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As diversas faces da Integridade em Pesquisa: por uma Enfermagem íntegra!

Recentemente, tivemos oportunidade de participar da 4ª Conferência Mundial de Integridade em Pesquisa, no Rio de Janeiro. Para nós, pesquisadores, docentes, autores, pareceristas e editores científicos de periódicos de Enfermagem foi um evento divisor de águas: de ora em diante precisamos apertar o passo para alcançar as áreas que já têm as questões de Integridade em Pesquisa discutidas e ensinadas no cotidiano da formação de pesquisadores em todos os níveis.

Em quatro dias de evento, muitas das diversas faces da Integridade em Pesquisa foram mostradas nas sessões plenárias temáticas e nas paralelas. Segundo o Boletim da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC), o evento contou com a participação de pesquisadores de 44 países, de diferentes áreas do conhecimento, com bastante ênfase na biomedicina. Identificamos poucas colegas da Enfermagem presentes no evento, apenas brasileiras, de três periódicos: Revista Brasileira de Enfermagem, Revista da Escola de Enfermagem da USP e Escola Anna Nery Revista de Enfermagem.

Enganam-se os que pensam que má conduta em pesquisa (por oposição à integridade em pesquisa) está restrita aos aspectos mais comuns como autoria, plagiarismo e fatiamento de produto. A má conduta atinge proporções extremamente graves, como por exemplo no seguinte caso: pesquisadores anunciaram resultados de pesquisa inteiramente inventados, sem nenhuma base real e correta. A descoberta trouxe, em primeira mão, avanços em terapêutica medicamentosa e novos investimentos para desenvolver a terapêutica. Quando enfim ficou provado que a pesquisa nunca existiu, era fruto de má conduta de uma pesquisadora, mas muitos danos diretos e indiretos já haviam ocorrido. Em situações como esta, todo o sistema (desde os órgãos financiadores, o centro de pesquisa, a universidade, o grupo ou departamento de pesquisa, o laboratório, enfim tudo) fica sub judice. Sem falar em perdas financeiras gigantescas e no retrocesso das pesquisas de mesma temática. É uma das consequências do imperativo de publicar, valorizando a quantidade em detrimento da qualidade, uma política perversa que é aplicada também no Brasil. Já temos denunciado o seu efeito deletério às pesquisas e aos pesquisadores da Enfermagem. Na contramão disso, a formação e a educação para a Integridade em Pesquisa em Enfermagem deverá ter lugar de destaque. Nós, editoras científicas de periódicos de Enfermagem, vimos detectando exatamente as más condutas dos pesquisadores nas três formas mais comumente cometidas, a saber.

Má conduta de autoria: é quando se considerada como "presente" o fato de nominar pessoas que ocupam cargos administrativos em processos de produção de pesquisa, tais como coordenadores de programas de pós-graduação, de graduação, ou chefes de laboratórios clínicos ou de pesquisa. Temos recebido manuscritos originários de pesquisas singelas, como um estudo descritivo bastante local ou focal, de um nível equivalente a trabalho de conclusão de curso de graduação, com oito autores. Às vezes, recebemos até mesmo manuscritos originários de trabalho de mestrado com esta quantidade grande de autores. Não é razoável que pesquisas simples de pouca complexidade tenham tantos autores. Como a Enfermagem pensa a autoria? Já existem parâmetros internacionais adotados por muitos países, é preciso que adotemos também, coibindo assim as autorias "de presente".

Plagiarismo: na nossa experiência, é a prática mais frequente de má conduta em publicação. Nosso receio é que já existia em algum nível, e que hoje, por termos mecanismos de detecção, parece que a quantidade de trabalho plagiados parece maior. Quanto à definição, citamos Rosemary Shinkai(1Shinkai RSA. Originality and plagiarism: a question of authorship in the Academy. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 Jun [cited 2015 Jun 21];48(3):388-93. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n3/0080-6234-reeusp-48-03-388.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n3/00...
) que no editorial para a Revista da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo afirmou que

apesar de não haver também uma definição única para plágio [...] adoto aqui o conceito amplo da Academia Brasileira de Ciências em seu documento sobre integridade em pesquisa: "plágio envolvendo a apropriação de ideias e do trabalho de outros sem o crédito devido" e também "autoplágio ou republicação de resultados científicos já divulgados, como se fossem novos, sem informar publicação prévia"(2Academia Brasileira de Ciências (BR). Rigor e integridade na condução da pesquisa científica: guia de recomendações de práticas responsáveis [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): ABC; 2013 [updated 2015 Jun 25; cited 2015 Jun 21]. Available from: http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-4311.pdf
http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-4311.p...
).

É uma flagrante má conduta apropriar-se de ideias de outras pessoas, sem citar e nem dar os devidos créditos às afirmações que foram copiadas. Em nossa opinião, tanto o plagiarismo pode ser acidental - no afã de construir um relatório científico ou manuscrito, copia-se a ideia de um livro ou artigo e citando-o literalmente, esquecendo-se de referir a fonte - quanto proposital. Estes últimos o fazem intencionalmente, copiando trechos de artigos ou de livros que não circulam usualmente no meio acadêmico e ao copiar trechos, referem os autores originais citados pelo artigo ou livro do qual copiou um trecho. Quer acidental ou proposital, ambos devem ser evitados, pois o resultado é o mesmo: necessidade de retratação ou a correção do artigo publicado.

A redundância ou autoplágio ocorre quando o mesmo texto é publicado pelos mesmos autores em locais diferentes sem terem sido referidos. Hoje, com a publicação eletrônica em anais de eventos, um mesmo texto pode aparecer em anais e depois ser publicado em um periódico científico. Neste caso há sempre má conduta? Depende. Quando um texto é publicado em anais de eventos científicos, a menos que o evento tenha sido hospedado em sites permanentes, os proceedings podem desaparecer ao longo do tempo. Além disso, mesmo que não desapareça rapidamente, sua divulgação é bastante restrita, geralmente aos participantes do evento. Já em um periódico científico com boa base indexadora, os artigos ficarão disponíveis por todo o tempo, e sendo de acesso aberto, passíveis de consulta por toda a comunidade, o que amplia a exposição e a divulgação dos resultados da pesquisa. A depender do evento, pode ser autorizada a publicação a posteriori, mas o importante é que logo na primeira página, aquela das credenciais, apareça a informação de que o texto se encontra em formato de anais de evento, especificando-os claramente. Ademais é preciso solicitar autorização por escrito do evento responsável pela publicação daqueles anais.

Fatiamento: a terceira má conduta é o fatiamento dos resultados da pesquisa. No intuito de aumentar a quantidade das publicações resultantes de uma pesquisa, os pesquisadores separam os resultados em sub-conjuntos, utilizando, em grande parte das vezes, os mesmos autores e estudos para comporem a discussão. Com isso, todos os artigos ficam relativamente superficiais e sem agregar inovações e avanços à ciência da Enfermagem. Muitas vezes recorrem a estudos de múltiplas fases, publicando fase a fase. Este tipo de publicação perde a originalidade e a visão da complexidade do tema por pulverizar os achados em diversos artigos simplificados e pouco originais.

Em 2012, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) publicou as recomendações do II Encontro Brasileiro sobre Integridade em Pesquisa, Ética na Ciência e nas Publicações, para que sejam amplamente divulgados nas instituições do País. Copiamos na íntegra tal como está publicado no site:

"Incluam, promovam e divulguem orientações sobre RI/RCR (Research Integrity and Responsible Conduct of Research) e materiais didáticos sobre o tema em seus sites - recomendando-se como documento-base a Declaração de Cingapura sobre Integridade em Pesquisa(3Singaporestatement.org [Internet]. Singapore (SG): [publisher unknown]; 2010 [updated 2015 Jun 06; cited 2015 Jun 21]. Available from: http://www.singaporestatement.org/downloads/singpore%20statement_A4size.pdf
http://www.singaporestatement.org/downlo...
); Código de Boas Práticas e, Pesquisa da FAPESP(4Fundação e Amparo à Pesquisa do Estado e São Paulo (BR). Código de boas práticas científicas [Internet]. São Paulo (SP): FAPESP; 2012 [cited 2015 Jun 21]. Available from: http://www.fapesp.br/boaspraticas/codigo_050911.pdf
http://www.fapesp.br/boaspraticas/codigo...
), as Diretivas para a Integridade em Pesquisa do CNPq(5Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (BR). Diretrizes [Internet]. Brasilia (DF): CNPq; 2010 [updated 2015 Jun 26; cited 2015 Jun 21]. Available from: http://www.cnpq.br/web/guest/diretrizes
http://www.cnpq.br/web/guest/diretrizes...
)e o Documento "Cooperação entre Instituições de Pesquisa e Periódicos em casos de Integridade em Pesquisa: orientações do Comitê [Internacional] de Ética em Publicações do COPE(6Committee on Publication Ethics (UK). Cooperation between research institutions and journals on research integrity cases: guidance from the Committee on Publication Ethics [Internet]. London; COPE; 2012 [updated 2015 Jun 06; cited 2015 Jun 21]. Available from: http://publicationethics.org/files/Research_institutions_guidelines_final.pdf
http://publicationethics.org/files/Resea...
);

  1. Incluam diretrizes sobre integridade científica em suas abordagens estratégicas para promover a excelência em pesquisa;

  2. Conscientizem os alunos de que o plágio é uma violação acadêmica, seja no ensino fundamental, médio ou universitário. As instituições de ensino e pesquisa do país devem fornecer materiais educativos que mostrem que o plágio em monografias, dissertações e teses também é, além de violação acadêmica, uma prática ilegal no Brasil;

  3. Proporcionem atividades educativas sobre RI/RCR entre alunos e professores para estimular a discussão institucional sobre as preocupações locais que devem ser trabalhadas;

  4. incentivem os alunos e professores a participar de reuniões nacionais e internacionais e/ou cursos sobre RI/ RCR;

  5. estimulem atividades de sensibilização sobre o papel da ética em publicações e sobre a autoria acadêmica em trabalhos colaborativos, sejam eles nacionais ou internacionais;

  6. ofereçam oportunidades para que estudantes e professores possam desenvolver competências linguísticas internacionais para a comunicação responsável da ciência e seus resultados para seus pares e para a sociedade;

  7. desenvolvam iniciativas, entre os estudantes de graduação e pós-graduação, para promover a noção de responsabilização nas atividades de pesquisa e a confiança pública na ciência;

  8. divulguem este documento entre estudantes, pesquisadores e professores brasileiros".

O evento citado no início deste editorial mostrou os avanços dos diferentes países e áreas do conhecimento na implantação de processos institucionais para a Integridade na Pesquisa e Conduta Responsável na Pesquisa. Cabe a nós pesquisadores, docentes, autores, pareceristas e editores colocar a Enfermagem Brasileira no rumo certo para alcançar uma Enfermagem Íntegra!

  • Como citar este artigo:
    Egry EY, Barbosa DA, Cabral IE. The many sides of Research Integrity: For Integrity in Nursing! Rev Bras Enferm. 2015;68(3):327-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2015680301i

REFERÊNCIAS

  • 1
    Shinkai RSA. Originality and plagiarism: a question of authorship in the Academy. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 Jun [cited 2015 Jun 21];48(3):388-93. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n3/0080-6234-reeusp-48-03-388.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n3/0080-6234-reeusp-48-03-388.pdf
  • 2
    Academia Brasileira de Ciências (BR). Rigor e integridade na condução da pesquisa científica: guia de recomendações de práticas responsáveis [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): ABC; 2013 [updated 2015 Jun 25; cited 2015 Jun 21]. Available from: http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-4311.pdf
    » http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-4311.pdf
  • 3
    Singaporestatement.org [Internet]. Singapore (SG): [publisher unknown]; 2010 [updated 2015 Jun 06; cited 2015 Jun 21]. Available from: http://www.singaporestatement.org/downloads/singpore%20statement_A4size.pdf
    » http://www.singaporestatement.org/downloads/singpore%20statement_A4size.pdf
  • 4
    Fundação e Amparo à Pesquisa do Estado e São Paulo (BR). Código de boas práticas científicas [Internet]. São Paulo (SP): FAPESP; 2012 [cited 2015 Jun 21]. Available from: http://www.fapesp.br/boaspraticas/codigo_050911.pdf
    » http://www.fapesp.br/boaspraticas/codigo_050911.pdf
  • 5
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (BR). Diretrizes [Internet]. Brasilia (DF): CNPq; 2010 [updated 2015 Jun 26; cited 2015 Jun 21]. Available from: http://www.cnpq.br/web/guest/diretrizes
    » http://www.cnpq.br/web/guest/diretrizes
  • 6
    Committee on Publication Ethics (UK). Cooperation between research institutions and journals on research integrity cases: guidance from the Committee on Publication Ethics [Internet]. London; COPE; 2012 [updated 2015 Jun 06; cited 2015 Jun 21]. Available from: http://publicationethics.org/files/Research_institutions_guidelines_final.pdf
    » http://publicationethics.org/files/Research_institutions_guidelines_final.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015
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