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Aspectos éticos considerados na relação médico-paciente: vivências de anestesiologistas

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Os princípios da ética orientam a forma de ser e agir do profissional, particularmente no estabelecimento da relação médico-paciente, e por isso, demandam constante reflexão. Nesse sentido, o propósito deste estudo é analisar vivências éticas de anestesiologistas em sua interação com o paciente sob seus cuidados. MÉTODO: Estudo exploratório, que envolveu 16 médicos anestesiologistas com exercício profissional em um hospital universitário de João Pessoa, Paraíba. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e analisados qualitativamente com o uso da técnica de análise de conteúdo. RESULTADOS: Os achados do estudo evidenciam que as vivências éticas dos participantes do estudo na relação médico-paciente foram classificadas em cinco categorias temáticas: respeito ao paciente, tratamento humanizado, tratamento igualitário, sigilo profissional e respeito à autonomia do paciente. CONCLUSÕES: Conclui-se que os entrevistados reconhecem a ética e os valores humanísticos que devem pautar a relação com seus pacientes.

ANESTESIOLOGISTA; Bioética; ÉTICA MÉDICA; Prática Profissional; Relações Médico-Paciente


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Los principios de la ética guían la forma de ser y de actuar del profesional, particularmente en lo que se refiere al establecimiento de la relación médico-paciente y por eso, exigen una constante reflexión. En ese sentido, el propósito de este estudio, es analizar las vivencias éticas de los anestesiólogos en su interacción con el paciente que está bajo sus cuidados. MÉTODO: Estudio exploratorio, que tuvo la participación de 16 médicos anestesiólogos en el ejercicio de la profesión en un hospital universitario de João Pessoa, Paraíba. Los datos se recopilaron por medio de una entrevista semi-estructurada y fueron analizados cualitativamente con el uso de la técnica de análisis de contenido. RESULTADOS: Los hallazgos del estudio muestran que las vivencias éticas de los participantes en el estudio, en cuanto a la relación médico-paciente, se clasificaron en cinco categorías temáticas: respeto al paciente, tratamiento humanizado, tratamiento igualitario, secreto profesional y respeto a la autonomía del paciente. CONCLUSIONES: Concluimos que los entrevistados reconocen la ética y los valores humanísticos que deben guiar la relación con sus pacientes.

ANESTESIÓLOGO; Bioética; ÉTICA MÉDICA; Práctica Profesional; Relacións Médico-Paciente; ÉDICO-PACIENTE


BACKGROUND AND OBJECTIVE: Ethical principles guide professional conduct, particularly in establishing the doctor-patient relationship and, therefore, require constant reflection. The purpose of this study is to analyze ethical experiences of anesthesiologists in their interaction with the patient under their care. METHOD: This was an exploratory study involving 16 active anesthesiologists at a university hospital in João Pessoa, Paraíba. We collected data through semi-structured interviews and analyzed qualitatively using the content analysis technique. RESULTS: The study findings show that the classification of ethical experiences of the study participants regarding the doctor-patient relationship were classified into five categories: respect for the patient, humane treatment, equal treatment, professional secrecy, and respect for patient autonomy. CONCLUSION: We conclude that respondents recognize the ethical and humanistic values that should guide the relationship with their patients.

Ethics, Professional; Anesthesiology; Bioethics; Physician-Patient Relations


ARTIGO CIENTÍFICO

Aspectos éticos considerados na relação médico-paciente: vivências de anestesiologistas

Maria de Fátima Oliveira dos SantosI,II,III,IV,V; Maria das Graças Melo FernandesVI,VII; Eduardo Sérgio Soares SousaVIII; Harison José de OliveiraIX,X; Gualter Lisboa RamalhoXI,XII

IServiço de Bioética e Ética Médica, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal

IIPrograma de Pós-Graduação em Perícias Forenses, Faculdade de Odontologia de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

IIIPrograma de Pós-Graduação em Saúde Pública, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

IVFaculdade de Medicina Nova Esperança, João Pessoa, PB, Brasil

VConselho Regional de Medicina da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

VIDepartamento de Enfermagem Clínica, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

VIIPrograma de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

VIIIDepartamento de Sociologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

IXHospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, João Pessoa, PB, Brasil

XHospital Santa Isabel, João Pessoa, PB, Brasil

XIPrograma de Pós-Graduação em Anestesiologia, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, SP, Brasil

XIICentro de Ensino e Treinamento em Anestesiologia, Hospital do Trauma, João Pessoa, PB, Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Maria de Fátima Oliveira dos Santos Av. Umbuzeiro 881/501, Manaíra João Pessoa, PB, Brasil. CEP: 58038182 Tels: (+55 83) 3226-3672; (+55 83) 9121-9252 E-mail: fatimadeosantos@hotmail.com (M.F.O. Santos)

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Os princípios da ética orientam a forma de ser e agir do profissional, particularmente no estabelecimento da relação médico-paciente, e por isso, demandam constante reflexão. Nesse sentido, o propósito deste estudo é analisar vivências éticas de anestesiologistas em sua interação com o paciente sob seus cuidados.

MÉTODO: Estudo exploratório, que envolveu 16 médicos anestesiologistas com exercício profissional em um hospital universitário de João Pessoa, Paraíba. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e analisados qualitativamente com o uso da técnica de análise de conteúdo.

RESULTADOS: Os achados do estudo evidenciam que as vivências éticas dos participantes do estudo na relação médico-paciente foram classificadas em cinco categorias temáticas: respeito ao paciente, tratamento humanizado, tratamento igualitário, sigilo profissional e respeito à autonomia do paciente.

CONCLUSÕES: Conclui-se que os entrevistados reconhecem a ética e os valores humanísticos que devem pautar a relação com seus pacientes.

Palavras-chave: ANESTESIOLOGISTA; Bioética; ÉTICA MÉDICA; Prática Profissional; Relações Médico-Paciente

Introdução

A compreensão dos sujeitos sociais a respeito da medicina sofre constante influência da impessoalidade do atendimento médico em serviços de saúde públicos e privados, dos meios de comunicação de massa e da rápida e contínua difusão do conhecimento pela Internet.1

Frente a esse cenário, o profissional médico anestesiologista deve nortear sua conduta em atitudes éticas exigidas pela profissão. Deve, também, ter conhecimento científico amplo, habilidade, pontualidade, bom senso, além de ser disciplinado, principalmente no tocante ao respeito ao paciente. O respeito ao paciente inclui o dever de cumprir com as exigências e as normas estabelecidas para a feitura do ato anestésico, entre elas a permanente monitoração das funções vitais do paciente, de maneira que o anestesiologista não pode se ausentar da sala de cirurgia, posto que, sendo ele o responsável pela técnica anestésica, é ele quem deve controlá-la, com o uso de monitores e instrumentos capazes de permitir a constante avaliação clínica do paciente.2

As vivências éticas experimentadas pelos anestesiologistas referem-se, especialmente, aos conflitos relacionados ao desenvolvimento científico e tecnológico e aos conflitos persistentes, que dizem respeito à falta de equidade no atendimento à saúde dos diferentes indivíduos, independentemente de classe econômica, dentre outros fatores.3 Cabe destacar que a ética nas relações profissionais se dá por meio de responsabilidade e compromisso com o trabalho e com o outro, assim como pelo respeito e pela afetividade com pessoas.4

A incorporação desses valores influencia a conduta dos profissionais da área da saúde, nela interfere e se reproduz, de acordo com o debate ético, que se torna ainda mais complexo e cotidiano, por causa da própria natureza do seu trabalho e das relações que se estabelecem com os pacientes.5 Vale salientar que a norma ética que rege uma pessoa individualmente nem sempre é a mesma recomendada pelo grupo social ou profissional a que ela pertence.6

Dessa forma, novos temas e problemas emergem, sem que as categorias profissionais tenham refletido de forma mais aprofundada e definido parâmetros éticos para a ação. Convém salientar que toda e qualquer medida profilática no campo da ética envolve um processo de conscientização na tentativa de modificação de atitudes e esse processo costuma ser demorado e doloroso, porque as resistências não são pequenas. Nesse contexto, importa ao profissional ético ter consciência de seus atos e de sua responsabilidade quanto às possíveis consequências.5

A ética não guarda absoluta consonância com as legislações, que determinam e/ou descrevem comportamentos exatos, apesar de sua interface, pois não descrevem condutas a serem seguidas, como as que constam nos chamados códigos de ética profissional, apenas informam princípios orientadores da conduta humana.7

A obrigação assumida pelo médico anestesiologista tem natureza contratual e é tida como de meios, e não de resultados, posto que o médico assume a obrigação de usar todos os recursos disponíveis ao seu alcance, dentro do compatível com o "estado da arte" médica em anestesiologia, naquele momento e lugar, e agir com perícia na feitura do ato anestésico. Apesar do exposto, poucos estudos científicos têm abordado com profundidade essa temática, de modo a desvelar as vivências éticas de anestesiologistas no contexto da sua prática profissional. Assim sendo, o objetivo deste estudo é analisar as vivências éticas desses profissionais junto aos pacientes no ato anestésico.8

Método

Esta investigação de natureza descritiva e de corte qualitativo sobre vivências éticas de médicos anestesiologistas foi feita em um hospital universitário de João Pessoa, Paraíba. A amostra foi constituída de 16 profissionais que aceitaram participar do estudo, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ressalta-se que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e foi registrado sob o protocolo 396/10. Quanto aos participantes, tiveram garantidos, dentre outros aspectos éticos, o sigilo e o anonimato das informações, conforme preconizava a então vigente Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.9

A coleta de dados foi desenvolvida mediante a técnica de entrevista individual semiestruturada, gravada, feita de julho a agosto de 2010 e subsidiada pela seguinte questão norteadora: Quais aspectos éticos são considerados na relação médico-paciente no seu exercício profissional? Sobre a entrevista, foi feito agendamento de horário e local de acordo com a disponibilidade dos entrevistados. As entrevistas foram feitas a partir de uma pergunta norteadora, para facilitar a análise, foram registradas em um gravador portátil e depois transcritas.

Os dados suscitados nas entrevistas foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo, que teve o tema como a unidade de significado. A análise de conteúdo temática significa o recorte do conjunto das entrevistas por meio de uma grelha de categorias projetadas sobre os conteúdos que levou em consideração a frequência dos temas extraídos do discurso.10

Constituído o corpus do trabalho (transcrição das entrevistas), passou-se à fase de sua decomposição em unidades menores ou elementos constitutivos, também chamados unidades de análise, as quais foram agrupadas a partir de características comuns ou aproximadas e geraram, assim, categorias temáticas, que obedeceram às regras de exclusividade, de homogeneidade e de pertinência.

Após a definição do corpo de categorias e a extração dos segmentos e das frequências de unidades de análise pertinentes a cada categoria, fez-se a análise dos dados por meio de uma abordagem qualitativa, a qual foi ancorada na literatura específica. Tendo em vista organizar a discussão dos dados, os entrevistados foram identificados pela letra E, seguida do numeral correspondente à ordem das entrevistas, variável de 1 a 16.

Resultados

No que se refere ao perfil da amostra, os dados revelaram que 75% dos médicos anestesiologistas pesquisados são do gênero masculino e 25% do feminino; 44% exercem a atividade há entre 15 e 20 anos. Houve boa receptividade entre os participantes. Todos se mostraram interessados e motivados a responder à entrevista. Neste estudo foi usado o método de análise de conteúdo, com entrevista semiestruturada que abordou apenas uma pergunta. Em entrevista, fazia-se a pergunta e gravava-se a narração da resposta a pergunta, com a transcrição das respostas.

As unidades de análise (temas) presentes nas falas dos participantes do estudo permitiram a identificação das categorias apresentadas na tabela 1.

Discussão

Os achados do estudo evidenciaram que as vivências éticas dos participantes foram classificadas em cinco categorias temáticas: respeito ao paciente, tratamento humanizado, tratamento igualitário, sigilo profissional e respeito à autonomia do paciente, conforme verificado na tabela 1.

A categoria Respeito ao Paciente foi referendada pelas seguintes falas:

[...] Acho que o aspecto ético mais importante é ter respeito ao ser humano (E1).

[...] Procuro tratar o paciente da maneira mais ética possível, respeitando sua intimidade [...] Na hora de despir o paciente, procuro explicar, peço licença e explico o procedimento [...] (E11).

[...] O momento da anestesia é, acima de tudo, um momento de respeito com alguém num momento de fragilidade (E3).

É importante destacar que os profissionais da medicina devem respeitar o ser humano integralmente e considerar os componentes mentais, psicológicos, emocionais, sociais e espirituais. Nesse processo interativo, o respeito ao paciente deve ser observado nas palavras, na forma de falar e nas atitudes. Para isso, faz-se necessário que o médico anestesiologista interaja com o paciente sem censura ou descortesia e proporcione uma atitude humana, o que pressupõe respeito mútuo entre ambas as partes.11

Na relação médico-paciente devem ser incorporadas as habilidades técnicas e as atitudes reflexivas, de modo a considerar cada encontro entre o profissional e o paciente como único.12 Nesse contexto, o anestesiologista deve procurar estabelecer com seu paciente uma relação respeitosa. Para isso, entre outros aspectos, deve identificar-se como profissional da anestesia, perguntar o nome do paciente, explicar detalhadamente o procedimento a ser feito e procurar respeitar sua intimidade.

Considerando isso, refere-se que a não observação da distância física que deve ser guardada entre o paciente e o profissional pode significar uma invasão da intimidade e um desrespeito a seu espaço ou território.13 Do mesmo modo, a nudez é vista como uma situação constrangedora para o paciente. O pudor é uma questão de educação e formação individual de cada pessoa, construído conforme os diferentes contextos socioculturais. Assim sendo, o profissional deve estar atento ao valor pessoal que permeia a expressão do pudor de cada indivíduo, pois esse sentimento é variável conforme idade, sexo e classe social.14

Na categoria Tratamento Humanizado podemos inferir que os anestesiologistas reconhecem a importância do tratamento humanizado, que é uma expressão de difícil conceituação, dado seu caráter subjetivo, complexo e multidimensional, conforme se verifica nas falas que se seguem:

[...] Às vezes o paciente para fazer uma cirurgia passa até quatro meses, principalmente quando foi suspensa por um motivo anterior: o médico não foi! Faltou energia! Nessas circunstâncias o paciente chega muito fragilizado emocionalmente [...]. Por isso, faz-se necessário que o anestesiologista, durante a consulta pré-anestésica, converse com o paciente para dirimir suas dúvidas, amenizando o sofrimento e a preocupação (E8).

[...] Tratando a pessoa de forma humana, não como um objeto (E10).

[...] É melhorar a vida dos pacientes, tentando compreender sua dor, além de oferecer-lhes boa resolutividade para seu tratamento. É estar ao seu lado (E16).

A humanização se traduz na atitude do profissional frente à qualidade do atendimento e exige uma estreita relação médico-paciente em que deve ser considerada a subjetividade das pessoas envolvidas nessa interação. Na análise dessa questão ressalta-se, ainda, que a humanização prioriza, entre outros aspectos, o acesso igualitário a todos os pacientes. Assim sendo, apresenta-se como um desafio para a sociedade e para os profissionais médicos,15-17 pois demanda desses entes estreitar a comunicação, suscitar empatia, harmonizar o saber técnico-científico com o saber do paciente, construir vínculos para ações do coração junto à razão. Nessa direção, a assistência humanizada é representada pelo compromisso com o outro e inclui os prováveis dilemas éticos presentes nessa relação.18,19

Nessa perspectiva, a humanização engloba dimensões valorativas entre os profissionais de saúde, os pacientes e os parentes, com distribuição de responsabilidades entre os atores envolvidos. O médico, ao promover a assistência humanizada ao paciente que se encontra com receio e temor, deve confluir na construção de trocas solidárias e levar em conta a opinião e a necessidade de quem está sendo assistido, visto que a pessoa humana tem aspectos específicos, como caráter, personalidade, sentimentos, crenças e desejos, que precisam ser respeitados e considerados.

Desse modo, a humanização do atendimento implica mudanças políticas e subjetivas, na concepção do modo de ver o paciente, pois negar as necessidades subjetivas, culturais e pessoais do indivíduo conduz o profissional a prover um atendimento impessoal, dirigido para a doença, e não para a pessoa que sofre.20,21 A despeito disso, o progresso técnico e científico na área da saúde tem relegado a um segundo plano a dignidade da pessoa humana. Nesse cenário, por vezes a doença passou a ser o objeto do saber reconhecido cientificamente e é desarticulada do ser que abriga a enfermidade. Cabe destacar que a ética, por priorizar os valores, os deveres, os direitos e a maneira como os sujeitos se apresentam nas relações, constitui-se numa dimensão primordial para a humanização do cuidado em saúde.22,23

As falas incluídas na categoria Tratamento Igualitário revelam a preocupação dos profissionais de implementar um tratamento baseado na equidade, como destacam os discursos expressos a seguir:

[...] Não deve existir diferença na relação com nenhum paciente [...] todos têm de ser tratados de forma igualitária (E2).

[...] Tratar com igualdade a todos de acordo com sua pretensão sexual, cor e credo religioso, e assim por diante [...] Deve tratar como um ser humano mesmo, acho que isso é de fundamental importância (E15).

[...] O paciente deve ser tratado por igual, independentemente de raça, da religião, cor e sexualidade, [...] não fazer distinção entre a ou b, se o paciente é do serviço público ou privado ou de um convênio [...] Tratar todo por igual e oferecer a ele o mesmo atendimento (E9).

[...] Em termos de ética, você tem de fazer para o paciente aquilo que você faz para qualquer pessoa [...] Todos os pacientes estão no mesmo nível de atenção que deve ser dada pelo profissional que vai abordá-lo (E4).

O tratamento igualitário é atributo essencial de uma atitude ética por parte do profissional médico. Assim, pressupõe princípios, e não mandamentos. Nesse contexto, o homem deve ser justo na forma de agir e garantir o bem de todos. Nesse sentido, o tratamento igualitário implica valorizar a pessoa necessitada de cuidado, especialmente pelo anestesiologista.18

Constata-se que desde os ensinamentos de Aristóteles a boa assistência médica prevê o tratamento igualitário a todos os pacientes. Para esse filósofo, a pessoa virtuosa é aquela que sabe o que faz, que escolhe deliberadamente seguir a conduta reta. Nesse sentido, o médico deve promover o mesmo atendimento a todos, não favorecer nem discriminar quem quer que seja por motivos pessoais ou outro qualquer, suas ações devem preservar os direitos do paciente.24

Na categoria Sigilo Profissional os discursos dos anestesiologistas revelam:

[...] Ouvir o paciente e guardar sigilo nas escutas, isso é uma obrigação do médico [...] A observação do sigilo médico é um dever do profissional no exercício da profissão (E6).

[...] Na relação com o paciente o importante é você preservar a intimidade do paciente, a doença é do paciente. Enfim, a questão ética deve ser observada com todos os pacientes (E12).

O sigilo profissional constitui um dos aspectos éticos mais importantes da relação médico-paciente, pois estabelece e garante a relação de confiança que deve existir entre esses. Na observação do sigilo profissional o médico guarda para si as confidências relatadas pelo paciente no decorrer do tratamento.25,26 Vale ressaltar que existem situações em que ocorre a necessidade da quebra do sigilo, a exemplo de quando o segredo do paciente coloca em risco a sua saúde ou de outrem. Para tal, o paciente deve ser informado e devem ser justificados os motivos para essa atitude.

O médico é apenas o depositário de uma confidência, que deve ser mantida em sigilo, com objetivo maior de proteger os pacientes, seus parentes e a sociedade em geral. Todavia, ainda que o segredo pertença ao paciente, o dever de guarda da informação existe, não pela exigência de quem conta uma confidência, mas pela condição de quem a ele é confiado e pela natureza dos deveres que são impostos a certos profissionais.27,28

O sigilo das informações médicas é estabelecido, tacitamente, como um acordo informal entre o profissional de saúde e o paciente. Parte-se do pressuposto de que as informações discutidas durante a consulta ou entrevista e depois dela não podem ser divulgadas sem a permissão explícita do paciente. Esse compromisso se sustenta nas regras de ética médica, fundamentadas em princípios morais e de autonomia, e nas próprias leis, que são juridicamente estabelecidas e que garantem ao paciente o seu direito à privacidade.29,30 Portanto, para que o médico não seja considerado uma pessoa desautorizada a revelar os dados de que tem ciência, cabe ao paciente determinar quais são as informações que podem ou não ser reveladas. Logo, remete a obrigações e deveres de ambas as partes e exige, portanto, que haja flexibilidade e respeito aos limites um do outro.31

Na categoria Respeito à Autonomia do Paciente as falas dos entrevistados revelam:

[...] Deve perguntar ao paciente se ele quer se submeter àquele procedimento. O paciente é quem deve autorizar [...] A autorização também faz parte da humanização (E 7).

[...] No meu atendimento ao paciente não posso agredir a minha consciência moral, ética e religiosa. Exemplo, para aborto, não faço anestesia, mesmo que seja decisão judicial. Porque fere a minha consciência ética e religiosa (E 12).

[...] Devemos explicar ao paciente o tipo de anestesia na linguagem que o mesmo entenda [...] Faço questão de explicar, desde a visita pré-anestésica, explico tudo o que vai acontecer passo a passo [...] Sempre perguntar se tem alguma dúvida [...] se quer perguntar alguma coisa da anestesia [...] Então procuro tirar as dúvidas do paciente, isso para mim hoje é uma rotina. [...] Quanto mais bem informado o paciente, mais tranquilo você fica (E 5).

[...] Procuro dar atenção e esclarecimento, [...] é isso que procuro fazer na minha prática do dia a dia na anestesia [...] Respeito os pudores do paciente, [...] A gente conversa, faz um sedativo, [...] para que os pacientes não fiquem constrangidos de ficar expostos diante do médico (E14).

O respeito à autonomia do paciente é uma temática importante no debate ético contemporâneo e produz mudanças substanciais na ética médica. Na abordagem desse fenômeno, considera-se que pessoa só pode existir se preencher a condição de ser consciente de si e dos outros. Assinala-se, também, que a maturidade humana é alcançada, sobretudo, no estágio ético ou na condição em que o homem, autônomo e livre, age segundo valores adequados ao seu modo de existir.

Uma pessoa autônoma pode fazer suas escolhas, ter seus objetivos atingidos, buscar sempre o respeito dos seus pares sem prejudicar os demais.32,33 No âmbito do cuidado em saúde, a autonomia do paciente é observada a partir do Consentimento Informado, que é a concordância desse em submeter-se a um procedimento ou tratamento sugerido pelo médico. Para que o exercício da autonomia se dê de forma ideal, o médico deve ter uma boa relação com seu paciente e fornecer de forma completa e compreensível as informações necessárias, para que ele, ou seus parentes, possa decidir acerca de seu tratamento ou cuidado.34

O princípio da autonomia corresponde ao respeito pelo direito de cada pessoa de autogovernar-se, de tomar decisões que afetem sua vida, sua saúde, sua integridade físico-psíquica, suas relações sociais. Nesse contexto, o indivíduo deve ser tratado como agente autônomo.35

Este estudo traz uma reflexão sobre as vivências éticas dos médicos anestesiologistas no campo da ética, especificamente na relação com seu paciente. Essa reflexão foi revelada nas falas dos entrevistados por meio de cinco categorias temáticas que sintetizam o pensamento dos participantes do estudo a respeito do assunto, quais sejam: respeito ao paciente, tratamento humanizado, tratamento igualitário, sigilo profissional e respeito à autonomia do paciente.

Os dados aqui produzidos permitem confirmar que as questões éticas são subjetivas, essenciais e significativas. Outro aspecto fundamental é a observação de que as questões éticas vivenciadas pelos participantes do estudo assumem importância de destaque na prática médica, em que princípios e valores são postos em questão na atividade laboral daqueles que executam tal prática.

Por fim, ressalta-se que as falas dos anestesiologistas, além de revelar sua percepção a respeito da atitude que o profissional de saúde deve ter para melhor atender o paciente, sinalizam, de algum modo, os conflitos da sociedade contemporânea que precisam ser superados. Para isso, o ponto de partida deverá ser ultrapassar o discurso teórico-ético-filosófico, no geral vazio, e partir para uma prática cuidativa que produza mudança na sociedade.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 20 de abril de 2012; aceito em 30 de julho de 2012

Trabalho extraído da dissertação "Acolhimento como estratégia para humanizar a relação médico-anestesiologista e usuários do SUS", apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba, PB, Brasil.

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  • Autor para correspondência:

    Maria de Fátima Oliveira dos Santos
    Av. Umbuzeiro 881/501, Manaíra
    João Pessoa, PB, Brasil. CEP: 58038182
    Tels: (+55 83) 3226-3672; (+55 83) 9121-9252
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Abr 2012
    • Aceito
      30 Jul 2012
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