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Influência da alteração postural da coluna torácica em parâmetros cardiorrespiratórios de crianças e adolescentes com fibrose cística

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar a repercussão do aumento da cifose torácica na função pulmonar e na capacidade funcional de crianças e adolescentes com fibrose cística e verificar a influência da gravidade da doença, idade e aspectos nutricionais sobre essa deformidade. MÉTODO: Estudo analítico de corte transversal, realizado em um hospital universitário. Incluiu fibrocísticos com diagnóstico confirmado e fora de exacerbação pulmonar. A amostra foi submetida à avaliação postural, registro de parâmetros espirométricos - volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), capacidade vital forçada (CVF) e VEF1/CVF - e da distância percorrida pelo teste de caminhada de 6 minutos. Para análise dos dados, utilizou-se teste de Mann-Whitney, correlação de Spearman e regressão logística, considerando-se nível de significância de 5%. RESULTADOS: No total, 42 pacientes foram incluídos, e 61,9% apresentaram aumento da cifose torácica. Não houve diferença nos valores de VEF1, CVF, VEF1/CVF e distância percorrida pelo teste de caminhada de 6 minutos entre os grupos com e sem cifose torácica (p = 0,407; p = 0,756; p = 0,415; p = 0,294). No grupo sem alteração postural, fibrocísticos mais graves apresentaram média de VEF1 de 74,1±21,9% e CVF de 79,8±18,7%, enquanto naqueles de menor gravidade foram verificados valores superiores (95,6±12,2% e 97,6±13,2%, respectivamente) (p = 0,027 e p = 0,027). A presença de cifose correlacionou-se com a idade (p = 0,048), mas não com a gravidade (p = 0,151) e o índice de massa corporal (p = 0,088). CONCLUSÕES: Observou-se uma alta prevalência de aumento da cifose torácica em crianças e adolescentes com fibrose cística. Essa deformidade não alterou a função pulmonar e a capacidade funcional e não teve relação com a gravidade da doença. Independentemente da postura, a piora da gravidade da doença determinou piora da função pulmonar.

Postura; fibrose cística; função pulmonar


OBJECTIVES: To assess the impact of increased thoracic kyphosis on pulmonary function and functional capacity in children and adolescents with cystic fibrosis (CF) and to verify the influence of disease severity, age and nutritional status on this deformity. METHOD: This was a cross-sectional, analytical study conducted at a university hospital. It included CF patients with confirmed diagnosis and without pulmonary exacerbation. The sample was submitted to postural assessment, spirometry (FEV1, FVC and FEV1/FVC) and 6-minute walk test distance (6-MWT distance). Data were analyzed using the Mann Whitney test, Spearman correlation and logistic regression. RESULTS: Forty-two patients were enrolled, 61.9% presented increase of thoracic kyphosis. There was no difference in values of FEV1, FVC, FEV1/FVC and 6-MWT distance between the groups with or without thoracic kyphosis (p = 0.407; p = 0.756; p = 0.415; p = 0.294). In the group without alteration, patients with more disease severity had a mean FEV1 of 74.1±21.9% and FVC of 79.8±18.7% while in those of lesser severity higher values were found (95.6±12.2% and 97.6±13.2%, respectively) (p = 0.027 and p = 0.027). The presence of kyphosis was correlated with age (p = 0.048) but not with severity (p = 0.151) and body mass index (p = 0.088). CONCLUSIONS: There was a high prevalence of increased thoracic kyphosis in children and adolescents with CF. The deformity did not affect pulmonary function and functional capacity and there was no relationship with disease severity. Regardless of posture, worsening of disease severity determined worsening of pulmonary function.

Posture; cystic fibrosis; pulmonary function


ARTIGO ORIGINAL

Influência da alteração postural da coluna torácica em parâmetros cardiorrespiratórios de crianças e adolescentes com fibrose cística

Renata Tiemi OkuroI; Ester Piacentini CôrreaII; Patrícia Blau Margosian ContiIII; José Dirceu RibeiroIV; Maria Ângela Gonçalves Oliveira RibeiroV; Camila Isabel Santos SchivinskiVI

IMestre, Ciências. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP

IIMestranda, Saúde da Criança e do Adolescente. UNICAMP, Campinas, SP

IIIMestre, Saúde da Criança e do Adolescente. UNICAMP, Campinas. SP

IVProfessor associado livre-docente, Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas (FCM), UNICAMP, Campinas, SP. Laboratório de Fisiologia Pulmonar, Centro de Investigação em Pediatria da FCM, UNICAMP, Campinas, SP

VDoutora, Saúde da Criança e do Adolescente. UNICAMP, Campinas, SP. Coordenadora, Serviço de Fisioterapia em Pediatria, FCM, Hospital de Clínicas, UNICAMP, Campinas, SP. Coordenadora, Pós-Graduação em Fisioterapia Pediátrica, UNICAMP, Campinas, SP

VIDoutora, Saúde da Criança e do Adolescente, UNICAMP, Campinas, SP. Professora Graduação e Pós-Graduação em Fisioterapia, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, SC

Correspondência Correspondência: Renata Tiemi Okuro Rua Barão de Cotegipe, 5, Bairro Vila Isabel CEP 20560-080 - Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 8335.2856, (21) 3344.0816 E-mail: re_okuro@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar a repercussão do aumento da cifose torácica na função pulmonar e na capacidade funcional de crianças e adolescentes com fibrose cística e verificar a influência da gravidade da doença, idade e aspectos nutricionais sobre essa deformidade.

MÉTODO: Estudo analítico de corte transversal, realizado em um hospital universitário. Incluiu fibrocísticos com diagnóstico confirmado e fora de exacerbação pulmonar. A amostra foi submetida à avaliação postural, registro de parâmetros espirométricos – volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), capacidade vital forçada (CVF) e VEF1/CVF – e da distância percorrida pelo teste de caminhada de 6 minutos. Para análise dos dados, utilizou-se teste de Mann-Whitney, correlação de Spearman e regressão logística, considerando-se nível de significância de 5%.

RESULTADOS: No total, 42 pacientes foram incluídos, e 61,9% apresentaram aumento da cifose torácica. Não houve diferença nos valores de VEF1, CVF, VEF1/CVF e distância percorrida pelo teste de caminhada de 6 minutos entre os grupos com e sem cifose torácica (p = 0,407; p = 0,756; p = 0,415; p = 0,294). No grupo sem alteração postural, fibrocísticos mais graves apresentaram média de VEF1 de 74,1±21,9% e CVF de 79,8±18,7%, enquanto naqueles de menor gravidade foram verificados valores superiores (95,6±12,2% e 97,6±13,2%, respectivamente) (p = 0,027 e p = 0,027). A presença de cifose correlacionou-se com a idade (p = 0,048), mas não com a gravidade (p = 0,151) e o índice de massa corporal (p = 0,088).

CONCLUSÕES: Observou-se uma alta prevalência de aumento da cifose torácica em crianças e adolescentes com fibrose cística. Essa deformidade não alterou a função pulmonar e a capacidade funcional e não teve relação com a gravidade da doença. Independentemente da postura, a piora da gravidade da doença determinou piora da função pulmonar.

Palavras-chave: Postura, fibrose cística, função pulmonar.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To assess the impact of increased thoracic kyphosis on pulmonary function and functional capacity in children and adolescents with cystic fibrosis (CF) and to verify the influence of disease severity, age and nutritional status on this deformity.

METHOD: This was a cross-sectional, analytical study conducted at a university hospital. It included CF patients with confirmed diagnosis and without pulmonary exacerbation. The sample was submitted to postural assessment, spirometry (FEV1, FVC and FEV1/FVC) and 6-minute walk test distance (6-MWT distance). Data were analyzed using the Mann Whitney test, Spearman correlation and logistic regression.

RESULTS: Forty-two patients were enrolled, 61.9% presented increase of thoracic kyphosis. There was no difference in values of FEV1, FVC, FEV1/FVC and 6-MWT distance between the groups with or without thoracic kyphosis (p = 0.407; p = 0.756; p = 0.415; p = 0.294). In the group without alteration, patients with more disease severity had a mean FEV1 of 74.1±21.9% and FVC of 79.8±18.7% while in those of lesser severity higher values were found (95.6±12.2% and 97.6±13.2%, respectively) (p = 0.027 and p = 0.027). The presence of kyphosis was correlated with age (p = 0.048) but not with severity (p = 0.151) and body mass index (p = 0.088).

CONCLUSIONS: There was a high prevalence of increased thoracic kyphosis in children and adolescents with CF. The deformity did not affect pulmonary function and functional capacity and there was no relationship with disease severity. Regardless of posture, worsening of disease severity determined worsening of pulmonary function.

Keywords: Posture, cystic fibrosis, pulmonary function.

Introdução

O aumento da expectativa de vida na fibrose cística (FC) envolve o surgimento de complicações secundárias relacionadas ao sistema musculoesquelético1. Entre elas, a ocorrência de alterações na postura corporal e que podem prejudicar funções relacionadas ao sistema cardiopulmonar2.

Isso ocorre pelo fato de que anormalidades da postura têm forte influência sobre o trabalho respiratório, pois este determina um estímulo permanente sobre o suporte musculoesquelético, potencialmente agressivo em faixas etárias de desenvolvimento3,4.

O tronco, envolvendo músculos e a coluna torácica, tem uma dupla relação com o suporte postural e a ventilação. Essa dupla função exige que o tronco regule tanto as necessidades posturais quanto as do sistema respiratório5.

Na FC, a doença pulmonar exerce uma pressão positiva, repetida e em excesso sobre o arcabouço torácico, resultando em uma cifose torácica. Essa deformidade é resultante do processo obstrutivo e dos constantes episódios de tosse causados pela hipersecreção característica da doença, e sua presença pode contribuir para o declínio da função respiratória6.

É recomendado que intervenções sejam realizadas na tentativa de prevenir e/ou minimizar anormalidades posturais emergentes, sendo que a precocidade do tratamento é fundamental para que se minimize o comprometimento da função respiratória. A fase da pré-puberdade (8-12 anos) é descrita como o melhor período para o início dessa atenção mais cuidadosa, pois o período de crescimento é o mais adequado para qualquer intervenção6.

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a repercussão do aumento da cifose torácica na função pulmonar e na capacidade funcional de crianças e adolescentes com FC e verificar a influência da gravidade da doença, idade e aspectos nutricionais sobre a presença dessa deformidade.

Método

Realizou-se um estudo analítico de corte transversal no Ambulatório de Fibrose Cística do Departamento de Pediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Foram incluídos crianças e adolescentes de 7 a 19 anos, acompanhados regularmente no serviço, com diagnóstico de FC confirmado por história clínica, teste do suor alterado (cloro maior que 60 mmol/L) em pelo menos duas amostras e estudo genético molecular. Foram excluídos os pacientes dependentes de oxigenoterapia e aqueles em exacerbação pulmonar aguda, segundo pontuações do Cystic Fibrosis Clinical Score7 e do escore da Cystic Fibrosis Foundation8, instrumentos estes aplicados rotineiramente nas consultas ambulatoriais9.

O ambulatório de FC do serviço presta assistência a aproximadamente 150 crianças e adolescentes. Todos os pacientes acompanhados no serviço, dentro da faixa etária delimitada pelo estudo, foram convidados a participar da pesquisa no período de janeiro a dezembro de 2011.

A amostra foi submetida à avaliação postural pelo Teste de Nova York (TNY)10,11, exame da função pulmonar através da espirometria e teste de caminhada de 6 minutos (TC6). Os dados antropométricos de peso e altura, bem como o cálculo do índice de massa corporal (IMC) também foram registrados.

O TNY é um método objetivo de avaliação postural que contempla 13 segmentos corporais. Apresenta um sistema de pontuação que permite uma análise quantitativa com poder de classificação da desordem postural avaliada. Cada segmento corporal recebe uma pontuação de acordo com a adequação de seu alinhamento (5 pontos – padrão normal; 3 – alteração moderada; e 1 – grave). Ao final da avaliação, é realizada a somatória dos pontos de todos os segmentos, e a postura do indivíduo é classificada em: normal (56 a 65 pontos), moderada (40 a 55) e grave (1 a 39)11. Este estudo analisou em específico a posição da coluna torácica em vista lateral, que determina o grau de curvatura desse segmento (normal, com discreto aumento ou alto grau de cifose). Essa alteração também foi classificada como normal, moderada ou grave, segundo o TNY, e os pacientes foram agrupados de acordo com a presença (TNY moderado ou grave) ou ausência (TNY normal) do aumento da cifose torácica, sendo nomeados de grupo com cifose torácica e grupo sem a alteração, respectivamente. Para a análise dos dados, considerou-se essa variável como qualitativa.

A função pulmonar foi avaliada através da espirometria (espirômetro Medgraphics CPFS/D) no Laboratório de Função Pulmonar da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, respeitando as normas da American Thoracic Society (ATS, 1995)12. Foi considerada a porcentagem do valor predito das variáveis de volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e capacidade vital forçada (CVF). Um ponto de corte de 80% foi considerado para dividir a amostra em abaixo do predito (menos de 80%) e aqueles acima do predito (mais de 80%).

Após um repouso de 15 minutos, realizou-se o TC6 para avaliação da capacidade funcional dos fibrocísticos. O TC6 foi realizado também seguindo as recomendações da ATS (ATS, 2002)13, sendo registrada a distância percorrida (DP). A distância predita para cada participante foi calculada de acordo com Prienitz et al.14. Para análise dos dados, os pacientes foram agrupados de acordo com o desempenho no teste e a DP (sendo DP: abaixo da predita e acima da predita).

A gravidade da doença fibrocística também foi considerada utilizando-se o escore de Shwachman (ES) modificado por Doershuk15. O ES aborda itens relacionados à atividade geral, exame físico, nutrição e achados radiológicos, apresentando uma escala de 20 a 100 pontos. Os pacientes foram classificados como: graves (pontuação menor que 40), moderados (entre 40 e 55), médios (de 56 a 70), bons (entre 71 e 85) e excelentes (de 86 a 100 pontos). Para análise dos dados, a amostra foi dividida em dois grupos: o grupo de menor gravidade (pacientes classificados como bons e excelentes pelo ES) e o grupo de maior gravidade (classificados como graves, moderados e médios)15, sendo considerada dicotomizada para a análise dos dados.

Os dados foram processados com o software Statistical Package for the Social Sciences 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA). Determinou-se a frequência das variáveis para caracterização da amostra. Após verificação da falta de normalidade dos dados, pelo teste de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, realizou-se a comparação das variáveis espirométricas (CVF, VEF1, VEF1/CVF) e da DP no TC6 entre os grupos com e sem cifose torácica através do teste não paramétrico de Mann-Whitney para amostras independentes. O mesmo teste foi utilizado para comparar as mesmas variáveis, de acordo com a gravidade dos grupos. Foi empregado o teste de correlação de Spearman para verificar a influência da cifose torácica sobre os parâmetros espirométricos, IMC, idade e gravidade. A relação entre a presença de cifose e as variáveis espirométricas (VEF1 e CVF) e funcionais (DP no TC6) foi analisada através de regressão logística univariada, seguida da multivariada, pelo método Forward Wald. Considerou-se como variável independente a cifose torácica, e VEF1, CVF e DP pelo TC6 como variáveis dependentes. O nível de significância adotado foi de 5%.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP (nº 172/2010). Todos os participantes do estudo tiveram o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis.

Resultados

Foram incluídos 42 crianças e adolescentes, de 7 a 19 anos, média de idade de 12,47±3,43 anos. Os pacientes apresentaram um mínimo de 12 kg e máximo de 64,4 kg (média 30,82±14,71 kg), com média de altura de 1,32±0,23 metros.

A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra em relação aos dados antropométricos, sexo, idade, gravidade da doença, padrão postural e da coluna torácica, espirometria e DP no TC6.

A relação entre a presença de alteração da coluna torácica, de acordo com a classificação do TNY, e as variáveis de VEF1, CVF, VEF1/CVF e DP no TC6 foi analisada. A média dos valores de VEF1 no grupo sem aumento da cifose torácica (n = 16) foi de 84,8±20,4 (dado pelo percentual em relação ao predito), e no grupo com aumento da cifose torácica (n = 26), obteve-se uma média de 78,8±20,7. Essa diferença não foi estatisticamente significante (p = 0,407). Em relação aos valores de CVF, os grupos sem e com aumento da cifose torácica apresentaram médias de 88,7±18,1 e 85,5±18,4, respectivamente (p = 0,756).

A média dos valores da relação VEF1/CVF no grupo sem cifose torácica foi de 95,1±10,6 (porcentagem em relação ao predito), e no grupo com cifose torácica aumentada foi de 91,7±13,7. Essa diferença também não foi estatisticamente significante (p = 0,415). A média dos valores de DP pelo TC6 nos grupos sem e com cifose torácica aumentada foi de 597,6±93,2 e 564,2±67,6 metros, respectivamente (p = 0,294).

As Tabelas 2 e 3 referem-se à distribuição dos valores de VEF1, CVF, VEF1/CVF e DP no TC6 em relação aos níveis de gravidade da doença, pelo ES, presentes nos grupos com e sem alteração da coluna torácica.

No grupo sem cifose torácica, os fibrocísticos com maior gravidade apresentaram média de VEF1 de 74,1±21,9%, enquanto o grupo de menor gravidade apresentou valores superiores (95,6±12,2%), sendo essa diferença estatisticamente significante (p = 0,027). Em relação à CVF, o grupo sem cifose torácica e com menor gravidade apresentou média de 97,6±13,2% do predito, e o de maior gravidade, de 79,8±18,7% (p = 0,027). Já a relação VEF1/CVF no grupo sem aumento da cifose torácica, aqueles classificados como de menor gravidade apresentaram média de 98,3±8,6, enquanto que no grupo de maior gravidade, a média foi de 91,9±12,1 (p = 0,141). No grupo com cifose torácica aumentada, o grupo de menor gravidade da doença obteve uma média da relação VEF1/CVF de 93,7±14,1, enquanto que o grupo de maior gravidade, média de 87,2±12,5 (p = 0,120). Esses dados são apresentados na Tabela 2.

Não houve diferença entre a DP no TC6 e o nível de gravidade dos pacientes (menor e maior gravidade) nos grupos sem e com cifose torácica (639,8±105,2 versus 555,5±59,1 metros, p = 0,093; e 559,7±64,3 versus 574,5±78,0 metros, p = 0,868; respectivamente) (Tabela 3).

Houve correlação entre cifose torácica e idade (r = 0,308; p = 0,048). O IMC (r = 0,088; p = 0,581) e a gravidade da doença (r = -0,151; p = 0,339) não apresentaram correlação com a deformidade.

Após realização de regressão logística univariada, observou-se que houve associação nociva entre a DP no TC6 e crianças com cifose, bem como com VEF1 (odds ratio > 1,00). Os pacientes com alteração torácica apresentaram DP abaixo do predito e VEF1 abaixo de 80% (Tabela 4). Neste estudo, um paciente com FC e cifose apresentou 0,972 de chance de ter VEF1 abaixo do predito e 0,2513 de alcançar menor DP no TC6 comparado a um fibrocístico sem cifose. Para CVF, o resultado foi de -0,0225. Na aplicação da regressão logística multivariada, nenhuma das variáveis permaneceu no modelo.

Discussão

A estreita relação entre respiração e postura é consenso no manejo da FC, sendo as desordens posturais consideradas secundárias à doença pulmonar. Nesse contexto, a presente investigação procurou avaliar a repercussão do aumento da cifose torácica em parâmetros de função pulmonar (espirometria) e da capacidade funcional (TC6) de crianças e adolescentes com FC.

A identificação da alta prevalência da cifose torácica na população de crianças e adolescentes com FC estudada corrobora achados e justificativas que a literatura tem apresentado. Nessa linha, o processo fisiopatológico e a progressão da doença pulmonar são apontados como os grandes responsáveis pelo desenvolvimento de alterações da postura corporal. Isso porque a progressão da doença com quadros de hipersecreção pulmonar leva a hiperinsuflação e episódios de tosse frequentes. Esses eventos repercutem no sistema musculoesquelético através de importantes encurtamentos musculares. Os encurtamentos são capazes de provocar alterações posturais que podem alterar a mecânica respiratória2.

Essa relação entre a postura e a mecânica respiratória tem sido foco de discussão de vários autores2,4,16-20. Segundo eles, o aprisionamento de ar é causado pelo processo inflamatório recorrente, hipersecreção brônquica e diminuição do recolhimento elástico das vias aéreas. Esses fatores resultam num remodelamento dessa estrutura, seguido de infecção crônica, com consequente redução do diâmetro das vias e perda de elasticidade pulmonar. O tórax hiperinsuflado eleva o tórax superior e achata as cúpulas diafragmáticas. Essas compensações elevam o volume torácico e a negatividade da pressão pleural, aumentando a pressão transpulmonar e o diâmetro das vias aéreas. Os músculos inspiratórios, por sua vez, se adaptam progressivamente à nova posição das estruturas ósseas, que irá levar ao encurtamento das fibras e redução da habilidade desses músculos de gerar força2,16. Em indivíduos que apresentam estado nutricional deficiente, parece ser potencializado o desenvolvimento de deformidades espinhais.

Diante desse processo fisiopatológico e sua íntima ligação com a caixa torácica, a alteração postural mais comumente vista na FC é o aumento da cifose torácica4,17-21. Essa alteração foi evidenciada na presente pesquisa, sendo que uma prevalência semelhante à encontrada (62%) também foi observada no trabalho de Parasa & Maffulli18. Uma incidência inferior, em torno de 15,1% casos, havia sido publicada em estudo da década de 198022.

A alta incidência de complicações musculoesqueléticas na FC tem sido associada ao aumento da idade e piora da função pulmonar4,18,23. Especificamente sobre a postura, sugere-se que a presença de alterações posturais apresente correlação com reduções na função pulmonar e na capacidade de exercício5,21,24. No entanto, esse fato não foi constatado no resultado corrente, no qual o aumento da cifose torácica não teve relação com os dados espirométricos nem como o desempenho no TC6. Os achados de Logvinoff & Erkilla4,17 corroboram com os aqui apresentados, pois a cifose também foi prevalente e não se correlacionou com as variáveis da espirometria.

Alguns artigos apontam para o declínio da função pulmonar mediante comprometimentos posturais importantes21, principalmente do aumento da cifose torácica23. Massie et al.23 evidenciaram que esse tipo de alteração associa-se a idade aumentada e baixa função pulmonar, o que ainda é controverso, visto que o estudo de Erkilla et al. não encontrou resultado semelhante. Nele, a deformidade torácica não se correlacionou com a gravidade da doença nem com a função pulmonar, assim como na presente pesquisa, porém a prevalência da cifose aumentou com a idade4.

A associação entre a gravidade da doença fibrocística e o acometimento da postura não segue um padrão na literatura, assim como a relação entre uma pior postura e, com ela, uma pior função pulmonar. Diferente dos achados aqui apresentados, bem como do estudo de Erkilla et al.4 e Tattersall & Walshaw21, constataram correlação entre a postura e a gravidade da FC em adultos. Denton et al.22 já haviam verificado o mesmo em 1981, com uma amostra de 91 crianças e adolescentes, cujo aumento da cifose torácica teve relação com a gravidade da doença pulmonar. O mesmo comportamento foi publicado por Henderson & Specter20, que, além disso, também encontraram correlação entre a presença de cifose e a faixa etária.

Nos resultados aqui obtidos, apesar de, estatisticamente, não ter sido constatada a influência da gravidade da doença fibrocística na função pulmonar dos pacientes com aumento da cifose torácica, segundo análise por regressão logística, e mesmo na ausência dessa deformidade no tórax, crianças de menor gravidade apresentaram maiores valores de VEF1 e CVF comparados com os pacientes mais graves (95,6±12,2 versus 74,1±21,9, p = 0,027; e 97,6±13,2 versus 79,8±18,7, p = 0,027). Dessa forma, observa-se que independentemente da postura, a piora da gravidade da doença está relacionada à piora da função pulmonar. Isso provavelmente se associa ao fato de a deterioração clínica determinar a progressão da doença pulmonar.

Diferentemente, o trabalho de Tejero Garcia et al.19 encontrou, numa amostra de 50 fibrocísticos maiores de 16 anos, correlação da gravidade da doença com o VEF1, CVF e com o aumento da cifose torácica, sendo que esta última também teve relação com o VEF1. No entanto, esse estudo foi realizado com uma amostra de valores espirométricos inferiores aos aqui apresentados, assim como com uma população de maior idade. Além disso, a gravidade da doença foi classificada apenas pelos dados da espirometria e não pelo amplo ES, como aplicado na corrente investigação. Todos esses fatores podem ter influenciado na diferença de resultados entre as pesquisas. Outro dado divergente no estudo desse autor se deve à correlação verificada entre a gravidade da doença e a DP no TC6, evento este que aqui não ocorreu, pois se observou apenas que quanto maior a idade, maior a DP no TC6. Não houve diferença estatisticamente significante na DP no TC6 entre os grupos de maior e menor gravidade, nos pacientes com e sem cifose torácica (p = 0,616 e p = 0,068, respectivamente).

Segundo a literatura, o desenvolvimento da cifose torácica tem causa multifatorial. Entre os fatores que contribuem para essa deformidade, estão: redução da massa muscular25 e da densidade mineral óssea26, trabalho respiratório excessivo22, osteopenia24 e dor crônica26.

Sua presença é frequentemente relatada nos trabalhos em populações de fibrocísticos adultos, com uma alta porcentagem identificada já na fase puberal27, assim como o perfil da corrente amostra. E, segundo Elkin27, mesmo que esses indivíduos ainda não apresentem repercussão na função pulmonar, existe a necessidade de intervenção interprofissional precoce. Lannefors et al.28 ressaltam essa ideia preventiva, pois considera que há uma alta prevalência de aumento da cifose torácica que pode ser revertida se adequadamente tratada. Segundo a autora, a manutenção do alinhamento postural reduz o risco de dor lombar e de complicações vertebrais, além de contribuir para preservar a função física28.

Estudos longitudinais evidenciam que o tratamento de desordens posturais pode ser bem sucedido através de métodos de avaliação e programas apropriados16,21. Exercícios para mobilidade torácica, alongamentos musculares e atividades para coordenação promovem melhora da postura e da complacência da parede torácica, resultando na manutenção e otimização da função pulmonar. Pacientes com maior gravidade da doença pulmonar, menor capacidade aeróbia e estilo de vida mais sedentário merecem atenção especial, pois estão predispostos a menor densidade mineral óssea, maior prevalência de fratura vertebral e ao desenvolvimento de aumentos importantes da cifose torácica19.

Apesar de a análise de regressão logística não ter sido estatisticamente significativa para nenhuma das variáveis, o valor de odds ratio das variáveis DP no TC6 e VEF1 indicam certa tendência da presença de cifose determinar fator de risco para um menor desempenho no TC6 e menor valor espirométrico. A ampliação do tamanho amostral poderia sensibilizar os testes estatísticos e contribuir para identificação de novos resultados.

A ausência de uma amostra mais ampla, caracterizada por pacientes mais graves e de maior idade, pode ter restringido a identificação dos resultados, assim como a aplicação de um instrumento de avaliação postural mais sensível. Estudos com desenhos longitudinais para avaliar a evolução da deformidade torácica e o efeito de intervenções terapêuticas, tanto sob o sistema musculoesquelético como respiratório, são sugestões para investigações complementares futuras.

Conclusão

Observou-se uma alta prevalência de aumento da cifose torácica em crianças e adolescentes com FC. Essa deformidade não alterou a função pulmonar e a capacidade funcional e também não teve relação com a gravidade da doença. No entanto, independentemente da postura, a piora da gravidade da doença determinou uma maior deterioração da função pulmonar.

Artigo submetido em 17.01.12, aceito em 25.04.12.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Okuro RT, Côrrea EP, Conti PB, Ribeiro JD, Ribeiro MA, Schivinski CI. Influence of thoracic spine postural disorders on cardiorespiratory parameters in children and adolescents with cystic fibrosis. J Pediatr (Rio J). 2012;88(4):310-6.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      17 Jan 2012
    • Aceito
      25 Abr 2012
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