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ESTUDO BACTERIOLÓGICO DAS ÚVULAS DE ESTETOSCÓPIOS

O estudo bacteriológico das úvulas e diafragmas de estetoscópios, realizado por GERKEN et al8, em um hospital-escola de Londres, veio reforçar a suspeita por nós levantada, há algum tempo, quanto à possível contaminação deste instrumental.

A incidência de otite externa, no pessoal de enfermagem, foi constatada pelos autores ANGERAMI & MENDES 11 ANGERAMI, E.L.S. & MENDES, I.A.C. - Incidência de infecções auditivas em pessoal de enfermagem, Trabalho em elaboração. que, pesquisando quais fatores poderiam estar contribuindo para que isto ocorresse, suspeitaram do uso comum do estetoscópio.

É rotineira, na prática de enfermagem, a assepsia do termômetro, antes e após o seu uso, e tem havido amplas discussões sobre qual o melhor desinfetante e técnica de limpeza para os mesmos. O estetoscópio é um instrumento que, usado em comum pelo pessoal de enfermagem, entra em contacto direto com o paciente e sua unidade, é levado no bolso e/ou pescoço e guardado sem que haja determinação de cuidado específico.

Em nossa revisão bibliográfica, apenas FIVARS & GOSNELL22 FIVARS, G. & GOSNELL, D. - Nursing evaluation: the problem and the process. New York, MacMillan; London, Collier - MacMillan, 1966., sugerem a degermação da úvula em álcool após o seu uso.

A publicação de KNIGHT44 KNIGHT, H.T. - Notes on cross-infection in hospitais. New Zeland Dedepartment of Health, 1966. (Pamphlet n. 125)., estabelece esfigmomanometros, oftalmoscópios e estetoscópios como paciente visitantes, técnicas de trabaho, pessoal médico, paramédico e equipamentos utilizados pelos mesmos. MELLO 55 MELLO, Emilia T. - Contribuição aos estudos das estafilococias hospitalares Ribeirão Preto, SP, 1971-1972. Ribeirão Preto, 1972. [Tese de Doutoraramento apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo]., afirma que "vários tipos de germes podem existir no meio hospitalar e causar infecções isoladas ou incidentes: cocos Gram positivos (estafilococos e estreptococos), bacilos Gram negativos (Aerobacter, Proteus, Pseudomonas, coliformes, Serratia marcescens) etc."

Ainda nos reportando aos trabalhos de GERKEN et al 33 GERKEN, A. et al. - Infection hazard from stehoscopes in hospital. The Lancet, 1214-1215. June 3, 1973., verificamos que 21 % dos estetoscópios por eles estudados apresentaram contaminação por Staphylococcus aureus - coagulase positiva.

Diante do exposto nos propusemos a realizar o presente trabalho, para estudar a flora bacteriana existente nas úvulas dos estetoscópios em uso pelo pessoal de enfermagem, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

METODOLOGIA

Foram utilizadas zaragotoas umedecidas em caldo peptonado (2g de Bactopetptona em 100 ml de água) e esfregadas cuidadosamente sobre a superfície completa das úvulas dos estetoscópios. As mesmas foram mantidas em estufa à 37ºC durante 48 horas. A seguir foram feitas as semeaduras em placas de Agar-sangue e em meio de Teague (eozina azul de metileno segundo Teague).

Nas placas onde não se observou nenhum crescimento, dentro de 24 horas foram mantidas em estuia por mais 24 horas à 37ºC.

Realizou-se, então, o exame bacterioscópio das colônias de Agar-sangue. As colônias de Staphylococcus foram passadas para o meio de Chapman (manitol-Salt Agar segundo Chapman) observando-se a fermentação do manitol. Do meio de Chapman foram feitas as provas de coagulase em tudo.

As colonias que se desenvolveram no meio de Teague, foram passadas para o meio de triagem de tríplice açúcar (Triple Sugar Iron), e a seguir para uma pequena série bioquímica (Citrato de Simons, fenilanina desaminase, produção de indól).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram pesquisados 30 estetoscópios em uso pelo pessoal de enfermagem no hospital em estudo.

Na tabela 1 consta o resultado dos microorganismos encontrados e as clínicas nas quais ocorreram.

TABELA 1
Freqüência e distribuição, por clínica, de mícroorganismos encontrados nas úvulas de estetoscópios - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

Os Staphylococus albus, predominantes em nosso estudo (26,6%), segundo SMITH et al66 SIMITH, David et al. - Microbiologia de Zinsser. Trad. Antonio Capella Bastos. 13.ª ed., México, Union Tipográfica Editorial Hispano Americana, 1967., são encontrados freqüentemente na flora normal da pele como comensais, porém podem se tornar oportunistas quando a mesma for lesionada. Outros tipos de comensais encontrados, também considerados como da flora normal foram: Alkaligenes (6,6%), totalizando 39,8% de contaminação por bactérias comessais, sendo que o restante da amostra (56,6 %), não apresentou nenhum crescimento.

Apenas um estetoscópio apresentou contaminação por Staphylococcus aureus-coagulase positiva.

Comparando este resultado com os de GERKEN et al33 GERKEN, A. et al. - Infection hazard from stehoscopes in hospital. The Lancet, 1214-1215. June 3, 1973., onde a contaminação pelo Staphylococus aureus foi de 21%, verificamos que esta porcentagem diminui para 3,3%. Talvez isto se deva ao fato de os autores terem estudado associadamente as úvulas e os diafragmas dos estoscópios, o que nos permite concluir que os locais de contacto destas duas extremidades do instrumental são completamente diferentes: enquanto a úvula entra em contacto apenas com o ouvido do operador, o diafragma contacta-se com a pele do paciente.

Além disso, sentimos que outros fatores podem ter influenciado este resultado, ou seja: a diminuição do número de estoscópios existentes nas diferentes clínicas deste hospital-escola, pela tendência atual ao uso individual do mesmo; e o uso generalizado de antissépticos e desinfetantes no hospital, especificamente o hexaclorofeno, fato também notado por MELLO55 MELLO, Emilia T. - Contribuição aos estudos das estafilococias hospitalares Ribeirão Preto, SP, 1971-1972. Ribeirão Preto, 1972. [Tese de Doutoraramento apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo].. O horário da colheita de material também pode ter contribuído, pois, este não foi estabelecido à priori. Se lembrarmos que algumas bactérias têm um tempo de sobrevivência limitado, teria sido importante que todas as colheitas tivessem sido feitas imediatamente após o uso do instrumento, pois, esta pode ter sido uma das causas da elevada porcentagem de resultados negativos.

Durante a colheita do material, pudemos observar ainda que as úvulas apresentavam-se limpas, sem depósito de cerumen, como era freqüentemente notado por nós durante nossas atividades profissionais.

Através de informações pessoais da Chefe do Serviço de Enfermagem, do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, soubemos do maior cuidado que tem sido dispensado a este instrumental, às vezes partindo da iniciativa do próprio funcionário, embora este cuidado não tenha padronização.

Da análise dos resultados pudemos concluir que as úvulas dos estetoscópios constituem fonte de infecção hospitalar. uma vez que, em pelo menos um estetoscópio encontramos contaminação pelo Staphylococus aureus; em relação aos demais, apesar de termos encontrado bactérias da flora normal, consideradas não patogênicas, deve-se ressaltar o fato de que uma bactéria não patogênica pode-se transformar em patogênica desdesde que encontre um meio adequado e um indivíduo susceptível.

Sugerimos que medidas severas sejam adotadas após o uso do estetoscópio, prevenindo assim a incidência de infecções de ouvido entre o pessoal de enfermagem e que estudos sejam realizados, quanto à técnica de degermação e o melhor desinfetante a ser usado.

AGRADECIMENTO

Ao Dr. Paulo Tosinobu Imada e Dr. Antonio Scandiuzzi Neto, do Laboratório São Marcos de Ribeirão Preto que prepararam e realizaram os exames bacteriológicos.

  • ANGERAMI, E.L.S. & MENDES, I.A.C. - Estudo bactetiológico das úvulas de estetoscópios. Rev. Bras. Enf., RJ, 28: 77-80, 1975.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    ANGERAMI, E.L.S. & MENDES, I.A.C. - Incidência de infecções auditivas em pessoal de enfermagem, Trabalho em elaboração.
  • 2
    FIVARS, G. & GOSNELL, D. - Nursing evaluation: the problem and the process New York, MacMillan; London, Collier - MacMillan, 1966.
  • 3
    GERKEN, A. et al. - Infection hazard from stehoscopes in hospital. The Lancet, 1214-1215. June 3, 1973.
  • 4
    KNIGHT, H.T. - Notes on cross-infection in hospitais. New Zeland Dedepartment of Health, 1966. (Pamphlet n. 125).
  • 5
    MELLO, Emilia T. - Contribuição aos estudos das estafilococias hospitalares Ribeirão Preto, SP, 1971-1972. Ribeirão Preto, 1972. [Tese de Doutoraramento apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo].
  • 6
    SIMITH, David et al. - Microbiologia de Zinsser Trad. Antonio Capella Bastos. 13.ª ed., México, Union Tipográfica Editorial Hispano Americana, 1967.
  • 7
    TEIXEIRA, Edóilia M. - Fontes de Infecção no hospital. R. Paul. Hosp., 20 (1): 7.16, jan. 1972.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr-Jun 1975
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