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Avaliação de linhagens de trigo provenientes de cruzamentos interespecíficos em dois locais no Estado de São Paulo e em laboratório

Evaluation of wheat inbred lines originated from interespecific crosses in two locations in the state of São Paulo, Brazil, and in the laboratory

Resumos

Avaliaram-se 18 linhagens semi-anãs, provenientes de cruzamento interespecífico entre trigo comum e trigo duro e duas cultivares-controle (IAC-24 e IAC-370). As linhagens foram avaliadas em quatro ensaios, com quatro repetições em Capão Bonito, condição de sequeiro e solo ácido e em Mococa, condição de irrigação e solo corrigido, em 2003 e 2004, em relação à produção de grãos, altura das plantas e resistência à ferrugem-da-folha. A tolerância à toxicidade ao alumínio foi avaliada em soluções nutritivas contendo 0, 2, 4, 6, 8 e 10 mg L-1, em laboratório. Em Capão Bonito, a linhagem 14 foi imune a Puccinia recondita f. sp. tritici, agente causal da ferrugem-da-folha, e destacou-se em relação à produção de grãos e à tolerância ao alumínio. Nos quatro ensaios, as cultivares IAC-24 e IAC-370 e as linhagens 5, 9, 10, 12, 13, 18, 19 e 20 foram moderadamente resistentes ao agente causal dessa ferrugem. A linhagem 14 pela resistência ao agente causal da ferrugem-da-folha em todos os ensaios, poderá ser utilizada como fonte genética para esta característica. Todos os genótipos foram tolerantes à toxicidade de alumínio, por ocorrer crescimento da raiz primária após o tratamento com 10 mg L-1 de Al3+, com exceção da cultivar Anahuac sensível a 2 mg L-1 de Al3+, e da IAC-370, além da linhagem 13, sensíveis a 4 mg L-1 de Al3+. Produção de grãos, em condição de sequeiro e de solo ácido, e porte da planta foram afetados de forma semelhante pela toxicidade de alumínio.

Triticum aestivum L.; T. durum L.; produção de grãos; altura das plantas; ferrugem-da-folha; tolerância ao alumínio


Eighteen semidwarf type wheat inbred lines, originated from interespecific cross between bread and durum wheat and two control cultivars (IAC-24 and IAC-370), were evaluated in four trials, with four replications, carried out at Capão Bonito, in acid soil without lime application and upland condition, and at Mococa, acid soil with lime application and sprinkler irrigation condition, in 2003 and 2004, in relation to grain yield, plant height and resistance to leaf rust. The tolerance to Al3+ toxicity was evaluated in nutrient solutions containing 0, 2, 4, 6, 8 and 10 mg L-1, in the laboratory. The inbred line 14, in Capão Bonito, was immune to the Puccinia recondita f. sp. tritici, causal agent of leaf rust and was superior for grain yield and tolerance to aluminum toxicity. In the four trials, the cultivars IAC-24 and IAC-370 and the inbred lines 5, 9, 10, 12, 13, 18, 19 and 20 showed moderate resistance to the causal agent of this rust. The inbred line 14 due to the resistance to the causal agent of leaf rust in all trials could be used considered a source of genetic for this character. In general, genotypes were tolerant to aluminum toxicity because they showed root growth after treatment in solution containing 10 mg L-1, except for the cultivar Anahuac sensitive to 2 mg L-1 of Al3+, and the cultivar IAC-370 and the line 13, sensitive to 4 mg L-1 of Al3+. Grain yield in acid soil without lime application in upland condition and plant height were affected in the same way by aluminum toxicity.

Triticum aestivum L.; T. durum L.; grain yield; plant height; leaf rust; tolerance to aluminum


MELHORAMENTO GENÉTICO VEGETAL

Avaliação de linhagens de trigo provenientes de cruzamentos interespecíficos em dois locais no Estado de São Paulo e em laboratório1 1 Apresentado no 3° Congresso Brasileiro de Melhoramento de Plantas, realizado em Gramado, RS, em 2005.

Evaluation of wheat inbred lines originated from interespecific crosses in two locations in the state of São Paulo, Brazil, and in the laboratory

Mary Túlia Vargas LobatoI; Carlos Eduardo de Oliveira CamargoII, VI; Antonio Wilson Penteado Ferreira FilhoII; Benedito de Camargo BarrosIII; Jairo Lopes de CastroIV; Paulo Boller GalloV

IPós-Graduanda de Mestrado em Agricultura Tropical, área de concentração em Melhoramento Genético Vegetal do Instituto Agronômico (IAC), Campinas (SP). Bolsista da CAPES

IIInstituto Agronômico (IAC), Centro de Análise e Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Grãos e Fibras, Caixa Postal 28, 13012-970 Campinas (SP). E-mail: ccamargo@iac.sp.gov.br

IIICentro Experimental do Instituto Biológico (IB), Caixa Postal 70, 13001-970 Campinas (SP)

IVPólo Regional de Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios do Sudoeste Paulista, Caixa Postal 62, 18300-970 Capão Bonito (SP)

VPólo Regional de Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios do Nordeste Paulista, Caixa Postal 58, 13730-970 Mococa (SP)

VICom bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq

RESUMO

Avaliaram-se 18 linhagens semi-anãs, provenientes de cruzamento interespecífico entre trigo comum e trigo duro e duas cultivares-controle (IAC-24 e IAC-370). As linhagens foram avaliadas em quatro ensaios, com quatro repetições em Capão Bonito, condição de sequeiro e solo ácido e em Mococa, condição de irrigação e solo corrigido, em 2003 e 2004, em relação à produção de grãos, altura das plantas e resistência à ferrugem-da-folha. A tolerância à toxicidade ao alumínio foi avaliada em soluções nutritivas contendo 0, 2, 4, 6, 8 e 10 mg L-1, em laboratório. Em Capão Bonito, a linhagem 14 foi imune a Puccinia recondita f. sp. tritici, agente causal da ferrugem-da-folha, e destacou-se em relação à produção de grãos e à tolerância ao alumínio. Nos quatro ensaios, as cultivares IAC-24 e IAC-370 e as linhagens 5, 9, 10, 12, 13, 18, 19 e 20 foram moderadamente resistentes ao agente causal dessa ferrugem. A linhagem 14 pela resistência ao agente causal da ferrugem-da-folha em todos os ensaios, poderá ser utilizada como fonte genética para esta característica. Todos os genótipos foram tolerantes à toxicidade de alumínio, por ocorrer crescimento da raiz primária após o tratamento com 10 mg L-1 de Al3+, com exceção da cultivar Anahuac sensível a 2 mg L-1 de Al3+, e da IAC-370, além da linhagem 13, sensíveis a 4 mg L-1 de Al3+. Produção de grãos, em condição de sequeiro e de solo ácido, e porte da planta foram afetados de forma semelhante pela toxicidade de alumínio.

Palavras-chave:Triticum aestivum L., T. durum L., produção de grãos, altura das plantas, ferrugem-da-folha, tolerância ao alumínio.

ABSTRACT

Eighteen semidwarf type wheat inbred lines, originated from interespecific cross between bread and durum wheat and two control cultivars (IAC-24 and IAC-370), were evaluated in four trials, with four replications, carried out at Capão Bonito, in acid soil without lime application and upland condition, and at Mococa, acid soil with lime application and sprinkler irrigation condition, in 2003 and 2004, in relation to grain yield, plant height and resistance to leaf rust. The tolerance to Al3+ toxicity was evaluated in nutrient solutions containing 0, 2, 4, 6, 8 and 10 mg L-1, in the laboratory. The inbred line 14, in Capão Bonito, was immune to the Puccinia recondita f. sp. tritici, causal agent of leaf rust and was superior for grain yield and tolerance to aluminum toxicity. In the four trials, the cultivars IAC-24 and IAC-370 and the inbred lines 5, 9, 10, 12, 13, 18, 19 and 20 showed moderate resistance to the causal agent of this rust. The inbred line 14 due to the resistance to the causal agent of leaf rust in all trials could be used considered a source of genetic for this character. In general, genotypes were tolerant to aluminum toxicity because they showed root growth after treatment in solution containing 10 mg L-1, except for the cultivar Anahuac sensitive to 2 mg L-1 of Al3+, and the cultivar IAC-370 and the line 13, sensitive to 4 mg L-1 of Al3+. Grain yield in acid soil without lime application in upland condition and plant height were affected in the same way by aluminum toxicity.

Key words:Triticum aestivum L., T. durum L., grain yield, plant height, leaf rust, tolerance to aluminum.

1. INTRODUÇÃO

O trigo (Triticum aestivum L.) é de extrema importância na alimentação da população do Brasil e do mundo. O Brasil ainda não é auto-suficiente na sua produção, necessitando importar grande quantidade de grãos desse cereal (AGRIANUAL, 2004). Para que esse fato não ocorra, entre outras medidas, são necessárias a expansão da área cultivada e redução do custo de produção.

O melhoramento de trigo visando à obtenção de cultivares mais produtivas e com porte mais baixo, resistentes às principais doenças e tolerantes à toxicidade de alumínio, proporcionará aumento da lucratividade do agricultor e uma redução do custo da lavoura abrindo possibilidades de expansão da cultura.

O porte semi-anão pode proporcionar menor porcentagem de acamamento e maior facilidade de colheita. Já foram selecionadas fontes de nanismo eficientes para utilização em programas de melhoramento, realizando-se cruzamentos entre cultivares de porte baixo, introduzidas do México, com cultivares nacionais de porte alto (CAMARGO 1984 a, b). Correlações entre produção de grãos e altura de plantas obtidas em ensaios de linhagens diaplóides em diferentes locais do Estado de São Paulo mostraram tendência de plantas semi-anãs mais altas serem as mais produtivas (SALOMON et al., 2003; CAMARGO et al., 2003).

Com relação às doenças do trigo, a ferrugem-da-folha, causada pelo fungo Puccinia recondita f. sp. tritici é uma das mais comuns e importantes. Seu aparecimento está condicionado, além da presença da fonte de inóculo, às condições favoráveis de ambiente, e seus sintomas ocorrem na fase de perfilhamento do trigo, podendo se estender até o fim do ciclo da cultura (PICININI e PRESTES, 1985). Muitos trabalhos realizados, no exterior e no Brasil, atestam a grande freqüência da ferrugem-da-folha do trigo, causando queda na produção de grãos (CAMARGO et al., 2003; 2001; REIS et al., 2000; KHAN et al., 1997; GOULART e PAIVA, 1992). Portanto, a incorporação de resistência a essa doença é de grande importância no desenvolvimento de novas cultivares. Alguns genótipos de trigo duro (Triticum durum L.), nas condições brasileiras, são fontes adequadas de resistência a essa doença em cruzamentos com variedades de trigo comum, embora sejam suscetíveis ao Al3+ (CAMARGO et al., 1995).

Outro aspecto de importância a destacar diz respeito à triticultura brasileira se instalar predominantemente em solos ácidos, quase sempre exigindo sua correção. Nessas condições, devido à toxicidade de alumínio, há ocorrência de "crestamento" nas plantas, inviabilizando ou reduzindo a produção desse cereal. A tolerância à toxicidade de alumínio é um fator relevante para garantir o crescimento satisfatório do sistema radicular, no que diz respeito à absorção de água do solo em profundidades maiores, considerando que o trigo é cultivado em condição de sequeiro. Verificam-se em trabalhos que a tolerância à toxicidade de alumínio em solução nutritiva, em laboratório, tem associação positiva com a produção de grãos em solos ácidos (MISTRO et al., 2001; SALOMON et al., 2003).

Este trabalho teve como objetivo avaliar linhagens de trigo, obtidas através de cruzamentos interespecíficos quanto à produção de grãos, altura das plantas, resistência à ferrugem-da-folha e tolerância à toxicidade de alumínio, em experimentos instalados em dois locais do Estado de São Paulo.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Foram instalados quatro experimentos, em dois locais, em 2003 e 2004. No Pólo Regional de Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios do Sudoeste Paulista em Capão Bonito – SP (latitude 24° 00' S, longitude 48° 22' W e altitude 702 m), zona tritícola B, o ensaio foi instalado em solo ácido, sem correção do solo com calcário e em condição de sequeiro. O outro experimento foi instalado no Pólo Regional de Desenvolvimento dos Agronegócios do Nordeste Paulista em Mococa – SP (latitude 21° 28' S, longitude 47° 01' W e altitude 665 m), zona tritícola H, solo corrigido com calcário e com irrigação por aspersão. Foram avaliadas 18 linhagens originárias de cruzamentos interespecíficos envolvendo Triticum aestivum L. e T. durum L., as quais foram selecionadas para as características do trigo comum. Foram utilizadas as cultivares-controle IAC-24 e IAC-370 (tolerante e sensível à toxicidade de Al+3, respectivamente). A origem dos genótipos está relacionada na tabela 1.

O delineamento experimental utilizado foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições, sendo cada parcela formada de seis linhas de 3 m de comprimento, espaçadas de 0,20 m. A semeadura foi feita utilizando-se 80 sementes viáveis por metro de sulco, equivalendo a 1.440 sementes por parcela, com área útil de colheita de 3,6 m2. A adubação nos dois locais foi feita baseada na análise de solo e na tabela utilizada pelo IAC - Instituto Agronômico (2002).

Foram avaliadas as seguintes características em cada parcela:

Produção de grãos: considerou-se a produção total de grãos obtida nas linhas de cada parcela e transformou-se em kg ha-1.

Altura das plantas: mediu-se no campo, na época de maturação, o comprimento do colmo, em centímetros, do nível do solo ao ápice da espiga, sem as aristas, levando-se em consideração a média de diferentes pontos em cada parcela.

Ferrugem-da-folha: avaliação dessa doença causada por Puccinia recondita f. sp. tritici, efetuada por meio de observação geral, em cada parcela, em pelo menos duas repetições de cada experimento, nas folhas superiores das plantas, no estádio do início da maturação, em condições naturais de infecção, usando-se a escala modificada de Cobb, segundo MEHTA (1993). Essa escala vai de zero a 100% de área foliar infectada, complementada pelo tipo de reação: S = suscetível (uredosporo grande, coalescente, sem necrose e sem clorose); MS = moderadamente suscetível (uredosporo médio); M = intermediária (diversos tipos de reação); MR = moderadamente resistente (uredosporo pequeno); R = resistente (uredosporo minúsculo, rodeado de áreas necróticas).

A produção de grãos e altura das plantas de cada ensaio foram submetidas à análise de variância individual e conjunta. O teste de Tukey, ao nível de 5% foi empregado para comparação dos genótipos em cada ensaio. Foi também empregado para a comparação dos genótipos dentro de cada local, usando-se como estimativa do desvio-padrão residual, o quadrado médio da interação genótipo x anos da análise de variância, conforme sugerido por GOMES (2000).

Para determinação da tolerância à toxicidade de alumínio, foi realizado um experimento empregando soluções nutritivas em condições de laboratório. O delineamento experimental foi o de blocos ao acaso, com parcelas subdivididas, compostas por diferentes concentrações de alumínio e, as subparcelas, pelos genótipos utilizados de trigo. Utilizaram-se quatro repetições para cada solução tratamento. Para cada repetição, sementes dos 20 genótipos e das cultivares-controle BH-1146 (tolerante) e Anahuac (sensível) foram lavadas com solução de hipoclorito de sódio a 10% e colocadas para germinar em placas de Petri por 72 horas, na geladeira. Foram selecionadas sete sementes uniformes de cada genótipo e colocadas sobre telas de náilon, que foram postas em contato com soluções nutritivas completas. As plântulas desenvolveram-se nessas condições por 48 horas. Após esse período, as telas foram transferidas para as soluções-tratamento nutritivas (com um décimo da concentração da solução nutritiva completa), contendo 0, 2, 4, 6, 8 e 10 mg L-1 de alumínio, na forma de Al2(SO4)3 18 H2O, respectivamente. O pH das soluções-tratamento e das soluções completas foi ajustado para 4,0. As soluções foram mantidas sob luz fluorescente, em banho-maria com temperatura de 25 ± 1 °C, continuamente arejadas, em sua totalidade. As plântulas permaneceram nas soluções-tratamento por 48 horas, depois deste tempo foram transferidas de volta para as soluções nutritivas completas onde cresceram por mais 72 horas.

Na análise dos dados, considerou-se a média do comprimento da raiz primária central de cinco plântulas de cada genótipo, após 72 horas de crescimento nas soluções nutritivas completas sem alumínio, que se seguiu de 48 horas de crescimento nas soluções de tratamento contendo seis diferentes concentrações de alumínio (CAMARGO, 1981). Foram consideradas tolerantes as plantas com raízes que cresceram após o tratamento com uma determinada concentração de alumínio e consideradas sensíveis, as que não tiveram crescimento radicular pós-tratamento (CAMARGO, 1981; CAMARGO et al., 2001; MOORE et al., 1976).

Foram estimadas as seguintes correlações simples considerando as médias dos genótipos avaliados separadamente em Capão Bonito e Mococa, em 2003 e 2004: produção de grãos com altura das plantas, e produção de grãos e altura das plantas com os crescimentos médios das raízes dos genótipos, após tratamento em soluções nutritivas contendo diferentes concentrações de alumínio.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nas análises conjuntas de variância para produções médias dos genótipos dos experimentos de Capão Bonito, os efeitos de anos e da interação genótipos x anos foram significativos e não significativos para genótipos. Nos ensaios de Mococa, houve efeitos significativos para genótipos, anos e para a interação genótipos x anos. Essas interações significativas comprovam que na maioria dos genótipos avaliados nos dois locais houve comportamento diferente para a produção de grãos em função do ano considerado (Tabela 1). Resultados semelhantes foram observados por SALOMON et al. (2003) em experimentos realizados em Capão Bonito em 1999-2000, com outros genótipos. Por outro lado, CAMARGO et al. (2003) avaliaram que as produções de grãos dos genótipos de trigo não variaram em função dos anos nos ensaios semeados em Capão Bonito, no período de 1997-1999. Por esse motivo, as comparações foram feitas nos dois locais, ano a ano.

As produções médias de grãos dos diferentes genótipos avaliados em Capão Bonito foram maiores em 2003 em relação a 2004, devido provavelmente às maiores precipitações pluviais ocorridas em 2003. As produções de grãos dos ensaios instalados em Mococa foram bastante altas quando comparadas com as de Capão Bonito, no mesmo período, devido à maior fertilidade do solo de Mococa e ao emprego de irrigação por aspersão. Esses dados concordam com os obtidos por CAMARGO et al., (2006), usando linhagens diaplóides que tiveram maior produção de grãos em Tatuí (irrigação por aspersão e solo corrigido) em relação a Capão Bonito (sequeiro e solo ácido).

Os coeficientes de variação calculados para cada um dos ensaios instalados em Capão Bonito bem como, quando, esses ensaios foram analisados em conjunto foram altos (Tabela 1) indicando, portanto, a ocorrência de grandes erros experimentais. Este fato pode ser explicado em virtude de o local estudado ter um solo originalmente ácido, nunca corrigido por calagem e, portanto, não uniforme com variações, principalmente nos teores de alumínio e de bases (CAMARGO et al., 1997). Apesar disso, essa área experimental tem sido de grande utilidade para os trabalhos de melhoramento genético do trigo do IAC, onde são selecionadas linhagens, tolerantes à toxicidade de alumínio. Mesmo com a redução da precisão dos experimentos, os dados obtidos têm permitido com sucesso a separação dos genótipos mais produtivos, tolerantes à toxicidade de alumínio dos menos produtivos e sensíveis a essa toxicidade (CAMARGO et al., 1997 e 2005; SALOMON et al., 2003).

Em Capão Bonito, em 2003, a produção de grãos variou entre 753 e 1.976 kg ha-1. A cultivar IAC-370 e as linhagens 3, 6, 12, 14, 18 e 20 foram as mais produtivas, com produções médias variando de 1.625 a 1.976 kg ha-1, diferenciando somente da linhagem 13 com a menor produção (753 kg ha-1). Em 2004, a linhagem 14 (1.302 kg ha-1) destacou-se pela produtividade, não diferindo dos genótipos 1, 12, 18, 19 e 20 (816 a 1.229 kg ha-1). A linhagem com a menor produção foi a 15 (490 kg ha-1), diferindo apenas dos genótipos 1, 12 e 14.

No ensaio de Mococa de 2003, quando se compararam as médias de produção de grãos, verificou-se que a linhagem mais produtiva foi a 16 (5.973 kg ha-1), diferindo dos genótipos 2, 3, 5, 6, 12, 13, 14 e 20, com produções de grãos de 4.040 a 4.917 kg ha-1. Em 2004, a linhagem 19 foi a mais produtiva (5.563 kg ha-1), diferindo significativamente, a 5%, das linhagens 3, 4, 5, 7, 8, 9, 11 e 20 (3.681 a 4.306 kg ha-1) (Tabela 1).

Através da análise de variância conjunta para altura das plantas nos ensaios de Capão Bonito e Mococa, observaram-se efeitos significativos para genótipos e para a interação genótipos x anos. O efeito de anos foi somente significativo para os ensaios de Capão Bonito (Tabela 2). Todos os genótipos tiveram porte semi-anão. Em Capão Bonito, as linhagens 14 (84 cm) e 20 (84 cm) foram as mais altas em 2003, diferindo apenas das linhagens 9, 11, 13, 15, 16 e 17 (65-68 cm), as mais baixas. Em 2004, nesse mesmo local, os genótipos 1, 14 e 20 com 76 cm tiveram as maiores alturas das plantas, não diferindo dos genótipos 2, 5, 12 e 13, porém diferindo dos demais que exibiram as plantas mais baixas (Tabela 2).

Nos ensaios de Mococa, as alturas das plantas variaram entre 76 e 87 cm em 2003 e entre 77 e 94 cm em 2004. Comparando-se as médias das alturas das plantas no ensaio de 2003, pode-se observar nos genótipos 2, 13 e 17 (86–87 cm) maior altura, diferindo dos genótipos 1 (77 cm) e 7 (76 cm) que foram os mais baixos. Em 2004, a linhagem 18 (94 cm) foi a mais alta, não diferindo, das linhagens 5, 6, 8, 12, 13 e 14. As linhagens 7 e 16 (77 cm), as mais baixas, somente diferiram das linhagens os 12, 14 e 18, com alturas das plantas, variando de 88 a 94 cm.

Os graus médios de infecção da ferrugem-da-folha, nos genótipos avaliados, nos ensaios de Capão Bonito e Mococa, em 2003 e 2004, são apresentados na tabela 3. A ferrugem-da-folha ocorreu naturalmente em intensidades relativamente elevadas, em ambos os locais e anos, permitindo boa diferenciação do comportamento entre os genótipos. Pode-se observar que, em Capão Bonito, a porcentagem da área foliar recoberta pelas pústulas variou entre 0 e 40% e 0 e 35% em 2003 e 2004, respectivamente. Variabilidade semelhante também foi observada em Mococa onde índices da doença, sobre diferentes genótipos, variaram de 0 a 30% e de traço a 35%, nos mesmos anos considerados.

De maneira geral, na avaliação, foram observadas pústulas tipo suscetível, porém considerando a severidade da doença, ou seja, a porcentagem de área foliar lesionada (MEHTA, 1993), verificou-se que a linhagem 14 foi resistente, com traço da ferrugem-da-folha somente no ensaio de Mococa, em 2004, com apenas algumas pústulas do tipo de reação de suscetibilidade. Nos demais, nessa linhagem observou-se resistência completa, não havendo sintomas, enquanto genótipos suscetíveis atingiram índices médios superiores a 30%, também com pústulas do tipo de reação de suscetibilidade. Esse tipo de resistência é interessante para um programa de melhoramento pela possibilidade de transferência do alelo de resistência, podendo esse genótipo ser utilizado para cruzamentos com cultivares suscetíveis. As linhagens 3, 4, 6, 7, 8, 11, 15, 16 e 17 foram suscetíveis, tendo entre 26% e 50% de área foliar infectada em pelo menos um ensaio, não sendo, portanto, genótipos adequados para cultivo em locais com condições favoráveis ao desenvolvimento da ferrugem-da-folha. Nos genótipos 1, 2, 5, 9, 10, 12, 13, 18, 19 e 20, observaram-se índices de severidade entre 6% e 25%, sendo considerados moderadamente resistentes. Levando-se em conta que as avaliações foram realizadas em estádios próximos ao de grão leitoso, estádio 11.2 da escala Feeckes-Large (MEHTA, 1993) e que esses níveis só foram atingidos nesse estádio, é possível que tal tipo de resistência envolva combinação patógeno-hospedeiro em que a ferrugem se desenvolve mais lentamente e não atinja altos graus de severidade. Essa resistência é de interesse do melhorista para lançamento de novas cultivares, pois apesar de ocorrer a doença, não chega a causar grandes problemas para a lavoura.

Como se pode observar na tabela 4, a cultivar Anahuac, controle para sensibilidade, não teve crescimento radicular a 2 mg L-1 de Al3+. A cultivar IAC-370 e a linhagem 13 foram sensíveis a 4 mg L-1 de Al3+; os demais genótipos, dentre eles, as cultivares BH-1146 (controle tolerante) e IAC-24 foram tolerantes a 10 mg L-1 de Al3+.

As correlações simples entre as produções médias de grãos de Capão Bonito e os comprimentos médios das raízes dos vinte genótipos em soluções nutritivas, para as diferentes concentrações de alumínio foram significativas e positivas (Tabela 5). Esses resultados concordaram com os obtidos por CAMARGO et al. (2003) e SALOMON et al. (2003) e sugerem que os genótipos mais produtivos foram mais adaptados às condições de solo ácido e cultivo de sequeiro revelando-se também tolerantes à toxicidade de Al3+, quando avaliados em soluções nutritivas no laboratório. Considerando ainda os dados de Capão Bonito (Tabela 6) verificou-se que as correlações simples entre as alturas médias das plantas e os comprimentos médios das raízes dos vinte genótipos em soluções nutritivas contendo Al3+ foram positivas e significativas, apenas quando consideradas as concentrações de 6, 8 e 10 mg L-1 de Al3+; a correlação simples entre as médias das alturas das plantas e das produções de grãos dos vinte genótipos foi positiva e significativa (0,69*). Portanto, nas condições de sequeiro e solo ácido, nas plantas mais produtivas, houve tendência ao porte semi-anão mais alto e tolerância à toxicidade de alumínio. Em solos com alumínio tóxico as linhagens sensíveis a esse elemento têm crescimento (porte) reduzido.

Nos ensaios de Mococa, as correlações entre as médias das produções de grãos e das alturas das plantas com os comprimentos médios radiculares dos vinte genótipos nas diferentes concentrações de Al3+ não foram significativas (Tabelas 5 e 6). A correlação simples entre a média das alturas das plantas e das produções de grãos dos vinte genótipos foi de -0,01. Esses resultados sugerem que os genótipos mais adaptados (mais produtivos) às condições de solo corrigido e com irrigação por aspersão independem do grau de tolerância à toxicidade de Al3+, em soluções nutritivas, concordando com CAMARGO et al. (2003). Esse fato ocorre, talvez, devido às raízes das plantas de trigo em solo irrigado e corrigido permanecer na camada arável do solo, não necessitando buscar água em camadas mais profundas, onde o solo não foi corrigido, evitando assim o efeito da toxicidade de Al3+. Nas condições de Mococa não houve tendência das plantas mais altas serem as mais produtivas e tolerantes à toxicidade de alumínio.

4. CONCLUSÕES

1. O emprego de cruzamentos interespecíficos foi eficiente, originando após vários ciclos de seleção, genótipos com características agronômicas desejáveis.

2. Em condições de sequeiro e solo ácido, a linhagem 14 destacou-se pela resistência completa ao agente causal da ferrugem-da-folha e tolerância à toxicidade de alumínio em soluções nutritivas, o que também ocorreu em relação à produção de grãos.

3. As cultivares IAC-24, IAC-370 e as linhagens 5, 9, 10, 12, 13, 18, 19 e 20 foram moderadamente resistentes à ferrugem-da-folha, nos dois locais.

4. A linhagem 14, pela resistência à ferrugem-da-folha em todos os ensaios, poderá ser utilizada como fonte de resistência genética dessa característica, em hibridações, em programas de melhoramento.

5. Todos os genótipos foram tolerantes à toxicidade de alumínio por terem crescimento da raiz primária após tratamento com 10 mg L-1 de alumínio, exceto a cultivar Anahuac, sensível a 2 mg L-1, da IAC-370 e da linhagem 13, sensíveis a 4 mg L-1.

6. A produção de grãos, em condição de sequeiro e solo ácido, e o porte das plantas foram afetados de forma semelhante pela toxicidade de alumínio.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro ao projeto e ao CNPq e CAPES pela concessão de bolsas.

Recebido para publicação em 12 de maio de 2005 e aceito em 28 de agosto de 2006.

Trabalho parcialmente financiado pelo CNPq.

  • AGRIANUAL, 2004. Consultoria e Agroinformativos Anuário da Agricultura Brasileira, 2004. p. 479-486
  • CAMARGO, C.E.O. Melhoramento do trigo. I. Hereditariedade da tolerância à toxicidade do alumínio. Bragantia, Campinas, v.40, n.1, p.33-45, 1981.
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    Apresentado no 3° Congresso Brasileiro de Melhoramento de Plantas, realizado em Gramado, RS, em 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      28 Ago 2006
    • Recebido
      12 Maio 2005
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