primeiras 50 entidades listadas seriam nações; a outra metade, emprêsas...

A crença popular tem levado a débito de uma pretensa ambição desmedida dos empresários essa enorme capacidade de crescimento. A teoria da firma, que estudamos nos textos de microeconomia, também se apóia, entre outros, no axioma de que a emprêsa procura o ponto de equilíbrio combinando decisões que tornem máximos os seus lucros. A presença de rendimentos decrescentes na função de produção e/ou a inexistência de um mercado de concorrência perfeita para o seu produto, levam o empresário a poder identificar a quantidade a produzir e o preço a que vender o seu produto, de forma a obter o maior lucro possível. É o famoso ponto em que a receita marginal se iguala ao custo marginal.

Nas nações mais desenvolvidas, no entanto, a tendência à atomização do capital das grandes emprêsas, cujos proprietários sobem em número às dezenas de milhares, trouxe à cena a figura do administrador profissional de emprêsas - líder, organizador e inovador - e com êle novas tendências nos processos decisórios das firmas. O fato de que nessas nações a emprêsa enfrenta um ambiente econômico extremamente dinâmico determina a necessidade de crescer ou desaparecer. A conquista de novos mercados mediante a expansão das vendas ao limite máximo torna-se uma necessidade; a contribuição que o poder da emprêsa aporta às exigências de realização pessoal e profissional do administradoréuma atração; finalmente, a contingência de que não é incomum que os administradores profissionais sejam, pelo menos em parte, remunerados em proporção com o volume de vendas, constitui uma forte sugestão. A conseqüência é que, como se percebe, as grandes organizações empresariais tendem a vender quantidades maiores que as que determinariam o maior volume possível de lucros; não raro o equilíbrio da emprêsa parece ser encontrado em um ponto de vendas máximas que ainda permite um montante de lucros suficiente para manter satisfeitos os acionistas da emprêsa. Esta política oferece a vantagem adicional de desencorajar a entrada de novos concorrentes no mercado, como certamente ocorreria se a emprêsa operasse no ponto de lucros máximos.

Êste porém não é o único papel do administrador profissional. Êle deve, também, preencher as responsabilidades do empresário. Inovando com idéias que determinem maior eficiência na atividade da emprêsa êle pode alterar a função de produção de seu produto e deslocar o ponto de lucros máximos e de vendas máximas; e assim ampliar ainda mais a área de atuação de sua emprêsa e o correspondente mercado que cobre. 7 7 Cf. Braumol, William J. Economic dynamics. New York, 2. ed. The MacMillan Co., 1959. p. 24-9. Em, economias em e desenvolvimento como a nossa, essa perspectiva começa a ser percebida pelos homens de emprêsa. A necessidade de flexibilizar a emprêsa e adaptá-la às condições dinâmicas de uma economia cujo desenvolvimento está ganhando momento, é hoje mais notada e sentida do que jamais no passado. A demanda de profissionais , que dominem métodos modernos de administração se manifesta na forma já meio descontrolada com que surgem escolas de administração em todo o Pais. A maioria de nossas emprêsas, porém, se ressentirá ainda por algum tempo por não poder satisfazer essa necessidade. Dentro de tal contexto é difícil crer que nossas emprêsas estejam, de maneira geral, operando no ponto de lucros máximos. Na grande maioria dos casos seus administradores não têm condições técnicas de determinar êsse ponto; e se o atingem é porque enfrentam condições de mercado e de produção que fazem coincidir o ponto de lucros máximos com o limite da capacidade de produção da emprêsa. Um exemplo interessante, de como os administradores de emprêsas fàcilmente se confundem e arriscam quando enfrentam um ambiente econômico complexo sem estar devidamente preparados, é o efeito danoso da ilusão monetária causada pela inflação nas decisões da emprêsa. Apesar da longa vivência que nossos . empresários têm com o processo inflacionário é ainda comum encontrar muitos que continuam despreparados para se defenderem corretamente contra êsse efeito. Em 1963, quando a inflação atingia niveis desastrosos, uma grande emprêsa industrial de São Paulo, operando em ramo competitivo, tentou oferecer gratuitamente aos seus concorrentes um curso completo sôbre como estimar custos reais em regime de inflação. Tratava-se de uma emprêsa cuja administração, versada em instrumentos de análise mais complexos, tinha noção clara de estar incorrendo em prejuízos apesar de que seus registros contábeis, feitos de acôrdo com a lei, exibiam lucros. Seus concorrentes, embora em condições semelhantes, estavam desalertados para as verdadeiras condições em que operavam e impunham ao mercado preços que não cobriam os custos reais globais de produção. A situação é comparável, embora oposta, à que permitiu aos supermercados, durante certa época, venderem suas mercadorias até mesmo a preços inferiores ao custo. Como vendiam à vista e pagavam em prazos que chegavam a 120 dias, tinham constantemente um volume relativamente grande de dinheiro em seu poder. Êste capital de terceiros, convenientemente apl icado, podia gerar juros suficientemente altos para compensar uma pequena perda oriunda das vendas das mercadorias. Os registros contábeis, no entanto, apresentariam prejuízos. Embora não me conste que essa oportunidade tenha sido reconhecida e aproveitada, ela certamente existiu. Os empresários brasileiros têm portanto , uma grande contribuição a dar a suas emprêsas e a si próprios, em têrmos de adoção de técnicas modernas de gerência e processos novos na produção e distribuição de seus produtos. Esta contribuição, que êles certamente desejariam poder dar, não está sempre ao seu alcance. Os seus objetivos, conquanto limitados ao âmbito de suas emprêsas, são os de produzir e vender mais e melhor, com o emprêgo do minimo possivel de recursos. Êstes resultados, em escala nacional, permitiriam precisamente a redução dos custos da produção nacional, a liberação de recursos a investir em novas atividades e, em conseqüência, um aumento da renda nacional pela simples combinação mais eficiente dos fatôres existentes da produção. A tese pode parecer simplista. Ela não passa, na realidade, de uma descrição simplificada de um processo que tem ocorrido em outras econom ias e começa a ser verificado entre nós.

2.3 Influência da administração empresarial sôbre o desenvolvimento econômico

A relação de vontade que vocaciona o administrador de emprêsas à conquista de objetivos que levam ao desenvolvimento foi mencionada. Ao mesmo tempo, observei que essa vocação é em geral fraudada na sua plena realização, em virtude da falta de domínio de técnicas avançadas de gerência e liderança na organização e dinamização das emprêsas. Resta agora ressalvar que, não obstante estas limitações, o imenso capital que recebemos de nossos maiores, em têrmos de cidades, estradas, fábricas, hospitais e escolas que já encontramos construídas quando nascemos, é o resultado da atuação da emprêsa. Há 40 anos atrás Keynes já fazia, a respeito da emprêsa, o seguinte comentário: "É comum pensar-se a respeito da riqueza acumulada no mundo como tendo sido dolorosamente gerada a partir da abstinência voluntária de indivíduos, mediante o sacrifício imediato dos prazeres do consumo (abstinência esta) que chamamos de poupança. Mas deveria ser óbvio que a simples abstinência não é, por si só, suficiente para construir cidades ou drenar regiões alagadiças. A abstinência individual não aumenta necessàriamente a riqueza acumulada; ela pode até mesmo aumentar o consumo corrente de outros indivíduos. Assim, a poupança de um homem pode levar a um aumento do capital-riqueza ou pode determinar um aumento do poder aquisitivo do dinheiro gasto pelos consumidores. Não poderemos dizer qual alternativa ocorreu antes de examinarmos outro fator econômico. A saber, a emprêsa. É a emprêsa que constrói e desenvolve as propriedades no mundo. Agora, assim como os frutos da poupança podem se destinar à acumulação de capital ou a um aumento no valor do dinheiro-renda para o consumidor, assim também os recursos empregados na emprêsa . podem ser obtidos da poupança ou às custas do consumidor médio. Pior ainda; não só é possível a existência da poupança sem a emprêsa, mas tão logo a poupança se adianta à emprêsa ela certamente desencoraja a recuperação da emprêsa e gera um círculo vicioso com seus efeitos negativos sôbre os lucros. Se a emprêsa está de pé, a riqueza se acumula, não importa o que ocorra com a poupança; se a empresa dorme a riqueza deteriora, a despeito de como atue a poupança." 8 8 Keynes, J. M. The applied theory of money. v. 2 de. A treatise on money, London, The MacMillan Co., 1930. p. 148-9.

Estas afirmações, feitas em 1930, só podiam ser levadas a sério vindas de um acadêmico respeitado como já era Keynes. Hoje, no entanto, os homens que estudam o papel da emprêsa na sociedade são levados a fazer afirmações tão dramáticas quanto aquelas do famoso economista inglês. O Professor Phillipe de Woot, da Universidade de Louvain, assim inicia a introdução ao recente livro em que expõe sua doutrina sôbre a emprêsa:

"Empreender é uma função essencial das sociedades industriais. O seu desenvolvimento econômico e social depende disso. A emprêsa é, por excelência, um agente de crescimento e de progresso; sua vitalidade e seu dinamismo determinam a prosperidade geral; sua criatividade engendra o progresso técnico e tôdas as suas promessas. O vigor e a saúde das emprêsas constituem de tôda evidência um objetivo maior das sociedades modernas." 9 9 de Woot, Philippe. Pour une doctrine de I'entreprise. Paris, tditions du Seuil, 1968. p. 31. Por outro lado, a ausência ou escassez do elemento humano responsável pelo empreendimento, o administrador de emprêsas constitui um obstáculo ' ao progresso. O Professor Peter Drucker, dos mais conhecidos autores e consultores em matéria de administração empresarial, afirmou há tempos que a América Latina não é subdesenvolvida, mas sim subadrninistrada.10 10 Citado por Meads, Donald E. em Case of IBEC. In: AIESEC. Proceedings da conferêncía Mundial sôbre Transferência Internacional de Habilidades Administrativas realizada em Turim, Itália, em novembro de 1969, Association Internationale des Étudiants en Sciences Economiques e Commerciales. Rotterdam, Holanda, 1969. p. 106. Certamente se referia ao hiato administrativo (management gap) que Servan-Schreiber também identificou na Europa e tão bem expôs no seu famoso O desafio americano. 11 11 Servan-Schreiber, Jean-Jacques. O desafio americano. 6. ed., Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1968. O Brasil, embora tardiamente, colocou-se na vanguarda das demais nações do mundo, exceção feita aos Estados Unidos da América onde o ensino universitário de administração de emprêsas começou nos fins do século passado, quando a Fundação Getúlio Vargas fundou em São Paulo a Escola de Administração de Emprêsas, em 1954. O interêsse que esta nova profissão despertou em nossa juventude, nos últimos 17 anos, estimulou o surgimento talvez descontrolado de um enorme número de instituições dêsse gênero. Imagino que logo teremos na Nação uma centena de escolas de administração de emprêsas; cêrca de duas dezenas já operam na área da Grande São Paulo.

Meu principal objetivo hoje é atrair a atenção dêste seleto auditório para a gravidade do problema da formação de administradores empresários que possam, de maneira efetiva e em prazo razoável, elevar ao máximo o rendimento dos fatôres de produção de que dispomos. Para tanto, proponho-me agora analisar o papel do administrador na emprêsa. Esta análise compreenderá, de fato, um exame da estrutura burocrática da emprêsa, dos erros que em geral levam à sua paralisação ou inflexibilidade e das formas geralmente preconizadas para tornar a máquina administrativa vocacionada para a dinamização, adaptação e inovação que geram o progresso na emprêsa e aceleram o desenvolvimento econômico da Nação. Como bem lembra Servan-Schreiber, "na conclusão ao seu famoso trabalho: "As legiões, as matérias-primas e os capitais deixaram de ser as marcas e os instrumentos do poderio. E as próprias fábricas apenas são um sinal externo. A fôrça moderna é a capacidade de inventar, isto é, a pesquisa e a investigação; é a capacidade de inserir as invenções nos produtos, isto é, a tecnologia. Os mananciais que é preciso explorar já não se encontram na terra, nem nos números, nem nas máquinas - residem no espírito. Mais precisamente, na aptidão dos homens para refletir e criar.

Isto admite-se no sábio, no cientista. Aceita-se mal no político, no funcionário, no chefe de ernprêsa. Nessa noção de lucro, de que é de bom-tom fazer o elogio indiscriminado, hoje em dia, o economista francês François Perroux demonstra perfeitamente que se meteu tudo: o rendimento de situação, o lucro do monopólio, os frutos da especulação. Ora, o que é lucro legítimo, lucro real, tanto para a emprêsa como para a sociedade, é o fruto da inovação.

A formação, o desenvolvimento, a exploração da inteligência tal é o único recurso. Não existe outro." 12 12 Idem, lbldern. p. 273. Vejamos, então, as responsabilidades e os problemas do administrador de emprêsas.

3. O ADMINISTRADOR DE EMPRÊSAS

3.1 O componente humano e a liderança

O Diretor dos Programas de Treinamento da Shell International Petroleum Co., Sr. Bruno Eldon, declarou certa vez, fazendo blague a respeito dos administradores que conhecera em sua vida, que os classificava em três grupos: os que fazem as coisas acontecerem, os que simplesmente observam os acontecimentos e os que não sabem o que está acontecendo. A formação de um administrador ou especialista de alto nível para uma organização internacional, segundo êle, leva de 10 a 15 anos e pode custar mais de 100 mil libras esterlinas. 13 13 Eldon, Bruno. Case of Shell International. In: AIESEC. op. cit. p. 100-1.

A característica comum a tôdas as emprêsas, independente de tamanho, finalidade, nacionalidade ou organização interna - talvez a mais importante característica - está em que cada uma constitui um grupo social, um conjunto de sêres humanos, que diàriamente convive por horas a fio no exercício de uma atividade organizada coordenada, com vistas a atingir determinados objetivos. Independentemente da posição que ocupe na emprêsa, cada um dos membros do grupo de trabalho é, normalmente, membro e líder de outro grupo social - a família - cujo bem-estar e segurança êle deve prover com os frutos de seu trabalho. Os objetivos principais dos membros do grupo de trabalho não coincidem necessàriamente com os objetivos da emprêsa. Não raro, êles estão em conflito uns com os outros. Como sugere Bloch-Lainé: "Em tôda emprêsa, como em tôda sociedade humana, há governantes e governados. Os assalariados são os governados, quem quer que sejam os governantes. Enquanto tal (governados) êles aspiram a limitar o todo-poder patronal, seja êle de essência estatal ou capitalista. Êles perseguem dois fins, cuja legitimidade é igualmente reconhecida: a) obter as mais favoráveis remunerações e condições de trabalho; b) não ser mantidos à distância das decisões que dão sentido às suas atividades e das quais depende a sua existência. Qualquer que seja o seu lugar na emprêsa, os assalariados são animados, a êsse respeito, pelos mesmos sentimentos. Devido à especialização cada vez maior das funções, mesmo aquêles que detêm parcelas de autoridade, a menos que já estejam nos estados-maiores, aspiram a 'participar' da vida da emprêsa além do simples desempenho de tarefas cuja finalidade lhes escapa. Êles querem também saber se a comunidade de interêsses a que servem é bem conduzida e se assegurar de que estão em uma situação de eqüidade. Todos compreendem que a emprêsa é feita de interêsses solidários face ao mundo exterior e de interêsses conflitivos quanto à sua vida interna." 14 14 Bloch-Lainé, François. Pour une reforme de I'entreprise. Paris, Éditions du Seuil, 1963. p. 19-20. Há 20 anos atrás um professor da Universidade de Michigan realizou minuciosa pesquisa junto aos operários de uma grande emprêsa americana fabricante de maquinaria pesada. O estudo centrou a atenção sôbre os efeitos da coesão grupal dos grupos de trabalho na indústria e seu efeito sôbre a produtividade do trabalho. Das conclusões, destaco o seguinte trecho, que me parece eloqüente: "Finalmente, observamos que alguns, pelo menos, dos fatôres que determinam o grau a que se desenvolve a coesão do grupo, são externos e anteriores à formação do grupo. É mais provável que o grupo de trabalho se torne coeso, se ações administrativas forem tomadas com as seguintes finalidades: 1. emprestar prestígio aos membros do grupo; 2. estruturar a organização de forma a compor grupos de tamanho relativamente pequeno;

3. manter a continuidade na composição de grupo por algum tempo. O administrador de uma organização pode extrair dêstes resultados algumas sugestões com relação a diretrizes e ação. É claro que a associação de empregados em grupos coesos pode gerar influências que terão ou poderão ter conseqüências de vulto no sucesso de uma organização. Com respeito ao moral do empregado -no contexto de ansiedades no trabalho - o grupo de trabalho coeso parece ter uma influência favorável. Mas com respeito à produtividade o valor positivo da coesão de grupo de trabalho parece depender do sucessodo administrador em desenvolver entre os empregados um sentimento de confiança e segurança na administração da organização. O conselho popular a supervisores, de que devem desenvolver equipes coesas, se estendido inconseqüentemente, pode simplesmente fortalecer as influências que levam à divisão nas grandes organizações. Para assegurar que a coesão grupal traga benefícios positivos à organização, o administrador deve antes tomar providências no sentido de prover condições básicas de eqüidade e apoio que garantam a confiança do empregado na organização. Uma política de 'dividir para conquistar', como é expressa nas relações de homem para homem e na supressão dos processos grupais, pode ser parcialmente efetiva; mas os melhores resultados parecem estar na política de 'unir em tôrno da causa comum', que se exprime na ênfase positiva sôbre ' a formação de equipes de trabalho coesas." 15 15 Seashore, Stanley E. Group cohesiveness in the industrial work group. Ann Arbor, Michigan, University of Michigan, 1954. p. 102.

3.2 Administração centralizada e descentralizada

Cabe, portanto, ao administrador empresário uma efetiva oportunidade, e conseqüentemente unia' grande responsabilidade, no sentido de despertar, no grupo de trabalho sob sua liderança, as fôrças que' poderão determinar contribuições novas e positivas ao desempenho da organização. Neste sentido, pesquisas extensas realizadasem. grande número de emprêsas, em várias nações e culturas com diferentes graus de desenvolvimento demonstram a universalidade de certos princípios de administração. Mais importante ainda: estas pesquisas estão demonstrando uma grande relação entre o estilo da liderança e o sucesso da emprêsa.As emprêsas que apresentam resultados mais positivos, que se mostram mais flexíveis, mais prontas a se adaptarem com rapidez às. alterações do ambiente econômico em que vivem, são as emprêsas em que a autoridade é descentralizada, com a coexistência de grupos' distintos, coesos e nos quais se desenvolve um profundo sentimento de lealdade institucional e grupal - emprêsàs em que o processo decisório envolve vários níveis da administração em um processo de livre interação e influência recíproca. Em relatório que apresentou ao XV Congresso Internacional de Administração, realizado em Tóquio em novembro de 1969, sob os auspícios do Comitê Internacional de Administração Científica, o Professor Lickert, também da Universidade de Michigan, apresentou resultados convincentes a êsse respeito, de pesquisas realizadas nos Estados Unidos, no Japão e na lugoslávia. Anunciou que os primeiros resultados de pesquisas que estão sendo conduzidas em vários outros países,inclusive subdesenvolvidos, apontam na mesma direção. Em sua opinião, porém, êstes resultados estão subavaliados de maneira geral. 16 16 Lickert, Rensis. The relationship between management behavior and social structure. Proceedings of the 15th CIOS international management congresso Tokyo, Kogakusha, 1969. p. 136-45, part. p. 143.

O Professor Lickert explica que o advento, nas sociedades industrializadas, das atividades de-pesquisa e desenvolvimento, exige motivação cooperativa dentro das emprêsas.

A pesquisa gera complexidades tecnológicas que só podem ser bem aproveitadas se as emprêsas souberem desenvolverem alto grau um comportamento cooperativo entre seus especialistas e departamentos. Êste tipo de comportamento, que exige a descentralização da administração, segundo se apurou nas pesquisas referidas, aumenta a produtividade e os ganhos da organização; reduz seus custos, desperdícios e absenteísmo; melhora as relações no trabalho easatisfação do . pessoal em geral; e contribui positivamente para a saúde física e mental entre os operários e empregados. Mais ainda, as emprêsas que modificam suas estruturas nessa direção - desde que a mudança não seja tão rápida que exceda as expectativas e a capacidade de adaptação do pessoal - observam modificações positivas nessas variáveis. Em um livro no qual descrevia, há vinte e cinco anos atrás, a filosofia de descentralização da General Motors, Peter Orucker resumiu nos seguintes pontos as vantagens da descentralização da autoridade: 1. Velocidade e falta de confusão no processo de tomada de decisões. 2. Ausência de conflito entre a administração de tôpo e as divisões da emprêsa. 3. Uma sensação de justiça e eqüidade no trato com os executivos.

4. Informalidade e democracia na administração. 5. Ausência de hiatos entre os poucos administradores de tôpo é os muitos . administradores subordinados. 6. Disponibilidade de uma grande reserva de mão-de-obra admin istrativa promovível. 7. Visão pronta dos pontos fracos da administração pelos resultados de divisões semi-independentes e comumente em concorrência mútua. 8. Ausência da administração por editais e presença de informações totais. 17 17 Drucker, Peter F. The concept of the corporation. New York, The John Day, 1946. p. 46.

3.3 Rigidez e flexibilidáde da emprêsa

A administração centralizada, por outro lado, traz com freqüência crescente rigidez à emprêsa. A observação empírica sugere fortemente que os processos de liderança autocrática ou paternalista, que normalmente acompanham as administrações centralizadas, levam com o tempo a emprêsa à paralisia e à adaptação pela crise. 18 18 de Woot, Philippe. Idem. p. 194-5. A paralisia consiste, não na total ausência de atividades, mas na substituição das atividades que constituem os meios pelos quais a emprêsa atinge os seus fins por outras. que se tornam fins em si mesmas. As emprêsas que centralizam excessivamente seus processos decisórios acabam permitindo que nelas se jnstalem regras extremamente impessoais, a tendência ao ritualismo divorciado dos fins da organização e o surgimento de podêres paralelos. As regras impessoais referem-se às operações, aos procedimentos, à carreira na emprêsa. O arbítrio e a iniciativa são desencorajados. Os responsáveis pelas decisões dão prioridade aos problemas de política interna, tais como a salvaguarda de equilíbrio entre as diferentes partes, a luta contra o favoritismo e a arbitrariedade. O isolamento das categorias hierárquicas suprime a visão de conjunto e impede a compreensão dos fins gerais da organização. Cada categoria tende a Interpretar suas funções específicas como um fim em si. Os grupos geram pressões sôbre seus membros para que se concentrem exclusivamente sôbre suas funções. É na minúcia, na aplicação de regras de procedimentos que as categorias encontram formas de diferenciação mútua e de afirmação própria. As regras de procedimento deixam de ser meios para se tornarem fins. O ritualismo se insta la na emprêsa. Por fim, em tôrno das zonas de incerteza, que subsistem no sistema organizam-se relações de podêres paralelos. Em conseqüência, relações de dependência e conflito entre os vários grupos. Os indivíduos ou grupos que controlam a incerteza terão a tendência de alimentá-la e frear qualquer evolução que reduza o poder que ela lhes confere. Como conseqüência dessa rigidez, nota-se normalmente a ausência de iniciativa, a falta de condições da emprêsa se adaptar às alterações do ambiente econômico, uma queda em sua produtividade objetiva, decorrente do desempenho eficiente de atividades desnecessárias - em obediência ao ritual - e a permanência . de zonas de incerteza, que geram ansiedades, por conveniência dos podêres paralelos. Não obstante a resistência às mudanças, a emprêsa enrijecida se adapta ao ambiente dinâmico, se não quiser perecer. Essa adaptação geralmente se faz como último recurso e dentro de um clima de choque. É a adaptação pela crise. Esta flexibilidade mínima impede a emprêsa de enfrentar com agilidade os assaltos da concorrência e as alterações nos mercados quê enfrenta, de trabalho, de produtos ou de capital. A administração descentralizada, poroutro lado, permite diminuir sensívelmente os incômodos da burocracia. Delegação de podêres e incentivo à iniciativa entre os vários setores da emprêsa, são suas principais características. As decisões que visam a uma pronta adaptação ao ambiente externo são encorajadas. Assim também a informalidade que estimula o livre intercâmbio de informações e sugestões entre os vários grupos de trabalho. Implica na administração por objetivos e baseia seus contrôles sôbre os resultados obtidos e não sôbre o respeito às regras de procedimento. Conseqüentemente, impede que se instale o ritualismo e se 'desprezem os objetivos da própria organização. Na organização descentralizada, torna-se possível adotar a estruturação da emprêsa por projetos. Nesse moderno tipo de organização - que substitui a clássica organização linear em que as relações de poder e as comunicações obedecem uma orientação vertical de autoridade de linha, pela organização matricial em que as relações são verticais e horizontais - não há lugar para o ritualismo nem para regras de procedimento excessivas. A reunião de especialistas de vários departamentos em equipes temporárias para a realização de projetos específicos estimula a informalidade nas relações, aumenta a coordenação e gera a unidade de todo o componente humano a serviço da organização. 19 19 Idem, ibidem. p. 197. A emprêsa assim organizada é marcada por um processo de relacionamento interno bastante mais pessoal. Os valôres individuais são mais fàcilmenté reconhecidos e tendem a ser encorajados. O interêsse e conhecimento gera is se estendem a tôda a organização e seus objetivos. A emprêsa passa a contar com um quadro administrativo em que todos são importantes e ninguém é lnsubstitulvel. As eventuais inseguranças não podem conferir podêres a nenhum membro do grupo, pois a consciência geral repudiaria a inação face a qualquer problema da organização. O conjunto é harmonioso, flexível e ágil. Os resultados são o sucesso, a segurança e um sentido de participação geral. Evidentemente êste estilo de administrar e liderar reclama do administrador de cúpula conhecimentos especiais. Os problemas decorrentes da necessidade de formar administradores profissionais capazes de liderar as emprêsas brasileiras do futuro, o processo que se está desenvolvendo para resolver tais problemas e a necessidade de preencher algumas lacunas sérias é o que passarei a examinar agora.

4. FORMAÇAO DO ADMINISTRADOR DE EMPRÊSAS

4.1 Evolução e tendências do ensino da administração

Como se sabe, o ensino da administração de emprêsas começou a ser oferecido nas universidades americanas, em fins do século passado. Desde 1880, alguns cursos de administração estavam sendo conduzidos em várias instituições de ensino superior nos Estados Unidos. 20 20 Pierson, Frank C. et alii. The education of American businessmen. New York, McGraw-Hill, 1969. p. 35 e seg. Entretanto, foi somente a partir da Primeira Grande Guerra que os cursos regulares de administração começaram a ganhar forma definida naquela nação. 21 21 Idem, ibidem. É surpreendente que, com exceção dos Estados Uriidos, as instituições superiores das demais nações somente tivessem começado a oferecer programas comparáveis a partir de 1950. 22 22 Dustan, James & Makanowitsky, B. Trainin, managers abroad. New York, Conseil for International Progress in Management, 1960. v. 2. No Brasil, como em outras nações, as escolas de comércio eas escolasde economia existiam desde a década iniciada em 1930. A primeira escola que oferecia um currículo especializado em administração de emprêsas, porém, só se instalou em 1954. Em 1967 havia em nosso País 31 escolas ou cursos específicos em administração de ernprêsas.23 23 Capes. Ensino superior - cursos 8 estabelecimentos. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, 1967. p. 3-6. Hoje há cêrca de vinte somente na região da Grande São Paulo. 24 24 Instituto Roberto Simonsen. Prorissões e cursos de formação existentes no Brasil. São Paulo, Melhoramentos, 1969. p. 97-100. Nos Estados Un idos, o ensino de administração de emprêsas evoluiu, de uma tendência inicial e duradoura de formar administradores especializados e versados em técnicas específicas, para a tendência atual de formar administradores generalistas, capazes de liderar grupos de trabalho, analisar dados e tomar decisões em situações de incerteza. Esta evolução acompanhou a evolução que se verificou na administração das emprêsas americanas, que passaram do sistema de administração centralizada e em compartimentos estanques para o sistema descentralizado, sob o conceito de administração integrada. Hoje espera-se que o estudante de administração em uma boa escola se torne conhecedor da maior parte dos conceitos fundamentais que informam cada setor básico de operações de uma emprêsa e seja capaz de compreender a sua interação bem como a maneira como operam coordenadamente. O administrador não é mais um especialista em finanças, em mercadologia, em produção ou em organização geral. Ao contrário, deve conhecer razóàvelmente bem o funcionamento e os instrumentos de análise referentes á cada um dêstes setores e, além disso, ter conhécimentos complementares que lhe permitam ver a emprêsa como um todo, identificar as áreas que geram desarmonias no conjunto e operar no sentido de elevar ao máximo possível a coordenação das ações da organização. Outra tendência que se observa na evolução do ensino de administração, nas universidades mais respeitadas nesse campo, é o de formar administradores para as emprêsas do futuro e não para as emprêsas de hoje. O famoso Relatório Gordon-Howell, que em 1959 estudou em profundidade a formação dos homens de emprêsa americanos, contém o seguinte trecho sugestivo: "As escolas de administração de emprêsas devem atentar para o fato de que a vida ativa dos estudantes de hoje se estenderá até o fim do século XX. A familiaridade com técnicas e processos atua is e passados ser-lhes-á de muito pouca utilidade. O domínio de instrumentos de análise e conceitos básicos importantes, a capacidade de pensarem por si próprios, certa perspectiva histórica e uma mentalidade aberta e flexível lhes serão muito mais úteis." 25 25 Gordon, R. A. & Howell, J. Hiiher education for business. New York, Columbia University Press, 1959. p. 138-9.

Finalmente, é importante assinalar também a tendência ma is recente de internacionalização no ensino de administração de emprêsas nas universidades americanas. Em 1962 fundou-se nos Estados Unidos a Education and World Affairs (EWA), instituição não lucrativa dedicada a fortalecer as universidades americanas em, suas atividades de ensino, pesquisa e serviços gerais prestados em escala 'internacional. 26 26 Zeff. Stephen A., ed. Business schools and the challenge of international business. Graduate School of Business Administration, Tulane University. New Orleans, Louisiana, 1968. p. 12. Em dezembro de 1967, sob os auspícios da EWA, organizou-se uma Conferência Internacional na Universidade. de Tulane, em Nova Orleans, subordinada ao 'tema As escolas de administração e o desafio da administração' de emprêsas internacionais. Esta conferência contou com , a presença de 146 participantes, deães, professôres e executivos, representando 98 escolas de administração americanas e 11 escolas de administração latino-americanas. Um dOS conferencistas foi o vice-presidente da Divisão Internacional do First National City Bank. É Oportuno destacar o seguinte trecho de sua interessante palestra: "Para começar, os negócios internacionais se tornaram enormes. O investimento americano no estrangeiro agora sobe a 60 bilhões de dólares, comparados com os 8 bilhões do fim da Segunda Grande Guerra, e estão crescendo à taxa anual de dez por cento a despeito das limitações Impostas pelo govêrno. Outra, e talvez mais significante, medida das dimensões dos negócios internacionais americanos éurna recente estimativa do Dr. Judd Polk, da Câmara internacional de Comércio dos Estados Unidos, sôbre o valor da produção das emprêsas americanas no estrangeiro. Sua estimativa excede 120 bilhões de dólares, a terceira maior produção no mundo, depois dos Estados Unidos e daUnião Sovlêtica óbvlamente; uma atividade destas dimensões não pode continuar sendo uma simples preocupação periférica dos homens de ernprêsaaarnerlcanos, ela agora tornou-se uma questão de importância central. Porque há tôda a indicação de que os homens de ernprêsa continuarão aumentando seus investimentos diretos no estrangeiro. 27 27 Idem, ibidem. p. 20. Os trabalhos expostos nessa conferência, posteriormente publicados.28 28 Zeff, Stephen A. op. cit. indicavam que um razoável número de universidades americanas já mantinham, ou planejavam ou cursos de administração internacional de emprêsas. pinterêsse levantado por êsse nôvo tipo de atividade acadêmica decorre, ao que tudo indica, de pressões oriundas de dois setores da. sociedade: as grandes '" emprêsas americanas com investimentos no estrangeiro, estão estimulando as universidades a produzirem um profissional em administração que possa, sem, necessidade de um longo período de treinamento, ser enviado, a outras partes do globo para assumir responsabilidades nas subsidiárias ou sucursais; por outro lado, a juventude americana está demonstrando um interêsse crescente em se preparar profissionalmente para poder escolher carreiras que permitam mobilidade física para outros países e continentes. Em resumo, as tendências mais modernas nos programas de formação do administrador de emprêsas são marcadas por mudanças de três tipos básicos: 1. a formação de profissionais generalistas, com um conceito integrado de administração e pouca especialização, ao contrário da tendência clássica de formação de especialistas; 2: a formação de profissionais capazes de liderar uma organização que enfrenta um ambiente socioeconômicoco em constante progresso e; portanto, sujeito a rápidas e contínuas modificações, ao contrário da tendência clássica de formar profissionais s para dirigir as emprêsas existentes e sem a preocupação de enfrentar mudanças no mbiente 3. a formação de proflssionais capazes de exercer suas atividades em diferentes culturas, aptos a poderem ser deslocados para as mais variadas regiões do globo, em contraposição à situação que se encontrava . até recentemente de formar profissionais para consumo doméstico, geralmente sem qualquer preparo no que, sê refere a conhecimentos do inundo exterior aos Estados Unidos. Estas tendências estão evidentemente refletidas na composição dos currículos dos cursos oferecidos. Os cursos de administração empresarial nos Estados Unidos contam com um elenco de disciplinas obrigatórias que cobrem as várias áreas de administração: finanças, mercadologia, produção e teorias de organização. A especialização, permitida, ao longo do currículo normal é, relativamente pequena-e se faz sempre em uma das áreas gerais - jamais sôbre uma técnica específica, como administração de, pessoal, orçamentos, contrôle de qualidade ou relações humanas. As matérias que compõem a cultura geral e humanística do futuro administrador de emprêsas representam cêrca de 50% do currículo. As disciplinas relacionadas com as áreas específicas da emprêsa recebem um tratamento fundamental. Não há a preocupação de ensinar ao estudante um receituário de administração; o objetivo é dotá-lo de conhecimentos gerais e sólidos, tornar seu raciocínio flexível, ousado e ágil, aprimorar seus instrumentos de análise e comunicação - em resumo, prepará-lo para que ràpidamente seja capaz de conhecer e dominar as variáveis e os problemas principais da organização em que venha a trabalhar. Um bom curso não ensinará técnicas de custos, de gerência de pessoal, de orçamentos-programas ou de administração de vendedores. Ensinará, por outro lado, os conceitos fundamentais e os meios de analisar as finanças, a produção e os mercados da empr êsa. O aluno estudará, por exemplo: Administração Financeira, Estratégia Mercadológica, Informática, Organização Dinâmica, Administração e Contrôle de Produção etc. Em currículos mais revolucionários já se encontram disciplinas com títulos tais como Aculturação, Processos de Influência, Comportamento Inovador, Teorias de Liderança, Aprender a Aprender, Geração e Avaliação de Alternativas, etc. Nos mais recentes e ainda pouco comuns currículos de administração internacional de emprêsas, a tendência é dar aos alunos noções aprofundadas de ciências políticas, teorias de poder, formas de govêrno, sistemas econômicos atuais, e outros que tenham relação com a atividade das emprêsas internacionais, da futura emprêsa multinacional e dos governos, face à soberania das nações e às alterações recentes determinadas com o surgimento dos mercados comuns. Procura-se desenvolver no futuro, conhecimento profissional de distintas culturas, o domínio das línguas mais faladas - inclusive o russo e o japonês - e condições de rápida adaptação aos mais variados meios e ambientes.

4.2 Formação do administrador empresarial no Brasil

Ao mesmo tempo em que se podem identificar estas tendências no desenvolvimento da educação em administração empresarial na nação que reconhecidamente está à frente nesse campo, é de interêsse examinarmos o que estamos fazendo no Brasil. Já tive oportunidade de mencionar que o sistema educacional brasileiro se colocou entre os primeiros a adotar, fora dos Estados Unidos, o ensino universitário de administração de emprêsas com currículo específico quando se fundou, em 1954, a Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo. De então para cá, dezenas de outras iniciaram suas atividades e estão recebendo alunos. As conseqüênciasdêsse desenvolvimento rápido e desorganizado no ensino de administração de emprêsas, já gerou conseqüências cujo alcance não é difícil imaginar. Quero referir-me particularmente a três dessas conseqüências. Em primeiro lugar, o nível acadêmico em que se deve ministrar o ensino de administração. A recenticidade com que foram regulamentados pelo Conselho Federal de Educação, os cursos de pós-graduação no Brasil permitiu que a velha idéia de seqüência obrigatória entre curso de graduação e de pós-graduação alcançasse o currículo de administração. 29 29 A orientação do CFE para a educação pós-universitária foi baixada pelo Parecer n.º 977/65, de 3-12-65. As normas para reconhecimento de cursos pós-graduados constam do Parecer n.º 77/69, de 11-2-69. Como resultado, a lei que regulamentou a profissão de técnico de administração - designação inadequada de um profissional de nível universitário - tornou exclusivo do bacharel em administração, o exercício legal da profissão. 30 30 Lei n.e 4769, de 9-9-65, art. 3.º. Cerceou-se, com essa medida, o exercício da profissão aos que tenham cursos de pós-graduação em administração, se não tiverem o curso de graduação correspondente. Com isso o Brasil, que em 1954 era dos primeiros a iniciar o ensino universitário de administração, em 1965, tornava-se provàvelmente a única nação do mundo a regulamentar a profissão de administrador e a cercear o seu exercício aos bacharéis em administração. As melhores escolas de administração nos Estados Unidos, nos demais países da América Latina e na Europa, conduzem o ensino de administração em nível pós-graduado, aberto aos bacharéis de qualquer categoria profissional. Algumas não têm cursos de administração em nível de graduação. Esta abordagem repousa na convicção de que o domínio de técnicas de administração é necessário a engenheiros, economistas, advogados, militares e até mesmo a sacerdotes. No exercício de suas profissões êstes profissiona is com freqüência administram. Pois, para fazê-lo legalmente no Brasil, estão obrigados a complementar seu currículo cursando as matérias do currículo mínimo de administração que não estudaram na universidade. Nem tôdas as categorias profissionais estão amparadas. 31 31 Resolução baixada em 25-8-66, art. 4.º - modificado pelo Parecer n.º 104/68, de 9-2-68, que estendeu aos formados pelas academias militares a possibilidade de complementação curricular.

Algumas instituições de ensino já estão oferecendo às categorias amparadas esta oportunidade. Em minha opinião, não é a maneira ideal de dar formação em administração. Nem é a intenção da norma jurídica que criou esta abertura. Creio que estamos necessitando reexaminar a solução dada à questão, a fim de permitir que um enorme contingente de profissionais valiosos possa ser estimulado a exercer a atividade administrativa sem o percalço de ter de fazê-lo ilegalmente. O segundo êrro que estamos cometendo é natural, uma vez que ocorreu em muitas outras nações, inclusive nos Estados Unidos. Resulta de uma tendência a se fazer certa confusão entre economia e administração. Esta confusão tem origem no fato de que, com alguma freqüência, os cursos de administração nasceram em escolas de economia. É preciso ter presente porém que as instituições de ensino que se tornaram famosas no campo da administração são escolas de administração. Atualmente, a primeira providência que uma universidade bem informada toma ao ingressar no campo do ensino de administração, é criar uma escola de administração - nunca um departamento de administração subordinado a outra escola. O terceiro ponto que me parece importante abordar a êste respeito, é o que se relaciona com a composição do currículo. Talvez as duas anomalias que acabei de mencionar expliquem em parte porque os currículos apresentados são tão variáveis em natureza e constantes na tendência de exposição descritiva. É comum a presença de disciplinas relativas a técn icas, como administração de vendedores, técnica contábil, gerência de pessoal e outras. Por outro lado, as disciplinas que ensejariam um estudo mais profundo de aspectos fundamentais da emprêsa são, não raro, abordadas segundo modelos ultrapassados e excessivamente descritivos. A administração mercadológica é um exemplo. Os primeiros textos didáticos sôbre o assunto, descreviam as funções de agentes típicos de processo mercadológico (atacadistas, varejistas, corretores etc.): ou então, descreviam os processos típicos de mercadização de certos produtos (a mercadização do algodão, do trigo, de bens indústrias, etc.) Éste processo de análise. da mercadologia é hoje obsoleto. A atividade da emprêsa face aos seus mercados é examinada como um sistema que se alimenta de informações e produz decisões e comunicações que geram resultados em têrmos de vendas a um custo unitário mínimo. Os processos envolvidos são válidos para o varejista como para o atacadista, na mercadização do algodão como dos bens industriais, hoje como amanhã ... Esta preocupação nos faz falta. Se a administração é, como já repisei, um processo de incentivar e efetivamente gerar a inovação, o campo da administração do ensino da administração no Brasil está totalmente aberto ao espírito inovador. Assim também o seu ensino entre nós. É ainda do relatório Gordon-Howell o seguinte trecho que contém uma severa critica às escolas de administração de emprêsas americanas e que, em meu entender, constitui séria advertência às demais nações do mundo em que êsse ensino se desenvolve: "O descontentamento que existe com relação à qualidade da educação universitária em administração é amplo e profundo. Era virtualmente inevitável que isto acontecesse. Já vimos que é pràticamente impossível fazer em quatro anos, aquilo a que se propõem os cursos de adrninistraçâo: a saber, dar uma educação de qualidade satisfatória tanto geral como profissional. Os cursos de graduação sofrem a praga de estudantes mal preparados; os currículos não foram desenvolvidos para satisfazer as necessidades já descritas; o ensino se faz, em geral, de modo superficial, dando ênfase a detalhes descritivos e processuais e falhando em prover o estudante com um efetivo desafio intelectual; tanto a educação geral, como as noções fundamentais sôbre a emprêsa e seu meio são freqüentemente sacrificadas em benefício de conhecimentos especializados e técnicas que logo poderão ser obsoletos; os docentes são freqüentemente mal treinados e excessivamente imersos em suas próprias especialidades." 32 32 Gordon, R. A. & Howell, J. E., op. clt. p. 132. Sem prejuízo de poder ser estendida a outros setores educacionais, entendo que esta crítica se aplicaria hoje às nossas escolas de administração, pública como de emprêsas. Estou, por outro lado, convencido de que na solução dêste problema está a chave que poderá resolver o enigma de acelerar ao máximo o avanço tecnológico e o desenvolvimento econômico do Brasil.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 Resumo

Ao longo desta exposiçao procurei demonstrar os seguintes pontos:

1. em um sistema econômico descentralizado e de mercados, como o nosso, o papel do Estado como estimulador e controlador do processo econômico, impõe limitações ao seu poder de atuar como mecanismo gerador de desenvolvimento no sistema; 2. em um sistema dêsse tipo é de atuação da emprêsa privada, em regime de concorrência, que depende a combinação ótima dos fatôres de produção disponíveis e, por conseqüência, a aceleração do desenvolvimento e da técnica, além dos limites que a atuação do govêrno pode alcançar; 3. o nível de eficiência da atuação da emprêsa guarda relação de íntima dependência com a sua capacidade de ràpidamente se adaptar às modificações que ocorram no ambiente que enfrenta, sendo que as emprêsas mais eficientes e dinâmicas são as que mais contribuem para o avanço da economia; 4. o dinamismo e a capacidade de adaptação das emprêsas depende da qualidade e do estilo com que são administradas, sendo que a evidência empírica acumulada em observações feitas em várias nações indica serem mais eficientes econômicamente as emprêsas que adotam a administração descentralizada, um estilo de liderança que compromete e entusiasma o componente humano na conquista dos objetivos da organização e mecanismos de contrôles por resultados que desestimulam o ritualismo e geram o espírito inovador indispensável ao progresso; 5. a formação de administradores que possam propiciar êste tipo de clima na emprêsa é matéria complexa que tem sido mais eficientemente tratada pela universidade, mediante as escolas de administração hoje reconhecidas e respeitadas no mundo; 6. as tendências mais avançadas no campo do ensino de administração de emprêsas, apontam na direção da formação de administradores generalistas, com sólidos conhecimentos gerais e básicos, capazes de enfrentar os problemas que o futuro reserva para as emprêsas dos próximos decênios e com sua atenção voltada para aspectos internacionais, e mesmo globais, da atuação das emprêsas; 7. o sistema educacional brasileiro não está queimando etapas com a necessária rapidez no campo da administração empresarial, e por conseqüência, não está dando indicações de que se prepara adequadamente para desempenhar satisfatoriamente a importantíssima tarefa de preparar os administradores que estarão administrando nossas emprêsas no fim do século XX.

5.2 Conclusão

Quem se atreve a levantar problemas desta monta tem certa obrigação de apontar soluções. Não me furtarei a essa responsabilidade, ainda que a tarefa eventualmente exceda minhas fôrças. Nessa tentativa serei necessàriamente sucinto. Em primeiro lugar, vejamos os objetivos que parece imperioso escolher na solução do problema da formação do administrador brasileiro: 1. devemos aparelhar nosso sistema educacional para que possa ràpidamente absorver a experiência vivida por nações mais desenvolvidas e colocar-se a par das tendências mais modernas no ensino de administração; 2. de conseqüência, é mister tornar nossas escolas e nossos professôres aptos a dar aos estudantes de administração uma formação geral, com conhecimentos de conceitos e relações fundamentais da emprêsa e da economia; capacitá-los a prever e se adaptar às alterações dos mercados e do ambiente econômico em geral; estimular nêles o hábito de trabalhar em equipe, receber e emitir comunicações com clareza e eficiência e granjear o entusiasmo de seus liderados pelos objetivos gerais da organização. 3. em particular, é preciso começar a pensar objetivamente na preparação de uma elite de administradores que estejam capacitados a intervir nos mercados extranacionais, compreender e aproveitar as oportunidades que são ao mesmo tempo uma ameaça e uma promessa às economias nacionais do futuro - enfim, sentir-se à vontade ao enfrentar problemas como os que serão gerados pela inevitável emprêsa multinacional, cujo vulto já se pode divisar com clareza no horizonte. A conquista dêsses objetivos não é fácil. O número de outras necessidades nacionais não menos legítimas, que disputam nossos limitados recursos de investimentos torna difícil a eleição do Estado como destinatário de um primeiro apêlo. Outras nações estão tentando empolgar a comunidade empresarial nesse esfôrço. Minha experiência indica que estamos precisando encontrar meios mais eficientes de estimular nossos empresários de hoje a participar mais direta e ativamente do processo de desenvolvimento de nossas escolas de administração. Ao Govêrno cabe, segundo penso, a oportunidade e a responsabilidade de intervir na canalização dos recursos que estão, ou venham a ser investidos, nessa atividade educacional. Parece-me pouco produtiva a atomização de recursos já limitados em um grande número de escolas, cujo progresso está assim condenado a ser lento, em comparação com a alternativa de se concentrarem recursos nas instituições que estão em melhores condições de ràpidamente gerar os dados e informações que nos estão fazendo falta no campo da administração e transferir o conhecimento e a técnica disponíveis em nações mais avançadas para então divulgar mais econômicamente dentro de nossas fronteiras êsses resultados. No que respeita ao aspecto internacional da administração empresarial, é oportuno lembrar que organizações de cunho e âmbito mundial, como a UNESCO, o CIOS, a ClT e a AIESEC33 33 UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. CIOS - Conseil International pour l'Organisation Scientifique. OIT - Organização Internacional do Trabalho. AIESEC - Association Internationale des Étudiants en Sciences Economiques et Commerciales. estão se interessando pela criação de um mecanismo mundial de intercâmbio e transferência de tecnologia em administração. Temos a oportunidade de participar ativamente nesse processo, do qual eventualmente serramos grandes beneficiários. São as sugestões que posso oferecer. Muito obrigado.

  • 1 Heilbroner, Robert L. The wordly philosophers. New York, Simon and Schuster, 1961.
  • 2 Schumpeter, Joseph A. Teoria do desenvolvimento eeensmtee. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1961. p. 93; New York, 1947. p. 132.
  • 3 Ver por exemplo, a classificação de empresários sugerida por oanhof, Clarence. Observations on entrepeneurship in agriculture. In: Cole, Arthur. Change end the entrepeneur. Cambridge, Mass. Harvard Unlversity Press, 1949. p. 22-4.
  • 4 Leibenstein, Harvey. Atraso e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Centro de Publicações Técnicas da Aliança para o Progresso, 1967. p. 45-8.
  • 6 Nixon, Riehard D. Economic report of the president. Washington, D.C., United States Printing Offiee, 1970. p. 90-2.
  • 8 Keynes, J. M. The applied theory of money. v. 2 de. A treatise on money, London, The MacMillan Co., 1930. p. 148-9.
  • 9 de Woot, Philippe. Pour une doctrine de I'entreprise. Paris, tditions du Seuil, 1968. p. 31.
  • 11 Servan-Schreiber, Jean-Jacques. O desafio americano. 6. ed., Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1968.
  • 14 Bloch-Lainé, François. Pour une reforme de I'entreprise. Paris, Éditions du Seuil, 1963. p. 19-20.
  • 15 Seashore, Stanley E. Group cohesiveness in the industrial work group. Ann Arbor, Michigan, University of Michigan, 1954. p. 102.
  • 16 Lickert, Rensis. The relationship between management behavior and social structure. Proceedings of the 15th CIOS international management congresso Tokyo, Kogakusha, 1969. p. 136-45, part. p. 143.
  • 17 Drucker, Peter F. The concept of the corporation. New York, The John Day, 1946. p. 46.
  • 20 Pierson, Frank C. et alii. The education of American businessmen. New York, McGraw-Hill, 1969. p. 35 e seg.
  • 22 Dustan, James & Makanowitsky, B. Trainin, managers abroad. New York, Conseil for International Progress in Management, 1960. v. 2.
  • 24 Instituto Roberto Simonsen. Prorissões e cursos de formação existentes no Brasil. São Paulo, Melhoramentos, 1969. p. 97-100.
  • 25 Gordon, R. A. & Howell, J. Hiiher education for business. New York, Columbia University Press, 1959. p. 138-9.
  • 26 Zeff. Stephen A., ed. Business schools and the challenge of international business. Graduate School of Business Administration, Tulane University. New Orleans, Louisiana, 1968. p. 12.
  • *
    Conferência pronunciada peio Prof. Gustavo de Sá e Silva na Escola Superior de Guerra, em 28 de abril de 1971.
  • **
    Professor-adjunto do Departamento de Mercadologia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas.
  • 1
    Heilbroner, Robert L. The wordly philosophers. New York, Simon and Schuster, 1961.
  • 2
    Schumpeter, Joseph A. Teoria do desenvolvimento eeensmtee. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1961. p. 93; New York, 1947. p. 132.
  • 3
    Ver por exemplo, a classificação de empresários sugerida por oanhof, Clarence. Observations on entrepeneurship in agriculture. In: Cole, Arthur. Change end the entrepeneur. Cambridge, Mass. Harvard Unlversity Press, 1949. p. 22-4.
  • 4
    Leibenstein, Harvey.
    Atraso e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Centro de Publicações Técnicas da Aliança para o Progresso, 1967. p. 45-8.
  • 5
    Para uma defesa mais detalhada dessa posição, ver por exemplo Leibenstein, Arthur. op. cit., capo 2.
  • 6
    Nixon, Riehard D. Economic report of the president. Washington, D.C., United States Printing Offiee, 1970. p. 90-2.
  • 7
    Cf. Braumol, William
    J. Economic dynamics. New York, 2. ed. The MacMillan Co., 1959. p. 24-9.
  • 8
    Keynes, J. M. The applied theory of money. v. 2 de. A treatise on money, London, The MacMillan Co., 1930. p. 148-9.
  • 9
    de Woot, Philippe.
    Pour une doctrine de I'entreprise. Paris, tditions du Seuil, 1968. p. 31.
  • 10
    Citado por Meads, Donald E. em Case of IBEC. In: AIESEC. Proceedings da conferêncía Mundial sôbre Transferência Internacional de Habilidades Administrativas realizada em Turim, Itália, em novembro de 1969, Association Internationale des Étudiants en Sciences Economiques e Commerciales. Rotterdam, Holanda, 1969. p. 106.
  • 11
    Servan-Schreiber, Jean-Jacques.
    O desafio americano. 6. ed., Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1968.
  • 12
    Idem, lbldern. p. 273.
  • 13
    Eldon, Bruno. Case of Shell International. In: AIESEC. op. cit. p. 100-1.
  • 14
    Bloch-Lainé, François.
    Pour une reforme de I'entreprise. Paris, Éditions du Seuil, 1963. p. 19-20.
  • 15
    Seashore, Stanley E. Group cohesiveness in the industrial work group. Ann Arbor, Michigan, University of Michigan, 1954. p. 102.
  • 16
    Lickert, Rensis. The relationship between management behavior and social structure. Proceedings of the 15th CIOS international management congresso Tokyo, Kogakusha, 1969. p. 136-45, part. p. 143.
  • 17
    Drucker, Peter F. The concept of the corporation. New York, The John Day, 1946. p. 46.
  • 18
    de Woot, Philippe. Idem. p. 194-5.
  • 19
    Idem, ibidem. p. 197.
  • 20
    Pierson, Frank C. et alii.
    The education of American businessmen. New York, McGraw-Hill, 1969. p. 35 e seg.
  • 21
    Idem, ibidem.
  • 22
    Dustan, James & Makanowitsky, B. Trainin, managers abroad. New York, Conseil for International Progress in Management, 1960. v. 2.
  • 23
    Capes. Ensino superior - cursos 8 estabelecimentos. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, 1967. p. 3-6.
  • 24
    Instituto Roberto Simonsen.
    Prorissões e cursos de formação existentes no Brasil. São Paulo, Melhoramentos, 1969. p. 97-100.
  • 25
    Gordon, R. A. & Howell,
    J. Hiiher education for business. New York, Columbia University Press, 1959. p. 138-9.
  • 26
    Zeff. Stephen A., ed.
    Business schools and the challenge of international business. Graduate School of Business Administration, Tulane University. New Orleans, Louisiana, 1968. p. 12.
  • 27
    Idem, ibidem. p. 20.
  • 28
    Zeff, Stephen A. op. cit.
  • 29
    A orientação do CFE para a educação pós-universitária foi baixada pelo Parecer n.º 977/65, de 3-12-65. As normas para reconhecimento de cursos pós-graduados constam do Parecer n.º 77/69, de 11-2-69.
  • 30
    Lei n.e 4769, de 9-9-65, art. 3.º.
  • 31
    Resolução baixada em 25-8-66, art. 4.º - modificado pelo Parecer n.º 104/68, de 9-2-68, que estendeu aos formados pelas academias militares a possibilidade de complementação curricular.
  • 32
    Gordon, R. A. & Howell, J. E., op. clt. p. 132.
  • 33
    UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. CIOS - Conseil International pour l'Organisation Scientifique. OIT - Organização Internacional do Trabalho. AIESEC - Association Internationale des Étudiants en Sciences Economiques et Commerciales.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1971
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