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Calázio e características demográficas dos portadores em uma amostra populacional

RESUMO

Objetivo:

Apresentar a frequência de ocorrência do calázio em uma amostra populacional, assim como as características de seus portadores.

Métodos:

Estudo transversal utilizando amostra populacional aleatorizada, realizado nos anos 2004/2005, na região centro-oeste do estado de São Paulo. Os participantes foram avaliados segundo variáveis demográficas e exame oftalmológico.

Resultados:

A frequência de ocorrência do calázio foi de 1,56%, sendo mais frequente em mulheres, portadores de astigmatismo ou hipermetropia de pequenos graus, com grande variação de idade de acometimento. Foi necessária prescrição de correção óptica e cirurgia em número expressivo de casos.

Conclusão:

O calázio tem baixa frequência de ocorrência na população geral. Ocorre predominantemente em mulheres e há associação importante com ametropia.

Descritores:
Calázio/epidemiologia; Terçol; Pálpebra/lesões; Erros de refração

ABSTRACT

Purpose:

To show the frequency of occurrence of chalazion in a population sample, as well as the characteristics of patients.

Methods:

A cross-sectional study using randomized population sample was carried out during 2004/2005, in the Midwest region of the state of São Paulo. Participants were evaluated according to demographic variables and ocular examination.

Results:

The frequency of occurrence of chalazion was 1.56‰, more common in women, people with astigmatism or low hyperopia, with wide variation in age of onset. It was necessary to prescribe optical correction and surgery in a significant number of cases.

Conclusion:

The chalazion has low frequency of occurrence in the general population. It occurs predominantly in women and there is a significant association with refractive error.

Keywords:
Chalazion/epidemiology; Hordeolum; Eyelid/injuries; Refractive errors

INTRODUÇÃO

O calázio é a lesão inflamatória mais frequente da pálpebra e representa uma reação granulomatosa, causada pela retenção da secreção das glândulas de Meibômio devido à inflamação crônica, resultante de um hordéolo interno ou de meibomite(11 Onesti MG, Troccola A, Maruccia M, Conversi A, Scuderi G. Suspected spinocellular carcinoma of the inferior eyelid resulted multiple chalazion. Ann Ital Chir. 2013;23:84(ePub). pii: S2239253X13019592.).

É comumente causado pelo Staphylococcus sp e pode se resolver com tratamento clínico, porém quando não há resolução e há cronificação do processo, pode ser necessária intervenção cirúrgica(22 Matayoshi S, Forno EA, Moura EM. Manual de cirurgia plástica ocular. São Paulo: Roca, 2004. 370p.

3 Arbabi EM, Kelly RJ, Carrim ZI. Chalazion. BMJ. 2010;341:c4044.

4 Gilchrist H, Lee G. Management of chalazia in general practice. Aust Fam Physician. 2009;38(5):311-4.
-55 Duarte AF, Moreira E, Nogueira A, Santos P, Azevedo F. Chalazion surgery: advantages of a subconjunctival approach. J Cosmet Laser Ther. 2009;11(3):154-6.).

Após a remoção, é necessário realizar exame histológico, principalmente quando se tratar de lesões recorrentes, devido à possibilidade de ocorrência de um tumor maligno, como o carcinoma de células sebáceas(66 Pavan-Langston D. Manual de Oftalmologia - diagnóstico e tratamento. 4 ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 2001. 592p.

7 Pereira PR, Odashiro AN, Rodrigues-Reyes AA, Correa ZM, de Souza Filho JP, Burnier MN Jr. Histopathological review of sebaceous carcinoma of the eyelid. J Cutan Pathol. 2005;32(7):496-501.
-88 Ozdal PC, Codère F, Callejo S, Caissie AL, Burnier MN. Accuracy of the clinical diagnosis of chalazion. Eye (Lond). 2004;18(2):135-8.).

Apesar de ser uma lesão comum nos serviços oftalmológicos, não há estudos sobre a distribuição do calázio na população geral, o que motivou este estudo que teve por objetivo observar a frequência de ocorrência do calázio em uma determinada população, assim como descrever o perfil demográfico dos portadores.

MÉTODOS

Foi feita a análise de portadores de calázio tendo como base dados obtidos em estudo transversal, de amostra populacional aleatorizada, de caráter observacional, realizado entre março de 2004 e junho de 2005. O estudo foi feito em nove cidades da região centro-oeste do estado de São Paulo, para as quais o centro de referência é a cidade de Botucatu. O protocolo da pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).

Os participantes foram determinados por sorteio, levando em conta o local de moradia, tendo por base os setores censitários do IBGE (Censo, 2000). Foi estabelecido o tamanho amostral com 8010 indivíduos, tendo sido examinados 7654 pessoas. O tamanho amostral foi baseado no número total de habitantes da região do estudo e na prevalência histórica de cegueira e baixa visão na população analisada. Os indivíduos da pesquisa foram convidados a participar e uma consulta foi agendada.

A abordagem da população de estudo foi feita utilizando uma Unidade Oftalmológica Móvel, registrando-se dados de identificação dos participantes, história clínica, antecedentes oculares e sistêmicos. Em seguida foi realizado o exame oftalmológico que consistiu de avaliação da acuidade visual (AV), utilizando-se tabelas de Snellen para iletrados, colocada a 5 metros de distância e com boas condições de iluminação, com e sem correção óptica. O exame ocular externo foi realizado com uso de lanterna de mão. Foram registrados os valores de refratometria estática e dinâmica, utilizando autorrefrator (Topcon KR-7000, Japão) e foróptero (Topcon VT10, Japão). A avaliação biomicroscópica foi realizada utilizando lâmpada de fenda (Shin-Nippon, Japão) e para a fundoscopia indireta utilizou-se lente de Volk 90D (Mentor, USA).

Nos indivíduos com idade abaixo de 40 anos, a cicloplegia foi obtida instilando-se uma gota de colírio ciclopentolato (Cicloplégico, Allergan, São Paulo- Brasil), com exame realizado após 30 minutos.

Foram considerados emétropes os indivíduos com componente esférico entre -0,50 e +0,50, como hipermétropes com grau maior que +0,50 e astigmatas os com grau menor que -0,50.

Todos os dados obtidos foram categorizados e transferidos para tabela Excel, recebendo tratamento estatístico para análise de frequência de ocorrência dos fenômenos observados.

RESULTADOS

Foram encontrados 12 casos de calázio na população geral da região do centro-oeste paulista, resultando em 1,56% de frequência de ocorrência da afecção.

Avaliando-se as características dos portadores, 11 (91,7%) indivíduos eram do sexo feminino, com grande variação na idade de acometimento, entre 31 a 77 anos.

Nove (75%) casos foram observados do lado direito sendo a queixa principal a sensação de corpo estranho, referida por 33%. Não houve associação do calázio com doenças sistêmicas ou locais.

A acuidade visual (AV) apresentada (sem correção) foi > 0,7 em 25%, entre 0,3 e 0,7 em 66,7% e < 0,05 em 8,3% dos casos. Quando avaliada AV corrigida, 91,7% apresentavam AV>0,7 e 8,3% entre 0,3 e 0,05 (figura 1).

Figura 1:
Distribuição da acuidade visual (AV) não corrigida e com a melhor correção óptica em portadores de calázio

O exame refracional mostrou que 58,3% dos portadores de calázio eram emétropes, 33% apresentavam hipermetropia (variando de +1 a +3,75) e 41,7% apresentavam astigmatismo (variando de -0,50 a -2,00). O tratamento instituído foi a prescrição de correção óptica para 41,7% e 75% foram encaminhados para tratamento cirúrgico (figura 2).

Figura 2:
Distribuição dos portadores de calázio com relação ao erro de refração e tratamento adotado

DISCUSSÃO

O principal valor do presente estudo foi utilizar avaliação aleatorizada dos participantes, o que permitiu conhecer a frequência de ocorrência do calázio na população geral. Esta lesão que é bastante frequente nos consultórios oftalmológicos, quando pesquisada em amostra que não é a de conveniência, possui baixa prevalência.

A lesão foi predominante no sexo feminino, como descrito em outros estudos(99 Nemet AY, Vinker S, Kaiserman I. Associated morbidity of chalazia. Cornea. 2011;30(12):1376-81.,1010 Netto AA, Rolim APQ, Müller, TPS. Prevalência de doenças palpebrais no serviço emergencial de oftalmologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. Arq Catarin Med. 2006;35(4):64-9.).

Houve variação importante da idade do portador, com predomínio em idosos, o que surpreendeu, já que o calázio é tido como uma afecção que ocorre mais em jovens(99 Nemet AY, Vinker S, Kaiserman I. Associated morbidity of chalazia. Cornea. 2011;30(12):1376-81.,1010 Netto AA, Rolim APQ, Müller, TPS. Prevalência de doenças palpebrais no serviço emergencial de oftalmologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. Arq Catarin Med. 2006;35(4):64-9.).

Não houve relação da presença do calázio com antecedentes oculares ou sistêmicos, apesar de ser conhecida a associação com afecções como blefarite, acne rosácea e ceratite seborreica(33 Arbabi EM, Kelly RJ, Carrim ZI. Chalazion. BMJ. 2010;341:c4044.,99 Nemet AY, Vinker S, Kaiserman I. Associated morbidity of chalazia. Cornea. 2011;30(12):1376-81.,1111 Bagheri A, Hassani HR, Karimian F, Abrishami M, Yazdani S. Effect of chalazion excision on refractive error end corneal topography. Eur J Ophthalmol. 2009;19(4):521-6.).

A acuidade visual não corrigida foi maior que 0,3 para 91,7% dos portadores de calázio. Com a melhor correção óptica houve melhora da AV, que ficou acima de 0,7 em 91,7% dos indivíduos.

É clássica a associação do calázio com erros refrativos de baixo grau. Quando se trata de lesões de repetição, as ametropias frequentemente estão associadas. O presente estudo confirma esta associação, tendo sido observado o astigmatismo e a hipermetropia frequentemente associados com a presença do calázio, inclusive com necessidade de correção óptica. Além disso, o astigmatismo pode ser induzido pelo calázio, principalmente quando localizado na pálpebra superior, por provocar achatamento e deformidade corneana(1212 Santa Cruz CS, Culotta T, Cohen EJ, Rapuano CJ. Chalazioninduced hyperopia as a cause of decreased vision. Ophthal Surg Lasers. 1997;28(8):683-4.,1313 Honda M, Honda K. Spontaneus resolutions of chalazion after 3 to 5 years. Eye Contact Lens. 2010;36(4):230-2.).

Apesar de alguns casos apresentarem melhora com medidas conservadoras, tais como compressas quentes e úmidas33 Arbabi EM, Kelly RJ, Carrim ZI. Chalazion. BMJ. 2010;341:c4044.,44 Gilchrist H, Lee G. Management of chalazia in general practice. Aust Fam Physician. 2009;38(5):311-4.,55 Duarte AF, Moreira E, Nogueira A, Santos P, Azevedo F. Chalazion surgery: advantages of a subconjunctival approach. J Cosmet Laser Ther. 2009;11(3):154-6.,1414 Nemet AY, Vinker S, Kaiserman I. Associated morbidity of blepharitis. Ophthalmology. 2011;118(6):1062-8., o tratamento clínico é efetivo apenas na fase inflamatória aguda, ou seja, nos hordéolos. Na fase crônica, quando já se instalou o processo granulomatoso, somente os calázios pequenos podem apresentar resolução espontânea. Na amostra aqui estudada, houve indicação de exérese cirúrgica para a grande maioria dos casos, ficando sem a indicação de remoção os portadores de lesões pequenas.

CONCLUSÃO

O calázio ocorreu em 1,56‰ dos habitantes da região estudada, predominantemente em mulheres, com grande variação de idade de acometimento. Houve associação importante com baixas ametropias, sendo necessárias prescrição de correção óptica e cirurgia em número expressivo de casos.

  • Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – Botucatu (SP), Brasil

REFERÊNCIAS

  • 1
    Onesti MG, Troccola A, Maruccia M, Conversi A, Scuderi G. Suspected spinocellular carcinoma of the inferior eyelid resulted multiple chalazion. Ann Ital Chir. 2013;23:84(ePub). pii: S2239253X13019592.
  • 2
    Matayoshi S, Forno EA, Moura EM. Manual de cirurgia plástica ocular. São Paulo: Roca, 2004. 370p.
  • 3
    Arbabi EM, Kelly RJ, Carrim ZI. Chalazion. BMJ. 2010;341:c4044.
  • 4
    Gilchrist H, Lee G. Management of chalazia in general practice. Aust Fam Physician. 2009;38(5):311-4.
  • 5
    Duarte AF, Moreira E, Nogueira A, Santos P, Azevedo F. Chalazion surgery: advantages of a subconjunctival approach. J Cosmet Laser Ther. 2009;11(3):154-6.
  • 6
    Pavan-Langston D. Manual de Oftalmologia - diagnóstico e tratamento. 4 ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 2001. 592p.
  • 7
    Pereira PR, Odashiro AN, Rodrigues-Reyes AA, Correa ZM, de Souza Filho JP, Burnier MN Jr. Histopathological review of sebaceous carcinoma of the eyelid. J Cutan Pathol. 2005;32(7):496-501.
  • 8
    Ozdal PC, Codère F, Callejo S, Caissie AL, Burnier MN. Accuracy of the clinical diagnosis of chalazion. Eye (Lond). 2004;18(2):135-8.
  • 9
    Nemet AY, Vinker S, Kaiserman I. Associated morbidity of chalazia. Cornea. 2011;30(12):1376-81.
  • 10
    Netto AA, Rolim APQ, Müller, TPS. Prevalência de doenças palpebrais no serviço emergencial de oftalmologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. Arq Catarin Med. 2006;35(4):64-9.
  • 11
    Bagheri A, Hassani HR, Karimian F, Abrishami M, Yazdani S. Effect of chalazion excision on refractive error end corneal topography. Eur J Ophthalmol. 2009;19(4):521-6.
  • 12
    Santa Cruz CS, Culotta T, Cohen EJ, Rapuano CJ. Chalazioninduced hyperopia as a cause of decreased vision. Ophthal Surg Lasers. 1997;28(8):683-4.
  • 13
    Honda M, Honda K. Spontaneus resolutions of chalazion after 3 to 5 years. Eye Contact Lens. 2010;36(4):230-2.
  • 14
    Nemet AY, Vinker S, Kaiserman I. Associated morbidity of blepharitis. Ophthalmology. 2011;118(6):1062-8.
  • Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – Botucatu (SP), Brasil
  • Errata

    No artigo científico “Calázio e características demográficas dos portadores em uma amostra populacional” dos autores: Marjorie Fornazier do Nascimento, Ana Claudia Viana Wanzeler, Roberta Lilian Fernandes Sousa, Larissa Horikawa Satto, Carlos Roberto Padovani, e Silvana Artioli Schellini, publicado na Revista Brasileira de Oftalmologia na edição de julho-agosto 2015 (Rev Bras Oftalmol. 2015; 74 (4): 222-4), na página 222, no resumo no item resultados onde se lê: 156%, leia-se: 156‰. Na página 223, em Resultados, primeiro parágrafo onde se lê: 156%, leia-se: 156‰. Na página 224, na Conclusão, primeiro parágrafo onde se lê: 156%, leia-se: 156‰.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2014
  • Aceito
    23 Out 2014
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