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Manifestações clínicas, terapêutica e evolução de crianças e adolescentes com esofagite eosinofílica

Resumos

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi descrever as características clínicas, endoscópicas e histológicas, assim como a resposta ao tratamento convencional de pacientes pediátricos com a forma clássica de esofagite eosinofílica (EEo). MÉTODOS: Levantamento de dados clínicos, laboratoriais, endoscópicos, histológicos e da resposta ao tratamento convencional de 43 pacientes pediátricos acompanhados previamente com a forma clássica de EEo. RESULTADOS: Foram incluídos 43 pacientes com diagnóstico de EEo, sendo 37 do sexo masculino (86%), com idade média de 8,4 anos. Os sintomas mais encontrados foram: náusea, vômito e dor abdominal (100%) em crianças menores de sete anos; e inapetência (60%), queimação retroesternal (52%) e impactação alimentar (48%) em crianças maiores de sete anos e adolescentes. Em relação aos achados endoscópicos, 12 (28%) pacientes apresentavam placas esbranquiçadas na mucosa do esôfago, oito (18,5%) sulcos longitudinais, dois (4,5%) anéis concêntricos, três (7%) sulcos longitudinais e placas esbranquiçadas, e os outros 18 (42%) apresentavam aparência normal da mucosa esofágica. Apesar da resposta favorável inicial, 76,7% dos pacientes necessitaram realizar mais de um ciclo terapêutico com corticoterapia (aerossol ou sistêmica) e dieta (de exclusão ou eliminação dos alérgenos alimentares ou elementares). Persistência do infiltrado eosinofílico foi encontrada em uma parcela dos pacientes, a despeito da resposta clínica favorável. CONCLUSÕES: A forma clássica da EEo apresenta sintomas diferentes segundo a faixa etária. Parcela expressiva dos pacientes necessitou de mais de um ciclo terapêutico para apresentar remissão clínica. Observou-se melhora endoscópica e histológica; no entanto, a infiltração eosinofílica persistiu em parcela dos pacientes.

Esofagite eosinofílica; Refluxo gastroesofágico


OBJECTIVE: This study aimed to describe the clinical, endoscopic, and histologic characteristics, as well as the response to conventional treatment of pediatric patients with the classical form of eosinophilic esophagitis (EoE). METHODS: Study of clinical, laboratory, endoscopic, and histologic data and response to conventional treatment of 43 previously followed pediatric patients with the classical form of EoE. RESULTS: A total of 43 patients diagnosed with EoE were included in the study, of which 37 were males (86%), with a mean age of 8.4 years. The most common symptoms were: nausea, vomiting, and abdominal pain (100%) in children younger than 7 years, and loss of appetite (60%), heartburn (52%), and food impaction (48%) in children older than 7 years and adolescents. Regarding the endoscopic findings, 12 (28%) patients had whitish plaques on the esophageal lining, 8 (18.5%) had longitudinal grooves, 2 (4.5%) had concentric rings, 3 (7%) had longitudinal grooves and whitish plaques, and the remaining 18 (42%) had esophageal mucosa with normal appearance. Despite the initial favorable response, 76.7% of patients required more than one course of corticosteroid therapy (systemic or aerosol) and diet (exclusion or elimination of food or elementary allergens). Persistence of eosinophil infiltration was found in some patients despite favorable clinical response. CONCLUSIONS: The classic form of EoE typically shows different symptoms according age range. A significant number of patients required more than one treatment cycle to show clinical remission. Endoscopic and histologic improvement was observed; however, eosinophilic infiltration persisted in some patients.

Eosinophilic esophagitis; Gastroesophageal reflux


ARTIGO ORIGINAL

Manifestações clínicas, terapêutica e evolução de crianças e adolescentes com esofagite eosinofílica

Maraci RodriguesI,* * Autor para correspondência. E-mail: maraci@uol.com.br (M. Rodrigues). ; Maria Fernanda M. D'AmicoII; Fatima Regina Almeida PatiñoIII; Dorina BarbieriIV; Aderson Omar Mourão Cintra DamiãoI; Aytan M. SipahiV

IDoutores em Medicina. Médicos Assistentes, Departamento de Gastroenterologia e Hepatologia, Hospital das Clínicas, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

IIGastroenterologista Pediátrica, Coordenadora, Residência de Pediatria, Complexo Hospitalar do Mandaqui, São Paulo, SP, Brasil

IIIGastroenterologista Pediátrica, Complexo Hospitalar do Mandaqui, São Paulo, SP, Brasil

IVLivre-docente, Departamento de Pediatria, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, USP, São Paulo, SP, Brasil

VChefe, Grupo de Intestino, Departamento de Gastroenterologia e Hepatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi descrever as características clínicas, endoscópicas e histológicas, assim como a resposta ao tratamento convencional de pacientes pediátricos com a forma clássica de esofagite eosinofílica (EEo).

MÉTODOS: Levantamento de dados clínicos, laboratoriais, endoscópicos, histológicos e da resposta ao tratamento convencional de 43 pacientes pediátricos acompanhados previamente com a forma clássica de EEo.

RESULTADOS: Foram incluídos 43 pacientes com diagnóstico de EEo, sendo 37 do sexo masculino (86%), com idade média de 8,4 anos. Os sintomas mais encontrados foram: náusea, vômito e dor abdominal (100%) em crianças menores de sete anos; e inapetência (60%), queimação retroesternal (52%) e impactação alimentar (48%) em crianças maiores de sete anos e adolescentes. Em relação aos achados endoscópicos, 12 (28%) pacientes apresentavam placas esbranquiçadas na mucosa do esôfago, oito (18,5%) sulcos longitudinais, dois (4,5%) anéis concêntricos, três (7%) sulcos longitudinais e placas esbranquiçadas, e os outros 18 (42%) apresentavam aparência normal da mucosa esofágica. Apesar da resposta favorável inicial, 76,7% dos pacientes necessitaram realizar mais de um ciclo terapêutico com corticoterapia (aerossol ou sistêmica) e dieta (de exclusão ou eliminação dos alérgenos alimentares ou elementares). Persistência do infiltrado eosinofílico foi encontrada em uma parcela dos pacientes, a despeito da resposta clínica favorável.

CONCLUSÕES: A forma clássica da EEo apresenta sintomas diferentes segundo a faixa etária. Parcela expressiva dos pacientes necessitou de mais de um ciclo terapêutico para apresentar remissão clínica. Observou-se melhora endoscópica e histológica; no entanto, a infiltração eosinofílica persistiu em parcela dos pacientes.

Palavras-chave: sofagite eosinofílica; Refluxo gastroesofágico

Introdução

A esofagite eosinofílica (EEo) foi descrita no final da década de 1970 por Landers et al.,1 tendo sido identificada como entidade clínico-patológica desde 1993 por Attwood et al.2 A produção científica nacional em pediatria limita-se a duas séries de casos descritas por Cury et al.3 e Ferreira et al.4

Considerando a evolução rápida e recente no entendimento desta condição, um grupo de estudiosos atualizou o último consenso sobre EEo,5 caracterizando-a como uma doença esofágica imunológica de evolução crônica e recaídas frequentes, cujas manifestações clínicas estão relacionadas à disfunção esofágica e, histologicamente, à presença de acúmulo de eosinófilos na mucosa esofágica acima de 15 eosinófilos por campo de grande aumento (CGA), na ausência de infiltração eosinofílica na mucosa gástrica e duodenal. Os sintomas e os achados patológicos devem melhorar com o tratamento clínico, que envolve a exclusão de alérgenos (alimentares ou aeroalérgicos), uso de corticosteroide tópico ou ambas as medidas terapêuticas. Descreveu-se, também, um subgrupo de pacientes responsivos ao inibidor de bomba de prótons, denominado respondedores ao inibidor de bomba de prótons, diferenciando-o do grupo de pacientes com EEo clássica, que são conhecidos como não respondedores ao inibidor de bomba de prótons. Devem ser excluídas todas as outras causas reconhecidas de eosinofilia esofágica, pois não há sintomas, achados no exame físico, marcadores sorológicos ou dados endoscópicos patognomônicos da doença.5

O objetivo deste estudo retrospectivo foi descrever as características clínicas, endoscópicas e histológicas e a resposta ao tratamento convencional de pacientes pediátricos com a forma clássica de EEo.

Métodos

Trata-se de um estudo retrospectivo realizado através do levantamento de dados de uma série de casos, abordando os dados clínicos, laboratoriais, endoscópicos e histológicos dos prontuários de 43 pacientes com o diagnóstico de EEo atendidos entre o período de fevereiro de 2004 e setembro de 2010 no ambulatório de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

Critérios de inclusão

Todos os pacientes foram encaminhados ao serviço especializado com o hitórico de já terem sido submetidos à endoscopia digestiva alta nos respectivos serviços de origem, com diagnóstico inicial de esofagite de refluxo resistente ao tratamento com inibidor de bomba de prótons (IBP) por pelo menos três meses.

Todos os pacientes eram sintomáticos. Após a realização de história clínica, exame físico e pesquisa de antecedentes pessoais ou familiares de primeiro grau de atopia foram submetidos à nova endoscopia digestiva alta. Foram obtidos dois fragmentos de esôfago (um proximal e outro distal) e dois fragmentos do estômago e duodeno, através da endoscopia digestiva alta e fórceps de biópsias para estudo histológico. Foi quantificado o número de eosinófilos por campo de maior aumento (x400) em pelo menos 10 deles, considerando-se EEo quando encontrado > 15 eosinófilos/CGA5 na mucosa esofágica em pelo menos dois campos de grande aumento e mucosas gástrica e duodenal normais.

Foi solicitada a pesquisa da imunoglobulina E (IgE) sérica específica (ImmunoCap®)6 para o alimento suspeito de acordo com a história clínica, para auxiliar na identificação do alérgeno alimentar envolvido no processo da EEo, segundo o método padronizado, sendo considerado positivo quando este era maior ou igual à classe II.

Critérios de exclusão

Foram consideradas todas as outras causas conhecidas de esofagite eosinofílica, tais como: doença do refluxo gastroesofágico (DRGE); doença celíaca; doença de Crohn; infecção; síndrome hipereosinofílica; acalasia; hipersensibilidade à droga; vasculite; pênfigo vegetante; doença do tecido conectivo;e doença do enxerto versus hospedeiro.

Conforme recomendado no consenso de 2007,7 a possibilidade de DRGE foi descartada pela falta de resposta ao tratamento prévio com inibidor de bomba de prótons.

A modalidade terapêutica adotada nos pacientes deste estudo foi estabelecida de acordo com os dados recentes da literatura sobre EEo.5,7 O IBP não é considerado tratamento primário da EEo, mas pode ser usado como terapia complementar para aliviar parte dos sintomas. A corticoterapia sistêmica foi utilizada em crianças menores de dois anos, e tópica nos demais pacientes. No primeiro caso, foi utilizado prednisolona 1 mg/kg/dia dividida em duas doses, por quatro semanas, com retirada escalonada até a oitava semana. No segundo caso, foi utilizado propianato de fluticasona deglutido (crianças de dois a quatro anos: 176 mcg ao dia; crianças de cinco a 10 anos: 444 mcg ao dia; adolescentes > 11 anos: 880 mcg ao dia). A dose tópica indicada é administrada na boca em forma de jato na boca, duas vezes ao dia. O paciente foi instruído a não utilizar o espaçador, e deglutir, e não aspirar, o conteúdo do jato, com o cuidado de não comer ou beber durante pelo menos 30 minutos após a medicação. O tratamento com fluticasona se estendeu pelo período de três meses.

A terapia dietética (remoção de antígenos específicos ou dieta elementar) foi orientada para cada paciente e considerada como parte efetiva do tratamento, com adequação de energia, vitaminas e micronutrientes da dieta recebida na admissão e no acompanhamento ambulatorial.7

Os pacientes foram seguidos no ambulatório com visitas regulares a cada dois meses, quando os pais e os pacientes eram questionados sobre os sintomas, aderência ao tratamento e efeitos colaterais dos medicamentos. Foi recomendada a monitorização da endoscopia digestiva alta após nove a 12 meses do início do tratamento.

O presente estudo foi aprovado no Comitê de Ética do Departamento de Gastroenterologia do HCFMUSP.

Resultados

Dos 43 pacientes, 37 eram do sexo masculino (86%), sendo 41 definidos por seus pais como pertencentes à raça branca, e dois à raça negra. Com relação à faixa etária, a idade variou de um mês a 17 anos de idade, com uma média de 8,4 anos. Cerca de 44% dos pacientes foram identificados pela história clínica como alérgicos respiratórios e 23% dos familiares de primeiro grau apresentavam atopia respiratória, gastrointestinal ou cutânea.

As manifestações clínicas dos 43 pacientes estudados são apresentadas na Tabela 1. Náuseas, vômitos e dor abdominal foram mais frequentes nos pacientes com idade inferior a sete anos, enquanto aversão alimentar, impactação e queimação retroesternal foram mais prevalentes nos pacientes com idade entre sete e 17 anos.

Os resultados da pesquisa da IgE sérica específica (ImmunoCap®) estão resumidos na Tabela 2. Dos 43 pacientes estudados, 18 (41,9%) apresentavam sensibilização a mais de uma proteína alimentar ou aeroalérgenos, dois (4,6%) eram sensibilizados a uma proteína pesquisada, e os demais 23 (53,5%) pacientes não apresentavam qualquer sensibilização.

Em relação aos achados endoscópicos dos 43 pacientes na admissão, predominavam em 12 (27,9%) deles as placas esbranquiçadas na mucosa do esôfago, e em oito (18,6%) os sulcos longitudinais, sendo que em 18 (41,2%) pacientes o aspecto macroscópico esofágico era normal. Na microscopia, a quantificação do número de eosinófilos/CGA variou de 15 a 100 eosinófilos por CGA, com maior concentração de eosinófilos nas lesões caracterizadas como placas esbranquiçadas, como mostra a Tabela 3. Observou-se, também, que a proporção de pacientes com o número de eosinófilos entre 15 e 30 por campo nas endoscopias normais (44,4%; 8/18) foi maior do que naqueles com achados endoscópicos sugestivos de esofagite eosinofílica que apresentaram maior contagem de eosinófilos (8,0%; 2/23; p = 0,009, teste exato de Fisher).

Os tratamentos dietético e medicamentoso foram realizados inicialmente durante o período de três meses. O manejo alimentar foi baseado na história clínica e nos resultados dos testes alérgicos, utilizando-se a exclusão do alergênico(s) identificado(s) na história clínica e Rast Immunocap®, ou eliminando os seis principais alergênicos (leite de vaca, soja, ovo, peixe, amendoim e trigo) nos pacientes em que não foi possível identificá-los na história clínica e/ou pelo teste alérgico alimentar.

Em quatro pacientes menores de dois anos foram utilizadas fórmulas hipoalergênicas, hidrolisado proteico (dois casos), fórmula de aminoácidos (dois casos); e em uma criança acima de dois anos utilizou-se a fórmula de aminoácidos livres devido ao agravo nutricional.

Dos 43 casos estudados, 41 receberam glicocorticoide tópico e apenas dois receberam corticoide via oral devido à baixa faixa etária. Todos os 43 pacientes receberam supressão ácida com inibidor da bomba de prótons como tratamento coadjuvante.

Exatamente 33 (76,7%) dos 43 pacientes receberam pelo menos dois ciclos de tratamento, pois ao interromper a dieta e a medicação, os sintomas retornaram em um período de 4-8 semanas; no entanto, após o segundo ciclo de tratamento, todos os pacientes ficaram assintomáticos.

Dos 43 pacientes, 28 concordaram em realizar a endoscopia digestiva alta de controle. A Tabela 4 mostra que os seis pacientes que apresentavam a endoscopia normal na admissão mantiveram esse resultado, enquanto que dos 22 que inicialmente apresentavam anormalidades endocópicas, oito apresentaram mucosa esofágica normal na segunda endoscopia (teste de McNemar, p = 0,013). Com relação à contagem de eosinófilos, inicialmente, todos apresentavam aumento na contagem de eosinófilos (10 pacientes com 15 a 30 eosinófilos; 10 com 31 a 50; e oito com mais de 50). Todos apresentavam menos de 15 eosinófilos na segunda biópsia realizada após o tratamento.

Discussão

A produção científica nacional sobre EEo na população pediátrica limita-se a duas séries de casos descritas por Cury et al.3 e Ferreira et al.,4 destacando-se a refratariedade dos sintomas ao tratamento habitual da DRGE em ambos artigos. Outro relato8 destacou a EEo como diagnóstico diferencial da acalásia. Em nosso estudo, são descritas as manifestações clínicas, endoscópicas e a resposta à terapia de 43 pacientes atendidos no período entre fevereiro de 2004 e setembro de 2010, e cujo diagnóstico final foi a forma clássica da EEo. Não incluímos o subgrupo de pacientes com EEo responsivos ao inibidor de bomba de prótons, em relação aos sintomas e achados histopatológico, pois reunimos todos os pacientes antes da inclusão deste subgrupo no critério atualizado de EEo.5

Além disso, o consenso atualizado incluiu um pequeno número de pacientes com menos de 15 eosinófilos/CGA tratados com IBP, desde que apresentem outros sinais de inflamação eosinofílica, incluindo microabscessos eosinofílicos, acúmulo de eosinófilos na camada superficial da mucosa esofágica ou grânulos eosinofílicos extracelulares. As justificativas apontadas pelos estudiosos foram a possibilidade de biópsias inadequadas, erros da amostra, se tratar de doença crônica ou resposta parcial ao tratamento. Em nosso estudo não avaliamos estes achados histológicos, considerando apenas o infiltrado de, no mínimo, 15 eosinófilos/CGA.5

Em relação à média da idade dos nossos pacientes ao diagnóstico, esta foi de 8,4 anos (um mês a 17 anos), com predomínio do sexo masculino (86%), a maioria caucasiano. Embora pareça uma maioria absoluta, é controversa a classificação de raça e cor, principalmente no nosso meio, onde a miscigenação é alta. A média da idade de prevalência da doença foi consonante com a da literatura.9 Também há concordância entre os autores quanto ao predomínio do sexo masculino.10-15

É interessante destacar que esta doença já foi descrita em todos os continentes, exceto na África, provavelmente devido à ausência do(s) gene(s) responsáveis pela doença ou ausência de fatores ambientais.16

Outro aspecto que ressaltamos é que estes pacientes foram atendidos no período de seis anos, sendo que parte dos pacientes foram encaminhados do ambulatório de gastroenterologia pediátrica do Complexo Hospitalar do Mandaqui, correspondendo à frequência de sete pacientes/ano, porém não temos dados do total de pacientes atendidos com suspeita de DRGE/ano e respondedores ao IBP neste período, entre os quais poderíamos encontrar o subgrupo de EEo respondedores de IBP que não participaram deste estudo.

De qualquer forma, alguns autores têm chamado a atenção para o aumento da prevalência da EEo nas crianças e adolescentes.11,12,17

Quando comparamos a prevalência dos sintomas do nosso estudo com os de outros autores, observamos a concordância de variabilidade na apresentação clínica de acordo com a idade, onde predominam os sintomas de náusea, vômitos e dor abdominal em crianças menores de sete anos, e queimação, aversão e impactação alimentar em crianças maiores de sete anos e adolescentes.7,9,10,13,14

Em relação à presença de atopia, foram observados sintomas respiratórios de repetição como sibilância (44%) e tosse (25,5%) que reforçaram a suspeita de EEo, achados semelhantes aos encontrados por outros autores.12,14

Encontramos achados endoscópicos sugestivos de EEo no momento do diagnóstico em 58% dos pacientes, porém, encontramos mucosa esofágica aparentemente normal em 42%. Os outros estudos apontaram alterações endoscópicas sugestivas de EEo em maior proporção, em torno de 73% dos casos.7,10,14 Embora nenhum destes achados endoscópicos seja patognomônico de EEo, o encontro de pelo menos um deles é fortemente sugestivo de EEo. Chamamos a atenção, pois alguns dos nossos pacientes apresentaram o diagnóstico inicial de esofagite por monília, em virtude do achados endoscópicos de placas esbranquiçadas na mucosa esofágica.

Em relação aos aspectos histológicos, foram obtidos pelo menos dois fragmentos de mucosa esofágica para a quantificação dos eosinófilos/CGA. A literatura recomenda a obtenção de pelo menos um fragmento em cada segmento esofágico (proximal-médio e distal), já que a inflamação esofágica pode ser focal e envolver áreas aparentemente sadias.5,7 Este procedimento aumenta a sensibilidade diagnóstica para 97% dos casos.18

Encontramos infiltração entre 15-30 eosinofílica por CGA em 89% na mucosa aparentemente normal, provavelmente devido ao infiltrado inflamatório eosinofílico ainda não ter atingido a mucosa e, assim, ainda não manifestar alguma lesão sugestiva da doença.

A determinação da IgE específica auxilia apenas na identificação da alergia alimentar mediada por IgE do tipo I ou imediata.6 A detecção de IgE específica tem sido considerada como indicativo da sensibilização ao alimento, confirmado apenas após a sua exclusão, com a melhora de todos os sintomas e a volta mesmos após o teste de provocação oral.19 Em relação à pesquisa dos aeroalérgicos através do teste envolvendo IgE específicos, há apenas relatos de casos em adultos mostrando o seu provável papel no desencadeamento da EEo.20 Entre os pacientes avaliados neste estudo, encontramos a presença de sensibilização pela proteína do leite de vaca em 15 (34,9%) pacientes, e aeroalérgeno em outros 16 (37,0%), identificados através do ImunoCap. A frequência de sensibilização (ImunoCap positivo) a inalantes e alimentos neste grupo de pacientes foi de 46,5%, que devem ser comparados com os dados nacionais previamente publicados em crianças normais e atópicos de 25,8% e 79%, respectivamente.21

O tratamento destes pacientes envolveu a terapia dietética com a exclusão dos principais alérgicos alimentares (leite de vaca, leite de soja, ovo, peixe, amendoim e trigo), quando não foi identificado pela história clínica ou pelo ImunoCap realizado, como indicado pela literatura.5,7,22

O uso de fórmula elementar remove todos os alérgenos alimentares em potencial, sendo especialmente indicado para os lactentes, cuja aceitação por via oral é maior.23

Após confirmação histológica de EEo, além da terapia dietética, os pacientes receberam corticoterapia tópico com inalador spray (41/43) ou oral para as crianças abaixo de dois anos (2/43). Os estudos demonstraram que o uso de corticoide sistêmico ou tópico foram eficazes para a resolução das manifestações clínico-patológicas da EEo, mas deve-se reservar o uso sistêmico para os casos graves.14,24,25

O uso de corticosteroide tópico para a manutenção do tratamento da EEo em crianças e adultos ainda não foi estabelecido, assim como a dose, frequência e forma de administração, uma vez que essas formulações não foram projetadas para uso no esôfago.5,7,24 As doses sugeridas pela literatura atual variam de 440 a 880 mcg/dia para crianças e 880 a 1.760 mcg/dia para adolescentes e adultos, continuamente por 6-8 semanas.

Foram submetidos à endoscopia digestiva alta de controle 28 de 43 pacientes, observando-se melhora clínica, endoscópica e histológica entre seis e nove meses de tratamento, com diminuição do número de eosinofilos/CGA, para cerca de 0-12 eosinófilos/CGA.

Aqui, podemos referir que 75% dos pacientes, ao terminarem o primeiro ciclo de tratamento e com a suspensão das medicações, permaneceram temporariamente assintomáticos; no entanto, após exposição aos alérgenos alimentares voltaram a apresentar os mesmos sintomas, necessitando de um segundo ciclo de tratamento. A evolução clínica dos nossos pacientes com EEo, embora de caráter crônico, foi satisfatória. Não houve perdas de acompanhamento ambulatorial, no entanto, os pais ou responsáveis pelos pacientes nem sempre permitiram a realização da terceira endoscopia digestiva alta.

Não estão estabelecidas a duração e importância do tratamento dos pacientes assintomáticos que permaneceram com sinais histológicos de EEo após o tratamento inicial e a frequência de controles endoscópicos no acompanhamento da doença.5

Os pacientes ganharam qualidade de vida traduzida pela mudança do comportamento alimentar relatado pelos pais, demonstrando maior alegria e comportamento social, retornando ao hábito de se alimentar à mesa, com a família. Os familiares, por sua vez, sentiram-se gratificados e às vezes constrangidos pelo sentimento de ter achado que seus filhos eram erroneamente considerados seletivos e possuidores de distúrbio social.

Nos pacientes com EEo forma clássica, os sintomas variavam de acordo com a idade, sendo a náusea, os vômitos e a dor abdominal mais comumente encontrados em crianças pequenas, e a inapetência, a queimação retroesternal e a impactação em crianças maiores e adolescentes. Nos pacientes com suspeita de EEo, foram realizadas as biópsias nas localizações proximal e distal do esôfago, além do estômago e duodeno, para concluir o diagnóstico. A resposta favorável ao tratamento do ponto de vista clínico e histológico foi atingida por todos os pacientes, tendo sido necessários pelo menos dois ciclos de tratamento em 76,7% dos 43 pacientes.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Recebido em 1 de fevereiro de 2012; aceito em 28 de setembro de 2012

Errata

Erratum on "Clinical manifestations, treatment, and outcomes of children and adolescents with eosinophilic esophagitis"

Errata de "Manifestações clínicas, terapêutica e evolução de crianças e adolescentes com esofagite eosinofílica"

Maraci RodriguesI,* * Autor para correspondência. E-mail: maraci@uol.com.br (M. Rodrigues). ; Maria Fernanda M. D'AmicoII; Fatima Regina Almeida PatiñoIII; Dorina BarbieriIV; Aderson Omar Mourão Cintra DamiãoI; Aytan M. SipahiV

IDoutores em Medicina. Médicos Assistentes, Departamento de Gastroenterologia e Hepatologia, Hospital das Clínicas, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

IIGastroenterologista Pediátrica, Coordenadora, Residência de Pediatria, Complexo Hospitalar do Mandaqui, São Paulo, SP, Brasil

IIIGastroenterologista Pediátrica, Complexo Hospitalar do Mandaqui, São Paulo, SP, Brasil

IVLivre-docente, Departamento de Pediatria, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, USP, São Paulo, SP, Brasil

VChefe, Grupo de Intestino, Departamento de Gastroenterologia e Hepatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP, Brasil

Na lista de autores do artigo original "Manifestações clínicas, terapêutica e evolução de crianças e adolescentes comesofagite eosinofílica" (J Pediatr (Rio J). 2013;89(2):197-203), onde se lê Aytan M. Sipahy, leia-se Aytan M. Sipahi.

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    Autor para correspondência.
    E-mail: maraci@uol.com.br (M. Rodrigues).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Fev 2012
    • Aceito
      28 Set 2012
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