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Uso da dorzolamida tópica em paciente portador de retinosquise juvenil ligada ao X

Use of topical dorzolamide in patient with X-linked juvenile retinoschisis

Resumos

A retinosquise juvenil ligada ao cromossomo X é uma degeneração vítreorretiniana hereditária e recessiva. Sua manifestação ocular é a maculopatia cística bilateral e a delaminação das camadas de fibras nervosas da retina. Nenhuma intervenção terapêutica se mostrou eficiente para estabilizar a acuidade visual nestes pacientes. O artigo relata o caso clínico de um paciente portador de retinosquise juvenil ligada ao cromossomo X, que foi tratado com o uso tópico da dorzolamida, um colírio inibidor da anidrase carbônica.

Retinosquise; Retinosquise; Sulfonamidas; Relatos de casos


X-linked juvenile retinoschisis is a hereditary and recessive vitreous-retinal disease. The main ophthamic manifestation is the bilateral macular cystic-like stellate maculopathy and splitting of the retina between the nerve fiber and ganglion cell layers. There were no treatments with efficacy in order to estabilize the visual acuity in the affected patients. This article presents a clinical case of a patient with a bilateral X- linked juvenil retinoschisis who was treated by the use of topical dorzolamide, a carbonic anhydrase inhibitor.

Retinoschisis; Macular edema; Sulfonamides; Case reports


RELATO DE CASO

Uso da dorzolamida tópica em paciente portador de retinosquise juvenil ligada ao X

Use of topical dorzolamide in patient with X-linked juvenile retinoschisis

Luiza Müller CayeI; Pierre Horta BarbosaII; Karin Linck ScheidI; Isabel Habeyche CardosoIII; João Borges Fortes FilhoIV

IMédicos residentes do Curso de Especialização em Oftalmologia do Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

IIMédico residente do Curso de Especialização em Oftalmologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

IIIPreceptora do Setor de Doenças da Retina e Vítreo do Curso de Especialização em Oftalmologia do Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

IVDoutor Professor de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre (RS), Brasil; Coordenador do Curso de Especialização em Oftalmologia do Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

RESUMO

A retinosquise juvenil ligada ao cromossomo X é uma degeneração vítreorretiniana hereditária e recessiva. Sua manifestação ocular é a maculopatia cística bilateral e a delaminação das camadas de fibras nervosas da retina. Nenhuma intervenção terapêutica se mostrou eficiente para estabilizar a acuidade visual nestes pacientes. O artigo relata o caso clínico de um paciente portador de retinosquise juvenil ligada ao cromossomo X, que foi tratado com o uso tópico da dorzolamida, um colírio inibidor da anidrase carbônica.

Descritores: Retinosquise, Edema macular/quimioterapia; Sulfonamidas/uso terapêutico ; Relatos de casos

ABSTRACT

X-linked juvenile retinoschisis is a hereditary and recessive vitreous-retinal disease. The main ophthamic manifestation is the bilateral macular cystic-like stellate maculopathy and splitting of the retina between the nerve fiber and ganglion cell layers. There were no treatments with efficacy in order to estabilize the visual acuity in the affected patients. This article presents a clinical case of a patient with a bilateral X- linked juvenil retinoschisis who was treated by the use of topical dorzolamide, a carbonic anhydrase inhibitor.

Keywords: Retinoschisis; Macular edema/drug therapy; Sulfonamides/therapeutic use; Case reports

INTRODUÇÃO

A retinosquise juvenil é uma desordem vítreorretiniana relativamente rara caracterizada por diminuição da acuidade visual (AV) na primeira década de vida, presença de lesões foveais císticas observadas ao exame de fundo de olho e por uma redução seletiva ou predominante da onda b na eletrorretinografia. Trata-se de uma doença de caráter recessivo ligado ao X, sendo a causa mais comum de degeneração macular juvenil em homens(1,2). Estima-se sua prevalência em 1:5000 a 1:25000(3).

Mutações em um único gene, RS1, têm sido descritas nos pacientes acometidos.(4) Esse gene codifica uma proteína composta por 224 aminoácidos, a retinosquisina, sintetizada no segmento interno dos fotorreceptores. Essa proteína proporciona adesão entre as células retinianas, interação entre as células da camada nuclear interna, bem como conexão sináptica entre fotorreceptores e células bipolares, mantendo a estrutura retiniana(5,6). Na retinosquise juvenil, a disfunção da retinosquisina leva ao seu acúmulo nas camadas retinianas internas (7-9), com consequente formação de espaços císticos nas camadas nuclear interna e plexiforme externa observados na tomografia de coerência óptica (OCT)(10,11).

Nenhuma intervenção terapêutica tem se mostrado efetiva para estes pacientes. O uso de inibidores da anidrase carbônica tem se mostrado efetivo na melhora do edema macular cistóide em pacientes com retinite pigmentosa(12-14) e alguns autores estão tentando demonstrar a eficácia destas drogas no tratamento das lesões foveais císticas na retinosquise juvenil(15).

Nós descrevemos o caso de um paciente com retinosquise juvenil tratado com inibidor da anidrase carbônica tópico e observado quanto à melhora da AV e aparência das lesões foveais císticas pelo exame de tomografia de coerência óptica (OCT 3D).

Relato de Caso

Paciente masculino, branco, com idade de 38 anos, compareceu a exame oftalmológico em 2007 por dificuldades de visão nos dois olhos desde a idade escolar. Não tinha diagnósticos e não havia realizado tratamentos até o momento. Mencionava ter um irmão com as mesmas dificuldades de visão e negava história de traumatismos ou doenças inflamatórias oculares anteriores. Por ocasião do exame inicial constatou-se AV de 0,1 em cada olho com a correção óptica de + 6,00 D esféricas nos dois olhos. A biomicroscopia e as pressões intraoculares eram normais em ambos os olhos (AO). No exame de fundo de olho, o paciente apresentava regiões maculares com aspecto cístico, semelhante à maculopatia estrelada. O estudo angiofluoresceinográfico demonstrou acúmulo de corante nos espaços císticos das regiões maculares em AO. O OCT 3D (figura 1) confirmou a presença de espaços císticos nas regiões maculares em AO, com clivagem da retina da camada plexiforme externa para a interna. Foi prescrito colírio de dorzolamida 2# em 3 instilações diárias em AO.


Após 3 meses dos exames iniciais, o paciente retornou mostrando-se satisfeito com a melhora da capacidade visual nos dois olhos. O novo exame revelou AV de 0,4 em AO. Novo exame de OCT mostrou regressão importante dos espaços císticos em AO (figura 2). O quadro segue inalterado desde então, com o paciente ainda utilizando o colírio de dorzolamida 2%.


DISCUSSÃO

A retinosquise juvenil ligada ao X caracteriza-se pela deterioração da AV entre cinco e dez anos de idade e pela delaminação da retina sensorial com formação de cistos entre as camadas plexiforme externa e interna. A perda visual é lentamente progressiva e a maioria dos pacientes mantém uma visão relativamente boa até a quinta ou sexta décadas de vida, quando desenvolvem atrofia macular.

Inibidores da anidrase carbônica, classicamente utilizados como hipotensores oculares, têm sido indicados para o tratamento de algumas doenças retinianas. Resultados favoráveis no tratamento do edema macular cistóide de diversas etiologias como uveítes, pós-operatório de cirurgia de catarata, retinose pigmentar e coroidite serpiginosa já foram descritos(16).

Recentemente, alguns estudos estão tentando determinar a importância da dorzolamida tópica no tratamento das lesões foveais da retinosquise juvenil ligada ao X(3,15).

De acordo com a literatura, o mecanismo exato pelo qual os inibidores da anidrase carbônica agem favoravelmente na retinosquise juvenil não está totalmente elucidado. É possível que a acidificação do espaço sub-retiniano induzida por essas facilite a reabsorção de fluidos pelas células do epitélio pigmentar da retina, aumentando a adesividade retiniana.

Em nosso estudo, observamos importante melhora na aparência das lesões foveais císticas no OCT do paciente com retinosquise juvenil tratado com dorzolamida tópica. Nos casos não responsivos à droga, os espaços císticos podem representar alterações estruturais permanentes e irreversíveis do tecido retiniano, como já descrito por Marsha e colaboradores(15). Ressaltamos que nosso paciente também obteve melhora da AV que vem se mantendo durante mais de nove meses de seguimento. Isto, entretanto, pode não ocorrer em todos os casos em que há melhora do aspecto clínico das lesões. Nem sempre a melhora anatômica corresponde à melhora visual.

Recebido para publicação em: 8/12/2009

Aceito para publicação em 23/2/2010

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  • Endereço para Correspondência:
    Prof. Dr. João Borges Fortes Filho
    Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre
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    CEP 91360-090 – Porto Alegre (RS), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Dez 2009
    • Aceito
      23 Fev 2010
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