Acessibilidade / Reportar erro

Evolução clínica de alterações tomográficas incidentais de seios paranasais em indivíduos assintomáticos: estudo de coorte

Resumos

OBJETIVO: Verificar se, em crianças e adolescentes sem rinossinusite, a presença de opacificações dos seios paranasais implica em maior risco de desenvolvimento posterior de sintomas do trato respiratório superior. MÉTODOS: Estudo prospectivo de coorte, com pacientes entre 0 e 18 anos, submetidos à tomografia computadorizada do crânio por indicações não relacionadas à rinossinusite. As opacificações sinusais foram aferidas pelo escore razão opacificação/desenvolvimento. A evolução clínica dos pacientes foi então avaliada por questionários durante o mês que se seguia ao exame. RESULTADOS: Dos 106 pacientes incluídos, as opacidades acometeram 56%, a maioria de espessamento mucoso. Opacidades intensas, ditas suspeitas (escore > 15), impuseram maior risco de desenvolvimento de sintomas no seguimento (odds ratio = 2,74; IC95%:1,10-6,83), em comparação aos exames normais ou às opacidades discretas. CONCLUSÃO: Opacidades tomográficas sinusais incidentais em crianças e adolescentes oferecem risco de desenvolvimento futuro de quadro clínico respiratório quando intensas.

Rinossinusite; tomografia computadorizada; diagnóstico


OBJECTIVE: To determine whether the presence of opacification in the paranasal sinuses of children and adolescents without rhinosinusitis implies an increased risk of later development of upper respiratory tract symptoms. METHODS: This was a prospective study of a cohort of patients aged 0 to 18 years who underwent computerized tomography (CT) scans for indications unrelated to rhinosinusitis. Sinus opacification was evaluated using an opacification/development ratio score. The patients’ clinical progression was followed up using a questionnaire for 1 month after the scans. RESULTS: Fifty-six percent (56%) of the 106 patients enrolled in the study had opacity, the majority due to mucosal thickening. Intense opacification was defined as "suspected" (score > 15) and patients in this subset had a greater risk of developing symptoms during follow-up (odds ratio = 2.74; 95%CI 1.10-6.83) compared to those with no findings or discrete findings. CONCLUSION: Intense incidental sinus opacity on CT indicates a risk of future development of a clinical respiratory condition.

Rhinosinusitis; computerized tomography; diagnosis


ARTIGO ORIGINAL

Evolução clínica de alterações tomográficas incidentais de seios paranasais em indivíduos assintomáticos: estudo de coorte

Severino A. de Araújo-NetoI; Emílio C. E. BaracatII

IDoutor, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP. Professor adjunto I, Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba (FCM-PB), João Pessoa, PB.

IIDoutor. Professor associado, Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP, Campinas, SP.

Correspondência Correspondência: Severino A. de Araújo Neto Rua Maria Helena Rocha, 113, apto. 1102 CEP 58036-823 – João Pessoa, PB Tel.: (83) 3421.2985; (83) 9946.9915 Fax: (83) 3421.2985 E-mail: severinoaires@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Verificar se, em crianças e adolescentes sem rinossinusite, a presença de opacificações dos seios paranasais implica em maior risco de desenvolvimento posterior de sintomas do trato respiratório superior.

MÉTODOS: Estudo prospectivo de coorte, com pacientes entre 0 e 18 anos, submetidos à tomografia computadorizada do crânio por indicações não relacionadas à rinossinusite. As opacificações sinusais foram aferidas pelo escore razão opacificação/desenvolvimento. A evolução clínica dos pacientes foi então avaliada por questionários durante o mês que se seguia ao exame.

RESULTADOS: Dos 106 pacientes incluídos, as opacidades acometeram 56%, a maioria de espessamento mucoso. Opacidades intensas, ditas suspeitas (escore > 15), impuseram maior risco de desenvolvimento de sintomas no seguimento (odds ratio = 2,74; IC95%:1,10-6,83), em comparação aos exames normais ou às opacidades discretas.

CONCLUSÃO: Opacidades tomográficas sinusais incidentais em crianças e adolescentes oferecem risco de desenvolvimento futuro de quadro clínico respiratório quando intensas.

Palavras-chave: Rinossinusite, tomografia computadorizada, diagnóstico.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine whether the presence of opacification in the paranasal sinuses of children and adolescents without rhinosinusitis implies an increased risk of later development of upper respiratory tract symptoms.

METHODS: This was a prospective study of a cohort of patients aged 0 to 18 years who underwent computerized tomography (CT) scans for indications unrelated to rhinosinusitis. Sinus opacification was evaluated using an opacification/development ratio score. The patients' clinical progression was followed up using a questionnaire for 1 month after the scans.

RESULTS: Fifty-six percent (56%) of the 106 patients enrolled in the study had opacity, the majority due to mucosal thickening. Intense opacification was defined as "suspected" (score > 15) and patients in this subset had a greater risk of developing symptoms during follow-up (odds ratio = 2.74; 95%CI 1.10-6.83) compared to those with no findings or discrete findings.

CONCLUSION: Intense incidental sinus opacity on CT indicates a risk of future development of a clinical respiratory condition.

Keywords: Rhinosinusitis, computerized tomography, diagnosis.

Introdução

A inflamação sintomática do revestimento mucoso dos seios paranasais (SPNs), conhecida por rinossinusite (RS), é altamente prevalente e pode ser classificada em aguda, recorrente e crônica1. A RS aguda (RSA) é uma das cinco indicações mais frequentes para a prescrição de antibióticos2 e, por isso, é desejável que não seja confundida com outras enfermidades a fim de evitar o uso desnecessário desses medicamentos.

O diagnóstico da RS é prioritariamente clínico1. A radiografia simples apresenta baixa acurácia, sendo, atualmente, a tomografia computadorizada (TC) definida como padrão-ouro3,4. Geralmente a TC não é usada na RSA, mas tem indicação estabelecida nos casos de RS crônica (RSC), que frequentemente associa-se a fatores obstrutivos, como polipose nasal e variações anatômicas. Na suspeita de complicações intraorbitárias ou intracranianas, preconiza-se a TC ou ressonância magnética (RM) com contraste1,2,4,5.

O espessamento mucoso, os níveis líquidos e a opacificação total dos SPNs são alterações da RS6, mas também são encontradas em pacientes com resfriados, gripes, rinite e asma alérgica em proporções que variam de 33 a 88%7-11. Mesmo sem qualquer doença respiratória, esses achados frequentemente constituem achado incidental de exame12-18.

Vários autores afirmaram que as opacidades são desprovidas de significado clínico quando dissociadas de sintomas de RS12,13,19. Todavia, alguns defendem que alterações intensas merecem acompanhamento clínico12.

O presente estudo tem o objetivo de verificar se as alterações tomográficas sinusais em crianças e adolescentes assintomáticos são preditoras de evolução clínica para rinossinusite.

Metodologia

Realizado estudo prospectivo longitudinal de coorte. O consentimento informado foi obtido dos pais ou responsáveis, e o projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa das instituições de ensino envolvidas.

Foram incluídos, consecutivamente, pacientes de 0 a 18 anos, encaminhados ao setor de radiologia para realização de TC do crânio por motivos não relacionados à RS. Não foram admitidos pacientes com suspeita ou quadro clínico de RS, portadores de RSC ou diagnosticados com RSA há menos de 2 meses, aqueles com traumatismo craniano recente, radioterapia da região da cabeça ou pescoço, portadores de fibrose cística e de doença do refluxo gastroesofágico. Foram excluídos os pacientes cujos exames falharam em demonstrar todos os seios e aqueles que perderam o seguimento clínico.

Para escore clínico de admissão (S5adm), foi aplicado um questionário (escore S5)20 que verifica cinco itens referentes a sinais e sintomas da RS (dor de cabeça ou facial, tosse diurna, tosse noturna, obstrução e corrimento nasal), graduando-os de 0 a 3 pontos. O resultado final varia de zero a três e é dado pela soma dos itens divida por 5. Foi estabelecido por seus autores20 que S5 > 1 é positivo para RS, sendo esse ponto de corte definido para não inclusão dos pacientes na presente casuística.

A técnica da TC de crânio seguia os padrões técnicos habituais dos serviços e consistia de cortes axiais paralelos à linha orbitomeatal, variando de 2 a 5 mm, na fossa posterior, e de 5 a 10 mm, na região supratentorial, dependendo do porte do paciente. Nos pacientes estudados, foram adicionados dois cortes tomográficos mais caudais no nível dos seios maxilares (Figura 1), ajustados de forma a não cruzar o plano do cristalino. Os demais seios eram incluídos nos cortes para o crânio. Foram utilizados aparelhos de TC helicoidais Tomoscan SR-4000 (Philips, Eindhoven, Holanda), Helicat Flash (Elscint Company, Israel) e X-Vision (Toshiba, Tokyo, Japão). As imagens foram registradas em janelas com nível entre 0 e 400 UH, largura de 1.000 a 2.000 UH.


A interpretação da TC foi feita independentemente por dois radiologistas, com experiência de pelo menos 4 anos na especialidade, sem acesso ao escore S5. Foram assinalados, para cada seio: a) o desenvolvimento (a presença); b) o grau de opacificação; e c) tipo da opacificação (espessamento, cisto/pólipo, opacificação total ou nível líquido). As discordâncias foram resolvidas em consenso.

A intensidade da opacificação foi quantificada pela razão opacificação/desenvolvimento (ROD), um escore já validado21. Para a opacificação, cada seio pontua segundo presença de opacificação: a) 0 (zero): se normal ou ainda não desenvolvido; b) 1 (um): quando tem < 2/3 da área opacificada; c) 2 (dois): se > 2/3 da área está opacificada; e d) 3 (três): quando há opacificação total. A soma da opacificação é o numerador da razão. Para o desenvolvimento, a ROD pontua 3 para o seio presente, e o seio não desenvolvido pontua 0 (zero). A soma dos pontos do desenvolvimento constitui o denominador da razão. Para a estimativa da proporção de área opacificada, a ROD é então calculada seguindo a seguinte fórmula:

ROD = (total da opacificação/total do desenvolvimento) x 100

O resultado, que varia de zero a um, é multiplicado por 100 e oferece uma estimativa da percentagem de área opacificada dos SPNs18,21. Os pacientes foram divididos em dois grupos: opacificação de "baixa probabilidade" (ROD < 15) e opacificação "suspeita" (ROD > 15). Esse ponto de corte foi definido como o de melhor acurácia para RS21.

Quanto ao tipo de opacidade, foram unidos a opacificação total e o nível líquido de um lado e cistos/pólipos e espessamento de outro. Quanto à extensão da opacificação, "um seio acometido" versus "2 ou mais seios" versus "todos os seios".

Para o escore clínico de seguimento (S5seg), os pacientes foram seguidos através de contatos telefônicos semanais por 4 semanas após o exame e com o mesmo questionário S5. O desfecho era negativo se o paciente mantivesse S5seg < 1 e positivo quando se elevava a > 1 em qualquer das entrevistas.

Foi usado o pacote estatístico SPSS versão 13.0, com nível de significância em 5% (p < 0,05). Os testes usados foram: Mann-Whitney (MW) e ANOVA de Kruskal-Wallis para comparação das médias dos postos de duas ou mais amostras independentes, respectivamente; teste de Dunnett, um teste de comparação múltipla, para complementar testes de comparação de médias com três ou mais amostras independentes, a fim de identificar em qual delas ocorre a diferença; qui-quadrado ou teste exato de Fisher para associação entre variáveis categóricas; teste de correlação entre variáveis quantitativas de Pearson e de Spearman (r); e odds ratio (OR) para estudo da coorte, com significância quando intervalo de confiança de 95% (IC95%) não cruza o valor 1.

Resultados

Foram estudados 129 pacientes. Vinte e três casos foram excluídos: cinco por artefatos de imagens ou não inclusão de todos os seios, e outros 18 por perderem o seguimento. Dos 106 pacientes restantes, 57 eram do gênero feminino (53,8%). A idade variou de 5 meses a 18 anos [média = 6,8 anos; desvio padrão (DP) = 4,4 anos]. As indicações dos exames mais comuns foram epilepsia/convulsão (24,7%), retardo no desenvolvimento neuropsicomotor (19,8%) e cefaleia (14,8%).

Os seios maxilares e etmoidais estavam desenvolvidos em todos os pacientes: o seio esfenoidal em 77 (72,6%), e os frontais em 33 (31,1%). Cinquenta e nove pacientes (55,7%) tinham algum tipo de alteração, mais frequentemente nos maxilares (n = 46; 43,4%) e etmoidais (n = 31; 29,2%), seguidos dos esfenoidais, com 18,2% (14/77), e frontais, com 3,0% (1/33). A ROD variou de 0 a 83 (média = 12,7; DP = 19,2). A ROD de baixa probabilidade (ROD < 15) representou 70,7% da amostra (n = 75), e a ROD suspeita, 29,3% (n = 31). O espessamento mucoso apareceu isoladamente em 72,9% dos casos (n = 43/59). Cistos/pólipos e opacificação total ocorreram, ambos, em sete pacientes (11,9%), e os níveis líquidos, em dois (3,4%).

As opacificações foram mais intensas na faixa etária < 3 anos, segundo a ROD média, com redução progressiva nas faixas etárias seguintes (Tabela 1). Dos 69 pacientes que responderam sobre alergias, 18 (26,1%) foram positivos. Não houve diferenças significativas entre alérgicos e não alérgicos quanto à ROD média (p = 0,247).

A anestesia foi requisitada em 41 dos 106 pacientes durante o exame (38,7%). O uso de anestesia foi determinado pelo fator idade, sendo utilizada, no grupo menor que 3 anos, em 90,9% dos casos, reduzindo para 36,0 e 8,8% nas faixas etárias de 3-9 anos e > 9 anos, respectivamente. A comparação de médias da ROD detectou diferença significativa entre os pacientes anestesiados (ROD média = 18,8) e não anestesiados (ROD média = 8,8) (p = 0,004).

Para isolar estatisticamente os efeitos das variáveis idade e anestesia, separou-se a amostra em população sem anestesia (n = 65) e população com anestesia (n = 41). Ao comparar as médias de ROD, a diferença estatística entre as faixas etárias mantém-se na amostra total, mas não no grupo sem anestesia (p = 0,330 e p = 0,026, respectivamente).

O S5adm teve média de 0,41 (DP = 0,32). Não houve correlação entre as escalas S5adm (0 a 1) e ROD (0 a 100) (Spearman r = 0,077; p = 0,434). As classes ROD de baixa probabilidade e suspeita também não tiveram médias de S5adm diferentes (p = 0,467). Quanto à idade, o S5adm médio foi maior na faixa de 3 a 9 anos, em relação às outras duas (< de 3 anos e > 9 anos) (ANOVA: p = 0,013). A idade foi analisada também agrupando pacientes de até 5 anos (n = 49) e os maiores de 5 anos (n = 57), agora sem diferenças de S5adm (p = 0,629). A S5adm média foi maior nos alérgicos (p = 0,032).

Dos 106 pacientes, 101 atenderam a, no mínimo, duas entrevistas de seguimento, e dois tiveram desfecho positivo já na 1ª semana. Três pacientes perderam o contato com apenas uma entrevista, sem terem seu desfecho positivo, e decidiu-se por excluí-los das análises subsequentes, as quais contaram com 103 pacientes, portanto. O desfecho foi positivo para 28 (27,2%), com maior incidência na 2ª semana (n = 11; 39,3%) (Figura 2).


A OR do grupo com ROD suspeita (ROD > 15) em apresentar o desfecho positivo foi de 2,74, em relação ao grupo ROD de baixa probabilidade (Tabela 2). Não houve aumento de risco de desfecho positivo relacionado à opacificação de algum seio específico, nem ao tipo de alteração (nível/opacificação total versus pólipo/espessamento), nem extensão do acometimento (em duas categorias: um seio versus dois ou mais seios), nem assimetria do acometimento.

A variável idade, reagrupada em duas faixas etárias (até 5 anos e com mais de 5 anos), mostrou tendência de relação positiva com o desfecho positivo, sem significância estatística (OR = 2,32; IC95% 0,95-5,63; p = 0,06), o mesmo ocorrendo nos pacientes com anestesia (OR = 2,31; IC95% 0,95-5,58; p = 0,061). A presença de rinite/asma implicou maior risco para desfecho positivo na análise de risco (OR = 3,56; IC95% 1,09-11,54).

Discussão

As opacidades sinusais são frequentemente flagradas em indivíduos com outras afecções respiratórias além da RS. Kristo et al.7 estudaram crianças com infecções das vias aéreas superiores (IVAS) por RM e encontraram opacidades em 88% dos casos. Gwaltney et al.11 revelaram altos índices de anormalidades na TC de adultos com resfriado comum (até 87% dos maxilares). Kovalhuk et al.8 estudaram crianças com asma e rinite alérgica pela TC e descobriram opacificação acentuada em 20%. O achado de alteração sinusal pode ser também puramente incidental. Em 666 TCs de crânio de adultos, Havas et al. revelaram tais alterações em 42%13. Opacidades sinusais estiveram presentes em 41% dos exames de TC dos ossos temporais e órbitas de pacientes até 18 anos estudados por Lesserson et al.12. Manning et al. estudaram crianças e adolescentes com TC e RM de crânio e revelaram alterações nos SPNs em 55%19. Um estudo recente de Hill et al.17 mostrou números elevados, com opacidades em cerca de 80% de crianças e adolescentes assintomáticas.

No presente estudo, as alterações sinusais apareceram em 55,7%, que é discretamente superior à maioria dos estudos. Em 73% desses casos, o espessamento mucoso foi o único achado, enquanto que a opacificação total de uma cavidade e o nível líquido ocorreram em uma minoria. Esse predomínio de opacidades discretas em pacientes não portadores de RS é a regra nos dados de literatura12,13,17,19,22, assim como o predomínio de opacificação nos seios maxilares (43%) e etmoidais (29%) e a opacificação difusa e bilateral aqui observada13.

Os pacientes abaixo de 3 anos apresentaram prevalência e intensidade de opacificação significativamente superiores aos mais velhos, o que já foi demonstrado em trabalhos anteriores16,23. Entretanto, o efeito observado da anestesia sobre a opacificação, que não foi mencionado por estudos anteriores em assintomáticos, pode ter imposto importante viés nessa relação, podendo ser mais bem explorado futuramente.

Os achados aqui expostos impõem ao conceito radiológico de seio normal a inclusão de algum grau de opacificação. Segundo Wald24, os critérios diagnósticos radiográficos de RS devem limitar-se a espessamento mucoso de pelo menos 4 mm, opacificação total ou nível líquido. Desses critérios, o menos específico é o espessamento mucoso25,26. Usando o sistema de escore para medida de opacificação sinusal de Lund e Mackay (SLM), Bhattacharia e Fried estabeleceram que um valor > 4, definido como alta probabilidade de RS, atingiu o melhor escore para acurácia para o diagnóstico22. Um SLM > 4 corresponde a ROD > 15 (aqui denominada ROD suspeita), conforme correlação estabelecida em estudo prévio21. Entretanto, na presente casuística, 29% dos pacientes, todos sem RS, tiveram ROD suspeita, inferindo um índice de resultados falso-positivos relativamente alto para esse ponto de corte e reiterando a baixa especificidade da opacificação tomográfica para o diagnóstico de RS.

Na prática, o radiologista não deve estabelecer o diagnóstico de RS sem tomar conhecimento dos dados clínicos. Em pacientes sem sintomas, opacificações com ROD < 15, SLM < 4 ou espessamentos mucosos < 4 mm muito dificilmente representarão RS.

Nos pacientes em que o diagnóstico clínico seja duvidoso e opacificações radiológicas confundam ainda mais o quadro, exames de cultura de material coletado do seio por punção direta ou fibroendoscopia nasal poderiam afastar definitivamente o diagnóstico de RS1,26. Todavia, esses não são procedimentos práticos ou rotineiros. Mesmo sendo as opacidades estéreis, restaria ainda a suspeita de que estivessem lá em virtude de desequilíbrios fisiológicos da drenagem ou aeração das cavidades, que viriam, em breve, a facilitar eventualmente a proliferação de bactérias. Daí o objetivo do presente trabalho ter se voltado para a questão do eventual risco de evolução clínica e não puramente para critérios de interpretação do que é normal ou anormal na TC dos SPNs.

No seguimento clínico, 27% dos pacientes desenvolveram sintomas (desfecho positivo). Pacientes com ROD > 15 (suspeita) tiveram significativamente mais chances de tal evolução (OR = 2,74), em relação àqueles que tiveram alterações tomográficas de baixa probabilidade.

Dois trabalhos estudaram o comportamento de achados incidentais dos SPNs ao longo do tempo, mas fizeram referências apenas ao quadro imaginológico, sem correlação com a evolução clínica dos pacientes. Maly & Sundgren27 pesquisaram retrospectivamente adultos que haviam realizado duas RMs de crânio em intervalo mínimo de 4 meses por motivos neurológicos, revelando que, em 90% dos pacientes, os achados ficaram estáveis ou melhoraram. Em um outro estudo, crianças com sintomas respiratórios de curta duração (< 10 dias) foram submetidas à RM, com 43% dos exames positivos. Duas semanas depois, a RM de controle mostrou atenuação significativa das anormalidades sinusais, independente da melhora dos sintomas7.

Como visto, houve maior risco para pacientes alérgicos de um desfecho positivo, o que pode espelhar exacerbações da condição alérgica durante o seguimento. Pouco provavelmente as alergias exerceram qualquer viés de associação entre ROD suspeita e desfecho positivo, posto não ter sido observada relação entre alergias e valores de ROD. A baixa idade (< 5 anos) e a anestesia também mostraram tendência, porém sem significância, de risco aumentado para desfecho positivo. No caso da baixa idade, pode-se justificar pela alta incidência de afecções inflamatórias que acometem o trato respiratório nessas crianças. A explicação para a anestesia já não é tão clara. É possível que a significância estatística fosse atingida com o aumento da amostra. Como ambos os fatores também mostraram relação com ROD mais altas, não se poderia afastar que a possibilidade do risco de desfecho positivo conferido pela ROD suspeita seja meramente um efeito de viés de sua associação com a baixa idade e/ou com a anestesia. Essa suposta interferência deve ser mais bem explorada em estudos subsequentes.

Esse protocolo enfrentou algumas limitações metodológicas. Alguns requisitos de inclusão/exclusão restringiram a amostra e estenderam o tempo do estudo, notadamente, o trauma cranioencefálico, a ocorrência prévia de RS e o controle prospectivo de pacientes sintomáticos. Contribuíram ainda as exclusões por perda de contato no seguimento clínico. Além disso, em virtude da baixíssima frequência esperada de incidência mensal de RS em uma população assintomática, no presente protocolo, ao atingir em qualquer momento o S5seg > 1, o paciente poderia ter seu seguimento descontinuado, qualquer que fosse a duração dos sintomas. Por esse motivo, o desfecho positivo aqui significa uma piora clínica e não necessariamente RS. Assim, caso as evidências aqui expostas venham a servir de apoio à recomendação de monitorização clínica de crianças e adolescentes assintomáticos com opacificações incidentais intensas, os benefícios das recomendações, sejam de observação, sejam de medidas preventivas, precisam também ser avaliados.

A ROD foi aqui preferida ao já bem estabelecido SLM porque este enfrenta uma limitação para ser aplicado em crianças ao desconsiderar o efeito da ausência de seios não desenvolvidos sobre sua pontuação21,28. Como a ROD utiliza a proporção da opacificação frente à área total desenvolvida dos SPNs, sofre menor interferência das peculiaridades do processo de crescimento e desenvolvimento das crianças e adolescentes.

Concluindo, nesta casuística, a presença de alterações tomográficas dos SPNs em crianças e adolescentes assintomáticos ocorreu em mais da metade dos indivíduos, predominando opacidades incidentais discretas. A presença de opacificações mais intensas (ROD suspeita) no momento da admissão aumentou em 2,7 vezes o risco de o paciente desenvolver sinais e sintomas do trato respiratório, superior no mês que se seguiu ao exame.

Artigo submetido em 26.01.11, aceito em 27.06.11.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Araújo-Neto SA, Baracat EC. Clinical progression of incidental tomographic findings in paranasal sinuses of asymptomatic individuals: cohort study. J Pediatr (Rio J). 2011;87(5):433-8.

  • 1. Rosenfeld MRI, Andes D, Bhattacharyya N, Cheung D, Eisenberg S, Ganiats TG et al. Clinical practice guideline: adult sinusitis. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;137(3 Suppl):S1-31.
  • 2. American Academy of Pediatrics. Subcommittee on Management of Sinusitis and Committee on Quality Improvement. Clinical practice guideline: management of sinusitis. Pediatrics. 2001;108:798-808.
  • 3. Zinreich SJ, Kennedy DW, Rosenbaum AE, Gayler BW, Kumar AJ, Stammberger H. Paranasal sinuses: CT imaging requirements for endoscopic surgery. Radiology. 1987;163:769-75.
  • 4. McAlister WH, Parker BR, Kushner DC, Babcock DS, Cohen HL, Gelfand MJ et al. Sinusitis in the pediatric population. American College of Radiology. ACR Appropriateness Criteria. Radiology 2000;215Suppl:811-8.
  • 5. Diretrizes Brasileiras de Rinossinusites. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2008;74(2 suppl.):6-59.
  • 6. Wald ER. Radiographic sinusitis: illusion or delusion? Pediatr Infect Dis J. 1993;12:792-3.
  • 7. Kristo A, Uhari M, Luotonen J, Koivunen P, Ilkko E, Tapiainen T, et al. Paranasal sinus findings in children during respiratory infection evaluated with magnetic resonance imaging. Pediatrics 2003;111(5 Pt 1):e586-9.
  • 8. Kovalhuk LC, Rosário NA, Carvalho A. Inflammatory mediators, cell counts in nasal lavage and computed tomography of the paranasal sinuses in atopic children. J Pediatr (Rio J). 2001;77:271-8.
  • 9. Talay F, Kurt B, Gurel K, Yilmaz F. Paranasal computed tomography results in asthma patients: association between sinus sites and allergen types. Allergy Asthma Proc. 2008;29:475-9.
  • 10. Turner BW, Cail WS, Hendley JO, Hayden FG, Doyle WJ, Sorrentino JV, et al. Physiologic abnormalities in the paranasal sinuses during experimental rhinovirus colds. J Allergy Clin Immunol. 1992;90(3 Pt 2):474-8.
  • 11. Gwaltney JM Jr., Phillips CD, Miller RD, Riker DK. Computed tomographic study of the common cold. N Engl J Med. 1994;330:25-30.
  • 12. Lesserson JA, Kieserman SP, Finn DG. The radiographic incidence of chronic sinus disease in the pediatric population. Laryngoscope. 1994;104:159-66.
  • 13. Havas TE, Motbey JA, Gullane PJ. Prevalence of incidental abnormalities on computed tomographic scans of the paranasal sinuses. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1988;114:856-9.
  • 14. Bolger WE, Butzin CA, Parsons DS. Paranasal sinus bony anatomic variations and mucosal abnormalities: CT analysis for endoscopic sinus surgery. Laryngoscope. 1991;101(1 Pt 1):56-64.
  • 15. Glasier CM, Ascher DP, Williams KD. Incidental paranasal sinus abnormalities on CT of children: clinical correlation. AJNR Am J Neuroradiol. 1986;7:861-4.
  • 16. Glasier CM, Mallory GB Jr, Steele RW. Significance of opacification of the maxillary and ethmoid sinuses in infants. J Pediatr. 1989;114:45-50.
  • 17. Hill M, Bhattacharyya N, Hall TR, Lufkin R, Shapiro NL. Incidental paranasal sinus imaging abnormalities and the normal Lund score in children. Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;130:171-5.
  • 18. Araújo Neto S, Souza A, Pereira I, Baracat E. Alterações incidentais dos seios da face na tomografia computadorizada do crânio e órbitas em crianças. Radiol Bras. 2005;38:245-50.
  • 19. Manning SC, Biavati MJ, Phillips DL. Correlation of clinical sinusitis signs and symptoms to imaging findings in pediatric patients. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 1996;37:65-74.
  • 20. Garbutt JM, Gellman EF, Littenberg B. The development and validation of an instrument to assess acute sinus disease in children. Qual Life Res. 1999;8:225-33.
  • 21. Araújo Neto SA, Baracat EC, Felipe LF. A new score for tomographic opacification of paranasal sinuses in children. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:491-8.
  • 22. Bhattacharyya N, Fried MP. The accuracy of computed tomography in the diagnosis of chronic rhinosinusitis. Laryngoscope. 2003;113:125-9.
  • 23. Diament MJ, Senac MO Jr., Gilsanz V, Baker S, Gillespie T, Larsson S. Prevalence of incidental paranasal sinuses opacification in pediatric patients: a CT study. J Comput Assist Tomogr. 1987;11:426-31.
  • 24. Wald ER. Management of sinusitis in infants and children. Pediatr Infect Dis J. 1988;7:449-52.
  • 25. Lindbaek M, Kaastad E, Dřlvik S, Johnsen U, Laerum E, Hjortdahl P. Antibiotic treatment of patients with mucosal thickening in the paranasal sinuses, and validation of cut-off points in sinus CT. Rhinology. 1998;36:7-11.
  • 26. Engels EA, Terrin N, Barza M, Lau J. Meta-analysis of diagnostic tests for acute sinusitis. J Clin Epidemiol. 2000;53:852-62.
  • 27. Maly PV, Sundgren PC. Changes in paranasal sinus abnormalities found incidentally on MRI. Neuroradiology. 1995;37:471-4.
  • 28. Lund VJ, Kennedy DW. Staging for rhinosinusitis. Otolaryngol Head Neck Surg. 1997;117(Suppl):S35-S40.
  • Correspondência:

    Severino A. de Araújo Neto
    Rua Maria Helena Rocha, 113, apto. 1102
    CEP 58036-823 – João Pessoa, PB
    Tel.: (83) 3421.2985; (83) 9946.9915
    Fax: (83) 3421.2985
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Recebido
      26 Jan 2011
    • Aceito
      27 Jun 2011
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br