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Craniectomia descompressiva para tratamento da hipertensão intracraniana traumática em crianças e adolescentes: análise de sete casos

Decompressive craniectomy in children and adolescents with head injury: analysis of seven cases

Resumos

INTRODUÇÃO: A craniectomia descompressiva (CD) é técnica utilizada para tratamento da hipertensão intracraniana (HIC) pós-traumática. Sua indicação ainda não está bem definida na população pediátrica. OBJETIVO: Relatar a utilização desta técnica em sete casos pediátricos. MÉTODO: Estudo retrospectivo de sete pacientes (2 a 17 anos) que receberam CD unilateral para tratamento de HIC. Todos tiveram monitorização pós-operatória da pressão intracraniana (PIC) e a CD foi classificada em ultra-precoce (<6h), precoce (6-12h) e tardia (>24h) de acordo com o seu tempo de realização após o trauma. O seguimento mínimo foi seis meses. RESULTADOS: Os pacientes foram seguidos por tomografia e quadro clínico, sendo classificados de acordo com a Escala de Outcome de Glasgow (GOS). Três pacientes faleceram (GOS1), um estava em estado vegetativo (GOS2), dois com déficit neurológico moderado (GOS3 e 4) e um com reabilitação funcional completa (GOS5) à época da alta hospitalar. Após período mínimo de seis meses, o paciente que estava em estado vegetativo e um dos que tinha déficit neurológico moderado melhoraram. Perdeu-se seguimento do paciente com alta em GOS4. Como complicação, ocorreram coleção subdural (2), hidrocefalia (1) e infecção superficial (1). Dos quatro que sobreviveram, dois receberam cranioplastia autóloga e os outros dois, heteróloga. CONCLUSÃO: A CD é método eficaz para redução da PIC, mas não é isenta de complicações. Sua aplicação ainda não está bem definida na população pediátrica, carecendo de estudos multicêntricos.

craniectomia descompressiva; pressão intracraniana; traumatismo cranio-encefálico


INTRODUCTION: Decompressive craniectomy (DC) is a surgical technique used to treat patients with elevated intracranial pressure often found in head injury. Its indication remains a controversial issue in the pediatric population. OBJECTIVE: To report seven cases managed with this technique. Method: Retrospective study of seven patients, aged from 2 to 17 years, treated with unilateral DC due to increased intracranial pressure (ICP) as a consequence of head injury. All patients had ICP monitored post operatively and the DC classified as ultra-early (<6h), early (6-12h) or late (>24h) according to the time of its application. The minimum follow-up was six months. RESULTS: Patients were evaluated with CT scans and clinical exams, and graded according the Glasgow Outcome Scale (GOS). Three patients deceased (GOS1), one was in vegetative state (GOS2), two recovered but still requiring nursing care (GOS3 and 4), and one had a full recovery (GOS5) at hospital discharge. After six months the GOS2 and a GOS3 patients achieved full recovery (GOS5). Subdural collection (2), hydrocephalus (1) and superficial infection (1) occurred as complication. Two patients had autologous cranioplasty and the other two heterologous cranioplasty. CONCLUSION: Decompressive craniectomy remains a feasible treatment method to lower the ICP, but is not safe from complications. A multicentric study should be done for appropriate protocol treatment of pediatric patients.

decompressive craniectomy; intracranial pressure; head injury


Craniectomia descompressiva para tratamento da hipertensão intracraniana traumática em crianças e adolescentes: análise de sete casos

Decompressive craniectomy in children and adolescents with head injury: analysis of seven cases

Rodrigo Moreira FaleiroI; Luiz Carlos Mendes FaleiroI; Marcelo Magaldi OliveiraII; Tiago SilvaIII; Elisa Costa CaetanoIII; Isabela GomideIII; Cristina Carneiro PitaIII; Gustavo LopesIII; Sebastião GusmãoII

Hospital Pronto Socorro João XXIII, Belo Horizonte MG, Brasil (HPSJXXII):

INeurocirurgião, HPSJXXII

IINeurocirurgião, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Hospital Luxemburgo, Belo Horizonte MG, Brasil

IIIAcadêmico de graduação de medicina UFMG e GPq (GENEURO-Divisão Pesquisa)

RESUMO

INTRODUÇÃO: A craniectomia descompressiva (CD) é técnica utilizada para tratamento da hipertensão intracraniana (HIC) pós-traumática. Sua indicação ainda não está bem definida na população pediátrica.

OBJETIVO: Relatar a utilização desta técnica em sete casos pediátricos.

MÉTODO: Estudo retrospectivo de sete pacientes (2 a 17 anos) que receberam CD unilateral para tratamento de HIC. Todos tiveram monitorização pós-operatória da pressão intracraniana (PIC) e a CD foi classificada em ultra-precoce (<6h), precoce (6-12h) e tardia (>24h) de acordo com o seu tempo de realização após o trauma. O seguimento mínimo foi seis meses.

RESULTADOS: Os pacientes foram seguidos por tomografia e quadro clínico, sendo classificados de acordo com a Escala de Outcome de Glasgow (GOS). Três pacientes faleceram (GOS1), um estava em estado vegetativo (GOS2), dois com déficit neurológico moderado (GOS3 e 4) e um com reabilitação funcional completa (GOS5) à época da alta hospitalar. Após período mínimo de seis meses, o paciente que estava em estado vegetativo e um dos que tinha déficit neurológico moderado melhoraram. Perdeu-se seguimento do paciente com alta em GOS4. Como complicação, ocorreram coleção subdural (2), hidrocefalia (1) e infecção superficial (1). Dos quatro que sobreviveram, dois receberam cranioplastia autóloga e os outros dois, heteróloga.

CONCLUSÃO: A CD é método eficaz para redução da PIC, mas não é isenta de complicações. Sua aplicação ainda não está bem definida na população pediátrica, carecendo de estudos multicêntricos.

Palavras-chave: craniectomia descompressiva, pressão intracraniana, traumatismo cranio-encefálico.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Decompressive craniectomy (DC) is a surgical technique used to treat patients with elevated intracranial pressure often found in head injury. Its indication remains a controversial issue in the pediatric population.

OBJECTIVE: To report seven cases managed with this technique. Method: Retrospective study of seven patients, aged from 2 to 17 years, treated with unilateral DC due to increased intracranial pressure (ICP) as a consequence of head injury. All patients had ICP monitored post operatively and the DC classified as ultra-early (<6h), early (6-12h) or late (>24h) according to the time of its application. The minimum follow-up was six months.

RESULTS: Patients were evaluated with CT scans and clinical exams, and graded according the Glasgow Outcome Scale (GOS). Three patients deceased (GOS1), one was in vegetative state (GOS2), two recovered but still requiring nursing care (GOS3 and 4), and one had a full recovery (GOS5) at hospital discharge. After six months the GOS2 and a GOS3 patients achieved full recovery (GOS5). Subdural collection (2), hydrocephalus (1) and superficial infection (1) occurred as complication. Two patients had autologous cranioplasty and the other two heterologous cranioplasty.

CONCLUSION: Decompressive craniectomy remains a feasible treatment method to lower the ICP, but is not safe from complications. A multicentric study should be done for appropriate protocol treatment of pediatric patients.

Key words: decompressive craniectomy, intracranial pressure, head injury.

As indicações para aplicação da craniectomia descompressiva (CD) no tratamento da hipertensão intracraniana (HIC) estão em fase atual de discussão na literatura, com vários trabalhos classe II e III sugerindo benefício quando aplicada precocemente1-3. A CD é atualmente classificada como medida de segunda opção para tratamento da HIC refratária nos pacientes vítimas de traumatismo cranio-encefálico (TCE)4. A maioria dos relatos de série consiste de pacientes adultos, com poucos relatos na população pediátrica5-8.

A proposta deste estudo é relatar resultados da CD unilateral aplicada em sete crianças e adolescentes no período de um ano (2003) em hospital referência de trauma em Belo Horizonte. Descrevem-se complicações relacionadas à técnica, como coleção subdural, hidrocefalia, infecção. A época e modalidade de cranioplastia também merece discussão na população em questão.

MÉTODO

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Pronto Socorro João XXIII, conduziu-se estudo retrospectivo de todos pacientes vítimas de TCE que receberam a CD unilateral para tratamento de HIC, durante o ano de 2003. Pacientes com idade inferior a 17 anos foram incluídos no estudo. Excluiram-se os casos que receberam CD bilateral ou para tratamento da HIC decorrente de acidente vascular cerebral ou trauma por projétil de arma de fogo.

Todos os pacientes foram admitidos na sala de urgência (sala de politraumatizados), e rapidamente atendidos pela equipe de trauma, respeitando-se preceitos e condutas do ATLS. Após estabilização cardio-respiratória, e classificação do trauma segundo escala de coma de Glasgow (ECG), tomografia computadorizada de crânio (TC) e propedêutica radiológica foi realizada. Segundo o protocolo da equipe de neurocirurgia do hospital (Anexo Anexo ), pacientes com lesões traumáticas com efeito de massa eram imediatamente transferidos ao bloco cirúrgico para tratamento e posterior admissão no centro de tratamento intensivo (CTI). Quando à TC era identificado um desvio de linha média desproporcional ao volume do hematoma (um hematoma subdural agudo, HSDA, laminar, por exemplo) aplicava-se a CD unilateral precocemente, sem medida prévia da pressão intracraniana (PIC). Após a cirurgia, estes pacientes receberam monitorização da PIC no CTI.

Os pacientes com ECG <8 e sem lesão cirúrgica à TC foram admitidos no CTI e submetidos a monitorização da PIC. Aplicou-se protocolo para tratamento de PIC (Anexo Anexo ) em crescente, ou seja, medidas gerais, clínicas específicas e de segunda opção (Tabela 1). O objetivo deste protocolo foi determinar precocemente (até 24h) a refratariedade da HIC às medidas clínicas.

A técnica da CD , conforme detalhada em artigo prévio9, consistiu de incisão em "ponto de interrogação" invertido (Becker) seguido de craniotomia fronto-temporo-parietal ampla, e craniectomia com pinça de goiva até assoalho da fossa média. Após incisão dural e drenagem de hematomas ou contusões, duroplastia foi realizada com sutura contínua (hermética) utilizando-se fio Prolene 4-0.

O flape ósseo foi armazenado no tecido celular subcutâneo abdominal. Em caso de infecção da ferida abdominal, procedeu-se com cranioplastia heteróloga (acrílico). Monitorizou-se a PIC em todos os pacientes no pós-operatório, retirando-a após período mínimo de 48h de PIC normal (<20 mmHg). Utilizou-se monitorização por cateter Codman ou Camino em crianças com menos de dois anos e parafuso Richmond em maiores de dois anos. Realizou-se cranioplastia em período menor de quatro semanas.

A CD foi classificada em ultra-precoce (<6h), precoce (6-24h) ou tardia (>24) de acordo com o tempo de aplicação após o trauma.

Aplicou-se classificação de Glasgow Outcome Scale (GOS) à época da alta hospitalar e após período mínimo de seis meses (por telefone, após consentimento do responsável).

RESULTADOS

Durante o ano de 2003, 41 pacientes receberam CD unilateral para tratamento de HIC pós-traumática. Sete casos (17%) pertenceram à população pediátrica, com idade variando de 2 a 17 anos, sendo a população deste estudo (Tabela 2). Houve uma criança do gênero feminino e predominou o acidente de trânsito (acidente automobilístico ou atropelamento). Cinco pacientes foram admitidos com TCE grave (ECG <8) e dois com TCE moderado (ECG 9-13). Evidência de politrauma foi encontrado em quatro pacientes.

Em todos os casos a CD foi indicada pela presença de tumefação cerebral (TmC) unilateral, identificada na TC. Quatro pacientes apresentavam HSDA laminar e dois, contusão cerebral associada. Nestes casos o desvio da linha média (DLM) era desproporcional ao volume da lesão associada.

Dois casos (casos 3 e 7) receberam aplicação ultra-precoce (<6h) da CD, sem monitorização prévia da PIC. Apresentavam DLM desproporcional à TC e clinicamente estavam em rápida deterioração neurológica, inclusive com anisocoria ipsilateral à lesão. Receberam manitol a 20% (0,5 a 1 mg/kg) na sala de emergência, antes da cirurgia. Após CD (descrita acima) foram encaminhados ao CTI para monitorização da PIC. Os outros cinco pacientes foram admitidos no CTI, tiveram monitorização da PIC e entraram no protocolo de tratamento de HIC (anexo Anexo ). Dois pacientes receberam a CD precocemente (6-12h) e três tardiamente (>24h). Monitorização pós-operatória da PIC foi realizada em todos os casos.

Os casos 1,2 e 3 apresentaram redução inicial da PIC, cursando após algumas horas com HIC refratária às medidas clínicas específicas e grande tensão na área da craniectomia. TC de controle não evidenciou lesão passível de tratamento cirúrgico, e essas crianças faleceram em um período de até sete dias do evento traumático. Os outros quatro pacientes tiveram normalização da PIC imediatamente após o procedimento cirúrgico, com retirada do monitor após 48h.

A evolução segundo GOS à época da alta hospitalar foi: GOS1 (3 pacientes), GOS2 (1 paciente), GOS3 (1 paciente), GOS4 (1 paciente), GOS5 (1 paciente). No seguimento de seis meses, mediante aplicação de questionário por telefone, identificou-se evolução para GOS5 dos pacientes que estavam em GOS2 e GOS3. Não se conseguiu seguimento do paciente que estava em GOS4.

Em relação aos quatro sobreviventes, armazenou-se o flape ósseo no tecido celular subcutâneo abdominal em três e desprezou-se o osso no outro paciente, por apresentar fratura cominutiva. O paciente 7 apresentou infecção da ferida abdominal, sendo necessário também desprezar seu flape ósseo. Portanto, dois casos receberam cranioplastia autóloga e dois cranioplastia heteróloga com acrílico.

Como complicação relacionada à CD houve coleção subdural (2), hidrocefalia (1) e infecção superficial da ferida abdominal (1). Os dois casos de coleção subdural foram acompanhados clínicamente, com a coleção desaparecendo após a cranioplastia. O caso de hidrocefalia se apresentou após quatro semanas, com abaulamento da área da craniectomia, que antes estava deprimida. TC revelou hidrocefalia comunicante, com transudação liquórica trans-ependimária. Optou-se pela ventriculo-peritoniostomia com interposição de válvula de alta pressão. Cranioplastia heteróloga foi realizada após uma semana.

DISCUSSÃO

O papel da CD ainda não está claramente definido na literatura neurocirúrgica, com vários trabalhos classe II e III sugerindo seu benefício1-3,9. Há ainda heterogeneidade em relação às indicações, tempo de aplicação e técnica empregada, dificultando ainda mais sua análise objetiva. Há poucos relatos de casos analizando a aplicação da CD na população pediátrica5-8. Após exclusão ou remoção cirúrgica de hematomas ou outras lesões pós-traumáticas com efeito de massa, a prevenção de lesões secundárias é objetivo principal do tratamento intensivo do TCE grave pediátrico. Tumefação cerebral difusa ou contusões cerebrais múltiplas são as duas principais causas de morbi-mortalidade após o TCE grave na população pediátrica10. Relaciona-se a TmC e consequente HIC que ocorrem precocemente no período pós-traumático a um estado de hiperemia encefálica, ou seja, aumento do fluxo sanguíneo cerebral (FSC), ocorrendo frequentemente em crianças11,12.

Protocolos têm sido propostos para direcionar as condutas no TCE grave pediátrico13, que incluem drenagem liquórica por cateter ventricular, hiperventilação moderada (pCO2 mínimo de 30 mmHg) ou controlada (por cateterismo de bulbo da veia jugular) e manitol a 20% em bolus (exceto se osmolaridade sérica>320 mosmol/L), como medidas clínicas específicas aplicadas inicialmente no tratamento da HIC14. A drenagem liquórica por cateterismo ventricular não foi aplicada no presente trabalho. Por se tratar de pacientes com TmC unilateral e DLM, não indicamos a drenagem liquórica do ventrículo contralateral, evitando-se assim aumentar a diferença de pressão entre os dois compartimentos supra-tentoriais. A punção do ventrículo homolateral à TmC é difícil, requerendo muitas vezes a aplicação de cálculos estereotáxicos, nada prático em uma situação emergencial.

Nos casos de HIC refratária às medidas clínicas descritas, e redução da pressão de perfusão cerebral (PPC) a níveis críticos (<50 mmHg), a aplicação de medidas de segunda linha (second tier) é controverso, sem evidências classe I na literatura. As medidas clínicas de segunda linha (coma barbitúrico e hipotermia) baseam-se na manutenção de um FSC adequado, com alguns resultados positivos em adultos15,16. Como o FSC é idade-dependente na população pediátrica (variação normal de 40 a > 100 mL/100g/min)17, hiperemia encefálica absoluta só poderia ser definida em uma variação muito restrita de idade. Níveis de FSC de adultos não podem nortear o tratamento intensivo do TCE na população pediátrica7. Chambers e Kirkham afirmaram não ser possível determinar um nível "seguro" de PPC na população pediátrica, favorecendo portanto a redução da PIC como objetivo principal no tratamento do TCE pediátrico grave. Levantaram ainda a necessidade de um estudo controlado comparando CD precoce e tardia em crianças18. Concordamos ser a HIC o alvo pincipal a ser controlado na população pediátrica, desde que a PPC seja mantida a níveis satisfatórios (percentil 50 para idade específica).

Vários autores afirmaram benefícios em se aplicar a CD precocemente, mas a definição do que seria "precoce" permanece obscura6-8. No atual estudo definiu-se arbitrariamente a CD como ultra-precoce (<6h), precoce (6-12h) e tardia (>24h). Reithmeier et al. relataram caso de CD tardia, no oitavo dia após o evento do trauma19. Dados disponíveis sobre as poucas séries de CD em crianças e adolescentes, incluindo estudo atual, encontra-se resumida na Tabela 3.

A pequena série aqui apresentada é heterogênea, com idade variando de 2 a 17 anos. Crianças menores de dois anos apresentam particularidades que devem ser valorizadas, como perda sanguínea, crescimento craniano (cranioplastia autóloga x heteróloga), e plasticidade neuronal. Com número maior de casos, seria prudente subdividir os resultados e complicações por faixa etária.

A CD não é isenta de complicações. Guerra et al. relataram coleção subdural (26%), hidrocefalia (14%), crise convulsiva (7%) e infecção (2%). Polin et al. encontraram hidrocefalia em 28,5% dos casos que receberam CD para tratamento da HIC pós-traumática1,2. Na presente série (total de 41 pacientes) houve quatro casos de hidrocefalia, sendo um em criança. A hidrocefalia é , portanto, frequente complicação após CD, com tratamento ainda não definido. Algumas são transitórias, mas outras necessitam ventriculoperitoniostomia. Preferimos utilizar válvula de alta pressão, para evitar depressão importante na área da CD.

Outro assunto que merece discussão quando estudamos a CD em crianças, principalmente as menores de dois anos de idade, é a cranioplastia. Várias são as técnicas empregadas (como banco de ossos, armazenar flape ósseo no tecido celular subcutâneo abdominal, metilmetacrilato, placa de titânio). Como evitamos próteses em crianças muito pequenas, avaliaremos as cranioplastias autólogas. Por não dispor de banco de ossos na instituição, sempre que possível armazenamos o flape ósseo no tecido celular subcutâneo abdominal. Frequentemente a cranioplastia é realizada precocemente e sem complicações, mas relatamos um caso de infecção da ferida abdominal com necessidade de se descartar o flape ósseo. Se fosse em criança menor de dois anos, haveria então um problema. Na maioria dos artigos de literatura estrangeira1-3,20 cita-se o banco de ossos como opção de escolha para armazenar o flape ósseo retirado na CD. Porém, Grant et al. relataram alta taxa (50%) de reabsorção sintomática (necessitando reoperação) em 40 casos de crianças e adolescentes submetidos à CD, com osso armazenado em banco de ossos20. Outras técnicas podem estar associadas a taxa de reabsorção ainda maior, como por exemplo, a técnica de se autoclavar o osso, já que há uma denaturação das proteínas responsáveis pelo crescimento ósseo21. Missori et al. relataram esterilização em óxido de etileno do flape ósseo retirado22. Estudos maiores e controlados serão necessários para se definir a melhor técnica de cranioplastia nesta faixa etária.

São frequentes os relatos de melhora neurológica após a cranioplastia, com demonstração de melhora do FSC regional ao doppler23-26, reforçando a idéia dos efeitos deletérios da pressão atmosférica quando atua diretamente sobre o córtex cerebral. Valorizamos portanto a indicação de cranioplastia autóloga ou heteróloga, o mais precoce possível.

A presente análise constitui-se de casuística pequena e heterogênea, não sendo possível nenhuma aferição estatística. Foi possível, porém, tecer discussão sobre temas controversos e frequentes na prática diária de quem se dedica ao tratamento de crianças vítimas de TCE grave.

Conclui-se pela literatura consultada que a CD possui o seu papel no tratamento da HIC pós-traumática, mas suas indicações, tempo de aplicação e técnica ainda precisam ser definidas. Em relação à sua aplicação na população pediátrica, mais dados serão necessários para um consenso final, e um estudo multicêntrico provavelmente será necessário. Finalizando, a CD é técnica eficaz em reduzir a PIC, mas não é isenta de complicações.

Agradecimentos – Agradecemos a Dra. Denise Marques de Assis e a todos os plantonistas do Hospital João XXIII que participaram direta ou indiretamente na condução dos casos aqui apresentados.

Recebido 16 Fevereiro 2006, recebido na forma final 29 Maio 2006. Aceito 23 Junho 2006.

Dr. Rodrigo Moreira Faleiro - Rua Timbiras 3642 / 801 - 30140-062 Belo Horizonte MG - Brasil. E-mail: rfaleiro@brfree.com.br

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Anexo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2006

Histórico

  • Aceito
    23 Jun 2006
  • Recebido
    29 Maio 2006
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