Aprimorando o processo de ensinar e aprender o cuidado domiciliar

RESUMO

Objetivo:

apontar possibilidades de aprimoramento no processo de ensinar e aprender o cuidado domiciliar nos cursos de enfermagem, farmácia, medicina, nutrição, odontologia e terapia ocupacional.

Método:

pesquisa qualitativa, que utilizou a Teoria Fundamentada nos Dados como método. Foram realizadas 63 entrevistas semiestruturadas com discentes, docentes e egressos dos seis cursos mencionados de uma universidade pública do sul do país. A análise dos dados ocorreu por meio da codificação aberta, axial e seletiva.

Resultados:

destacam-se, entre as possibilidades de aprimoramento no processo de ensinar e aprender o cuidado domiciliar, a produção científica na área, utilização de diferentes técnicas de ensino, desenvolvimento de atividades extracurriculares, projetos de extensão, reformulação curricular e simulação em laboratório.

Considerações finais:

as estratégias citadas neste estudo permitem aos cursos de graduação em saúde vislumbrar a possibilidade de incorporar ou incrementar o processo de ensinar e aprender o CD.

Descritores:
Assistência Domiciliar; Equipe de Assistência ao Paciente; Educação Superior; Ensino; Formação Profissional

ABSTRACT

Objective:

to identify possibilities for improvement in the process of teaching and learning homecare in nursing, pharmacy, medicine, nutrition, dentistry and occupational therapy courses.

Method:

qualitative research using the Grounded Theory approach. Sixty-three semi-structured interviews were conducted with students, teachers and graduates of the six mentioned courses at a public university in the south of Brazil. Data analysis was performed through open, axial and selective coding.

Results:

the possibilities for improving the process of teaching and learning homecare included: scientific production in the area; use of different teaching techniques; development of extracurricular activities; extension projects; curricular reformulation; and laboratory simulation.

Final considerations:

the strategies cited in this study enable undergraduate courses in health to envisage the possibility of enhance the process of teaching and learning homecare.

Descriptors:
Homecare; Patient Care Team; Higher Education; Teaching; Professional Training

RESUMEN

Objetivo:

señalar posibilidades de mejorar en el proceso de enseñar y aprender el cuidado domiciliar en los cursos de enfermería, farmacia, medicina, nutrición, odontología y terapia ocupacional.

Método:

pesquisa cualitativa, que utilizó la Teoría Fundamentada en los Datos como método. Fueron realizadas 63 entrevistas semi estructuradas con discentes, docentes y egresos de los seis cursos mencionados de una universidad pública del sur del país. El análisis de los datos ocurrió por medio de la codificación abierta, axial y selectiva.

Resultados:

se destacan entre las posibilidades de mejorar en el proceso de enseñar y aprender el cuidado domiciliar, la producción científica en el área, utilización de diferentes técnicas de enseñanza, desarrollo de actividades extracurriculares, proyectos de extensión, reformulación curricular y, simulación en laboratorio.

Consideraciones finales: l

as estrategias citadas en ese estudio permiten a los cursos de graduación en salud vislumbrar la posibilidad de incorporar o incrementar el proceso de enseñar y aprender el CD.

Descriptores:
Atención Domiciliaria de Salud; Grupo de Atención al Paciente; Educación Superior; Enseñanza; Capacitación Profesional

INTRODUÇÃO

A área da saúde apresenta um panorama educacional fragmentado, pois grande parte dos currículos dos cursos de graduação são divididos em ciclos básico e clínico, com organização departamental das disciplinas, com as experiências de cuidado concentradas no ciclo clínico e em ambientes hospitalares, culminando em baixa contextualização da aprendizagem⁽¹⁾.

A formação educacional nessa área necessita de corresponsabilização entre instituições formadoras e serviços de saúde, o que impacta na qualidade da formação profissional⁽²⁾. Embora as instituições de ensino superior se mobilizem para transpor as diferentes barreiras existentes, encontram muitas dificuldades ao se depararem com as políticas dessa área, que apresentam resultados limitados⁽¹⁾, destacando-se as dificuldades estruturais, metodológicas, administrativas, financeiras e, principalmente, humanas.

O cuidado hospitalar preconizado na formação biologicista tem se mostrado insuficiente para atender as demandas de saúde da população, pois cada cenário de atuação, seja ele hospitalar, domiciliar, ambulatorial, entre outros, tem especificidades para a prática e para a aprendizagem, que, muitas vezes, são intransferíveis entre si⁽¹⁾.

A Organização Mundial da Saúde, há anos, salienta a importância do cuidado domiciliar (CD) como resposta aos desafios epidemiológicos, demográficos e socioeconômicos que o mundo atravessa⁽³⁾. Nesse sentido, o Sistema Único de Saúde (SUS) vislumbra o CD, também chamado de atenção domiciliar, como

modalidade de atenção à saúde integrada às Redes de Atenção à Saúde (RAS), caracterizada por um conjunto de ações de prevenção e tratamento de doenças, reabilitação, paliação e promoção à saúde, prestadas em domicílio, garantindo continuidade de cuidados⁽⁴⁾.

No decorrer dos últimos anos, várias iniciativas de CD foram implantadas em diferentes localidades do País, como o Sistema de Internação Domiciliar do município de Londrina, no Paraná, o Núcleo de Assistência Domiciliar Interdisciplinar do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e o Programa de Atenção Domiciliar do Grupo Hospitalar Conceição, no Rio Grande do Sul, entre outros programas de internação domiciliar que são vistos "como potencial estratégia para o alcance da continuidade do cuidado"⁽⁵⁾.

Somado a esse contexto houve o lançamento do programa Melhor em Casa, em 8 de novembro de 2011⁽⁶⁾, em que se reforça que o CD estará mais presente nos municípios brasileiros e que contará com enfermeiros e médicos em suas equipes multiprofissionais de atenção domiciliar e nas equipes multiprofissionais de apoio; poderão estar presentes o farmacêutico, o nutricionista, o cirurgião-dentista, o terapeuta ocupacional, entre outros profissionais⁽⁴⁾. Assim, cada vez mais será exigida a atuação de diferentes profissionais nos domicílios, fato que requer preparo específico.

Em relação às habilidades específicas para atuação no CD, constata-se que, nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos cursos de enfermagem, farmácia, medicina, nutrição, odontologia e terapia ocupacional, não há menção explícita à formação nessa área; no entanto, são mencionadas habilidades que indicam que a formação deve estar direcionada às necessidades de saúde da população.

Além das indicações das DCNs, os próprios conselhos de classe reconhecem a existência do exercício profissional no domicílio e a necessidade de normatizá-lo. Assim, criaram, nos últimos anos, diversas resoluções que permitem direcionar a atuação no CD. Citam-se o Conselho Federal de Enfermagem⁽⁷⁾, que, em 2001, aprovou atividades de enfermagem de menor, média e alta complexidade no domicílio; o Conselho Federal de Farmácia⁽⁸⁾, que, em 2002, dispôs sobre as atribuições do farmacêutico no âmbito da assistência domiciliar; o Conselho Federal de Medicina⁽⁹⁾, que, em 2003, dispôs sobre normas técnicas necessárias à assistência domiciliar de paciente; o Conselho Federal de Nutrição⁽¹⁰⁾, que, em 2005, dispôs sobre a definição das áreas de atuação do nutricionista e suas atribuições, entre elas o atendimento domiciliar; o Conselho Federal de Odontologia⁽¹¹⁾, que, em 2002, estabeleceu as áreas de competência para atuação dos especialistas em Odontologia, indicando que pacientes com necessidades especiais podem ser atendidos em nível domiciliar; e o Conselho Federal de Terapia Ocupacional⁽¹²⁾, que, em 2012, fixou e estabeleceu os Parâmetros Assistenciais Terapêuticos Ocupacionais nas diversas modalidades, incluindo a atenção domiciliar.

Embora seja requerida a atuação interdisciplinar no domicílio, os profissionais de saúde têm uma formação incipiente para o CD, pois nem todos os cursos e instituições de ensino superior (IES) têm essa modalidade de cuidado presente nos planos de ensino⁽¹³⁾.

Assim, o objetivo deste estudo é apontar possibilidades de aprimoramento no processo de ensinar e aprender o CD nos cursos de enfermagem, farmácia, medicina, nutrição, odontologia e terapia ocupacional, tendo como referência a interpretação das potencialidades apreendidas para a formação em CD nesses cursos.

MÉTODO

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de ensino superior (IES) em que a pesquisa foi desenvolvida, atendendo as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Trata-se de pesquisa qualitativa que utilizou como método a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD). As "teorias fundamentadas, por serem baseadas em dados, tendem a oferecer melhor discernimento, melhorar o entendimento e fornecer um guia importante para ação"⁽¹⁴⁾. A construção de teorias é relevante por ocasionar desenvolvimento do campo de conhecimento, e não ser apenas um conjunto de resultados⁽¹⁴⁾.

Este artigo originou-se da tese intitulada "A vivência em ensinar e aprender o cuidado domiciliar nos cursos de graduação em saúde", que tem os seguintes objetivos: interpretar como o ensinar e aprender do cuidado domiciliar é vivenciado por discentes, docentes e egressos dos cursos de graduação em enfermagem, farmácia, medicina, nutrição, odontologia e terapia ocupacional de universidade pública do sul do País; construir uma teoria substantiva que explicite a vivência em ensinar e aprender o cuidado domiciliar nesses cursos; e propor estratégias que subsidiem a incorporação de conteúdos e práticas sobre o cuidado domiciliar nos referidos cursos. Assim, o presente artigo explicita os achados do último objetivo da tese.

Procedimentos metodológicos

O cenário de estudo

O estudo foi desenvolvido em uma IES pública do sul do País. O contato inicial com os participantes aconteceu via telefone, e-mail ou na própria IES, e a entrevista foi realizada em local escolhido pelo participante (residência, local de trabalho ou dependências da universidade).

Fonte de dados

Na TFD, a amostragem teórica se desenvolve durante o processo de coleta e análise de dados, tendo como base os conceitos que surgirem e forem significativos para a teoria evolutiva⁽¹³⁾. Nesta pesquisa, a amostragem teórica foi composta por 63 participantes, divididos em três grupos amostrais. O primeiro grupo amostral foi composto por 37 discentes do último ano dos cursos de enfermagem, farmácia, medicina, nutrição, odontologia e terapia ocupacional. O segundo grupo amostral foi composto por 16 docentes que ministram conteúdos relacionados ao CD nesses cursos; o terceiro grupo amostral foi composto por 10 egressos dos seis cursos mencionados que atuam profissionalmente no CD.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada realizada em local escolhido pelo próprio participante, no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2013. Foi elaborado um roteiro de perguntas iniciais para o primeiro grupo amostral, que passou por reformulações a cada novo sujeito entrevistado, versando as perguntas sobre o processo de ensinar e aprender o CD, com destaque para as experiências vivenciadas nessa área durante a graduação. A sequência das perguntas e a inserção de novos questionamentos foram sendo construídas com base na análise dos dados, o que garantiu que os dados coletados ao final da pesquisa confirmassem os dados iniciais.

Análise dos dados

A análise dos dados ocorreu por meio da codificação aberta, axial e seletiva, conforme preconizado pelos autores do método⁽¹⁴⁾. Na codificação aberta, os dados foram rigorosamente examinados e comparados em busca de similaridades ou diferenças. Na codificação axial, os dados foram reagrupados e relacionados às suas subcategorias. A última etapa consistiu na codificação seletiva, fase em que ocorreu o processo de integração e de refinamento da teoria com o surgimento da categoria central.

RESULTADOS

A coleta e a análise concomitante dos dados permitiram apontar possibilidades de aprimoramento no processo de ensinar e aprender o CD nos seis cursos estudados, configurando-se como uma oportunidade para a prática singular e diferenciada no domicílio.

A parte inicial dos dados refere-se às individualidades de cada curso, por ter diferentes formas de ensinar e praticar o CD, não sendo possíveis generalizações que poderiam tornar inverídicas as informações.

O curso de enfermagem está na vanguarda das produções científicas relacionadas ao CD. Existem vários livros, capítulos de livros, artigos científicos, monografias, dissertações e teses publicadas, sendo o assunto regularmente discutido em grupo de pesquisa.

A forma como a professora sensibiliza o assunto é importante também, pois tem aluno que não tem tato para lidar com as pessoas, para lidar com o ambiente, para lidar com o contexto, não se sensibiliza com aquilo, e isso é importante, eu acho importante, eu me sensibilizo e eu acho que é super importante você ver o que está de errado [...] você sai com uma visão do cuidado domiciliar, eu acho uma pena que nem todos os cursos tenham [carga horária específica para o cuidado domiciliar]. (Participante do Curso de Enfermagem)

O curso de farmácia utiliza diferentes técnicas de ensino, como o role playing game, que é um jogo de representação de papéis, em que os discentes simulam que um é o paciente e o outro é o farmacêutico. O discente, que representa o paciente, pode trazer informações reais sobre a terapia medicamentosa de familiares ou pessoas que ele conhece, e o discente, que representa o farmacêutico, terá que prestar a assistência farmacêutica com foco nas ações a serem desenvolvidas pelo paciente no domicílio. O docente fará, ao final, uma análise crítica da situação apresentada pelos discentes.

A gente fez uma técnica que se chama role playing [...] um dos alunos simula que é um paciente num determinado caso e a gente tenta atender o paciente na hora, [...] com o livro na mão ali para dar uma olhada se precisar, vai tentar conversar com ele, passar todas as informações, e depois o professor dá um feedback, vai acompanhando e dá um feedback para ver o que poderia ter sido falado, se esqueceu de falar determinada coisa. (Participante do Curso de Farmácia)

O curso de medicina permite que, durante o período de internato, o acadêmico escolha que atividades irá desenvolver. Entre as atividades possíveis, há um curso em saúde da família em outra IES que aborda questões referentes ao CD com discussões teóricas e desenvolvimento da prática com realização de visitas domiciliares.

Durante os dois últimos anos do curso, a gente tem uma possibilidade de fazer cursos fora, aí eu escolhi fazer [...] um treinamento com médicos de família, dentro de uma especialização própria [...] lá eu tive orientação do que tem que fazer na visita domiciliar, como é que você faz com as medicações, o que você tem que organizar, o que você tem que levar para visita. (Participante do Curso de Medicina)

O curso de nutrição tem diferentes projetos de extensão que envolvem questões relacionadas à terapia nutricional enteral domiciliar, bem como atividades de personal diet. Embora as ações de personal diet sejam direcionadas para um público mais seleto, é uma oportunidade de entrada no domicílio.

Tem o projeto Personal Diet[...] em que você vai a um domicílio fazer uma visita [...] vê a geladeira da pessoa, dá dicas. (Participante do Curso de Nutrição)

O curso de odontologia estava passando por uma reformulação curricular durante o período desta pesquisa. Nessa reformulação, estava prevista a ampliação da disciplina de saúde coletiva para quatro períodos ao longo da graduação - primeiro, segundo, quinto e oitavo períodos -, ampliando o número das visitas domiciliares, que são a oportunidade dos discentes se aproximarem do CD.

O cuidado domiciliar ou a visita domiciliar é algo novo na odontologia; inclusive, buscamos embasamento teórico na literatura da enfermagem. (Participante do Curso de Odontologia)

O curso de terapia ocupacional tem laboratório com cozinha e banheiro adaptados, que simulam a realidade do domicílio. Nesse laboratório, os acadêmicos conseguem desenvolver aulas práticas de CD, simulando situações que podem ser encontradas quando estão no domicílio.

A gente tem uma cozinha adaptada, tem [...] banheiro adaptado, para que a gente possa realmente treinar diante de diferentes déficits ou situações clínicas. (Participante do Curso de Terapia Ocupacional)

Além das possibilidades de fortalecimento no processo de ensinar e aprender o CD mencionadas em cada curso, serão apresentadas outras ações apontadas pelos participantes desta pesquisa, mencionadas genericamente para todos os cursos. Entre elas, destaque é dado para a necessária ampliação das oportunidades de realização de prática nos domicílios.

Assim, a carga horária para estágios e/ou aulas práticas nessa modalidade deve ser ampliada para que os acadêmicos possam retornar ao domicílio para acompanhar a evolução do paciente e estabelecer vínculos com ele e também com familiares e cuidadores. Ressalta-se que o cuidador e a família são essenciais no CD, porém só é possível utilizar ao máximo as potencialidades desses indivíduos se houver convivência e parcerias entre estes e os acadêmicos.

Eu acho que precisaria mais prática [...] seria mais produtivo, teria um pouco mais de conhecimento, a discussão seria melhor, então eu acho que deveria ter mais. (Participante do Curso de Enfermagem)

Fortalecer parcerias com equipes do Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD), com as unidades de atenção primária e com empresas privadas de home care possibilita novos campos de estágio, com realidades geográficas, econômicas e sociais distintas.

[...] eles inseridos como estagiários dentro da unidade de saúde [...] ainda não tem isso [...] existe um plano, mas depende de parcerias, que são fundamentais. (Participante do Curso de Farmácia)

No domicílio, o ideal não é que cada profissional aja de maneira isolada, mas de forma integrada, com discussões de caso e um agir conjunto, pensando na totalidade de pacientes, familiares e cuidadores. Assim, a realização de estágio em CD oportuniza aos acadêmicos a vivência em equipes multidisciplinares, que devem desenvolver uma ação interdisciplinar, almejando a transdisciplinaridade.

Eu acho que seria mais interessante visualizar as áreas integradas. A odontologia ver o trabalho da enfermagem ou da medicina, todos trabalhando juntos. (Participante do Curso de Odontologia)

Para que essa visão transdisciplinar do CD seja ampliada, são necessários docentes experts na área, pois eles podem despertar os acadêmicos para a percepção de particularidades presentes no CD e da necessidade de atuação transdisciplinar.

Eu percebo que poderia ser aprimorado [o ensino do cuidado domiciliar] com contratação ou disponibilização de professores com vivência na área de saúde de família.(Participante do Curso de Medicina)

É apontada ainda pelos participantes a necessidade de promover discussões que visem ao aprimoramento da regulamentação, implantação e execução do CD nas iniciativas públicas e privadas, bem como discussões para readequações dos currículos dos cursos, o que permitirá avanços na formação profissional para atuação no CD.

[...] nos reunimos semanalmente, são reuniões exaustivas, discutimos disciplina por disciplina, período a período, negociando carga horária [...] vamos conseguir contemplar a questão do cuidado domiciliar. (Participante do Curso de Nutrição)

As propostas de aprimoramento citadas visam contribuir com o processo de ensinar e aprender o CD, possibilitando aos futuros profissionais dos seis cursos estudados uma formação capaz de prepará-los para atuar nos domicílios de forma mais segura, com foco nas singularidades de cada paciente, familiar e cuidador.

DISCUSSÃO

Mudanças na formação dos profissionais de saúde são mundialmente discutidas desde a década de 1970. No Brasil, essa discussão ganhou destaque a partir de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, prosseguindo nos anos 2000 com as DCNs⁽¹⁵⁾. A reorganização da formação dos profissionais de saúde enfrenta muitos desafios e obstáculos para sua consolidação⁽¹⁶⁾; no entanto, esse processo de modificação da formação dos profissionais de saúde é essencial para a consolidaçãodo SUS⁽¹⁾.

Assim, ampliar os cenários de ensino para a formação de profissionais é uma necessidade para a concretização de mudanças⁽¹⁶⁾, destacando-se, nesse sentido, a importância do ensino do CD nos cursos de graduação em saúde, por se tratar de uma demanda de cuidado crescente na população brasileira.

O estágio supervisionado no domicílio torna-se importante para a formação generalista que se espera do profissional de saúde na atualidade, com um atendimento domiciliar multiprofissional⁽¹⁷⁾ e intersetorial como forma de enfrentamento ao atual perfil demográfico e epidemiológico da população brasileira⁽¹⁾.

A configuração intersetorial do CD requer profissionais formados dentro de uma perspectiva interdisciplinar, que percebam a "importância de atuar em múltiplas frentes e campos do saber". O ensino na comunidade é uma dessas frentes, por proporcionar oportunidades diversas de aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de atitudes e habilidades⁽¹⁶⁾ com combinação de diferentes estratégias de ensino.

Entre essas diferentes estratégias, este estudo constatou que a simulação é utilizada para o ensino no CD. Existem muitos benefícios da utilização da simulação como estratégia de ensino, a saber: permitir ao acadêmico a combinação de habilidades técnicas com a dimensão expressiva do cuidado; estimular a reflexão sobre a prática clínica; e apresentar situações que podem ser difíceis de ser encontradas nos locais de estágio. Tais benefícios proporcionam a rápida absorção, pelos currículos, do uso da simulação no preparo dos estudantes para a prática como forma de complementar as experiências de estágio^(18-19).

Para que a simulação se concretize em uma valiosa estratégia de ensino, são necessários indicadores de qualidade como alinhamento da simulação aos objetivos curriculares; utilização de tecnologias e abordagens que considerem a fidelidade do ambiente reproduzido; preparação e orientação dos estudantes para esse tipo de atividade, como a familiarização com manequins e equipamentos; formação adequada dos facilitadores que acompanharão a simulação; capacidades tecnológicas, como o uso de manequins; e realização de discussões, que deve acontecer imediatamente após a simulação para facilitar a reflexão sobre a prática, autoavaliação e feedback da experiência⁽¹⁸⁾.

A combinação de estratégias também é estimulada, como, por exemplo, a junção da simulação com o role-playing⁽¹⁹⁾. O uso de diferentes estratégias metodológicas pode auxiliar a superar a fragmentação e a compartimentalização do conhecimento, que, historicamente, foi dividido em disciplinas, sendo um desafio para as IES⁽²⁰⁾.

Embora as simulações sejam riquíssimas, o CD deve ser um campo de estágio ofertado aos acadêmicos, mesmo que por um período curto, para permitir que eles possam decidir se gostariam de trabalhar nessa área. Os acadêmicos que fazem estágio nos domicílios consideram a experiência benéfica⁽²¹⁾. Ademais, no domicílio tem-se a oportunidade de trabalhar todas as etapas do ciclo de vida (saúde da criança, saúde da mulher, saúde mental, saúde da família, entre outros), constituindo-se campo para todas as áreas.

Desenvolver projetos de extensão em CD é um diferencial nos cursos de graduação, por inserir os acadêmicos na realidade encontrada nos domicílios e permitir a criação de vínculos com pacientes, familiares e cuidadores, já que uma das características desses projetos é que permaneçam inseridos na comunidade, trabalhando com situações reais, estimulando, assim, o estudante a se especializar na área em que o projeto foi desenvolvido. Nesse sentido, a ampliação de atividades realizadas no CD, desenvolvidas pelo Pet-Saúde, hoje GraduaSUS, também aproximará os acadêmicos da realidade encontrada nos domicílios.

Destaca-se que existem projetos de extensão que visam inserir acadêmicos de diferentes cursos de graduação da área da saúde, de forma integrada e interdisciplinar, na prestação do CD para a promoção da saúde, a reabilitação de danos, de agravos e prevenção de doenças⁽²²⁾.

Com a realização de projetos de extensão em CD, os acadêmicos têm um ambiente de ensino inovador e conseguem "enxergar na prática o que a literatura descreve, por vezes, como longínquo", intervindo e gerando modificações com o cuidado realizado em domicílio⁽²²⁾.

Além dos conhecimentos teóricos e habilidades clínicas, é preciso conhecer vários tipos de tecnologia, pois muitas empresas de CD adotam sistemas de telehomecare para monitorar e gerenciar os pacientes em suas casas, sendo uma oportunidade para a gestão de doenças crônicas. Assim, existem possibilidades de crescimento do telehomecare e de outras inovações, sendo necessário estar preparado para isso⁽²³⁾. No Brasil, há o Telessaúde, que oferece, aos profissionais e trabalhadores das Redes de Atenção à Saúde no SUS, serviços de teleconsultoria, telediagnóstico, tele-educação e segunda opinião formativa, que podem contribuir com o trabalho do profissional no domicílio⁽²⁴⁾.

Destaca-se a necessidade de continuação da construção do arcabouço de conhecimentos em CD com a participação dos diferentes cursos da área da saúde, pois, embora sejam encontrados muitos aspectos em comum, cada curso tem suas características e determinado olhar para as ações que são realizadas no domicílio. Essa construção será facilitada com o fortalecimento de grupos de pesquisa que trabalhem com o CD e a ampliação de projetos nos cursos de pós-graduação e iniciação científica em CD.

Além de permitir ao acadêmico a participação em atividades extracurriculares, é fundamental desenvolver essas oportunidades, como, por exemplo, a criação de cursos ou de disciplinas sobre CD abertos a acadêmicos de diferentes IES.

As reformulações curriculares são necessárias e dão início à reconstrução de currículos desligados da realidade vivenciada. No momento da elaboração dessas reformulações, é preciso considerar que o CD é uma realidade presente no sistema de saúde e uma área de atuação de cada uma das seis profissões estudadas. Assim, seu conteúdo deve fazer parte da grade horária dos cursos, preferencialmente em uma disciplina específica ou em carga horária específica e adequada inserida em outra disciplina, com inclusão dessa área nas ementas das disciplinas que abordarem o tema.

Além das possibilidades de aprimoramento mencionadas, as IES devem considerar as necessidades de aprendizagem, que são únicas de cada acadêmico, o desenvolvimento adequado do corpo docente e a incorporação das melhores práticas educacionais⁽²⁵⁾.

Limitações do estudo

As limitações desta pesquisa estão relacionadas à impossibilidade de generalização de determinados dados, que são específicos para cada curso, o que gerou diferentes formas de apresentar os achados da pesquisa. As potencialidades de cada curso são possibilidades de aprimoramento do processo de ensinar e aprender o CD, que devem ser explicitadas para que os demais cursos percebam diferentes formas de aprimorar esse processo, não tendo sido possível fazer generalizações.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

A demanda por CD é crescente no sistema de saúde brasileiro, o que exige profissionais qualificados para realizá-lo. Assim, as contribuições desta pesquisa para a prática profissional em saúde decorrem da visão ampliada sobre as peculiaridades do CD, permitindo aos futuros profissionais a compreensão da sua multidimensionalidade. Os achados desta pesquisa contribuem para as IES com diferentes sugestões para a incorporação ou incremento do ensino do CD nos cursos de graduação em saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O domicílio é um potencial cenário para construção de saberes na área da saúde, que merece ser valorizado durante a formação dos profissionais. No entanto, o processo formativo nessa área não tem conseguido acompanhar, com igual velocidade, os avanços presentes nessa modalidade de atenção à saúde, tendo sido constatado, nesta pesquisa, que a formação dos profissionais de saúde que atuam no CD precisa ser fortalecida. A graduação na área da saúde deve permitir aos acadêmicos a vivência do cuidado em ambiente domiciliar com experiências e discussões multiprofissionais, em diferentes domicílios, com realidades diversificadas.

Assim, as estratégias citadas neste estudo permitem aos cursos de graduação em saúde vislumbrar a possibilidade de incorporar ou incrementar o processo de ensinar e aprender o CD; no entanto, não há pretensão de que tais estratégias sejam incorporadas em sua amplitude, sendo as propostas aqui elencadas possibilidades para novas descobertas nesse processo.

FOMENTO

Pesquisa financiada pela Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Jan-Feb 2018

Histórico

• Recebido
  11 Out 2016
• Aceito
  03 Mar 2017