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A evidência nas estrelas

EDITORIAL

A evidência nas estrelas

Um dos temas mais discutidos e em voga nas reuniões acadêmicas da classe médica e nos conselhos editoriais de revistas científicas tem sido a propalada Medicina baseada em evidências.

Este parece ser um assunto bastante complexo, que atinge no seu cerne a própria profissão Médica e seu status quo na sociedade. Sabemos que as opiniões são muitas e diversas. Há os que são frontalmente contra o uso indiscriminado de números para determinação de diagnósticos, prognósticos e indicações terapêuticas. Dizem eles que a Medicina não é uma ciência exata e, portanto, teríamos que saber discernir o que é generalizável e universal do que é individual e particular, não sendo as cifras estatísticas as principais determinantes de nosso juízo e sim parte, por vezes desnecessária, de nosso processo de decisão. Entre seus detratores ainda estão aqueles que consideram que pode haver por detrás dos números das pesquisas científicas, interesses políticos e de mercado não explicitados, talvez questionáveis, que com o uso da autoridade matemática das evidências científicas justificariam a geração de políticas de saúde, seguridade social e uso de medicamentos. Ainda, entre os que teriam razões para negar o uso de evidências, estão aqueles que interpretam sua utilização guiando qualquer atividade, como um juízo onde as evidências seriam o conhecimento maior e outros tipos de saber, que não se baseiam nelas, como inferiores.

Passemos para o outro lado. E se não nos baseássemos nas evidências? Houve tempo em que a Medicina foi assim. Há muitas diferenças entre experiência, palpite e clarividência? De certo há. Mas onde está a linha que separa a clara opinião calcada em uma forte experiência pessoal de um profissional de cultura médica refinada e a crença pura e simples. Palpite, clarividência, experiência, na realidade esta é a discussão que temos tido nos últimos tempos. Qual é o melhor para nossos pacientes?

Desde que tomamos a direção editorial deste periódico, temos explicitado nossas preferências pelo apego às evidências na determinação de decisões de cunho científico. Isto tem ficado claro na política de aceitação de trabalhos e na definição de tipos de artigo que compõem a nossa revista. Aqueles artigos simplesmente opinativos foram retirados e a proporção entre artigos originais e relatos de caso cresceu sistematicamente até os atuais 4:1 (77%) que procuraremos manter. Esta não é uma decisão que denigre a experiência pessoal. Ela apenas procura valorizar a procura por confirmações desta experiência. No anseio de aprimorar a coleta de dados confiáveis, entendemos que os artigos originais também deveriam ser melhor identificados em seu formato, categorizando-os segundo as suas propriedades científicas e recomendando-os através de níveis de evidência científica.

Para que isto pudesse ser levado a efeito, estabelecemos uma etiqueta de estrelas que estará postada no canto superior direito da página inicial de cada trabalho e que representará seu formato científico e o grau de recomendação (de uma a cinco estrelas). Procuramos seguir as sugestões para determinação de níveis de evidência, publicado pelo Centro para Medicina Baseada em Evidências de Oxford (1). Apesar de haver nas sugestões de Oxford diversas subdivisões para cada nível, dependendo do objetivo do estudo, decidimos simplificá-los em cinco grandes categorias:

1) artigos de revisão bibliográfica sistemática;

2) artigos de relato de séries (casuística) sistemáticas de enfoque retrospectivo ou prospectivo;

3) artigos de investigação clínica prospectivas não randomizados;

4) artigos de investigação clínica randomizados e

5) artigos experimentais.

É claro que o fato de um artigo receber uma ou cinco estrelas não garantirá sua habilidade para auferir evidências para um assunto, apenas sugere que seu formato favorece esta possibilidade. Entendemos que há fatores relevantes como homogeneidade das amostras para se evitar variações preocupantes que possam viesar os resultados, qualidade pobre da coorte sem definições precisas dos grupos comparados ou seguidos, grau de especificidade e sensibilidade do estudo que pode favorecer uma outra conclusão de maneira indevida, referências teóricas pertinentes para o estabelecimento de objetivos compatíveis com o conhecimento atual, randomização correta para se evitar predeterminação de grupos de estudo, seguimento de pelo menos 80% dos ingressos nos grupos de estudo até o final da investigação e seguimento de pelo menos 80% dos casos por tempo suficiente quando em estudos de diagnóstico diferencial (1-6 meses em quadros agudos e 1-5 anos em crônicos).

As preocupações descritas estão presentes no cotidiano desta revista e acreditamos que identificar qualidades e defeitos nos desenhos dos estudos seja a obrigação e motivação de nosso corpo editorial e para tanto contamos com ele.

Por outro lado, reconhecendo e acatando as opiniões contrárias à ênfase nas evidências, procuraremos retomar os artigos opinativos. Acreditamos que sejam de imensa importância para dar o devido tom moderador nas disputas científicas. Para tanto, estaremos iniciando os editoriais científicos com temas escritos por convite ou solicitação, em formato de editorial de uma página.

Aguardamos contribuições.

Saudações

Henrique Olival Costa

1. Phillips, R. et al, Levels of evidence and grades of recommendations.

http://cebm.jr2.ox.ac.uk/docs/levels.html

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2002
  • Data do Fascículo
    Set 2001
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