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Processo de trabalho em saúde, no Brasil no contexto das transformações atuais na esfera do trabalho

RESENHA E RESUMOS

Processo de trabalho em saúde, no Brasil no contexto das transformações atuais na esfera do trabalho

Denise Pires

PIRES, Denise. PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE, NO BRASIL NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES ATUAIS NA ESFERA DO TRABALHO. Estudo em instituições Escolhidas. Tese de Doutorado em Sociologia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas. 1996

Neste final de século em estão curso grandes transformações que, de diferentes maneiras, afetam toda a população do planeta. O modelo de desenvolvimento americano ou modelo fordista, que conseguiu o maior período de prosperidade econômica da história do capitalismo, entra em crise a partir do final dos anos 60. Em reação à crise, especialmente nos países capitalistas centrais, verifica-se um intenso processo de mudanças que afeta o modelo de produção industrial, as relações de trabalho, a economia e a geopolítica do mundo.

Diversos fatores político-econômico-sociais explicam a crise deste modelo de desenvolvimento, que combinou a produção em massa de produtos padronizados com políticas de garantia de emprego e de direitos de cidadania. Esse modelo de desenvolvimento consegue grande elevação da produtividade, do comércio e do consumo, associada a uma redistribuição de renda a favor dos assalariados, propiciando, assim, o acesso da maioria da população, dos países capitalistas desenvolvidos, aos benefícios do desenvolvimento econômico. Instituída a crise, os acordos entre os diversos segmentos e classes sociais, que garantiram a vitória do modelo, deixam de ser cumpridos gerando profundas mudanças na sociedade e afetando diretamente os trabalhadores, no que diz respeito às condições de trabalho, garantia de emprego e direitos trabalhistas.

As principais mudanças são marcadas, de um lado, pela introdução de novos materiais e pela intensificação do uso da tecnologia microeletrônica, e, de outro, pela descentralização da produção e por mudanças nas formas de gestão do trabalho. Esse processo tem ocorrido com maior intensidade na produção industrial e nos setores de ponta da economia mas tem afetado, de modo diferenciado, todos os setores da produção na sociedade.

Nos diversos momentos da história da humanidade foi possível identificar um modo de produção hegemônico, sem significar que todos os setores da produção utilizassem a mesma estrutura tecnológica, organizacional e de relações de trabalho. Apesar disso, as características hegemônicas tendem a expandir-se e influenciar todos os setores, uma vez que, tanto o modo de produção hegemônico quanto as relações de produção que o compõem, não são apenas o resultado de uma opção técnica, mas sim, o resultado de múltiplas relações que envolvem as características culturais da população e as experiências de vida dos envolvidos na produção, o grau de desenvolvimento das forças produtivas, a estrutura jurídico-legal, a organização das diversas classes sociais e segmentos da sociedade e sua história de lutas.

A industrialização afetou, direta e substancialmente, grande parte da produção material, e a produção industrial foi o setor da economia que mais cresceu, desde a primeira Revolução Industrial até a primeira metade deste século, contribuindo significativamente na produção de riquezas. Em função disso, foi o setor mais estudado por pesquisadores das diversas áreas, especialmente das ciências econômicas e das ciências humanas.

No entanto, o setor de serviços cresce, progressivamente, desde o início deste século, sendo atualmente, o responsável, na maioria dos países desenvolvidos, por mais de 50 % dos postos de trabalho. Ao mesmo tempo que ocorre uma diminuição da oferta de empregos no setor primário da economia e o setor industrial pára de crescer em diversos países.

O setor de serviços, apesar da imensa diversidade de atividades e de formas de produzir, também é profundamente influenciado pela lógica da acumulação de capital, pela tecnologia e pelas formas de organização do trabalho utilizadas na indústria. Foi influenciado pelo taylorismo e pela produção mecanizada em grande escala do fordismo e também está sendo influenciado pelo uso de novos materiais, pela informática e pela automação microeletrônica.

O setor saúde é parte do setor de serviços, compartilha características do processo de produção no setor terciário da economia, ao mesmo tempo que tem caraterísticas específicas.

A organização da estrutura assistencial institucional em saúde resulta de um processo histórico-social que tem múltiplas determinações: a) a cultura e o paradigma de ciência das diversas sociedades que, em cada momento histórico - influenciam o modo de entender o processo de saúde-doença, a organização dos serviços e como as doenças são prevenidas e tratadas; b) a história da organização das profissões do campo da saúde; c) os conhecimentos científicos já acumulados e recursos tecnológicos disponíveis; d) as teorias de organização do trabalho e as características do modo de produção hegemônico; e) o grau de organização político-sindical dos trabalhadores de saúde; f) o arcabouço legislativo relativo ao papel do Estado no setor e as relações de trabalho; g) as demandas das classes sociais e de grupos em relação à saúde, sua capacidade de influenciar nas decisões e de obter conquistas.

Apesar das especificidades do processo de trabalho em saúde e da sua importância para a vida em sociedade, a teorização sobre "o trabalho em saúde" é relativamente pequena. As pesquisas no campo da saúde sempre foram intensas, predominando as relacionadas à investigação da etiologia das doenças e à assistência aos problemas de saúde-doença, além de existir uma consistente produção teórica no campo da saúde coletiva. No Brasil, a partir dos anos 70, encontra-se um maior volume de estudos e pesquisas críticas sobre o trabalho em saúde. Essa produção inclui a caracterização da força de trabalho em saúde; estudos sobre o mercado de trabalho em saúde; análises do trabalho médico e do processo de trabalho em enfermagem (Donnangelo, 1976; Nogueira, 1977, 1983, 1987a, 1987b; Campos, 1991, 1992; Médice, 1987 a, 1987b; Car, 1993; Almeida, 1986, 1991; Gonçalves, 1988, 1992; Melo, 1986; Alves, 1987; Pires, 1989). No entanto, muito poucos analisam o processo de trabalho coletivo em saúde, relacionando-o com o cenário de mudanças deste final de século.

As mudanças no trabalho industrial e nos serviços estão influenciando o setor saúde. O setor utiliza, intensamente, equipamentos considerados de tecnologia de ponta, mas o impacto dessas tecnologias, sobre o processo de trabalho e sobre a qualidade dos resultados obtidos, tem sido muito pouco estudado.

Os serviços de saúde, no Brasil, têm a mesma base da organização do trabalho e mesmas características institucionais que se identifica nos anos 60, apesar de terem ocorrido mudanças substantivas na legislação relativa à saúde em direção à ampliação do direito. Ao mesmo tempo, é possível apontar algumas características recentes, distintivas daquela época, e que tem relação com o atual processo de mudanças, como: o aparecimento de algumas iniciativas tênues de avaliação da qualidade da assistência prestada; a organização de grupos ou estruturas multidisciplinares de estudo e de intervenção em saúde, bem como, a tendência de terceirizar serviços e formar redes envolvidas na obtenção dos produtos finais está influenciando o setor.

Considerando-se que o debate apenas está começando e que este é um grande campo para estudos interdisciplinares, envolvendo múltiplos fatores, é impossível, com o conhecimento disponível, arriscar análises mais totalizantes. Sendo assim, esse estudo é uma contribuição ao debate. Trata-se de uma reflexão sobre o processo de trabalho em saúde no cenário das transformações atuais, tendo por base o estudo empírico realizado em duas instituições hospitalares (uma pública e uma privada), localizadas nas regiões sul e sudeste do Brasil. Considera o setor saúde como parte do setor de serviços que tem especificidades que o diferenciam das outras áreas da produção e contextualiza as características do trabalho no espaço social em que está se desenvolvendo.

A fim de tornar exeqüível, no tempo e condições disponíveis por este pesquisador, destaquei três aspectos para análise:

a) a organização estrutural dos hospitais para o desenvolvimento do trabalho assistencial. Mais verticalizada, desenvolvimento todo o processo assistencial, sob um gerenciamento comum, ou externalizando partes do processo assistencial e criando uma rede de empresas ou serviços que desenvolvem partes deste processo, a fim de possibilitar o resultado final;

b) o processo de trabalho - estudado em duas unidades que tipificam o trabalho assistencial prestado pelas instituições, bem como, representam dois pólos em relação à utilização, mais ou menos intensiva, dos equipamentos de tecnologia de ponta. Como se desenvolve o processo assistencial em si; a participação dos diversos profissionais de saúde no trabalho coletivo e a divisão do trabalho; as características do produto e as características da força de trabalho envolvida no trabalho coletivo;

c) estudo comparativo, entre os dois tipos de unidades polares (unidades básicas e unidades de terapia intensiva), verificando o impacto da introdução de equipamentos de tecnologia de ponta no trabalho assistencial, especialmente a percepção dos trabalhadores sobre: a redução ou não de postos de trabalho; a influência do uso destes equipamentos na qualidade do serviço prestado; as vantagens e desvantagens para os trabalhadores de saúde e para os clientes; bem como, se houve modificações em termos da organização e gestão do trabalho.

Para um entendimento mais abrangente do processo de trabalho em saúde, no contexto das transformações tecnológicas e organizacionais que estão em curso, muitos aspectos relacionados ao processo de trabalho em si, precisam ser considerados. Alguns desses aspectos, apesar de sua importância, não foram incluídos na análise por absoluta impossibilidade de tempo ou não foram investigados pela necessidade de delimitação do campo de estudo. Dentre eles, destaca-se: a visão da instituição e dos trabalhadores de saúde sobre os clientes; as iniciativas institucionais e de grupos profissionais, para a avaliação dos resultados do trabalho e controle da qualidade dos serviços prestados; a visão dos clientes sobre a instituição, sobre a assistência recebida e sobre os profissionais de saúde, bem como, a visão dos sindicatos e entidades representativos dos trabalhadores de saúde sobre o processo de trabalho, em saúde, e sobre o impacto das mudanças no setor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Set 2014
  • Data do Fascículo
    Set 1998
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