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Corticoterapia: minimizando efeitos colaterais

Resumos

OBJETIVO: Ressaltar os principais efeitos indesejáveis durante a corticoterapia, o mecanismo de seu desencadeamento e as medidas necessárias para minimizar os efeitos colaterais. FONTES DOS DADOS: Experiência do autor, complementada com trabalhos publicados no MEDLINE. SÍNTESE DOS DADOS: Os princípios para que se minimizem os efeitos indesejáveis da corticoterapia incluem: a) indicação rígida em que o uso do glicocorticóide seja essencial; b) evitar o uso de glicocorticóides de ação prolongada, preferindo glicocorticóide de ação curta ou intermediária; c) reduzir ao mínimo necessário a duração do tratamento, visto que tratamentos com duração entre 5 e 7 dias apresentam poucos efeitos colaterais e rápida recuperação do eixo hipotalâmico-hipofisário; d) preferir glicocorticóides de ação local, como glicocorticóides inalatórios; e) associação com outros fármacos, em especial outros antiinflamatórios ou imunossupressores mais específicos, buscando efeitos sinérgicos que permitam evitar o uso de glicocorticóides ou reduzir a dose e o tempo da corticoterapia; f) oferecer a menor dose necessária para o efeito desejado, respeitando a sensibilidade de cada indivíduo aos glicocorticóides. CONCLUSÕES: o conhecimento das características farmacológicas e ações biológicas dos glicocorticóides permite a melhor opção terapêutica quanto à indicação, dose, via de administração e duração da corticoterapia.

Glicocorticóide; efeito adverso; sensibilidade; receptor


OBJECTIVE:To describe the main undesirable side effects of glucocorticoid therapy, mechanisms of action and the necessary measures to minimize side effects. SOURCES: Author's experience, supplemented with papers published in MEDLINE. SUMMARY OF THE FINDINGS: The principles for minimizing undesirable side effects of glucocorticoid therapy include: a) only use glucocorticoids if they are essential; b) avoid the use of long-acting glucocorticoids, using short- and intermediate-acting glucocorticoids instead; c) keep treatment as short as possible, since treatment lasting 5 to 7 days shows fewer side effects and quick recovery of the hypothalamic-pituitary axis; d) use glucocorticoids with local activity preferentially, such as inhaled glucocorticoids; e) use in association with other drugs, especially with other more specific anti-inflammatory or immune suppressive drugs, promoting a synergistic effect in order to avoid the use of glucocorticoids or to reduce dosage and duration of glucocorticoid therapy; f) indicate the minimum effective dose, respecting individual sensitivity to glucocorticoids. CONCLUSION: In order to choose the best glucocorticoid schedule it is essential to understand the pharmacological characteristics and the biological action of glucocorticoids, allowing the most adequate indication, glucocorticoid dose, mode of administration and the duration of glucocorticoid therapy.

Glucocorticoids; side effects; sensitivity; receptor


ARTIGO DE REVISÃO

Corticoterapia: minimizando efeitos colaterais

Carlos Alberto Longui

Unidade de Endocrinologia Pediátrica, Depto. Pediatria e Puericultura, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP. Professor adjunto, Laboratório de Medicina Molecular, Depto. Ciências Fisiológicas, Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Carlos Alberto Longui Rua Prof. Artur Ramos 96, 2º andar, Jardim Paulistano CEP 01454-010 - São Paulo, SP Email: carloslongui@msn.com

RESUMO

OBJETIVO: Ressaltar os principais efeitos indesejáveis durante a corticoterapia, o mecanismo de seu desencadeamento e as medidas necessárias para minimizar os efeitos colaterais.

FONTES DOS DADOS: Experiência do autor, complementada com trabalhos publicados no MEDLINE.

SÍNTESE DOS DADOS: Os princípios para que se minimizem os efeitos indesejáveis da corticoterapia incluem: a) indicação rígida em que o uso do glicocorticóide seja essencial; b) evitar o uso de glicocorticóides de ação prolongada, preferindo glicocorticóide de ação curta ou intermediária; c) reduzir ao mínimo necessário a duração do tratamento, visto que tratamentos com duração entre 5 e 7 dias apresentam poucos efeitos colaterais e rápida recuperação do eixo hipotalâmico-hipofisário; d) preferir glicocorticóides de ação local, como glicocorticóides inalatórios; e) associação com outros fármacos, em especial outros antiinflamatórios ou imunossupressores mais específicos, buscando efeitos sinérgicos que permitam evitar o uso de glicocorticóides ou reduzir a dose e o tempo da corticoterapia; f) oferecer a menor dose necessária para o efeito desejado, respeitando a sensibilidade de cada indivíduo aos glicocorticóides.

CONCLUSÕES: o conhecimento das características farmacológicas e ações biológicas dos glicocorticóides permite a melhor opção terapêutica quanto à indicação, dose, via de administração e duração da corticoterapia.

Palavras-chave: Glicocorticóide, efeito adverso, sensibilidade, receptor.

Introdução

Nas décadas de 1930 e 1940, inúmeros estudos foram desenvolvidos, permitindo reconhecer os efeitos dos hormônios adrenocorticais sobre o equilíbrio de eletrólitos (mineralocorticóides) e sobre o metabolismo dos carboidratos (glicocorticóides)1,2. Em 1946, o cortisol foi sintetizado e, em 1948, utilizado pela primeira vez por Hench em paciente com artrite reumatóide. Logo a seguir, os efeitos colaterais desfavoráveis foram reconhecidos, os quais adicionaram limites ao uso terapêutico dos glicocorticóides. Na década de 1950, as modificações da estrutura do cortisol resultaram em novos fármacos, como a prednisona e a prednisolona. Assim, as subseqüentes modificações estruturais dos esteróides sintéticos (Figura 1) ampliaram a duração e a potência do efeito glicocorticóide (Tabela 1), bem como propiciaram diferentes afinidades e tempo de ligação ao receptor glicocorticóide (GR).


Por suas novas características, acrescentaram complicações relacionadas à maior meia-vida plasmática (tempo necessário para reduzir em 50% os níveis plasmáticos iniciais do fármaco) e à mais longa meia-vida biológica (tempo de disponibilidade do fármaco ao nível do tecido, o qual reflete a duração da ação ou efeito terapêutico). Tais compostos apresentam ainda variações na metabolização hepática (hidroxilação, glucuronidação, sulfatação) e na excreção renal dos metabólitos inativos (20% na forma livre não-conjugada). Os glicocorticóides são esteróides lipofílicos, com biodisponibilidade entre 60 e 100% quando administrados por via oral. Muitos são ésteres succinatos ou fosfatos, que levam entre 5 e 30 min após injeção intravenosa para conversão em sua forma ativa. A concentração plasmática depende em boa parte da capacidade de ligação às proteínas séricas, como a transcortina e albumina.

O pediatra também deve estar atento às possíveis interações medicamentosas (Tabela 2) dos glicocorticóides, que podem agravar doenças de base ou desencadear efeitos adversos potencialmente preveníveis.

Definições e conceitos

Algumas definições e conceitos3 são essenciais para a compreensão dos efeitos terapêuticos e possíveis efeitos indesejáveis dos glicocorticóides:

-Duração da ação: curta (até 12 h); intermediária (12-36 h); longa (> 36 h);

-Duração do tratamento: curto (< 10 dias); intermediário (10-30 dias); prolongado (> 30 dias);

-Esquema terapêutico: dose única (manhã ou noite); dose fracionada (2-4 vezes ao dia); dias alternados (dia sim/dia não); minipulsoterapia (2,5 mg/kg metilprednisolona); pulsoterapia (10-20 mg/kg metilprednisolona);

-Dose terapêutica: substitutiva (7-10 mg/m2/dia hidrocortisona); baixa (< 5 mg prednisona/m2/dia; saturação de < 50% dos receptores); média (5-20 mg prednisona/m2/dia; saturação entre 50-100% dos receptores); dose alta (> 20 mg prednisona/m2/dia; saturação de 100% receptores). Doses muito altas (> 50 mg prednisona/m2/dia) e pulsoterapia (> 150 mg prednisolona/m2) apresentam efeitos adicionais não-genômicos;

-Dose de estresse: estresse leve e moderado (2 x dose substitutiva, via oral, intramuscular, intravascular); estresse severo (5 x dose substitutiva, intramuscular ou intravascular); choque (10-15 x dose substitutiva, intravascular em bolo, seguido de manutenção contínua).

Indicações terapêuticas

Os glicocorticóides possuem um amplo espectro de indicações terapêuticas1-3, podendo ser utilizados de forma substitutiva em casos de insuficiência adrenocortical ou no diagnóstico de doenças como a síndrome de Cushing. Podem, ainda, ser empregados no tratamento agudo da hipoglicemia ou da hipercalcemia. São capazes de induzir a maturação celular (pneumócito tipo II), diferenciação celular (linhagens da crista neural) ou mesmo a morte celular por apoptose, o que permite seu uso no tratamento de tumores, especialmente os de linhagem hematopoiética. Porém, os glicocorticóides têm seu papel central no tratamento de doenças nas quais estejam envolvidos mecanismos imunes e inflamatórios.

Hipoglicemia

Os glicocorticóides têm um efeito hiperglicemiante por possuírem uma ação combinada de redução da utilização periférica de glicose (por reduzir a sensibilidade à insulina) e maior produção de glicose através do aumento da glicogenólise e da neoglicogênese. Esses efeitos estão associados à proteólise muscular e a anormalidades heterogêneas do metabolismo lipídico, combinando áreas de lipólise e de lipogênese (especialmente visceral).

Hipercalcemia

Os glicocorticóides são capazes de reduzir a calcemia. Agudamente, induzem a redistribuição do cálcio do meio intravascular para o intracelular. A médio e longo prazos, reduzem a atividade osteoblástica, a absorção intestinal e a reabsorção renal de cálcio.

Tumores

Os glicocorticóides são capazes de modular a proliferação celular4, pois reduzem a expressão do heterodímero jun-fos e do c-myc, entre outros fatores de transcrição que regulam a sobrevida e multiplicação celular, determinando a parada entre as fases G1 e S do ciclo celular. São também capazes de induzir a morte celular pelo mecanismo de apoptose, culminando com ativação de proteínas com ação nuclear envolvidas na degradação do DNA, do RNA e de outras proteínas estruturais da célula.

Resposta inflamatória e imunomodulação

Estas são as principais indicações dos glicocorticóides5,6. A ação glicocorticóide no sistema imune ocorre em vários pontos, culminando com o desvio da resposta para um padrão T helper 2 (Th2), com características antiinflamatórias dependentes do aumento de citocinas como as interleucinas IL1, IL4, IL5, IL6, IL10, IL13 e o fator estimulador de colônias proveniente de granulócitos e macrófagos (GMSF). Induz ainda a secreção do fator transformador de crescimento (TGFb), capaz de reduzir a ativação do linfócito T e a proliferação celular. Os glicocorticóides são capazes de inibir citocinas pró-inflamatórias, como as interleucinas IL2 e IL12, o interferon gama (INFg) e o fator de necrose tumoral (TNFa), bem como moléculas de adesão, como a lipocortina-1, moléculas de adesão vascular (VCAM-1) e moléculas de adesão intercelular (ICAM), ou ainda enzimas, como a sintase induzida pelo óxido nítrico (INOS), a ciclooxigenase (COX2) e a fosfolipase (PLA2). Um dos principais mecanismos de ação moduladora dos glicocorticóides sobre o processo inflamatório é exercido sobre a taxa de expressão de fatores de transcrição, como o fator nuclear kappa B (NFkB), proteína inibidora do NFkB (IkB) e a proteína quinase do IkB (IKK). Existem também os efeitos não-genômicos dos glicocorticóides, os quais determinam redução da ação histamínica, diminuição da síntese de prostaglandinas (diminuem a fosfolipase A2) e da ativação do plasminogênio.

A compreensão desses mecanismos requer o conhecimento molecular da ação glicocorticóide (Figura 2) e de suas principais interações nas vias de transdução celular7. Apenas desta forma é possível compreender as principais implicações do uso dos glicocorticóides na morte ou na proliferação das células (Figura 3), bem como na modulação da resposta inflamatória (Figura 4)8.




Efeitos indesejáveis

Existe uma extensa lista de efeitos indesejáveis1,2 durante a corticoterapia, em geral relacionados ao tempo de tratamento e uso de glicocorticóides de ação mais prolongada.

Alterações da distribuição de gordura

Obesidade centrípeta, fácies em lua cheia, giba ou corcunda de búfalo, deposição supraclavicular.

Sistema músculo-esquelético

Osteoporose, fraturas ósseas, fraqueza, miopatia, atrofia muscular proximal; necrose asséptica de cabeça de fêmur e úmero.

Disfunção hipofisária/gonadal

Alterações menstruais, diminuição da libido, impotência, hipotireoidismo, interrupção do crescimento e baixa estatura (crianças).

Manifestações cutâneas

Estrias purpúreas, pletora, hiperpigmentação, hirsutismo ou hipertricose, acne, equimoses.

Sistema endócrino-metabólico

Supressão do eixo HHA, interrupção do crescimento (em crianças), intolerância aos carboidratos (resistência à insulina, hiperinsulinemia, tolerância à glicose anormal, diabetes melito); estigmas cushingóides (fácies em lua cheia, pletora facial, obesidade central, giba, acne, pele fina e frágil, estrias violáceas), irregularidade menstrual, impotência, hipocalemia; alcalose metabólica; calculose renal.

Sistema gastrointestinal

Irritação gástrica, úlcera péptica; pancreatite aguda (rara); infiltração gordurosa do fígado e hepatomegalia (rara).

Sistema hematopoiético

Leucocitose (com neutrofilia); linfocitopenia; eosinopenia; monocitopenia.

Sistema imunológico

Supressão da hipersensibilidade tardia; supressão da resposta antigênica primária; supressão da função dos linfócitos T helper 1 (Th1) e predominância dos Th2.

Sistema oftálmico

Catarata subcapsular posterior (comum em crianças); aumento da pressão intra-ocular; glaucoma; coroidopatia serosa central.

Alterações neurológicas e psiquiátricas

Distúrbios do sono e insônia; irritabilidade; euforia e depressão; mania e psicose; pseudotumor cerebral (aumento benigno da pressão intracraniana).

Sistema renal

Nefrocalcinose; nefrolitíase; uricosúria; euforia (labilidade emocional), insônia, psicoses.

Sistema cardiovascular

Hipertensão arterial; infarto do miocárdio (raro); acidente vascular cerebral (raro).

Sinais e sintomas mais freqüentes na síndrome de Cushing endógena

Hipertensão arterial; acne e hirsutismo; irregularidade menstrual; estrias; equimoses; pletora.

Sinais e sintomas virtualmente exclusivos da administração exógena

Hipertensão intracraniana; glaucoma; catarata; necrose asséptica de ossos; pancreatite; paniculite.

Sinais e sintomas comuns a ambas situações

Obesidade; osteoporose; miopatia; intolerância aos carboidratos; manifestações psiquiátricas; cicatrização difícil.

Um resumo dos principais efeitos indesejáveis é mostrado na Tabela 3.

Dentre os efeitos indesejáveis dos glicocorticóides na criança e adolescentes, é possível ressaltar:

-Supressão de eixos hormonais, em especial do eixo HHA, com sérias implicações durante a retirada rápida ou inadvertida do glicocorticóide.

-Efeitos vasculares que incluem anormalidades endoteliais, alterações da permeabilidade e tônus vascular, os quais, em conjunto, estão envolvidos no aparecimento de hipertensão arterial e quadros de vasculite.

-Alterações neurológicas associadas à vasculite do sistema nervoso central (SNC) e interferência nos neurotransmissores envolvidos nas alterações do apetite, sono e comportamentais freqüentemente observadas durante a corticoterapia.

-Redução do ritmo de crescimento: os glicocorticóides exercem importantes efeitos supressores em todo o eixo somatotrófico. Em uso prolongado, reduzem a secreção hipofisária do hormônio do crescimento (GH) e sua capacidade de gerar IGF-I ao nível hepático e ao nível osteocartilaginoso; promovem ainda a elevação de proteínas carreadoras da IGF-I, como a IGFBP1, reduzindo a biodisponibilidade da IGF-I. Como efeito final, observa-se a redução da concentração local de IGF-I e da ação do GH na cartilagem de crescimento. Esses efeitos são agravados pela ação inibitória dos glicocorticóides na cartilagem de crescimento, impedindo a maturação das células da camada de repouso (GH dependente) e a divisão celular na camada proliferativa (IGF-I dependente).

-Massa óssea: a perda de massa óssea é uma das principais complicações crônicas do uso de glicocorticóides e se deve a um desequilíbrio do turnover ósseo causado pela redução da síntese e aumento da reabsorção óssea. A menor síntese óssea depende da menor disponibilidade de cálcio e menor atividade osteoblástica induzidas pelo glicocorticóide. O aumento da reabsorção óssea é secundário ao aumento do número e adesividade osteoclástica, bem como ao aumento da secreção do hormônio da paratireóide (PTH). Os glicocorticóides reduzem a sobrevida dos osteoblastos e interferem na sinalização que o osteoblasto faz ao osteoclasto, o que impede a adequada reposição óssea nos locais em que a reabsorção óssea esteja mais ativa.

-Obesidade e síndrome metabólica9-11: aumento do apetite e lipogênese predominantemente visceral são achados comuns em pacientes usando glicocorticóides, em parte relacionados à resistência insulínica. O quadro clínico da síndrome de Cushing iatrogênica tem muitos pontos em comum com o quadro da síndrome metabólica (obesidade centrípeta, intolerância à glicose ou diabetes melito, dislipidemia e hipertensão arterial, gerando maior risco de aparecimento de eventos cardiovasculares).

-Imunossupressão: os efeitos antiinflamatórios e imunomoduladores estão entre as principais ferramentas terapêuticas oferecidas pelos glicocorticóides, por reduzirem a exposição antigênica ao sistema imune, diminuírem a liberação de citocinas pró-inflamatórias e a eficiência da eliminação do agente agressor e células infectadas. Portanto, quando esta ação é prolongada ou intensa, existe maior risco de desenvolvimento de infecções, tanto em número como em gravidade.

-Morte celular desproporcional: parte da eficiência terapêutica dos glicocorticóides deve-se à sua capacidade de reduzir a taxa de proliferação celular e induzir a morte celular por apoptose. Este é um importante mecanismo de combate às células neoplásicas, porém tais efeitos são inespecíficos e atingem também células não-neoplásicas. Tais ações podem ser perceptíveis nas células hematopoiéticas, células produtoras de colágeno e elastina, células epidérmicas, células mucosas dos tratos digestivo e respiratório, células musculares, etc. Desta forma, podem estar presentes achados como a linfopenia, pele fina e com estrias, erosões das mucosas, miopatia periférica, miocardiopatia dilatada, etc.

Minimizando efeitos colaterais

Os princípios gerais que devem ser utilizados para que se minimizem os efeitos indesejáveis da corticoterapia incluem: a) indicação rígida para os casos em que o uso do glicocorticóide seja essencial; b) evitar o uso de glicocorticóides de ação prolongada, preferindo glicocorticóide de ação curta ou intermediária, como a hidrocortisona e a prednisona ou prednisolona; c) reduzir ao mínimo necessário a duração do tratamento, visto que tratamentos com duração entre 5 e 7 dias apresentam poucos efeitos colaterais e rápida recuperação do eixo hipotalâmico-hipofisário; d) preferir glicocorticóides de ação local, como glicocorticóides inalatórios (Tabela 4); e) associação com outros fármacos, em especial outros antiinflamatórios ou imunossupressores mais específicos, buscando efeitos sinérgicos que permitam evitar o uso de glicocorticóides ou reduzir a dose e o tempo da corticoterapia; f) oferecer a menor dose necessária para o efeito desejado, respeitando a sensibilidade de cada indivíduo aos glicocorticóides. A experiência clínica mostra que esta sensibilidade apresenta grande variação12-14. Existe um amplo espectro, desde resistência total aos efeitos glicocorticóides, mesmo quando utilizados em doses altas e tempo prolongado, até quadros de hipersensibilidade com morte celular maciça. Testes in vivo e in vitro têm sido desenvolvidos com o objetivo de reconhecer a sensibilidade dos indivíduos aos glicocorticóides e, com isso, permitir o ajuste adequado da dose.

Mesmo otimizando a corticoterapia, alguns efeitos indesejáveis estarão presentes e necessitam medidas específicas:

- Crescimento: a redução do crescimento longitudinal é uma complicação freqüente da corticoterapia e depende da ação glicocorticóide sobre o eixo somatotrófico. O uso de GH tem se mostrado capaz de reverter ou prevenir a redução da velocidade de crescimento em pacientes com insuficiência renal (pré ou pós-transplante), síndrome nefrótica ou doenças inflamatórias crônicas, como a artrite reumatóide juvenil. Nestas situações, o GH é capaz de aumentar a geração hepática de IGF-I e de IGFBP3, aumentar a concentração óssea de IGF-I e antagonizar os efeitos locais dos glicocorticóides ao nível da cartilagem de crescimento.

- Massa óssea: osteopenia ou osteoporose são complicações possíveis durante o uso crônico de glicocorticóides. Sua prevenção deve ser buscada respeitando-se os princípios gerais da corticoterapia. Suplemento adicional de cálcio ou uso concomitante de vitamina D tem sido preconizado em crianças e adolescentes durante o tratamento, mas sua eficiência é discutível, podendo ocasionar hipercalciúria e calculose de vias urinárias. A manutenção de uma adequada atividade física é uma arma imprescindível no combate à perda de massa óssea e muscular. O uso de bisfosfonatos, reduzindo a reabsorção óssea excessiva, é uma alternativa paliativa por um período limitado de tempo. A utilização de GH pode minimizar o efeito catabólico sobre os ossos e prevenir a perda de massa óssea.

- Resistência insulínica e síndrome metabólica: o aumento do apetite associado às alterações metabólicas induzidas pelos glicocorticóides determina uma tendência a aumento de peso, que agrava a resistência insulínica induzida pelo próprio medicamento. Medidas preventivas e terapêuticas de combate à obesidade devem ser iniciadas assim que o tratamento com glicocorticóide for indicado. É necessária uma estreita vigilância sobre a tolerância à glicose, especialmente em adolescentes.

A suspensão do uso de glicocorticóides

A retirada da corticoterapia é uma situação que deve ser planejada, pois a retirada inadequada de um glicocorticóide pode determinar a reativação da doença de base ou quadro de insuficiência adrenal conseqüente à supressão prolongada do eixo HHA (anorexia, letargia, náusea, redução abrupta de peso, artralgia, fraqueza muscular e mialgia, hipotensão arterial e hipoglicemia).

Quando o tratamento é de curta duração (< 10 dias), independente da dose ou tipo de corticóide utilizado, a suspensão da corticoterapia deve ser abrupta, encurtando o tempo total de uso e os efeitos adversos.

Quando o tratamento é de tempo intermediário (10-30 dias), a retirada pode ser feita em 2 semanas, com redução da dose a cada 4 dias.

Quando o tratamento é prolongado, alguns princípios de redução devem ser observados antes da retirada do medicamento: a) passar para um glicocorticóide de ação curta ou intermediária; b) reduzir o número de doses, buscando o uso de dose única pela manhã; c) reduzir gradativamente a dose do glicocorticóide (protocolo de Samuels, Tabela 5).

Ao final do protocolo de redução de dose, a avaliação do eixo HHA pode ser feita com a dosagem matinal do cortisol sérico. Valores superiores a 10 mcg/dL sugerem que o eixo esteja liberado e permitem a suspensão do glicocorticóide. Valores abaixo de 5 mcg/dL sugerem eixo suprimido e necessidade de redução da dose, sendo necessário aguardar um período adicional de 2 a 4 semanas antes da suspensão. Valores de cortisol mantidos entre 5 e 10 mcg/dL podem requerer teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico (Synacthen, 1 mcg/m2 intravascular em bolo) para assegurar que a adrenal esteja liberada e tenha produção endógena de cortisol adequada frente a situações de estresse.

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  • Correspondência:
    Carlos Alberto Longui
    Rua Prof. Artur Ramos 96,
    2º andar, Jardim Paulistano
    CEP 01454-010 - São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Nov 2007
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