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Inovação na gestão de conflitos

A gestão de interesses profissionais sempre esteve envolvida em conflitos, mas parece que atualmente as disputas na Oftalmologia vêm se intensificando. Existem conflitos com: a indústria, os planos de saúde, o governo, profissionais não médicos e até mesmo entre os próprios oftalmologistas. É possível que uma das razões para o aumento das disputas, esteja no fato de que as empresas de saúde, as entidades de classe e os grupos de interesse, estejam buscando com mais intensidade firmar suas posições no mercado, delimitando espaços, verticalizando campos de atuações e, com isso, as áreas de atrito entre eles tenham aumentado.

A questão é que nós médicos não somos treinados para solucionar conflitos e muitas vezes não temos essa vocação. O médico está acostumado a perguntar as queixas dos clientes, informar o diagnóstico e explicar o tratamento, de maneira unilateral, sem negociar a conduta com os pacientes. Os oftalmologistas que participam de entidades de classes, em geral, são acadêmicos, com vocação para ensino, pesquisa e assistência, sem formação ou preparo técnico para resolução de conflitos e formas de melhor lidar com situações em disputa. Nossos líderes não foram alçados à suas posições, necessariamente, por serem bons conciliadores e ainda conhecemos poucas opções de persuasão, além dos boicotes em prescrições e em eventos científicos. Quando estas manobras não se aplicam à disputa, em geral, a questão é encaminhada para o departamento jurídico.

Assim, observo que as entidades de classe da Oftalmologia, de forma geral, quando não conseguem impor sua vontade, encaminham as disputas para o departamento jurídico resolver. O advogado, em geral sabe negociar e está mais apto que o médico para resolver as demandas, mas uma das vertentes mais utilizadas ainda é perante a Justiça. Claro que em algumas disputas, a judicialização é inevitável, todavia, esta não precisa ser uma sistemática, como acaba acontecendo na maioria dos casos na Oftalmologia. É preciso achar uma solução intermediaria que seja mais eficiente.

Evidente que a preocupação com a resolução dos conflitos de forma extrajudicial não é um problema exclusivo da medicina, atualmente, a tendência é para a resolução de conflitos por meio do diálogo, com resultados mais rápidos, mais efetivos e a um custo menor. O próprio Sistema Judiciário já sugere esta via, como sendo a preferencial. Trata-se do Processo de Mediação, que possui um corpo de profissionais capacitados para esta função.

Na Mediação, as partes constroem juntas uma forma de resolver seus conflitos, considerando também a necessidade de preservar o relacionamento entre eles, ou seja, brigam, mas não rompem relações. Uma câmara de mediação funciona com a intervenção de um terceiro, o mediador, que é imparcial e livre das “paixões” envolvidas na disputa. O mediador auxilia a comunicação entre as partes de um conflito. Ele não vai simplesmente negociar um “meio termo” entre as reinvindicações de ambas as partes, a estratégica é bem mais complexa do que o “eu cedo tanto e você cede tanto”. No inicio da disputa, cada parte apresenta e defende uma posição, mas o que o mediador, por meio da metodologia para a qual ele foi capacitado, tentará descobrir, é o real interesse que há por traz de cada posição. O que os motivou a tomar essa atitude? O talento do mediador é justamente identificar as razões que originaram a disputa, as quais, não necessariamente precisam ser antagônicas, para descobrir o que realmente interessa para cada parte e, a seguir, formular propostas para atender ao interesse de todos, mostrando a cada um deles, como ambos poderiam ganhar no restabelecimento da relação fora da via judicial.(11 Zapparolli CR, Krahenbuhl MC. Negociação, mediação, conciliação, facilitação assistida, prevenção, gestão de crise nos sistemas e suas técnicas. São Paulo: LTR; 2012.

2 Zapparolli CR, Krahenbuhl MC. Instrumentos não adjudicatórios de gestão de conflitos em meio ambiente. Rev Advogado. 2014;123 (Ago):170.

3 Zapparolli CR. Nota da Coordenadora. Revi Advogado. 2014; 23(Ago):5-9.

4 Zapparolli CR, Grinouver AP, Gomma A, De Salles CA, Gabay DM, Silva EB, et al. Mediação em contextos de crimes, atos em contraste com a lei e justiça restaurativa. In: Custódio da Silveira JJ, organizador. Manual de negociação, conciliação, mediação e arbitragem. São Paulo: Letramento; 2018. Vol. 1, p. 231-52.
-55 Zapparolli CR, Akarsia in mediation and in the adhesion to arbitration processes. In: Yoshikazu Yamaoki, Org. Shinshu economics and law review. 5 th ed. Mtsumoto: University of Shinshu; 2018. Vol. 1, p. 179-205.)

Vamos usar para exemplo de abordagens passíveis de mediação, duas disputas atuais na Oftalmologia:

  1. A decisão unilateral de alguns planos de saúde por “empacotar atendimentos”;

  2. O movimento de planos de saúde por comprar diretamente com a indústria as medicações para injeções intravítreas e envia-las para o oftalmologista realizar as aplicações.

Ambas as questões são consequências indiretas dos avanços tecnológicos e do envelhecimento da população, que resultou no aumento da quantidade de tratamentos de grande valor agregado, como facectomias, vitrectomias e injeções intravítreas, tornando a Oftalmologia cara, para as fontes pagadoras. Em uma época em que as empresas de saúde encontram dificuldade para aumentar a receita e seus executivos são pressionados por melhorar a margem de lucro, a solução, muitas vezes, acaba sendo reduzir despesas, entre elas, a remuneração do médico que presta serviços.

A primeira questão trata-se de uma disputa entre oftalmologistas e planos de saúde, que já está judicializada há mais de um ano, ainda sem resultados definitivos. A segunda disputa envolve oftalmologistas, indústrias, e planos de saúde, está em fase de negociação entre as lideranças da classe e as demais partes envolvidas. Nestes conflitos, considero que a abordagem de uma câmara de mediação seria imprescindível para facilitar o diálogo entre os envolvidos, buscando restabelecer as relações, de forma que juntos possam buscar uma solução satisfatória a todos, construindo uma nova relação e eliminando o risco de um resultado desfavorável imposto por um juiz, o qual ainda estará sujeito a reforma pelas instâncias superiores, isso sem considerar o tempo que o processo demandará, os desgastes, os custos financeiros e a incerteza durante o tempo que perdurar o litígio.

O mediador tentaria descobrir, no exemplo da “pacotização”, o que realmente motivou o plano de saúde a tomar esta decisão: 1- a necessidade de diminuir a remuneração do médico ou 2- a tentativa de limitar a solicitação abusiva de exames complementares? Considerando que o interesse dos médicos é a de não ter a remuneração por seu trabalho depreciada, é provável que a solução do conflito não precise envolver a remuneração e sim um acordo sobre a solicitação de exames, pois os interesses, provavelmente, não são antagônicos. No caso das injeções, pode ser aplicada a mesma sistemática, descobrir qual o interesse real de cada parte envolvida, para tentar achar um caminho para a solução, que não comprometa a necessidade principal de parte.

Destaca-se que a mediação busca a transformação do conflito para, além de cessar os problemas, evitar conflitos futuros. Vale também informar que a mediação acontece sob cláusula de confidencialidade, onde as partes não podem se utilizar dos diálogos havidos, como prova em processos ou para outros fins. No final do processo os custos são divididos entre as partes.

Assim, acredito que a Oftalmologia, a exemplo do que já acontece com muitas outras entidades de classe, poderia se beneficiar do processo de mediação. Não seria para substituir a assessoria jurídica, seria para complementa-la. A mediação é uma ferramenta a mais, para ser empregada na gestão de conflitos, visando economia de tempo e de dinheiro. Considero que as lideranças poderiam se aproximar de uma câmara de medicação, para explicar nossos interesses e valores, a fim de prepara-los para nos ajudar a resolver disputas, sempre que necessário.

Referências

  • 1
    Zapparolli CR, Krahenbuhl MC. Negociação, mediação, conciliação, facilitação assistida, prevenção, gestão de crise nos sistemas e suas técnicas. São Paulo: LTR; 2012.
  • 2
    Zapparolli CR, Krahenbuhl MC. Instrumentos não adjudicatórios de gestão de conflitos em meio ambiente. Rev Advogado. 2014;123 (Ago):170.
  • 3
    Zapparolli CR. Nota da Coordenadora. Revi Advogado. 2014; 23(Ago):5-9.
  • 4
    Zapparolli CR, Grinouver AP, Gomma A, De Salles CA, Gabay DM, Silva EB, et al. Mediação em contextos de crimes, atos em contraste com a lei e justiça restaurativa. In: Custódio da Silveira JJ, organizador. Manual de negociação, conciliação, mediação e arbitragem. São Paulo: Letramento; 2018. Vol. 1, p. 231-52.
  • 5
    Zapparolli CR, Akarsia in mediation and in the adhesion to arbitration processes. In: Yoshikazu Yamaoki, Org. Shinshu economics and law review. 5 th ed. Mtsumoto: University of Shinshu; 2018. Vol. 1, p. 179-205.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020
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