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A Onça e o Dragão: Políticas do Modelo Chinês de Produção na Amazônia* * Nossos agradecimentos aos pareceristas ad hoc da Revista DADOS, cujos comentários e sugestões de mudanças foram fundamentais para aprimorar o texto desta versão final. Possíveis erros ou omissões são de nossa inteira responsabilidade. Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no 40º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em 2016.

The Jaguar and the Dragon: Policy of the Chinese Model of Production in the Amazon

La « Onça » et le Dragon : Politiques du Modèle Productif Chinois en Amazonie

El Jaguar y el Dragón: la Política del Modelo de Producción Chino en Amazonia

RESUMO

Este artigo analisa a produção chinesa no sul global, com foco em seu modelo gerencial. Diante de um processo de expansão da China pelo mundo e com crescente investimento no Brasil, entre os anos de 2013 e 2017, fizemos pesquisa de campo em quatro fábricas chinesas instaladas no Polo Industrial da Zona Franca de Manaus, principal destino do investimento chinês no setor de eletroeletrônicos brasileiro. Como principal estratégia metodológica, foram realizadas visitas aos sítios fabris, entrevistas com trabalhadores, chineses expatriados, líderes sindicais e gerentes, bem como análise de dados socioeconômicos das empresas. Dentre os resultados de pesquisa, foi descoberta a existência de um modelo chinês de produção na Amazônia, com características que, por um lado, reproduzem muitos dos elementos do modelo japonês e do fordismo, mas, por outro, estabelece práticas originais de organização do trabalho. O resultado foi uma relação técnico/burocrática com o trabalhador, pagamento de salários e concessões de benefícios trabalhistas abaixo da média e a instauração de um taylorismo centralizado. As reações dos trabalhadores a esse processo foram difusas e diversas e o artigo também aborda as principais delas.

fábricas chinesas; Amazônia; zona franca de Manaus; modelo chinês de produção; trabalhadores

ABSTRACT

This article analyzes Chinese production in the global south, focusing on its managerial model. Faced with a process of expansion of China around the world and with increasing investments in Brazil, between 2013 and 2017, we carried out field research in four Chinese factories located in the Industrial Pole of the Manaus Free Trade Zone, the main destination for Chinese investment in the sector of Brazilian electronics. As the main methodological strategy, visits were made to industrial sites, interviews with workers, expatriate Chinese, union leaders and managers, as well as analysis of the companies’ socioeconomic data. Among the research results, the existence of a Chinese model of production in the Amazon was discovered, with characteristics that, on the one hand, reproduce many of the elements of the Japanese model and Fordism, but, on the other, establish original practices of work organization. The result was a technical/bureaucratic relationship with the worker, wage payments and concessions of labor benefits below the average, and the establishment of a centralized Taylorism. The workers’ reactions to this process were diffuse and diverse and the article also addresses the main ones.

chinese factories; Amazon; Manaus free trade zone; chinese model of production; workers

RÉSUMÉ

Cet article analyse la production chinoise dans l’hémisphère sud en se concentrant sur son modèle de gestion. Face à un processus d’expansion de la Chine dans le monde et à des investissements croissants au Brésil, entre 2013 et 2017, nous avons mené des recherches de terrain dans quatre usines chinoises installées dans le Pôle Industriel de la Zone Franche de Manaus, principale destination des investissements chinois dans le secteur des électroniques brésilien. Comme principale stratégie méthodologique, des visites de sites de fabrication, des entretiens avec des travailleurs, des expatriés chinois, des dirigeants syndicaux et des managers ont été réalisés, ainsi qu’une analyse des données socio-économiques des entreprises. Parmi les résultats de la recherche, l’existence d’un modèle de production chinois en Amazonie a été découverte, avec des caractéristiques qui, d’une part, reproduisent de nombreux éléments du modèle japonais et du fordisme, mais, d’autre part, instaurent des pratiques originales de l’organisation du travail. Le résultat a été une relation technique/bureaucratique avec le travailleur, le paiement des salaires et des concessions des avantages sociaux inférieurs à la moyenne et la mise en place d’un taylorisme centralisé. Les réactions des travailleurs à ce processus ont été diffuses et diverses, et l’article aborde également les principales.

usines chinoises; Amazone; zone franche de Manaus; modèle de production chinois; ouvriers

RESUMEN

Este artículo analiza la producción china en el sur global, centrándose en su modelo de gestión. Ante un proceso de expansión de China por el mundo y con crecientes inversiones en Brasil, entre los años 2013 y 2017, realizamos una investigación de campo en cuatro fábricas chinas instaladas en el Polo Industrial de la Zona Franca de Manaos, principal destino de las inversiones chinas en el sector electro electrónico brasileño. Como estrategia metodológica principal, se realizaron visitas a los emplazamientos de las fábricas, se llevaron a cabo entrevistas con trabajadores, chinos expatriados, líderes sindicales y directivos, así como el análisis de los datos socioeconómicos de las empresas. Entre los resultados de la investigación, se descubrió la existencia de un modelo chino de producción en la Amazonia, con características que, por un lado, reproducen muchos de los elementos del modelo japonés y del fordismo, pero, por otro, establecen prácticas originales de organización del trabajo. El resultado fue una relación técnico-burocrática con el trabajador, el pago de salarios y la concesión de prestaciones laborales por debajo de la media y el establecimiento de un taylorismo centralizado. Las reacciones de los trabajadores a este proceso fueron difusas y diversas, y el artículo también aborda las principales de estas.

fábricas chinas; Amazonas; zona franca de Manaos; modelo chino de producción; trabajadores

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o mundo tem observado uma rápida corrida pela formação de “pequenas Chinas” ao redor do globo (Lima, Valle, 2013), e nenhuma região tem escapado das garras do dragão asiático. Europa e Ásia, por exemplo, são palcos de intenso avanço do capital chinês e da estratégia de conexão e mobilidade com a China, como mostram Gao (2004)Gao, Yun. (2004), “Chinese Migrants and Forced Labour in Europe”. Working Paper 32, Geneva, International Labour Office., Meunier (2012)Meunier, Sophie. (2012), “Political Impact of Chinese Foreign Direct Investment in the European Union on Transatlantic Relations”. European Parliament Briefing Paper. Princeton University, v. 4., Burgoon e Raess (2014)Burgoon, Brian; Raess, Damian. (2014), “Chinese Investment and European Labor: Should and Do Workers Fear Chinese FDI?”. Asia Europe Journal, v. 12, n. 1-2, pp. 179-197., Andrijasevic e Sacchetto (2016)Andrijasevic, Rutvica; Sacchetto, Devi. (2016), “Foxxconn Beyond China: Capital-Labour Relations as Co-determinants of Internacionalization”, in M. Liu; C. Smith (eds.), China at Work: A Labour Perspective on the Transformation of Work and Employment in China. London, Palgrave Macmillan Education. e Smith e Zheng (2016)Smith, Chris; Zheng, Yu. (2016), “The Management of Labour in Chinese MNCs Operating Outside of China: A Critical Review”, in M. Liu; C. Smith (orgs.), China at Work: A Labour Perspective on the Transformation of Work and Employment in China. London, Palgrave Macmillan Education..

Mas é o sul do mundo que condensa uma das principais ondas de ação da China no planeta, com destaque à África e à América do Sul. A busca por cobre e a construção de obras de infraestrutura em países como Zâmbia e Tanzânia, tem levado autores a caracterizar a presença chinesa na região como “enclaves” (Lee, 2009Lee, Ching Kwan. (2009), “Raw Encounters: Chinese Managers, African Workers and the Politics of Casualization in Africa’s Chinese Enclaves”. The China Quarterly, n. 199, pp. 647-666.), como acumulação abrangente e acumulação por maximização (Lee, 2017Lee, Ching Kwan. (2017), The Specter of Global China: Politics, Labor and Foreign Investment in Africa. Chicago, University of Chicago Press.), ou a questionarem se a China estaria promovendo um novo processo de colonização no continente (Hung, 2018Hung, Ho-fung. (2018), “A Ascensão da China, a Ásia e o Sul Global”. Rev. Econ. Contemp., v. 22, n. 1, pp. 1-26.; Bodomo, 2019Bodomo, A. (2019), Is China Colonizing Africa?, in S. Raudino; A. Poletti (eds.), Global Economic Governance and Human Development. Abingdon, Routledge, pp.120-132.). Outros autores vêm caracterizando a presença chinesa em vários países por meio do financiamento e empréstimos (Burlamaqui, 2015Burlamaqui, Leonardo. (2015), “As Finanças Globais e o Desenvolvimento Financeiro Chinês: Um Modelo de Governança Financeira Global Conduzido pelo Estado”, in M. A. Cintra; E. B. Silva Filho; E. Costa Pinto (orgs.), China em Transformação: Dimensões Econômicas e Geopolíticas do Desenvolvimento. Brasília, IPEA, v. 1, pp. 391-424.) ou via “diplomacia da infraestrutura” (Cintra, Pinto, 2017).

Em se tratando da América do Sul, o Brasil se destaca como o principal destino das investidas chinesas na região1 1 . Em 2017, o Brasil representou cerca de 50% dos investimentos chineses na América do Sul. , com especial interesse no setor de mineração, energia (Tang, 2017Tang, Charles. (2017), “Investimentos Chineses no Setor Energético Brasileiro: Oportunidades para o Brasil”. Boletim de Conjuntura do Setor Energético. FVG Energia, pp. 4-6, agosto.), petróleo e gás (Hung, 2018Hung, Ho-fung. (2018), “A Ascensão da China, a Ásia e o Sul Global”. Rev. Econ. Contemp., v. 22, n. 1, pp. 1-26.), infraestrutura (Nascimento, Maynetto, 2019), agronegócio (Escher, Wilkinson, 2019) e tecnologia 5G (Saraiva, Silva, 2019).

São esses setores que vêm condensando os aportes chineses pelo Brasil, tendo a área de petróleo e gás como o principal destino desses investimentos nos últimos anos, e os estados da costa brasileira como locus de concretização das inversões.

No entanto, quando se exclui o setor de petróleo e gás, uma região peculiar emerge como novo fronte dos objetivos chineses no Brasil. Trata-se da Zona Franca de Manaus (ZFM). Espaço receptor de diversos capitais globais desde a década de 1970, a ZFM emergiu, a partir dos anos 2000, como um dos principais alvos da globalização econômica da China na Amazônia, com destaque à sua busca por mercado consumidor no Brasil, o controle de insumos e a competição com outros players no circuito mundial de eletroeletrônicos e de duas rodas, mercados até então dominados pelo capital não sino. Em termos concretos, houve o desembarque de mais de 20 fábricas estatais, semiestatais e privadas, que responderam, já em 2014, por quase 10% do total de empregados do Polo Industrial de Manaus (PIM).

A chegada dessas empresas chinesas trouxe à tona a necessidade de saber como isso impactava o trabalho no Brasil. Cabia entender, primeiro, o que esse novo ator estava fazendo na Amazônia, como eles eram recebidos, como eles se relacionavam com os agentes locais e como lidavam com os trabalhadores brasileiros. Segundo, face a uma onda de pesquisas sobre fábricas chinesas pelo mundo, que apontavam para modelos de trabalho distintos e diversos, como “taylorismo sangrento”, “despotismo gerencial”, “cavalo de Troia”, “enclaves chineses”, qual seria o comportamento dessas fábricas em solo brasileiro?

Além disso, muitas reclamações no chão de fábrica surgiam no Brasil, mormente, vindas dos sindicatos. E, por fim, pesquisas de opinião2 2 . Dados da empresa de recrutamento Michael Page, de 2010 (apud Fraga, Rolli 2011). apontavam que 42% dos trabalhadores das empresas chinesas instaladas no Brasil pediam demissão dessas empresas já no primeiro ano de emprego, o que representava uma taxa de rotatividade 68% maior quando comparada aos índices das empresas europeias ou americanas (Maciel Brito, 2017).

Tal processo ia de encontro ao que as pesquisas anteriores feitas no Brasil apontavam em relação ao que vinha ocorrendo desde os anos 1990, com destaque às artimanhas gerenciais japonesas. Isso colocava diretamente a questão de compreender qual era a forma chinesa de trabalho implementada em Manaus e quais os impactos sobre os trabalhadores, ainda mais em um contexto de cultura gerencial, até então, dominado pelo chamado “modelo japonês” de organização da produção capitalista.

MODELOS DE GESTÃO: O ENCONTRO DAS “CIVILIZAÇÕES INDUSTRIAIS”3

O modelo como se organizava a produção na sociedade capitalista desde meados da década de 1930 esteve pautado em um regime fordista. Umas das principais características da produção fordista foi a adoção dos Princípios da Administração Científica, de Frederick Taylor4 4 . Engenheiro mecânico norte-americano, considerado o “pai” da Administração Científica. , o qual preconizava a dissociação entre a concepção e a execução do processo produtivo, valorizando, assim, a especialização e a subdivisão do trabalho como uma forma de aumentar ganhos de produtividade na fábrica. Em outras palavras, para se aperfeiçoarem os ganhos no processo produtivo era necessário decompor cada processo de trabalho em movimentos componentes, organizando as tarefas segundo um cálculo preciso do tempo de realização das mesmas (Fleury, Vargas, 1983).

Portanto, dentro da lógica fordista de produção havia a separação entre gerência, concepção, controle e execução, estabelecendo uma relação social hierarquizada entre os gerentes e os operários (Harvey, 2011Harvey, David. (2011), Condição Pós-Moderna: Do Fordismo à Acumulação Flexível. São Paulo, Loyola.).

Contudo, a partir da década de 1960 o modelo fordista passa a enfrentar uma série de dificuldades: perda de lucratividade, crise do Welfare State, esgotamento do padrão de acumulação do sistema taylorista/fordista e revolta dos operários questionando os pilares constitutivos5 5 . Compromissos do regime fordista de produção em manter um grau satisfatório de bem-estar social, no que diz respeito à saúde, educação, condições de trabalho e moradia. do regime de produção fordista (Antunes, 2009Antunes, Ricardo. (2009), Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a Afirmação e a Negação do Trabalho. 2ª ed., 10 reimpre. ver. ampl. São Paulo, Boitempo.).

A resposta capitalista para essa crise no centro do sistema deu-se, sobretudo, na desterritorialização e consequente reterritorialização da produção, que rumou em direção aos países periféricos, nos quais os governos nacionais, na tentativa de dinamizarem suas economias, se associaram ao capital internacional (Seráfico, 2011Seráfico, Marcelo. (2011), Globalização e Empresariado: Estudo sobre a Zona Franca de Manaus. São Paulo, Annablume.). Também houve a recomposição do sistema produtivo, através da difusão de novas tecnologias produtivas e organizacionais protagonizadas pelas grandes corporações transnacionais. Esse processo envolveu a reconfiguração das formas de produção e, portanto, o surgimento de um novo modelo de organização industrial (Maciel Brito, Moura Maciel, 2016a).

A evolução rumo a esse novo referencial produtivo diz respeito à transição do modelo de produção em massa à produção flexível, ou do fordismo ao pós-fordismo. Efetivamente, houve a passagem de uma base industrial rígida para um sistema de produção em que a flexibilidade emerge como a norteadora do novo espírito do capitalismo (Boltanski, Chiapello, 2009).

O processo mais visível desse “reparo capitalista” ocorreu no Japão, configurando uma conjuntura econômica que Harvey (2011)Harvey, David. (2011), Condição Pós-Moderna: Do Fordismo à Acumulação Flexível. São Paulo, Loyola. caracterizará como o novo capitalismo em face da forma de acumulação que estava surgindo no cenário global: a acumulação flexível. Nesse sentido, a partir dos anos de 1980 lança-se sobre a teia produtiva global uma série de inovações tecnológicas que tinham como elemento norteador a busca pela flexibilização. Essa torna-se a palavra-chave para superar os entraves gerados no seio do modelo fordista de produção (Lima, 2002Lima, Jacob Carlos. (2002), As Artimanhas da Flexibilização: O Trabalho Terceirizado em Cooperativas de Produção. São Paulo, Terceira Margem.).

Do ponto de vista da organização do trabalho isso implicou, principalmente, na descentralização industrial e nos novos padrões de gerenciamento da produção, tais como o sistema just-in-time / Kanban e o envolvimento dos trabalhadores com os projetos da gerência (Humphrey, 1995Humphrey, John. (1995), “O Impacto das Técnicas Japonesas de Administração sobre o Trabalho Industrial no Brasil”, in N. A. Castro (org.), A Máquina e o Equilibrista: Inovações na Indústria Automobilística Brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra.). Para isso, as empresas passaram a requerer um trabalhador polivalente e multifuncional, possuidor de “competências”, com “espírito de colaboração”, vontade de trabalhar em equipe e disposição em ser, constantemente, “aperfeiçoado” (Castells, 2009). Possuidor dessas “qualidades”, cada trabalhador passaria a ser, na retórica empresarial, um “gerente” ou, mais usualmente conhecido, um “colaborador”, caracterizando o que Valle (2007Valle, Izabel. (2007), Globalização e Reestruturação Produtiva: Um Estudo sobre a Produção Offshore em Manaus. Manaus, Editora da Universidade Federal do Amazonas.:53) denominou como “fábrica e trabalhador flexíveis”.

No Brasil, esse processo fabril rumo à uma produção “flexível”, bem como a estruturação de uma fábrica desenhada sob as técnicas gerenciais de inspiração japonesa se estabelecem nos anos de 1990 e início do milênio como lógica da atividade produtiva no país. Isso porque a crise econômica do final da década de 1980 e a política de abertura implantada pelo governo de Fernando Collor de Mello inserem o Brasil em uma situação de “verdadeira epidemia de competividade” (Ruas, 1994Ruas, Roberto. (1994), Reestruturação Socioeconômica, Adaptação das Empresas e Gestão do Trabalho. Reestructuración, Trabajo y Educación en America Latina. Campinas, SP; Buenos Aires, RED-CHD/Cenep. Lecturas de Educacion y Trabajo 3.), uma vez que expôs o mercado interno à concorrência de empresas estrangeiras e colocou os produtos brasileiros na disputa do mercado externo (Maciel Brito, Moura Maciel, 2016b).

Diante desse novo contexto, as empresas viram-se pressionadas a investir de forma mais intensa no processo de modernização na tentativa de se protegerem da concorrência internacional, e as técnicas de controle de qualidade e gestão de origem japonesas emergem como elementos de “inspiração” às companhias nacionais (Maciel Brito, Moura Maciel, 2016a). A produção científica sobre as transformações fabris ocorridas nesse período passou a caracterizá-las como Reestruturação Produtiva, sendo o modelo japonês um dos principais elementos de um processo que pregava a modernização do chão de fábrica nacional via inovações tecnológicas e gerenciais.

Ramalho (1997)Ramalho, José Ricardo. (1997), “Precarização do Trabalho e Impasses da Organização Coletiva no Brasil”, R. Antunes et al. (orgs.), Neoliberalismo, Trabalho e Sindicatos. São Paulo, Boitempo. indicou que a reestruturação produtiva expressava uma “imposição ideológica” do empresariado sobre a classe trabalhadora. Alves (1999)Alves, Giovanni Antonio Pinto. (1999), Trabalho e Mundialização do Capital: A Nova Degradação do Trabalho na Era da Globalização. Londrina, Praxis. argumentou que a reestruturação produtiva buscava a “captura da subjetividade” operária. Humphrey (1995)Humphrey, John. (1995), “O Impacto das Técnicas Japonesas de Administração sobre o Trabalho Industrial no Brasil”, in N. A. Castro (org.), A Máquina e o Equilibrista: Inovações na Indústria Automobilística Brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra. mostrou que um dos primeiros objetivos do processo de reestruturação produtiva era afastar os trabalhadores dos sindicatos:

(...) As empresas costumam associar as atividades sindicais à militância e à oposição a mudanças. Receosas da militância operária, mostram-se ansiosas em manter os sindicatos fora das fábricas. Uma maneira de conseguir isso é antecipando as reivindicações sindicais através da oferta de salários e condições de trabalho que se mostrem atraentes aos operários. (Humphrey, 1995Humphrey, John. (1995), “O Impacto das Técnicas Japonesas de Administração sobre o Trabalho Industrial no Brasil”, in N. A. Castro (org.), A Máquina e o Equilibrista: Inovações na Indústria Automobilística Brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra.:134).

Discutindo a organização do trabalho em âmbito nacional, Valle (2007Valle, Izabel. (2007), Globalização e Reestruturação Produtiva: Um Estudo sobre a Produção Offshore em Manaus. Manaus, Editora da Universidade Federal do Amazonas.:82) observa que: “(...) difundiram-se as ‘equipes de produção’, as ‘células de produção’, os ‘times de produção’, as ‘caixas de sugestão’. Estimulou-se a participação mediante a concessão de bônus, prêmios e/ou participação nos lucros”.

Não obstante o aparente “sucesso” de implantação de práticas japonesas no Brasil, vale destacar que essa difusão não ocorreu de forma homogênea e sem embate com os sindicatos, uma vez que estes perceberam que as técnicas japonesas “abrasileiradas” buscavam, efetivamente, o consentimento operário, não engendrando nenhuma abertura à negociação com a categoria dos trabalhadores (Ramalho, 1997Ramalho, José Ricardo. (1997), “Precarização do Trabalho e Impasses da Organização Coletiva no Brasil”, R. Antunes et al. (orgs.), Neoliberalismo, Trabalho e Sindicatos. São Paulo, Boitempo.).

Outrossim, a heterogeneidade do processo de “adoção” respondia sobremaneira às diferenças regionais do Brasil, bem como às características dos diversos setores produtivos. Nas indústrias de autopeças, por exemplo, a força das inovações esteve mais concentrada na automação e na adoção de tecnologias como o Controle Estatístico de Processo (CEP) (Posthuma, 1995Posthuma, Anne C. (1995), Técnicas Japonesas de Organização nas Empresas de Autopeças no Brasil, in N. A. de Castro (org.), A Máquina e o Equilibrista: Inovações na Indústria Automobilística Brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra.). Já nas indústrias eletroeletrônicas, ganharia destaque a adoção de técnicas direcionadas à qualificação e à gestão da mão de obra, buscando padronizar as condutas, estimular a prática da colaboração e a padronizar os procedimentos (Scherer, 2005Scherer, Elenise. (2005), Baixas nas Carteiras: Desemprego e Trabalho Precário na Zona Franca de Manaus. Manaus, Editora da Universidade Federal do Amazonas.; Oliveira, 2007Oliveira, Selma Suely Baçal de. (2007), A “Periferia” do Capital na Cadeia Produtiva de Eletroeletrônicos. Manaus, Editora da Universidade Federal do Amazonas.).

No caso do Polo Industrial da Zona Franca de Manaus, Oliveira (2007)Oliveira, Selma Suely Baçal de. (2007), A “Periferia” do Capital na Cadeia Produtiva de Eletroeletrônicos. Manaus, Editora da Universidade Federal do Amazonas. mostra que, em finais dos anos 1990, as práticas organizacionais japonesas já estavam bastante difundidas e tinham se tornado o “padrão” organizacional das fábricas de Manaus. Se nos anos 1980 havia, segundo a autora, um processo gerencial caracterizado pela decisão “de cima para baixo”, emergiu, nos anos 1990, uma ideologia de cooperação e de maior abertura ao diálogo entre trabalhadores e gerentes (Maciel Brito, Moura Maciel, 2016a).

Investigando o setor de eletroeletrônicos no final do último milênio, Valle (2007Valle, Izabel. (2007), Globalização e Reestruturação Produtiva: Um Estudo sobre a Produção Offshore em Manaus. Manaus, Editora da Universidade Federal do Amazonas.:194-195) observou que as técnicas gerenciais de inspiração japonesa eram bastante empregadas como política de gestão6 6 . Uma das fábricas pesquisadas pela autora, de capital holandês, foi comprada pelos chineses e se tornou objeto da nossa pesquisa. , tendo como principais aspectos desse “modelo japonês” a ideia de “colaboração” e

(...) um espírito de cooperação e parceria em relação à empresa; entre as chefias, substituir posturas autoritárias em favor de uma atitude que promova o envolvimento do trabalhador com a empresa, sendo necessário, para isso, estimular a participação, respeitar opiniões e encaminhar as sugestões oferecidas pelos trabalhadores.

Apesar de melhorar o aspecto “simbólico” da relação fabril, Valle (2007)Valle, Izabel. (2007), Globalização e Reestruturação Produtiva: Um Estudo sobre a Produção Offshore em Manaus. Manaus, Editora da Universidade Federal do Amazonas. aponta que essas técnicas não alteraram as condições de contratação e mobilidade do trabalhador, que continuou a ser mal remunerado e com poucas perspectivas de ascensão funcional.

Andrade (2014)Andrade, Allison Santos de. (2014), Como se Produzem “Colaboradores”?: Entre Prática de Gestão e Intensificação do Trabalho no Polo Duas Rodas em Manaus. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas, Manaus., analisando o setor de motocicletas, também constatou a influência japonesa na política de gerenciamento da mão de obra na ZFM. O autor pontua que existia um verdadeiro método de produção de “colaboradores”, como uma ferramenta de inovação do trabalho que pregava valorização do talento, da criatividade e da proatividade do trabalhador. Entrementes, diz Andrade (2014)Andrade, Allison Santos de. (2014), Como se Produzem “Colaboradores”?: Entre Prática de Gestão e Intensificação do Trabalho no Polo Duas Rodas em Manaus. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas, Manaus., por detrás dessa produção de “colaboradores” havia uma intensa política de controle da mão de obra fabril.

Esses trabalhos, de forma geral, mas em particular, no âmbito do Amazonas, tiveram como espectro de análise da organização do trabalho as transformações decorrentes da chegada daquilo que se convencionou chamar de “modelo japonês”. No entanto, a chegada de um novo ator global, a China, associada aos dados de campo que vinham apontando para insatisfações dos trabalhadores de empresas chinesas no Brasil, trouxe a questão de investigar se tal fato colocou em cena novas configurações no mundo do trabalho (Maciel Brito, Moura Maciel, 2016b). Além disso, abriram uma janela para se fazer uma análise comparativa entre o padrão organizacional visualizados até então na Zona Franca de Manaus – com destaque ao modelo japonês – e a organização do trabalho visualizada nas fábricas chinesas investigadas.

ENTRE TAMBAQUIS E SOPAS: FAZENDO GUANXI7 COM EXPATRIADOS CHINESES NA AMAZÔNIA

Foi nesse contexto da expansão da China Global8 8 . Expressão utilizada por Lee (2017). e de mudanças no mundo do trabalho que, entre julho de 2013 e março de 2017, realizamos pesquisa sociológica9 9 . Pesquisa de Doutorado financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). em quatro fábricas chinesas instaladas no Polo Industrial de Manaus: a) uma fábrica de placas eletrônicas, de capital privado (China Board10 10 . Os nomes das empresas pesquisadas são fictícios. ); b) uma fábrica de televisores, notebooks e tablets, de capital privado (TVChina); c) uma fábrica de motocicletas, de capital estatal (MotorChina); e d) uma fábrica de ar-condicionado, de capital semiestatal (ArconChina).

Como recorte para se chegar nestas empresas, selecionamos os principais setores produtivos, as empresas chinesas mais representativas de cada setor e, dentre estas, as que se enquadravam no quesito de tempo no PIM: longo, médio e recente. Essa escolha mostrou-se fundamental para abarcar tanto mudanças quanto permanências dos processos chineses, bem como para indicar o que havia de novo e o que era algo já estruturado em Manaus.

Na pesquisa, lançamos mão da triangulação de métodos, tanto qualitativos quanto quantitativos: análise de fontes documentais (em português e em inglês) e dados financeiros das empresas do PIM, uso da descrição densa (Geertz, 1989Geertz, Clifford. (1989), A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, LTC.), do olhar, ouvir e escrever antropológicos, mormente na observação participante e na “domesticação teórica” do campo (Cardoso, 2000), da etnografia do trabalho (Pun, 2005Pun, Ngai. (2005), Made in China: Women Factory Workers in a Global Workplace. Durham, Duke University Press.; Lee, 2017Lee, Ching Kwan. (2017), The Specter of Global China: Politics, Labor and Foreign Investment in Africa. Chicago, University of Chicago Press.) e de entrevistas com trabalhadores, líderes sindicais, líderes empresariais, gestores públicos, promotores da Justiça do Trabalho, gerentes brasileiros e expatriados chineses que ocupavam diversos cargos nas empresas.

A questão central foi abordar, de forma ampla, os vários aspectos e atores sociais envolvidos com as fábricas investigadas: da mercadoria e do processo de produção aos sentimentos, bens imateriais e identidades sociais (Bourdieu, 2002Bourdieu, Pierre. (2002), Esboço de uma Teoria da Prática – Precedido de Três Estudos sobre Etnologia Cabila. Oeiras, Celta.; Appadurai, 2004Appadurai, Arjun. (2004), Dimensões Culturais da Globalização: A Modernidade sem Peia; tradução de Telma Costa. Editorial Teorema, Lisboa.; Hall, 2015Hall, Stuart. (2015), A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 12ª. ed. Rio de Janeiro, Lamparina.; Gaetano, 2015Gaetano, Arianne M. (2015), Out to Work: Migration, Gender, and the Changing Lives of Rural Women in Contemporary China. Honolulu, University of Hawai´i Press.), mantendo, para isso, o distanciamento metodológico em contexto de espaço social familiar ao pesquisador (Velho, 1987).

Sob o auxílio da estratégia da “bola de neve”, ou seja, cada sujeito indicava um outro, entrevistamos 25 trabalhadores e trabalhadoras dos mais diversos níveis hierárquicos das empresas, sobretudo do chão de fábrica, até se chegar à repetição das respostas, conforme defendem Gondim e Lima (2010:57).

O problema foi que, algumas vezes, a bola de neve quase desmoronou, visto que muitas trabalhadoras contatadas demonstraram receio de marcar entrevistas com um interlocutor homem. Em face disso, como metodologia, a busca por entrevistas com as trabalhadoras do PIM passou a ser feita pela assistente de pesquisa, coautora deste artigo; no caso de trabalhadores, pelo autor, estratégia que foi fundamental e fez a roda de entrevistas voltar a girar.

Também realizamos visitas anuais às instalações fabris para acompanhar o processo de produção e obter dados socioeconômicos das empresas. A pesquisa nas fábricas foi obtida por diferentes caminhos. Cabe destacar, primeiro, o contato por telefone e e-mail das empresas, o que não teve resposta positiva. Também tentamos por meio da etnografia do trabalho, fazendo parte da mão de obra de uma das fábricas investigadas. Aprovada pela gerência brasileira, nossa entrada foi barrada pela matriz da China.

Ao mesmo tempo, nos dirigimos às instituições empresariais, governamentais e sindicais que atuam na Zona Franca de Manaus. Nas fábricas de televisores e nas de placas, por exemplo, nossa entrada ocorreu sob encaminhamento do sindicato, porque líderes sindicais tinham contato próximo com gestores de recursos humanos dessas empresas, que eram brasileiros. Na fábrica de ar-condicionado, o acesso se deu por meio de encaminhamento de um técnico da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa)11 11 . Órgão federal que gerencia, desde a sua criação, esse modelo econômico. que, coincidentemente, tinha sido aluno do orientador de doutorado do autor deste artigo. Por fim, o Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (CIEAM)12 12 . Uma entidade patronal. nos levou até a fábrica de motocicletas. Daí em diante, os contatos travados com os gerentes das fábricas encaminharam as visitas seguintes.

Além das entrevistas com trabalhadores e observação direta do processo de produção das empresas, havia a necessidade de conseguir fazer pesquisa entre aqueles que eram parte importante da organização das fábricas chinesas instaladas na Amazônia – os expatriados deslocados da China para Manaus. A relevância deles para a pesquisa havia ficado clara já nas primeiras conversas que tivemos com representantes sindicais brasileiros, que falaram a respeito de “missões chinesas” ocupando os cargos de maior hierarquia nas fábricas e “controlando ferozmente os trabalhadores”.

Em âmbito internacional, alguns autores, como Lee (2009)Lee, Ching Kwan. (2009), “Raw Encounters: Chinese Managers, African Workers and the Politics of Casualization in Africa’s Chinese Enclaves”. The China Quarterly, n. 199, pp. 647-666., Cooke (2012)Cooke, Fang Lee. (2012), Human Resource Management in China: New Trends and Practices. London, Routledge. e Smith e Zheng (2016)Smith, Chris; Zheng, Yu. (2016), “The Management of Labour in Chinese MNCs Operating Outside of China: A Critical Review”, in M. Liu; C. Smith (orgs.), China at Work: A Labour Perspective on the Transformation of Work and Employment in China. London, Palgrave Macmillan Education. observaram o protagonismo de expatriados em fábricas na Tanzânia, Zâmbia, Índia e Turquia. Mas no plano da América do Sul, não havia dados sobre fábricas chinesas e expatriados. De modo que surgia a questão de saber se isso ocorria no Brasil, de fato, e quais seriam seus modos de atuação local, por um lado, e seus aspectos gerais quando comparados com o restante do mundo, por outro.

Corroborando essa tendência mundial, no início da pesquisa, em meados de 2013, um dos primeiros aspectos que nos chamou atenção foi exatamente este: chineses permeando toda a organização gerencial e de supervisão dessas empresas, mesmo entre aquelas há bastante tempo na Amazônia. Havia ali, portanto, um ponto de partida para aprofundar investigações, o que nos levou a mapear quem eram esses indivíduos e qual sua função social nas fábricas pesquisadas.

Contudo, já no início da pesquisa foi ficando claro que obter dados sobre expatriados não seria tarefa fácil. Eles eram desconfiados e controlavam informações básicas sobre a fábrica e sobre eles mesmos. Nas entrevistas agendadas pela gerência brasileira e realizadas dentro das empresas, poucas informações foram obtidas formalmente, sendo fornecidos apenas nome, idade e cargos que ocupavam na organização. Era necessário mudar a estratégia para fazer a pesquisa andar.

Nessa busca por uma descrição densa (Geertz, 1989Geertz, Clifford. (1989), A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, LTC.), a estratégia foi tornar as entrevistas menos formais, no intuito de os chineses se sentirem mais à vontade para responderem às questões da pesquisa. Com esse objetivo, os convidamos para sairmos e conversarmos em restaurantes da cidade de Manaus. Alguns alegaram compromissos e denegaram, mas outros expatriados aceitaram. Nos restaurantes, entre tambaquis, açaí e sopas (pratos que eles gostavam muito), nós buscávamos mais detalhes sobre suas vidas como expatriados13 13 . Entrevistas, no geral, em português, mas, em alguns momentos, passava-se a falar em inglês. Limites de tradução foram contornados pela repetição constante de entrevistas e criação de laços com os entrevistados. .

No entanto, apesar das boas comidas e do fato de eles nunca permitirem que nós pagássemos qualquer conta, as informações que gostaríamos de obter simplesmente não apareceram. Quando fazíamos alguma pergunta mais complexa, ouvíamos uma resposta curta, sem profundidade, sob olhares desconfiados e com comentários entre eles, em mandarim.

Na verdade, nesse início, nós éramos mais entrevistados do que entrevistávamos. Os chineses queriam saber de tudo sobre nós: o porquê de fazermos aquela pesquisa, como funcionava a universidade no Brasil, o que faríamos após o término do doutorado, quanto recebíamos e quanto receberíamos como futuros professores, qual o sistema político do Brasil, qual nossa previsão sobre os “rumos econômicos do país”, dentre outros assuntos. O que nós não sabíamos é que isso fazia parte do processo de pesquisa entre chineses. Gaetano (2015)Gaetano, Arianne M. (2015), Out to Work: Migration, Gender, and the Changing Lives of Rural Women in Contemporary China. Honolulu, University of Hawai´i Press., Lee (2009Lee, Ching Kwan. (2009), “Raw Encounters: Chinese Managers, African Workers and the Politics of Casualization in Africa’s Chinese Enclaves”. The China Quarterly, n. 199, pp. 647-666.; 2017) e Pinheiro-Machado (2011)Pinheiro-Machado, Rosana. (2011), “Fazendo Guanxi: Dádivas, Etiquetas e Emoções na Economia da China Pós-Mao”. Mana, v. 17, n. 1, pp. 99-130., por exemplo, passaram por situações semelhantes e usaram de estratégias e contextos locais para adentrarem o mundo chinês. Fizeram “guanxi”.

Nós também estávamos fazendo, mas ainda em sentido muito formal, juntando momentos de lazer com trabalho, o que não ajudava muito. Até as nossas roupas ainda eram “acadêmicas”, pois vestíamos camisa e calças “sociais”. Mas não somente isso: o nosso próprio modo de conduzir as conversas, com cadernos e canetas na mão, tentando anotar tudo que eles falavam, espantava os expatriados ou, pelo menos, os inibia. Para piorar a situação, em alguns momentos, perguntávamos se podíamos gravar os diálogos. Com medo, eles não permitiam, e nós, com sentimento de não estarmos avançando, íamos ficando sem entrevistas e sem dados.

Foi somente depois dessas “dificuldades amazônicas” que mudamos a forma como estávamos conduzindo o guanxi e as coisas começaram a andar. No lugar das formalidades, passamos a fazer uso dos “encantos locais” para tentar nos aproximarmos dos chineses. Uma forma foi convidá-los para pescarias em um sítio familiar, localizado no interior da Amazônia. A outra foi, nos encontros, levar-lhes sempre algum presente regional.

Além destas, convidá-los para ir à nossa casa em Manaus foi uma estratégia importante. Aquilo era um atrativo e um universo novo para eles, daí quererem conhecer todos os cômodos da casa e saber quanto seria o aluguel de um imóvel daquele tipo. Ademais, ter uma casa própria e, aos seus olhares, “grande” em uma metrópole como Manaus demonstrava-lhes “nossa ascensão social14 14 . Segundo eles, uma casa grande era impossível de ser comprada na China, pois “o preço era alto demais para alguém com renda média” no contexto do boom imobiliário chinês. ”. Trazê-los para dentro desse nosso mundo era um sinal de respeito e consideração por eles.

É nesse contexto, pois, que os rumos das nossas conversas foram saindo do seu sentido formal e sendo direcionados para os “negócios da China”. Nessas negociações, nossas recomendações passaram a ser apreciadas e valorizadas. Um exemplo: os chineses pediam nossa opinião acerca de quais eram os principais produtos medicinais amazônicos, pois eles pretendiam levar para vender na China; também perguntavam sobre quais seriam os investimentos na Amazônia com bons retornos financeiros. Compra de terras, plantação de açaí ou de guaraná e criação de peixes era o que despertava o especial interesse deles. “Em alguns desses negócios”, diziam eles bem entusiasmados, “vocês entrarão como nossos sócios no futuro, quando terminarem o doutorado”.

Nunca soubemos, de fato, se eles falavam sério ou não, mas o importante é que a confiança foi sendo construída e o mundo do expatriado, aberto para nós. Vale destacar que os sinais dessa confiança vieram antes mesmo dos dados propriamente ditos. Por exemplo: eles passaram a nos trazer presentes quando voltavam de viagens que faziam anualmente à China, e a nos convidar para conhecermos o seu país. Também nos deram seus contatos pessoais do seu aplicativo de troca de mensagens, o que nos levou a, mesmo distantes, trocarmos informações e a sanar muitas das dúvidas que surgiram posteriormente.

Ademais, passaram a nos receber em seus dormitórios na cidade de Manaus para comermos comidas chinesas feitas por eles. Apimentada demais até mesmo para os padrões amazônicos e, especialmente, para pesquisadores neófitos em culinária chinesa, a “tigela de arroz” oferecida pelos expatriados em suas próprias residências foi a amostra material e simbólica que a relação de guanxi estava, efetivamente, concretizada e nós, a partir daí, poderíamos cuidar dos “negócios acadêmicos”, tomando outros rumos no levantamento de dados.

Foi assim, portanto, depois de muitas idas e vindas, de tentativa e erro nas formas de condução das conversas e, sobretudo, sobre o aprender a não perguntar, mas a conversar e a ouvir, que fomos adentrando o universo físico e simbólico dos expatriados. Falamos isso porque fazer o guanxi exigiu persistência, tempo e troca de bens (materiais e imateriais), não se sabendo, depois, quem estava recebendo mais ou menos informações, já que o importante era a troca.

As informações mais sensíveis, como salários, benefícios, trajetória social, rotinas, medos e planos dos expatriados, foram obtidas graças a esta estratégia metodológica, muitas delas, nos últimos meses de pesquisa na Amazônia.

UM FANTASMA RONDA A AMAZÔNIA: FÁBRICAS CHINESAS NA VISÃO LOCAL

Um dos primeiros aspectos que nos chamaram a atenção no trabalho de campo na Amazônia foram os relatos dos agentes da Zona Franca de Manaus ao se referirem à chegada das fábricas chinesas. Para usar uma expressão de Karl Marx, esse desembarque de investimentos não deixou de ser um fantasma rondando a região, acionando uma cadeia de representação acerca da ascensão e da expansão da China pelo mundo e, especificamente, na Amazônia; também não deixou de indicar desconhecimento sobre este país asiático, como veremos.

Dentre essas visões, entrevistados apontaram o “sucesso” do desenvolvimento da China em função de ser uma “ditadura capitalista” que, segundo eles, faz com que o país consiga realizar as transformações econômicas sem barreiras internas, como questões envolvendo o meio ambiente, questões trabalhistas e trâmites burocráticos. Sobre isso, assim falou um economista pertencente ao quadro da Secretaria de Estado de Planejamento, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Seplancti):

Eu enxergo a vantagem da China no atual cenário capitalista global pelo fato de ela ser uma ditadura. Ela está conseguindo tirar vantagem disso e entrar nos mercados que ela quer. É uma ditadura capitalista. E isso é uma vantagem para eles, pois eles podem agir com mais rapidez, mais fluidez.

Diagnóstico semelhante foi dado por um quadro da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), segundo o qual

Eles [os chineses] perceberam que estavam criando milhões e bilhões de famintos. Aí viram que tinham de tirar o pessoal da fome. Por isso fizeram uma coisa que tem todas as possibilidades de funcionar em qualquer lugar do mundo: o capitalismo aliado ao ditatorialismo. Se tem uma montanha atrapalhando fazer uma estrada, eles vão lá e tiram a montanha. Não tem IBAMA, não tem nada (Economista, Fieam).

No que concerne à visão que se tem sobre a presença chinesa no PIM, os entrevistados dão destaque ao “pouco adensamento chinês”. É o caso, por exemplo, da fala do presidente do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam), ao relatar que

(...) a China está buscando mercado no mundo inteiro. Eles vão investir seu capital fora. A longo prazo eles podem ser um grande investidor. Nós não temos aversão aos chineses, eles podem investir. Mas eles ainda não têm adensamento de cadeia. As empresas chinesas não têm interesse em adensar a cadeia porque trazem tudo de fora. Eles só vão adensar se forem obrigados por lei (Presidente da Cieam).

Relatos semelhantes também foram emitidos por entrevistados oriundos da Coordenação-Geral de Estudos Econômicos e Empresariais (Cogp), da Suframa, que externaram a opinião de que os “chineses precisam se adequar às diretrizes da ZFM e se enquadrarem na CLT” (Economista, Suframa). O primeiro aspecto foi destacado ainda por um economista pertencente ao quadro da Fieam, segundo o qual os chineses

(...) vêm pra cá com a seguinte proposta: “Nós nos instalamos aqui no Polo Industrial de Manaus, mas trazemos tudo da China”. Aí não acontece [a negociação]. Porque aqui não existe maquiagem. Esse negócio de maquiagem na Zona Franca não existe15 15 . O entrevistado refere-se às críticas que são emitidas à Zona Franca de Manaus que a colocam apenas como espaço de “montagem” dos produtos, não se realizando nenhum processo local de transformação industrial. . Então, eles têm de ter uma indústria de transformação. Indústria é isso, é transformação de algo. A Moto Honda é um exemplo disso. É quase tudo feito aqui, apenas 1% é importado (Chefe de Gabinete da Fieam).

O Sindicato dos Metalúrgicos do Estado do Amazonas, que representa a categoria dos trabalhadores das empresas pesquisadas, congregou visões variadas sobre a presença das fábricas chinesas na Zona Franca de Manaus. O presidente do sindicato, por exemplo, apresentou-nos seu olhar nestes termos:

O pior dos empresários asiáticos são os chineses. Eles fazem assédio moral, gritam com as pessoas. Tem uma situação de cultura, tem um choque cultural muito grande. Aí quando, eles não estão se adaptando à nossa cultura, eles são devolvidos. Eles têm esse problema muito sério. Por exemplo, eles acham que um gerente, quando vai para linha de produção ensinar, tem de gritar com todo mundo (Entrevista com os autores, 2014).

O presidente do sindicato expressou, ainda, a dificuldade que os líderes sindicais encontram para fazer com que as empresas chinesas acatem as normas trabalhistas e acordos forjados em convenções da categoria:

Decidiu-se na convenção isso ou aquilo, fez uma convenção coletiva aqui, tem que ir para a China para receber ordem para poder fazer. Então, como eles trazem essa cultura deles, para a gente fazer com que eles cumpram as leis brasileiras é complicado. Tem que ir para o confronto, porque, quando a Justiça multa, eles não estão nem aí para multa. A gente vai parar essas empresas nesse primeiro semestre (Entrevista com os autores, 2014).

Além disso, o líder sindical ressaltou que os chineses não davam autonomia para os trabalhadores brasileiros e, por meio da presença de gerentes, controlavam rigidamente o processo de produção. “Gerentes de produção, tudo são eles. Eles não colocam uma gerência nacional. E isso é uma forma de controle. (...) E isso justamente para não dar benefícios sociais. (...) Nós do sindicato preferiríamos que eles fossem embora do Brasil” (Presidente do Sindicato, entrevista com os autores, 2014, ênfase nossa).

Opinião semelhante foi relatada por uma líder sindical que, à época da entrevista, trabalhava em uma empresa chinesa. Segundo ela, os chineses

(...) acabaram com todos os direitos dos trabalhadores, tiraram as áreas de lazer que a gente tinha de mulheres, fecharam. Acabaram com uma ala que a gente tinha de assistir TV. E a gente trabalhava sentado; agora é todo mundo em pé. As [horas] extras, antes a gente tinha o direito de dizer não; agora, a gente tem de fazer a extra. Aí, eu sei que o tratamento, o assédio moral é constante lá com o trabalhador. Eles vêm e querem fazer como é lá no país deles, de querer bater, dar cascudo (Entrevista com os autores, 2014).

Entrementes, na opinião de um outro líder sindical, a chegada das empresas chinesas era uma questão nova, e o sindicato estava acompanhando para ver como elas iriam se comportar nos termos de legislação trabalhista, mas que, ainda, não havia acontecido nada que justificasse uma ocupação da fábrica, como indicara o presidente do sindicato.

Outra liderança relatou que, logo que as empresas chinesas chegaram em Manaus, o descumprimento dos acordos trabalhistas era constante, e que muitas delas preferiam pagar multa a cumprir uma determinação da justiça do trabalho. Contudo, segundo ele,

(...) essa relação tem mudado, mas muito lentamente. Olha, para tu ter uma ideia, recentemente teve uma paralisação lá, a questão do pão. Eles davam um pão para cada trabalhador. Aí os caras traziam de casa. Nós fomos lá de manhã e eles levantaram um saco de pão, que era uma maneira de mostrar para nós: “olha aqui, nós estamos trazendo pão porque os caras só dão um”. Sem a pressão do sindicato eles não resolvem. É cultural isso. Os caras lá são acostumados com uma outra cultura: você pagou o salário, acabou. Não existe mais vantagens. Então, aqui, qualquer coisinha que foge do salário não é atendida (Entrevista com os autores, 2014).

MODELO CHINÊS DE PRODUÇÃO NA ZFM: CARACTERÍSTICAS ORGANIZACIONAIS E GERENCIAIS

Tais rumores a respeito dos chineses não são exclusividade amazônica. Lee (2017)Lee, Ching Kwan. (2017), The Specter of Global China: Politics, Labor and Foreign Investment in Africa. Chicago, University of Chicago Press., por exemplo, observou narrativas semelhantes em Zâmbia, no continente africano. A autora mostra como uma imagem negativa local sobre os chineses foi acionada por estes para fazer parte de suas narrativas que os identifica como “vítimas seculares do Ocidente”. Na Europa, alguns autores vão falar do investimento chinês como “Cavalo de Troia”.

Na verdade, tal qual indicam Hairong e Sautman (2012)Hairong, Yan; Sautman, Barry. (2012), “Chasing Ghosts: Rumours and Representations of the Export of Chinese Convict Labour to Developing Countries”. The China Quarterly, n. 210, pp. 398-418., deve-se levar em conta que há visões internacionais muito negativas sobre a China, muitas delas “sem provas”, fazendo parte da nova disputa ideológica global e da rivalidade política e econômica por contratos ou questões geoestratégicas, e muitos atores acabam por reproduzi-las localmente.

Diante dessa disputa global e local sobre o que é a expansão chinesa, a questão é distinguir o “fantasma” da realidade histórica, separando o joio do trigo. Os resultados dessa busca serão abordados a seguir e servirão de esteio à discussão travada na parte final do artigo.

A NOVA ROTA DA SEDA: INSUMOS MADE IN CHINA E A POLÍTICA DE IMPORTAÇÃO PARA MANAUS

Grande parte do que as empresas pesquisadas fabricam em Manaus tem a China como origem dos insumos. Grande parte, concretamente, significa algo em torno de 90% do que é necessário para a produção do bem final. O bem final, na verdade, já vem pré-fabricado em kits CKD (Completely Knocked Down) e, em Manaus, são montados agregando-lhes aquilo que a legislação brasileira exige como índice mínimo de produção local: o Processo Produtivo Básico (PPB)16 16 . São etapas fabris necessárias à produção de um bem e que visam adensar a cadeia produtiva local. .

Esses insumos provenientes da China chegam em Manaus por meio fluvial, em navios que demoram em torno de 45 dias para atracar nos portos do PIM. Essa demora, segundo alguns entrevistados, deve-se ao processo de cabotagem, pois os navios oriundos da China têm como parada final os portos da costa brasileira, como Suape/PE, Santos/SP e Pecém/CE, sendo necessário transferir a carga de insumos para outros navios que navegam com destino a Manaus (Maciel Brito, Moura Maciel, 2016b).

O caso da MotorChina é exemplificador dessa logística amazônica, conforme mostra o relato do subgerente de produção da empresa:

A gente tem problemas com a logística, pois geralmente os insumos vêm da China para Santos e depois é que vêm para Manaus. E mesmo na saída de produto acabado, vai de Manaus para Fortaleza e, depois, para Suape, aí é que vai para a revenda. Isso demora (Entrevista com os autores, 2015).

Mas se esse processo é demorado, por que essas empresas preferem trazer insumos da China ao invés de comprar de fornecedores locais?

Para a diretoria da MotorChina, comprar da China é compensador porque o custo é muito menor quando comparado ao similar local. “Hoje, o atrativo da China é o custo. Os chineses são imbatíveis em termos de custos. Hoje, compensa muito importar da China tanto insumos como produtos acabados. Tudo vem da China. E aqui fazemos estoque para três meses” (Entrevista com os autores, 2014).

Esse processo de vinda de insumos da China para o Brasil revela que o padrão de produção chinês não prescinde da formação de estoques, pois, para eles, um estoque de baixo custo, aliado à baixa alíquota de tributação na importação de componentes, é mais compensador do que comprar na própria ZFM, ou em São Paulo, por exemplo.

Mas isso gera uma dependência logística que não permite que haja uma produção “puxada”. Na verdade, segundo uma engenheira da ChinaBoard, isso é difícil de ser exequível na empresa chinesa, pois algumas vezes a carga de insumos atrasa, o estoque acaba, e os trabalhadores ficam sem ter atividade. “Uma vez ficamos duas semanas em casa por falta de material porque o navio tinha atrasado” (Entrevista com os autores, 2016).

Além de gerar uma dependência da logística, a importação de grande parte dos insumos da China gera um retrabalho nas fábricas chinesas da ZFM. Isso porque, de acordo com um engenheiro da empresa ChinaBoard, os chineses enviam os insumos sem fazer uma triagem rigorosa de quais são os componentes com defeito, pois “eles acham mais barato consertar em Manaus do que ter que corrigir logo lá na China” (Entrevista com os autores, 2016).

Dessa forma, quando os componentes chegam nas fábricas de Manaus, os que estão com defeito e podem ser reparados são consertados para, posteriormente, serem usados no processo de produção. Manaus, nesse sentido, funciona como uma “oficina”, na qual são retrabalhadas aquelas peças que não estão de acordo com as normas de qualidade das empresas.

Face à importação de quase todos os componentes, o que, de fato, é agregado de componente local é o mínimo acordado no PPB. No caso da ChinaBoard, trata-se de saco de embalagem, isopor, caixa, manual de instrução de usuário, placa wi-fi, cabo de força e etiquetas. No caso da MotorChina, são fornecidos localmente os pneus, a coroa de transmissão, o pinhão de transmissão, retrovisor, refletor, cavalete lateral, espaçadores de roda e haste de freio. Na ArconChina são componentes locais, as caixas de embalagem, o isopor, o manual de instrução, as placas de circuito e o controle remoto.

Vale destacar que, não obstante ser considerada produção “local”, parte desses componentes usados por fornecedores “locais” também são oriundos da China, como é o caso da ChinaBoard, que usa placas de circuito impresso que, teoricamente, são locais, mas, como mostra o gerente de Recursos Humanos da empresa, o fornecedor também importa quase todos os componentes:

(...) compramos as placas de circuito impresso montadas de fornecedor local, o qual por sua vez importa 95% dos seus componentes que utiliza em seu processo produtivo. Ou seja, esse percentual depende de em que posição seu negócio se encontra na cadeia produtiva. Bens intermediários tendem a ter maior percentual de importação que bens finais (Entrevista com os autores, 2015).

Levado isso em conta, o índice de importação nas empresas pesquisadas é maior do que aparenta ser. Mas mais que isso, a importação de quase todos os insumos fomenta uma inflexibilidade na organização da fábrica, uma vez que precisa trabalhar com estoque de três meses, e qualquer mudança necessita desse tempo para se concretizar, como afirma o gerente de RH da TVChina: “Os lead times de produtos chegam a meses. Logo, uma variação brusca de mercado somente será ajustada pela indústria em Manaus alguns meses depois, fazendo as empresas absorverem prejuízos de estoque alto ou de perda de oportunidade”.

Observa-se, diante disso, uma produção chinesa que não opera em just in time nos moldes pensados pelo modelo japonês. Isso ocorre tão somente no tocante a um just in time interno, mas não em relação a um just in time externo, como conceitua Leite (1994)Leite, Maria Paula. (1994), “Reestruturação Produtiva, Novas Tecnologias e Novas Formas de Gestão da Mão de Obra”, in C. A. B. Oliveira et al. (orgs.), Mundo do Trabalho: Crise e Mudança no Final do Século. São Paulo, Página Aberta.17 17 . “(...) O sistema pode tanto abarcar a relação da empresa com seus fornecedores e consumidores (just-in-time externo), como apenas os vários departamentos e setores que compõem uma mesma empresa (just-in-time interno)” (Leite, 1994:568). . Dizemos isso porque o estoque de longo prazo é visível em todas as fábricas que visitamos, ocupando grande parte das instalações, e isso não é visto pela gerência chinesa como algo que precisa ser solucionado, uma preocupação fundamental (Maciel Brito, Moura Maciel, 2016b). Os chineses não fazem referência a isso nas entrevistas, e mesmo quando questionados, falam que um estoque “não pode passar de um mês”. Quer dizer, a noção do tempo de estoque é outro.

Observando analiticamente, pode-se dizer que o estoque e a importação das fábricas chinesas são pensados como planejamento. Não como custo, como na filosofia japonesa. Já que a China tem o controle tanto do processo da produção, quanto do envio de insumos, o estoque não é um problema central, hoje, dos chineses. Na verdade, é parte central das fábricas chinesas, pois é uma forma de atender, também, o interesse estratégico das produtoras de insumos localizadas na China. Daí, termos estoque e importação planejados18 18 . A despeito disso, as linhas de montagem das fábricas chinesas operam com sistemas Kanban e Andon e com máquinas e equipamentos automatizados, o que caracterizaria um just in time interno. .

DA TIGELA DE ARROZ À TIGELA DE AÇAÍ: A POLÍTICA DE EXPATRIAÇÃO DE CHINESES

As fábricas pesquisadas eram permeadas por trabalhadores chineses. Na MotorChina, de 120 trabalhadores, 10 eram chineses. Na ChinaBoard, eram 20 expatriados de um total de 400 trabalhadores. Na TVChina, eram 30 expatriados de uma mão de obra de 670. Por fim, na ArconChina, eram 30 expatriados de um total de 300 trabalhadores.

Para um gerente de uma empresa pesquisada, essa presença maciça de chineses em Manaus deve-se ao fato de “os chineses não abrirem mão de terem gerentes chineses em todos os níveis hierárquicos da empresa. Isso é próprio da gerência deles, e acredito que é por causa da comunicação” (Entrevista com os autores, 2016).

Inobstante, na pesquisa, o que ficou claro é que há, sim, um processo que envolve a questão da linguagem, mas há também a dimensão da necessidade de controle exercido pelas matrizes e, além disso, há o fato de os expatriados chineses representarem um custo menor do que custariam seus pares locais, algo em torno de 20% nas fábricas privadas e 30% nas fábricas estatais19 19 . Apesar de o “envelope vermelho” (紅包, hóngbāo) ser algo comum no começo de cada Ano Novo na China, como um “bônus” para os trabalhadores, isso não é feito em Manaus. Segundo nos disseram os expatriados, nem entre gerentes e trabalhadores locais, nem entre matriz e chineses. , o que vai na direção do apontado por Arrighi (2008)Arrighi, Giovanni. (2008). Adam Smith em Pequim: Origens e Fundamentos do Século XXI. São Paulo, Boitempo.. As tabelas a seguir ajudam a exemplificar isso.

Tabela 1 Comparação entre salários da matriz e da subsidiária (ArconChina)

Salário Médio ArconChina (U$S)
Cargo Salário dos brasileiros Salário dos expatriados Salário na China
Diretores Não informado Não informado Não informado
Gerentes 1.716,00 1.248,00 1.015,00
Coordenadores 1.560,00 1092,00 800,00
Supervisores 1.250,00 880,00 725,00
Operadores 420,00 Não havia expatriados 593,00
Fonte: Elaborado pelos autores com base em pesquisa direta. Dólar médio de R$ 3,20.

Tabela 2 Comparação entre salários da matriz e da subsidiária (TVChina 2016)

Salário Médio TVChina (U$S)
Cargo Salário dos brasileiros Salário dos expatriados Salário na China
Diretores 10.300,00 9.370,000 Não informado
Gerentes 6.240,00 5.150,00 2.890,00
Coordenadores 3.590,000 3.121,00 1.520,00
Supervisores 2.340,00 1.873,00 1.014,00
Operadores 350,00 Não havia expatriados 434,00
Fonte: Elaborado pelos autores com base em pesquisa direta. Dólar médio de R$ 3,20.

Nas empresas pesquisadas havia um setor específico que cuidava do processo de transferência dos chineses para Manaus e que lhes ofereciam a estrutura necessária de adaptação. Uma vez na cidade, os trabalhadores chineses têm moradia, transporte, viagem para a China uma vez por ano e supermercado.

Na entrevista com os autores foi possível observar que existem dois tipos de expatriados: aqueles que se dirigem para Manaus com uma “missão” – resolver um problema que está acontecendo nas empresas20 20 . As máquinas e equipamentos das fábricas chinesas, geralmente, têm suas descrições de operação em mandarim, o que muitas vezes demanda um técnico chinês para operá-la ou para ensinar como fazê-lo. , ensinar como montar um novo produto21 21 . Isso porque as fábricas chinesas de Manaus produzem o que já foi produzido na China antes. Dessarte, quando é enviado um novo kit para ser montado na ZFM, também são enviados técnicos chineses na perspectiva de treinar os operadores. Parte desses técnicos acabam virando supervisores, outros retornam à China e outros conseguem subir na hierarquia, tornando-se gerentes de algum processo fabril. , supervisionar a mão de obra – e aqueles que são previamente designados para gerenciarem a fábrica.

Um gerente de qualidade descreveu o primeiro tipo de expatriado da seguinte forma:

Cada chinês que vem para o Brasil tem um objetivo-chave a cumprir e se focam nisso. Eles trabalham muito mais que os brasileiros. Além de terem reuniões com os brasileiros, eles se reúnem entre 2 e 3 horas da madrugada para falar com o pessoal da China. Eles vêm para cá buscando melhorar determinado processo que não vai bem. Então, quem vem da China é tudo, menos operador, até técnico de conserto vem. Eles vêm com uma missão (Entrevista com os autores, 2016).

Geralmente o contrato de permanência em Manaus é por um período de dois anos, mas os trabalhadores que se destacam passam mais tempo na planta no Brasil. Nas entrevistas, encontramos um funcionário chinês que está há nove anos em Manaus e que tinha planos de trazer toda a família para a cidade.

Esses expatriados são, em sua maioria, jovens, mesmo aqueles que são gerentes. Na visão deles, o trabalhador tem de se tornar um supervisor até os 20 anos de idade. Até os 25 anos, tem de ser um coordenador e, até os 30 anos, um gerente, senão não consegue mais, pois na China a concorrência é muito grande (Entrevista com os autores, 2015).

Para os gerentes brasileiros, os chineses expatriados têm uma relação rígida com a questão hierárquica: não criam intimidade com o trabalhador do chão de fábrica, continuam servindo seus superiores mesmo fora da fábrica e não se importam de ganhar menos que seus subordinados, desde que este seja um especialista, como relata esse gerente:

Aqui eles ganham três vezes mais que na China. Porém, comparado com o brasileiro, ele ganha menos. Por exemplo: enquanto coordenador da área eu ganhava mais que o meu chefe chinês. No ambiente chinês, o especialista em algo pode te fazer ganhar mais que o teu chefe. Isso não acontece no modelo brasileiro (Entrevista com os autores, 2014, ênfase nossa).

Essa visão também foi compartilhada por um analista de engenharia da empresa ArconChina: “Eu ganho mais que meu chefe chinês, e eles não se incomodam com isso. No Brasil não é assim. Se você for chefe, você ganha mais que seu subordinado”. E ainda, por um gerente de RH da ChinaBoard: “Para eles, a posição hierárquica é melhor que o salário. O brasileiro quer o bônus em dinheiro. Já o chinês, se você disser, ‘você passou do nível 4 para o 5’, eles vão ficar muito felizes” (ênfase nossa).

Estes expatriados chineses têm encontrado certa dificuldade em entender a legislação trabalhista brasileira. Como relata o gerente de RH de uma empresa:

Uma das maiores dificuldades na adequação cultural é a diferença das leis trabalhistas entre a China e o Brasil. Visivelmente, no Brasil, os trabalhadores têm bem mais direitos, salários mais altos e carga social mais elevada que na China. Isto causa dificuldade para que os investidores e os expatriados que dirigem a companhia entendam todas as obrigações e que não as acatar tornaria o negócio inviável no Brasil. Eles não têm muito respeito com a mão de obra local. Quando você fala com os gerentes chineses, você percebe que eles se espantam com a quantidade de leis trabalhistas. Eles acham isso um exagero. Você dizer para eles que não se pode trabalhar mais de 10 horas por dia, eles não acreditam. Se uma máquina quebra, o chinês quer que eu chame o funcionário das férias para consertar a máquina, mas eu digo que não pode. Contudo, eles têm uma disciplina quase que religiosa pelo cumprimento da lei. Então, ainda que eles se escandalizem com a CLT, se souberem que é lei, eles vão cumprir. Quando eu quero conseguir algo para o setor, eu já chego nos chineses mostrando que é lei, e na hora eles fazem (Entrevista com os autores, 2015).

Nas conversas que travamos com os chineses, eles se mostravam cautelosos em relação ao tema, fazendo questão de dizer que cumpriam toda a legislação trabalhista. No entanto, mais tarde, em outros diálogos, eles foram expressando suas ideias a respeito do trabalho no Brasil, indicando que o trabalhador seria muito beneficiado, protegido.

Aqui o sindicato protege o trabalhador. Na China é diferente. Exemplo: se a pessoa faz uma coisa errada, é fácil demitir. Aqui veriam isso como uma irregularidade. Na China não é tão protetor assim. Acho que o trabalho aqui é melhor. Quer dizer, é melhor para o trabalhador, porque para a empresa não é tão bom. São muitos custos com o trabalhador (Entrevista com os autores, 2015; tradução livre).

É importante destacar que essa expatriação controlada, em grande medida, acaba se tornando um controle da mão de obra local. Falamos isto porque o expatriado precisa dar respostas diárias à matriz chinesa, informando por meio de relatórios e conversas via mídias digitais qual foi a produção diária, quais foram os principais problemas encontrados na empresa, como o trabalhador brasileiro está se comportando, por que tal meta não foi atingida, o que acaba também sendo cobrado do trabalhador brasileiro.

No caso de supervisores brasileiros, essa cobrança, primariamente, se concretiza no envio de relatórios semanais em inglês, detalhando como foi a produção da semana. Para líderes do chão de fábrica, a cobrança é diária, pois eles precisam alimentar, de meia em meia hora, um sistema (Show Board) que mostra, em tempo real para os chineses, como estão operando as linhas de produção em Manaus.

As implicações disso para o corpo de trabalhadores resulta de uma cadeia de eventos: os líderes alimentam o sistema; o sistema informa aos chineses da matriz; estes questionam os gerentes chineses da filial, que questionam os líderes do chão de fábrica, que questionam os operadores.

Esse processo foi confirmado por uma operadora de uma empresa pesquisada. Ela relatou que “os chineses acompanham, por telão, se estamos conseguindo cumprir as metas. Se não, eles pegam no pé da produção. Eles cobram muito! Aí estão sempre na linha fiscalizando a gente” (Entrevista com os autores, 2014).

Além da pressão sobre os trabalhadores tanto de nível hierárquico superior, quanto sobre trabalhadores do chão de fábrica, a expatriação controlada cria um conflito entre gerentes brasileiros e chineses, pois estes recebem um conjunto de benefícios e aqueles, não. Além disso, de acordo um gerente de RH, em períodos de crise, é mais difícil demitir um funcionário chinês, pois a matriz chinesa o protege, e quem acaba sendo demitido é o funcionário brasileiro22 22 . Em 2014, em uma “conversa de almoço” com o gerente de Recursos Humanos, este relatou-nos que estava tendo de “desligar” alguns trabalhadores face à queda na demanda de TVs, mas que tinha dificuldade em demitir os chineses, pois estes contavam com a “proteção da matriz” que não autorizava a demissão. . O relato de uma engenheira também indica isso: “Nas crises, sempre quem é mais propício a sair são os brasileiros, porque sempre vai existir o favoritismo. Mesmo que eles tentem combater, sempre vai existir. Nesse caso, os chineses sempre ganham, e os brasileiros ficam à mercê disso” (Entrevista com os autores, 2016).

FORMAS DE CONTROLE E SUPERVISÃO FABRIL

No que diz respeito ao controle e supervisão fabril, os trabalhadores reclamavam sofrer muita pressão por parte dos chineses e não terem autonomia na tomada de decisões. No caso de trabalhadores do setor administrativo da TVChina, toda compra que tivesse um valor acima de US$ 2.000,00 precisaria de aprovação da matriz chinesa.

Já no chão de fábrica, o controle se dava por meio presencial de supervisores: “Quando o chinês vê algo sujo, ele reclama para o supervisor e o supervisor reclama para a gente. Os chineses são muito exigentes, eles têm muitos supervisores. Eu nunca vi isso em outra empresa” (Operador, entrevista com os autores, 2016).

Os trabalhadores relataram, ainda, que os supervisores estavam sempre passando na linha de produção para ver se o funcionário estava operando da forma correta. Quando visualizavam algo em desacordo com o que achavam correto, não ensinavam os trabalhadores, na verdade, “tiram dos postos em que estamos e chamam outro funcionário para assumir o lugar” (Montadora, entrevista com os autores, 2014). Isso acontecia, segundo outro entrevistado porque “(...) os chineses não gostam de erros e eles querem que a gente faça tudo na hora. Exemplo: um menino estava soldando errado, aí o chinês viu, puxou a solda da mão dele e começou a fazer. Eles fazem, mas não ensinam” (Almoxarife, entrevista com os autores, 2014).

Acresce a isso, segundo os entrevistados, o fato de algumas vezes os chineses terem usado câmeras filmadoras para gravar quem estava conversando, na perspectiva de fazer pressão para que os trabalhadores não conversassem enquanto trabalhavam e ficassem focados no trabalho. O depoimento de uma reserva ilustra bem essa característica do controle chinês:

Eles só querem saber de trabalho, trabalho, trabalho. Não querem saber do teu outro lado, não. Eles passam na linha bem assim [a entrevistada faz gestos] com a mão para trás olhando quem está conversando. Só que como a gente é acostumada com o jeito de outras empresas, a gente fica conversando e trabalhando. Teve um dia que um chinês viu a gente conversando e chamou a supervisora e falou para ela: “como que elas [as trabalhadoras] conseguem fazer duas mil TVs sem nenhum defeito e ainda ficam conversando?”. Aí a supervisora disse para gente que os chineses não querem que a gente converse (Entrevista com os autores, 2014).

Outrossim, o relato de um engenheiro também elucidou um pouco essa questão do controle por meio daquilo que ele chama de “autonomia controlada” dada pelos chineses:

(...) Qualquer coisa que eu queira implantar ele [o gerente chinês] quer saber. Isso também acontece com meu coordenador. Ele veio de empresa europeia e tinha total autonomia. Aí quando ele veio para o nosso grupo ele teve problemas porque ele queria fazer as coisas como era na outra empresa, tomar decisões sem comunicar. Eles querem saber o que você vai fazer antes. Isso é uma característica chinesa. Eles te dão uma autonomia controlada (Entrevista com os autores, 2015; ênfase nossa).

Diretamente ligado à questão do controle fabril está o fato de os chineses não compartilharem informações com os brasileiros. Segundo os entrevistados, a gestão chinesa controla as informações sobre quase tudo o que acontece na fábrica: defeitos nos componentes, o que deve ser feito para consertá-los, ações a serem desenvolvidas ao longo do ano, metas de produção anual, ideias de como desenvolver novos produtos e como operacionalizar determinada máquina que chega da matriz na China. Esse controle da informação pode ser identificado na fala de um técnico em eletrônica:

Eles [os chineses] sabem que tem problema, mas não dizem para a gente. Por exemplo: chegava uma carga de placas da China com problemas e eles não comunicavam a gente. Aí fomos comunicar os problemas a eles e eles disseram que já sabiam. Eles dizem que fazem assim porque a gente, os brasileiros, pode encontrar algum erro que eles não encontraram (Entrevista com os autores, 2015).

Relato semelhante foi dado por uma entrevistada da área de engenharia mecatrônica:

O chinês ele segura muito a informação, ele guarda muito a informação. Ele quer resolver o problema sozinho. Agora, por exemplo, vamos fazer um aparelho de conversão digital. Aí, o que é muito ruim, é assim: eles recebem a informação muito, muito antes, tipo, quando eles estão em processo de, sei lá, de cotação ainda. E aí eles só publicam a informação quando falta um mês para produzir. Acho que eles fazem isso por uma questão cultural, eles foram treinados para fazer, é um negócio que é deles. A gente já até tentou falar isso para eles, mas a gente se sente intimidado por causa da hierarquia (Entrevista com os autores, 2014; ênfase nossa).

PROCESSOS DE (DES)VALORIZAÇÃO DO TRABALHADOR

Com efeito, um outro elemento que caracterizou esse “choque” foi a pouca valorização da capacidade criativa do trabalhador nas quatro empresas pesquisadas. Há uma dificuldade chinesa em abrir espaços de diálogo na fábrica e aceitarem ideias, como mostra este depoimento de um entrevistado:

O jeito chinês é péssimo. Eles são cabeça dura. A gente tem de fazer como eles estão ensinando. Se você disser que de outro jeito é melhor, eles não aceitam. No meu antigo emprego tinha o processo de melhoria contínua, ou seja, eu via o que podia fazer para melhorar meu local de trabalho. Eu colocava no papel, dava ao supervisor e, se minha ideia fosse aprovada, seria expandida para todos e a pessoa que teve a ideia aprovada ganhava em torno de R$ 150,00 a R$ 400,00 e tinha a foto no mural. Às vezes ganhava um passeio, jantar e almoço fora. Era muito bom ali. Era bom porque a gente criava coisas, tinha liberdade (Entrevista com os autores, 2016).

Para os trabalhadores, esse processo tem tido como consequência a pouca motivação para se trabalhar nas empresas, uma vez que não se sentem valorizados pelas gerências. Segundo eles, em outras empresas da ZFM – sobretudo as japonesas (Honda, Yamaha, Showa e Konica, Sony) e as europeias (Siemens, Bic, Nokia23 23 . Comprada pela Microsoft em 2013. , Philips24 24 . Comprada pela TVChina. ), suas ideias eram “premiadas” e ainda contavam como parte dos requisitos para ganharem um valor maior na Participação nos Lucros e Resultados (PLR).

De acordo com eles, a liderança chinesa mudou aquilo que era o “normal” de prática de gestão do Polo Industrial de Manaus, como as viagens de treinamento nas matrizes que fábricas europeias e asiáticas promoviam para alguns funcionários, algo que não acontece no modelo chinês. Na verdade, é o caminho inverso que tem acontecido: o deslocamento de trabalhadores das matrizes para as subsidiárias, de gerentes a supervisores, nesta última função, algo bem específico de chineses na Amazônia.

Além disso, segundo uma entrevistada,

(...) para lidar com os funcionários, os chineses são frios. Não dão nem bom dia. Já os holandeses davam. Os holandeses deixavam a gente dar ideia. Os chineses, não. Eles não gostavam que a gente desse ideia e opinião para mudar o nosso posto, para melhorar algo. Os chineses diziam: “você não pode mudar. Na China faz assim e dá certo, vai dar aqui também” (Operadora de Produção, entrevista com os autores, 2016).

Essas referências ao estilo de gestão em outras empresas da ZFM foi uma constante nas entrevistas realizadas e os trabalhadores sempre traçavam em suas narrativas uma comparação com os seus antigos empregos, indicando que naqueles se sentiam mais valorizados, respeitados e parte de uma “equipe” que podia “colaborar na gestão da empresa”. Isso mostra que a dimensão da “colaboração”, difundida pelo modelo japonês, estava espalhada pelo PIM e, ajuda a explicar, também, a dificuldade sindical na criação de laços com os trabalhadores, algo relatado nos depoimentos dos sindicalistas entrevistados.

As relações dos chineses com os trabalhadores são horríveis. Eles não querem saber se você é mulher, se está doente. Eles só querem que você trabalhe. Mas eles não valorizam o teu trabalho. Eles não sabem te agradecer. Eles só valorizam o produto (Montador, entrevista com os autores, 2014).

A não valorização do trabalhador tem se refletido não somente na ausência de uma política de participação na gestão, mas também no pouco incentivo à qualificação e ao treinamento da mão de obra. Neste aspecto, muitos entrevistados destacaram que a gestão chinesa não oferecia cursos ou investia na formação superior dos trabalhadores, sendo eles próprios que pagavam cursos técnicos, ou que pagavam a faculdade. Para eles, isso era um retrocesso, posto que antes, em muitas fábricas da ZFM, pagavam 50% do custo de um curso universitário dos funcionários, ou remetia-lhes, periodicamente, para instituições, como o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) na perspectiva de se obter uma melhor capacitação técnica.

As palavras de uma líder de produção apontam exatamente para esse processo:

Eles não oferecem treinamento. Eles não querem nossas ideias, mas só bater metas, lucro. A cultura deles é só para você dar o seu melhor. É muita cobrança e eles esquecem de formar equipes. Eu estou há dois anos na empresa e não teve nenhum treinamento. Tive que fazer por conta própria no Sebrae, porque a empresa não oferece nada. Mas outra empresa que trabalhei eles davam até desconto para quem fazia faculdade (Entrevista com os autores, 2014).

Para os entrevistados, à falta de treinamento também se somam poucas oportunidades de crescimento na empresa, uma vez que os cargos superiores são, em grande parte, ocupados por chineses, que acabam por privilegiar outros chineses. Além disso, segundo eles, um nível hierárquico maior significa ter um salário maior, o que não interessa à gerência sino, que paga ao chinês um salário menor do que receberia um brasileiro na mesma função. “Para crescer na TVChina é muito difícil. Lá na Konica, em dois anos eu peguei promoção. Na TVChina estou há cinco anos e não pego promoção para subir (Entrevista com os autores, 2014).

Atrelada à falta de treinamento está a questão do pagamento de salário abaixo da média que outras empresas do PIM pagam para uma mesma função. Uma operadora de produção nos informou, por exemplo, que em seu emprego anterior seu salário era de R$ 1.042,00, mas que na empresa chinesa esse valor, na mesma função, caiu para R$ 908,00. Uma reserva de linha também relatou que o valor do seu salário caiu quando a TVChina comprou a empresa holandesa: “Na minha função, o reserva de linha da empresa holandesa ganhava R$ 1.900,00, mas na TVChina era R$ 1.500,00. Supervisor na empresa holandesa era R$ 4.000,00, e na TVChina, R$ 2.800,00” (Entrevista com os autores, 2015).

O caso da aquisição da empresa holandesa pela TVChina caracteriza bem esse processo, pois muitos trabalhadores tiveram seus salários rebaixados sob o argumento de que eles “ganhavam muito”. Na verdade, conforme informaram diversos entrevistados, grande parte dos trabalhadores da empresa holandesa que continuaram a trabalhar sob o capital chinês foi demitida tão logo a TVChina adquiriu a produção de TVs da empresa holandesa. Meses depois, alguns deles foram sendo recontratados, mas com salário menor do que ganhavam antes.

“DE MAO A PIOR”? O SISTEMA DE BENEFÍCIOS E BONIFICAÇÕES

Além do que foi relatado até aqui sobre as empresas chinesas pesquisadas, chamou-nos atenção o fato delas oferecerem poucos benefícios (bonificação, premiações, auxílios) para os trabalhadores. Dizemos isso baseados no relato dos entrevistados que apontaram para um certo “padrão ZFM” de gratificações e bonificações que, em certa medida, foi compartilhado entre os trabalhadores como algo que se esperava de uma empresa do PIM.

Em empresas destacadas pelos trabalhadores entrevistados, havia premiações como: almoço em restaurante para a linha que tiver a melhor produção, sorteio de motocicletas, aumento do valor da PLR para os melhores funcionários, sorteio de TVs. Contudo, segundo os entrevistados, essas não eram práticas “normais” nas empresas chinesas.

Na outra empresa que trabalhei, o melhor líder tinha prêmio de TV e DVD. Fora o reconhecimento: troféu, foto do funcionário, tudo isso ficava lá na TV congelada pelo trimestre. Também, a cada dois anos, além do dissídio eles davam um valor de R$ 500,00. O funcionário ganhava uma cartinha que o parabenizava por estar há tanto tempo no trabalho, e recebia aumento. Era muito bom. Agora não tem nada, só uma caneca que ganhei no Dia das Mães (Reserva, entrevista com os autores, 2014).

Uma outra entrevistada das empresas da amostra apontou que nas fábricas que trabalhou no PIM havia certas “conquistas” que inexistem nas empresas chinesas:

Na nossa empresa o pessoal reclama de tudo. Da cesta básica25 25 . Na empresa ArconChina, de acordo com trabalhadores, a cesta básica só era concedida se o funcionário não tivesse nenhuma falta ou advertência. que é pouco; da creche que recebia pouco e a pessoa tinha que completar quase a metade. Já a outra empresa pagava creche top. Tinha uma área de lazer para vídeo game, dominó, sinuca. Tinha espaço de beleza para fazer cabelo e pintar unha no dia de quarta e sexta; podia fazer escova, corte e hidratação. Lá [na empresa que ela trabalha] não tem nada disso. Eles dizem que não tem, porque não vão comprar o trabalhador com essas coisas. Diz que a pessoa tem que ser motivada pelo bem da empresa e fazer as coisas por vontade própria (Operadora, entrevista com os autores, 2014).

Além disso, os trabalhadores destacaram que muitos dos benefícios que recebiam com valor maior em outras empresas, eram menores nas empresas chinesas, como o das cestas básicas, que em empresas japonesas era de R$ 200,00 e nas chinesas, R$ 70,00. Eles apontaram, ainda, benefícios aos que tinham direito em outras empresas, mas que na gestão sino foram excluídos ou somente acessados por meio de pagamento adicional, como o plano odontológico, que nas empresas europeias cobriam todos os membros da família do trabalhador, mas nas empresas chinesas era preciso pagar o valor de R$ 12,00, descontado do salário.

É interessante notar como essa questão de “benefícios” e “bonificações” tem uma conotação própria tanto para o trabalhador da ZFM quanto para o trabalhador “expatriado” que se torna gerente em Manaus. Para o trabalhador local, os benefícios e bonificações – apesar dos nomes indicarem um estar para além do que seria, por lei, “normal” – representam uma espécie de “padrão”, ou melhor, algo que se espera de empresas que se instalam na ZFM.

Pelo menos em alguns aspectos, esse “padrão” expressa práticas de organização produtiva que, em acordo com sindicatos patronais e dos trabalhadores, vem fomentando uma “narrativa local do trabalho” que, a despeito de suas contradições, é lida pelos trabalhadores do PIM como qualitativamente superior ao que eles têm percebido nas empresas chinesas.

Nestas, oferecer transporte ao trabalhador, café da manhã, almoço, lanche e cesta básica não se constitui um elemento “normal” do trabalho na ZFM, mas um “benefício adicional” que a empresa está dando para o trabalhador. Dito de forma sucinta, enquanto para o trabalhador da ZFM, “benefício” é o que está para além dessas questões “básicas”, para a gerência chinesa elas já são “benefícios extras”.

Na verdade, pode-se dizer que para os trabalhadores entrevistados, esses benefícios somente assumem ares de “oferta extra” quando contrastados com um outro quadro de referência – a chegada de fábricas menos envolvidas com o trabalho local – pois, antes, eram vistos como práticas, até certo ponto, bastante “comuns”.

Os dados compilados a seguir ajudam a entender isso, indicando que, no geral, o capital chinês na ZFM tem ficado abaixo dos valores despendidos por outros capitais em salários e benefícios ou não avançando para além do mínimo legal. Isso vai ao encontro de autores internacionais que também vêm mostrando a dificuldade chinesa em termos de pagamentos de melhores salários em diversas partes do globo26 26 . Não obstante, pagamentos de benefícios e bonificações, no geral, são acordos de característica bastante nacional, daí a comparação ter sua base mais sólida abordando o próprio contexto nacional. (Burgoon, Raess, 2014; Andrijasevic, Sacchetto, 2016; Smith, Zheng, 2016; Lee, 2017Lee, Ching Kwan. (2017), The Specter of Global China: Politics, Labor and Foreign Investment in Africa. Chicago, University of Chicago Press.), ou de concorrer com empresas tradicionais e com maior envolvimento com o PIM, como é o caso das fábricas japonesas de motos e das sul-coreanas, de televisores.

Tabela 3 Salários e benefícios em empresa asiática, europeia e americana do PIM (2015)

Empresa* Origem Produto Salário U$S** Benefícios Sociais U$S Total U$S
PlacasChina China Placas 597,00 271,00 868,00
iFexx China Placas 734,00 348,00 1112,00
TVChina China TV 1032,00 413,00 1445,00
Sunmoong Coreia do Sul TV 902,00 862,00 1764,00
NNG Coreia do Sul TV 820,00 384,00 1204,00
Zonic Japão TV 1043,00 444,00 1487,00
Hunamo Japão TV 931,00 787,00 1718,00
Climexx EUA Ar-condicionado 1122,00 339,00 1461,00
ArconChina China Ar-condicionado 805,00 414,00 1219,00
Eurogreen Suécia Ar-condicionado 854,00 408,00 1262,00
FoxKong China Motocicletas 996,00 255,00 1251,00
MotorChina China Motocicletas 657,00 411,00 1068,00
Hamayda Japão Motocicletas 1655,00 641,00 2296,00
Subsetor Média salarial dos subsetores (2015) U$S
Eletroeletrônico 782,00
Duas Rodas 1215,00
Mecânico 773,00
Fonte: Dados coletados pelos autores. *Nomes fictícios. **Mensal. Dólar médio de R$ 2,35.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO: FÁBRICAS CHINESAS E O SURGIMENTO DE UM NOVO MODELO DE PRODUÇÃO

No atual cenário de corrida pela formação de “pequenas Chinas” ao redor do mundo (Lima, Valle, 2013), nenhuma região do planeta tem escapado das garras do dragão asiático, nem a Amazônia. Espaço da globalização econômica capitalista desde o século XIX, a região é, agora, uma nova fronteira para a expansão dos negócios chineses no sul do globo. Foi diante deste contexto, pois, que buscamos averiguar as implicações sobre o trabalho nas fábricas chinesas instaladas na Zona Franca de Manaus.

Para fins de evidenciar as transformações atuais do trabalho no Brasil, os dados apresentados aqui indicam que as fábricas chinesas, por um lado, se distanciam, mormente na questão da gestão do trabalho, daquilo que os autores elencados na primeira parte deste artigo discutiram acerca das práticas gerenciais implementadas nos anos 1990 e início do milênio na ZFM, ao mesmo tempo que atualizam muitos dos seus elementos. Por outro lado, trazem questões originais que, juntas, conformam o que chamamos de modelo chinês de produção. Isso fica mais claro ao se discutir os seus principais elementos, elencados a seguir.

Expatriação como forma de redução de custos gerenciais e mecanismo de controle global das fábricas chinesas. Apesar de a expatriação ser uma prática comum na administração das empresas, a forma chinesa tem sua originalidade e razão própria de acontecer.

Dentre essas razões, a primeira é a quantidade de expatriados. Em muitas das fábricas internacionais localizadas em Manaus, sobretudo as europeias e norte-americanas, gestores estrangeiros têm participação mínima. Nestas, estrangeiros vão à cidade somente para dar treinamento, analisar conjunturas ou participar de reuniões com gestores da ZFM. E mesmo entre os orientais, como os japoneses, a porcentagem de expatriados no total da mão de obra não passa de 1% (Maciel Brito, 2017).

Já nas fábricas pesquisadas, esse número ultrapassa os 5%. Nas de capital totalmente estatal, os expatriados representam cerca de 10% do total da mão de obra. Situação semelhante foi vista por Lee (2009)Lee, Ching Kwan. (2009), “Raw Encounters: Chinese Managers, African Workers and the Politics of Casualization in Africa’s Chinese Enclaves”. The China Quarterly, n. 199, pp. 647-666., no continente africano, e por Cooke (2012)Cooke, Fang Lee. (2012), Human Resource Management in China: New Trends and Practices. London, Routledge., na Índia. Este último revelou que os expatriados somavam 30% da mão de obra das fábricas chinesas.

A segunda razão trata-se do tipo de trabalhador que é expatriado: gerentes, coordenadores, até se chegar aos supervisores, o que revela a especificidade desse modo de expatriação, sobretudo em se tratando deste último cargo, algo inédito na ZFM, ou seja, a expatriação de supervisores como política fabril.

Dados esses elementos, a expatriação chinesa é específica não apenas pela quantidade de expatriados ou pelos cargos que eles ocupam nas fábricas, mas também pelo aspecto simbólico. No caso da África, por exemplo, Lee (2017)Lee, Ching Kwan. (2017), The Specter of Global China: Politics, Labor and Foreign Investment in Africa. Chicago, University of Chicago Press. observa que as empresas chinesas estatais têm enfatizado aos expatriados a necessidade de “provar a amargura”, suportando as adversidades para fazer a China ser grande internacionalmente: “a força do expatriado é a força da China”, pregam os representantes do governo chinês.

Processo similar também foi visualizado na Amazônia, com destaque ao caráter nacionalista, sempre presente na fala dos gerentes chineses entrevistados, principalmente em relação à necessidade de a China superar a pobreza e fazer frente aos seus concorrentes regionais, como a Coreia do Sul e Japão, este último sempre lembrado pelos expatriados por “ter invadido a China” no passado. Nesse processo, “provar a amargura”, frugalidade e sentido do dever são pontos valorizados.

Além destes elementos em comum entre Amazônia e África, se destacou ainda na ZFM o ethos que distingue as dimensões da expatriação. Por exemplo: nas empresas chinesas com maior participação estatal ocorre um ascetismo de cunho coletivista. Já nas empresas com menor participação estatal ou privadas há um viés mais individualista, profissional, ligado à carreira. Como implicações disso, o expatriado das fábricas semiestatais e privadas tem mais mobilidade, “vontade” e chances de concretizar projetos pessoais. Já os das empresas estatais centrais são muito ligados ao projeto institucional, de engajamento de cunho nacionalista.

Ademais, há distinções em relação ao processo de seleção dessas expatriações, às exigências burocráticas, à quantidade de trabalho realizado dentro e fora das fábricas pelos expatriados, ao nível salarial menor que seus pares brasileiros – gerentes chineses custam em torno de um terço do que custam seus pares americanos, como nos mostra Arrighi (2008)Arrighi, Giovanni. (2008). Adam Smith em Pequim: Origens e Fundamentos do Século XXI. São Paulo, Boitempo. –, à política dos “dormitórios fabris” e ao controle subjetivo e político exercido pelas matrizes.

Como expressão teórica disso, evidencia-se que há em curso uma nova frente de mobilidade de trabalhadores globais, com trajetórias e interesses ligando diferentes regiões do mundo. A expatriação chinesa ajuda a revelar, assim, que não somente o capital, mas o trabalho ganha, cada vez mais, sentido global.

Taylorismo matricial. Se na gestão fordista da produção havia uma separação rígida entre concepção e execução, criando espaços hierárquicos entre gerência e operadores, e se na gestão de origem japonesa a gerência torna-se, pelo menos discursivamente, “compartilhada” com os trabalhadores que passam a ter um papel “colaborativo”, o modelo chinês estrutura um chão de fábrica baseado na “produção de operadores”, sendo a habilidade operacional o seu elemento central (Maciel Brito, 2017).

O saber aprender, motivação para o trabalho, capacidade de se relacionar com os colegas, trabalho em equipe e trabalho colaborativo, que caracterizaram o modelo japonês, deixam de ser fundamentais na gestão organizacional chinesa. O pensar emerge como trabalho da gerência. O executar, dos trabalhadores. Nesse sentido, o modelo chinês recupera práticas do fordismo em sua vertente taylorista, mas sob nova base: o taylorismo matricial. A separação entre gerência e trabalhadores, por exemplo, se dá em função do controle exercido pelos headquarters que controlam matricialmente seus gerentes em outros países. Eles são, dessa forma, menos livres para se relacionarem com o chão de fábrica local.

Dito de outro modo, não se trata de uma filosofia científica da organização, como o apregoado no taylorismo, mas de uma influência do controle e projeto político/estratégico nos processos fabris, resultado da própria cultura e do sistema econômico/projetado da China. Além destes aspectos, há o fato de os gerentes chineses serem trabalhadores expatriados, o que, já de largada, implica em maiores dificuldades linguística e cultural na relação com o trabalhador. Exemplo disso é o rígido controle da informação, que não é compartilhada com os brasileiros, mesmo com os de cargo hierarquicamente igual, como vimos ao longo do artigo.

Há também a necessidade desses gerentes de se destacarem no Brasil para poderem ocupar cargos superiores e enfrentarem a forte concorrência nas fábricas localizadas na China, o que acaba levando-os à uma corrida desenfreada por resultados na produção, sem se atentarem à gestão. Ademais, o curto período que eles ficam no Brasil e o rodízio bianual de gerentes expatriados faz com que laços entre gestores e trabalhadores não sejam criados ou, pelo menos, solidificados. Algo que é agravado ainda mais porque os expatriados recém-chegados em Manaus trazem uma mentalidade do chão de fábrica da China, em um viés mais técnico e menos “participativo”.

Aliado a isto, é importante destacar que os expatriados não são formados para exercerem o cargo de “gestores”, como no Ocidente. No geral, como destacado por nós alhures (Maciel Brito, Moura Maciel, 2016a), esses gerentes são técnicos que se destacam na China e são aprovados, após longa seleção, para se deslocarem para fábricas em outros países. Orgulhosos por terem mudado de status, eles passam a gerenciar com foco no “esforço do trabalhador”, e não na formação e treinamento de líderes ou em políticas gerenciais de incentivos.

Outro elemento que corrobora essa separação entre gerentes e trabalhadores é a política de dormitórios controlados. Em termos concretos, os chineses expatriados não possuem moradia própria nos lugares para os quais são enviados. Eles vivem em apartamentos compartilhados com até outros cinco chineses, algo cultural do chão de fábrica da China e é, ao seu contexto, reproduzido nas fábricas chinesas globalizadas.

Um dos corolários é que, como também observaram Smith e Zheng (2016)Smith, Chris; Zheng, Yu. (2016), “The Management of Labour in Chinese MNCs Operating Outside of China: A Critical Review”, in M. Liu; C. Smith (orgs.), China at Work: A Labour Perspective on the Transformation of Work and Employment in China. London, Palgrave Macmillan Education. e Lee (2017)Lee, Ching Kwan. (2017), The Specter of Global China: Politics, Labor and Foreign Investment in Africa. Chicago, University of Chicago Press. sobre IDE (Investimento Direto Externo) chinês na Europa e África, os expatriados não têm muito tempo para se relacionarem, serem integrados ao contexto local ou mesmo para compartilharem momentos de confraternização com os trabalhadores dentro ou fora da fábrica. Eles vivem, literalmente, para o trabalho e, de modo geral, um trabalho muito ligado ao aspecto técnico, sem muitos contatos com treinamentos em gestão.

Fábricas globais como enclaves chineses. Diferentemente do capital global oriundo do capitalismo flexível, o capital chinês se expande pelo mundo, mas sem desterritorializar a produção. Das razões que explicam essa “característica chinesa”, salientamos o fato de não haver, pelo menos por enquanto, uma divisão internacional do trabalho promovida pela China, como ocorreu com a produção global nos anos 1970 em diante (centro e periferia da produção).

Naquele momento, as grandes corporações se transferiram para outros países, deixando no território originário a parte de concepção ou os aspectos mais tecnológicos dos processos produtivos. Já quando se trata do atual momento, da globalização chinesa, a China vai para o exterior, mas, no geral, implementando em suas filiais o que ocorre no seu próprio território. Indicação disso é que, conforme visto nas entrevistas, o que acontece em Manaus é um processo testado e operacionalizado no chão de fábrica da matriz, na China. Tanto é assim que máquinas e equipamentos do processo de produção são, corriqueiramente, transferidos para as fábricas de Manaus sob o acompanhamento de “missões” de técnicos chineses.

A expansão chinesa é, pois, um projeto global, mas com forte enraizamento na China. Isso se explica pelo fato de coexistir, no país, processos de produção de baixo e alto desenvolvimento tecnológico, com linhas de produção robotizadas, mas também aquelas com alta demanda de trabalho manual. Diante disso, observa-se que as fábricas chinesas no exterior ainda são, em muitos aspectos, uma “cópia” do que acontece na própria China, ou um enclave chinês.

Esse enclave se manifesta não apenas na produção, mas na gestão. Dizemos isso fazendo referência ao fato de que, mesmo o gerente chinês estando em Manaus, ele não perde a territorialidade produtiva com a China. Trata-se de uma gestão “compartilhada”, de controle e organização como se fosse um único território produtivo. Ele exerce dupla função: organiza a fábrica em Manaus, mas também trabalha incansavelmente para a matriz e a ela tem de se reportar constantemente, por meios eletrônicos e presencialmente.

O retorno da supervisão direta sobre os trabalhadores. De acordo com o princípio taylorista de organização da produção, o trabalhador tendia intencionalmente ao ócio e à lentidão, daí a necessidade de a gerência prover a supervisão funcional do trabalho, com o objetivo de incrementar a produtividade das empresas (Holzmann, Cattani, 2011). Já sob o modelo japonês foi avultada a ideia de “autonomia” do trabalhador e da “supervisão indireta”, sendo o controle exercido no viés subjetivo (Alves, 1999Alves, Giovanni Antonio Pinto. (1999), Trabalho e Mundialização do Capital: A Nova Degradação do Trabalho na Era da Globalização. Londrina, Praxis.).

Por sua vez, o modelo chinês retoma a supervisão direta, mas com novos contornos e contextos. Destes, chama atenção o fato de a supervisão ser exercida desde a China até o chão de fábrica local. Então, não se trata de uma supervisão restrita do trabalhador, mas da própria fábrica, e isso a nível global. Há, dessarte, uma supervisão direta, na produção, mas que é resultado da supervisão global exercida pelas matrizes chinesas. Em termos práticos, como vimos no decorrer do artigo, a matriz supervisiona o gerente, que supervisiona os técnicos, que supervisiona o operador.

Outrossim, não estamos diante de uma supervisão fincada na “coerção moral”, algo que integrava a Organização Científica do Trabalho (OCT) apregoada por Taylor – base da racionalização da produção ocidental – mas de um controle político/burocrático com assento na formação econômica e social da China, que também repercute sobre suas fábricas. Prova empírica disso é que, conforme visualizado em Manaus, as fábricas com maior participação estatal também são aquelas com o maior número de expatriados e de supervisores (Maciel Brito, 2017).

Um outro elemento que ajuda a esclarecer esse processo nas fábricas chinesas é a “transferência de linhas de montagem” da China para Manaus. Ao serem transferidos para a ZFM, supervisores são deslocados para visualizarem se o processo está sendo bem adaptado ou não. O inverso também ocorre, ainda que com menos intensidade. Linhas de produção com boa produtividade em Manaus podem servir como modelo para as linhas localizadas na China, por isso, supervisores são essenciais para darem o feedback aos gestores chineses.

Por fim, como são fábricas que “compartilham” territórios produtivos, processos de produção que “dão certo” na China, em tese – dizem os gerentes expatriados – deveriam dar certo em Manaus. Desse modo, os supervisores têm a função de fazer a “linha andar” na ZFM, já que, no solo chinês, “elas funcionam”.

Dependência planejada. Os insumos necessários à produção chinesa seriam, em tese, uma dependência ou uma vulnerabilidade geradora de alguma negociação, de barganha no PIM. No entanto, diferentemente de outros IDE, o modelo chinês funciona de modo a criar uma dependência que ele mesmo supre via empresas exportadoras chinesas.

No caso de Manaus, a barganha política local em relação aos investimentos chineses (ou outros investimentos) é quase nula, posto o modelo econômico da ZFM depender do IDE, sem muitas contrapartidas, ainda mais em se falando do peso produtivo da China. Um exemplo disso é a força que as importações oriundas deste país vêm tendo na ZFM, em crescente, saltando de pouco mais de 10%, em 1997, para quase 50%, em 2015 (Maciel Brito, 2017). Nas empresas pesquisadas, cerca de 90% dos insumos importados têm origem externa27 27 . Padrão seguido por outras empresas do PIM, sobretudo do setor eletroeletrônico, que adquirem seus insumos, também, na China. . Ademais, os insumos que os chineses importam (valores de uso) se transformam localmente, também, em valores de troca28 28 . As fábricas chinesas vendem para outras empresas do PIM os insumos que “sobram” dos seus processos produtivos. Isso explica parte do não abandono do sistema de estoque. (Maciel Brito, 2017).

Desse modo, o modelo chinês caracteriza-se, também, pela coordenação mundial da cadeia de produção e exportação de insumos para os diversos setores produtivos, desde os manufaturados eletroeletrônicos e de duas rodas ao hospitalar, algo que ficou patente na pandemia do Coronavírus.

Fábricas nacionalmente engajadas e inflexíveis. Face à dependência do controle político/estatal exercido pela China, à quantidade de atores chineses com interesse no IDE e ao peso que isso representa quando da implantação de investimentos em outros territórios, a mobilidade do capital, as alterações nos processos produtivos e respostas às mudanças de conjunturas não são tão “flexíveis” como fora visto na globalização do capital ocidental. Isso se explica, sobretudo no fato de haver um encadeamento burocrático desde o chão de fábrica até a matriz, bem como por existir um controle político/econômico e uma estratégia governamental aos quais esses investimentos chineses estão relacionados.

Qual um polvo, com vários tentáculos possuindo sistemas com certa independência, mas que respondem a um comando central, cada IDE chinês está encaixado dentro de um sistema de planejamento, controle e gestão econômica/política que faz com que as fábricas chinesas sejam mais “pesadas” do que as fábricas do capitalismo flexível ocidental. Nesse sentido, a regionalização das fábricas chinesas em determinados territórios é mais complexa que o processo da “descentralização produtiva” ocorrida no Ocidente em finais do século XX. Essa “inflexibilidade” pode ser profícua ou desastrosa para os locais que recebem as inversões chinesas, o que depende, por um lado, dos interesses da China na região e, por outro, da capacidade local em usar suas armas para barganhar com o capital sino.

Lee (2017)Lee, Ching Kwan. (2017), The Specter of Global China: Politics, Labor and Foreign Investment in Africa. Chicago, University of Chicago Press. indica, por exemplo, que a instalação de fábricas chinesas na África reporta às relações estabelecidas desde os anos 1960, envolvendo necessidades políticas e geoestratégicas, para além da economia. Em função disso é que a fuga do capital, como consequência da crise de 2008, foi menos intensa por parte do capital chinês, uma vez que o custo da mobilidade seria maior que o da permanência na região. É em razão disso, ainda, que empresas chinesas na Zâmbia e na Tanzânia, mesmo com prejuízos ou margens de lucros bastante reduzidas, continuaram operando, face ao “lucro político” de expansão chinesa no território africano.

No caso de Manaus, a “inflexibilidade” do IDE chinês tem resultado em pouco enraizamento local. Sem “necessidades políticas” e geoestratégicas na relação com a ZFM, e diante da incapacidade desta em barganhar com o país asiático, o peso da “inflexibilidade” chinesa torna-se, neste caso, um entrave aos avanços na organização do trabalho das fábricas no PIM. Com o pêndulo da balança indo mais para a rigidez do controle e dos interesses matriciais, essas empresas têm tido bastante dificuldade de fazer mudanças, de se adaptarem ao contexto local de leis e de tornarem o trabalho na ZFM menos “técnico” e burocrático. Um exemplo disso é a pouca margem de manobra dos gerentes brasileiros na tomada de decisões locais, especialmente em questões envolvendo o RH, que tem de responder diretamente aos headquarters sediados na China.

Evidencia-se, em função disso, que as fábricas chinesas estão mais ligadas à China do que a Manaus, criando dificuldades de relacionamentos com os sindicatos, trabalhadores e fornecedores locais. O resultado é um conjunto de sítios fabris que são poucos enraizados, menos flexíveis, sem muitas negociações e quase independentes de fornecimentos na cidade, não havendo agenda política nos investimentos, nem necessidades que engendrem laços locais.

É mais um Made in China e menos um Produzido em Manaus, uma fábrica pesada com poucos ganhos para o trabalho.

Por certo, esse estudo tem seus limites, tendo o objetivo primordial mostrar o tipo de trabalho promovido pelas fábricas chinesas em solo brasileiro; mas os dados empíricos aqui delineados, associados às sínteses teóricas traçadas, apontam que a questão da China Global também implica em um modelo de produção com características básicas espalhadas por todo o planeta. E isso ocorre tanto pela necessidade de reprodução do sistema industrial chinês, coordenado matricial e politicamente, quanto pela contraposição deste sistema ao modelo de práticas gerenciais ocidentais dominantes no século XX, que ganharam relativa autonomia em relação à política e à questão nacional.

Em síntese, não há China Global sem haver também um modelo de produção chinês global que lhe dá sustentação como prática industrial. Daí a necessidade de novos estudos empíricos que mapeiem o desdobramento, em contextos diversos, das práticas gerenciais e industriais chinesas, desvendando mais elementos e características de um modelo chinês de produção de dimensões globais.

Também é necessário aprofundar o estudo no Brasil, buscando mapear como diferentes tipos de capital das fábricas chinesas podem apresentar distintos indicadores de salários, benefícios, absenteísmo, rotatividade e reclamações trabalhistas. E, ainda, como o maoísmo, leninismo, marxismo, confucionismo, Taoísmo e o sistema de guanxi influenciam, em sentido amplo, o tipo de gestão chinesa. Por fim, a trajetória de expatriados em Manaus e sua forma de inserção na cidade é algo a ser desenvolvido. Do mesmo modo, seria importante observar quais são as novas trilhas desenvolvidas por aqueles expatriados que retornaram para a China.

São temas que vislumbram pesquisas futuras e que expandirão o entendimento desse novo momentum histórico: o da globalização chinesa.

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NOTAS

  • 1
    . Em 2017, o Brasil representou cerca de 50% dos investimentos chineses na América do Sul.
  • 2
    . Dados da empresa de recrutamento Michael Page, de 2010 (apud Fraga, Rolli 2011).
  • 3
    . Alusão ao clássico livro do cientista político, Samuel Huntington: The Clash of Civilizations and the Remaking of the World Order, de 1996.
  • 4
    . Engenheiro mecânico norte-americano, considerado o “pai” da Administração Científica.
  • 5
    . Compromissos do regime fordista de produção em manter um grau satisfatório de bem-estar social, no que diz respeito à saúde, educação, condições de trabalho e moradia.
  • 6
    . Uma das fábricas pesquisadas pela autora, de capital holandês, foi comprada pelos chineses e se tornou objeto da nossa pesquisa.
  • 7
    . “Em termos gerais, essa prática implica a formação de conexões pessoais diádicas, que pressupõem uma ética de obrigações” (Pinheiro-Machado, 2011Pinheiro-Machado, Rosana. (2011), “Fazendo Guanxi: Dádivas, Etiquetas e Emoções na Economia da China Pós-Mao”. Mana, v. 17, n. 1, pp. 99-130.:104-105). Foi muito usada pelos chineses para sobreviverem à escassez de alimentos do período Maoísta. Ao guanxi também estão ligados a obrigação moral (renqing) e o componente emocional (ganqing). Para mais discussões sobre o tema, ver Chen (2004)Chen, Min. (2004), Asian Management Systems: Chinese, Japanese and Korean Styles of Business. London, Thomson Learning., Pinheiro-Machado (2011)Pinheiro-Machado, Rosana. (2011), “Fazendo Guanxi: Dádivas, Etiquetas e Emoções na Economia da China Pós-Mao”. Mana, v. 17, n. 1, pp. 99-130. e Gaetano (2015)Gaetano, Arianne M. (2015), Out to Work: Migration, Gender, and the Changing Lives of Rural Women in Contemporary China. Honolulu, University of Hawai´i Press..
  • 8
    . Expressão utilizada por Lee (2017)Lee, Ching Kwan. (2017), The Specter of Global China: Politics, Labor and Foreign Investment in Africa. Chicago, University of Chicago Press..
  • 9
    . Pesquisa de Doutorado financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
  • 10
    . Os nomes das empresas pesquisadas são fictícios.
  • 11
    . Órgão federal que gerencia, desde a sua criação, esse modelo econômico.
  • 12
    . Uma entidade patronal.
  • 13
    . Entrevistas, no geral, em português, mas, em alguns momentos, passava-se a falar em inglês. Limites de tradução foram contornados pela repetição constante de entrevistas e criação de laços com os entrevistados.
  • 14
    . Segundo eles, uma casa grande era impossível de ser comprada na China, pois “o preço era alto demais para alguém com renda média” no contexto do boom imobiliário chinês.
  • 15
    . O entrevistado refere-se às críticas que são emitidas à Zona Franca de Manaus que a colocam apenas como espaço de “montagem” dos produtos, não se realizando nenhum processo local de transformação industrial.
  • 16
    . São etapas fabris necessárias à produção de um bem e que visam adensar a cadeia produtiva local.
  • 17
    . “(...) O sistema pode tanto abarcar a relação da empresa com seus fornecedores e consumidores (just-in-time externo), como apenas os vários departamentos e setores que compõem uma mesma empresa (just-in-time interno)” (Leite, 1994Leite, Maria Paula. (1994), “Reestruturação Produtiva, Novas Tecnologias e Novas Formas de Gestão da Mão de Obra”, in C. A. B. Oliveira et al. (orgs.), Mundo do Trabalho: Crise e Mudança no Final do Século. São Paulo, Página Aberta.:568).
  • 18
    . A despeito disso, as linhas de montagem das fábricas chinesas operam com sistemas Kanban e Andon e com máquinas e equipamentos automatizados, o que caracterizaria um just in time interno.
  • 19
    . Apesar de o “envelope vermelho” (紅包, hóngbāo) ser algo comum no começo de cada Ano Novo na China, como um “bônus” para os trabalhadores, isso não é feito em Manaus. Segundo nos disseram os expatriados, nem entre gerentes e trabalhadores locais, nem entre matriz e chineses.
  • 20
    . As máquinas e equipamentos das fábricas chinesas, geralmente, têm suas descrições de operação em mandarim, o que muitas vezes demanda um técnico chinês para operá-la ou para ensinar como fazê-lo.
  • 21
    . Isso porque as fábricas chinesas de Manaus produzem o que já foi produzido na China antes. Dessarte, quando é enviado um novo kit para ser montado na ZFM, também são enviados técnicos chineses na perspectiva de treinar os operadores. Parte desses técnicos acabam virando supervisores, outros retornam à China e outros conseguem subir na hierarquia, tornando-se gerentes de algum processo fabril.
  • 22
    . Em 2014, em uma “conversa de almoço” com o gerente de Recursos Humanos, este relatou-nos que estava tendo de “desligar” alguns trabalhadores face à queda na demanda de TVs, mas que tinha dificuldade em demitir os chineses, pois estes contavam com a “proteção da matriz” que não autorizava a demissão.
  • 23
    . Comprada pela Microsoft em 2013.
  • 24
    . Comprada pela TVChina.
  • 25
    . Na empresa ArconChina, de acordo com trabalhadores, a cesta básica só era concedida se o funcionário não tivesse nenhuma falta ou advertência.
  • 26
    . Não obstante, pagamentos de benefícios e bonificações, no geral, são acordos de característica bastante nacional, daí a comparação ter sua base mais sólida abordando o próprio contexto nacional.
  • 27
    . Padrão seguido por outras empresas do PIM, sobretudo do setor eletroeletrônico, que adquirem seus insumos, também, na China.
  • 28
    . As fábricas chinesas vendem para outras empresas do PIM os insumos que “sobram” dos seus processos produtivos. Isso explica parte do não abandono do sistema de estoque.
  • *
    Nossos agradecimentos aos pareceristas ad hoc da Revista DADOS, cujos comentários e sugestões de mudanças foram fundamentais para aprimorar o texto desta versão final. Possíveis erros ou omissões são de nossa inteira responsabilidade. Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no 40º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2021
  • Revisado
    30 Ago 2021
  • Aceito
    25 Out 2021
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