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Aneurisma de hiperfluxo próprio da artéria comunicante posterior decorrente de efeito hemodinâmico em paciente com oclusão da artéria subclávia tratado por angioplastia

High flow"true" posterior communicating artery aneurysm due to hemodynamic effect in a patient with subclavian artery occlusion treated with angioplasty

Resumos

Aneurismas próprios da artéria comunicante posterior são extremamente raros possuindo uma incidência que varia de 0,1 a 2,8% de todos os aneurismas. O surgimento de aneurisma intracraniano em virtude de alterações de fluxo por oclusão arterial é descrito na literatura. Apresentamos o caso de homem de 69 anos, vítima de hemorragia subaracnóidea, com diagnóstico de aneurisma próprio da artéria comunicante posterior direita. Havia também, oclusão da artéria subclávia esquerda com roubo de fluxo da artéria vertebral direita pela vertebral esquerda. Realizou-se tratamento endovascular com angioplastia e colocação de stent na artéria subclávia esquerda com conseqüente oclusão do aneurisma. Discutimos o restabelecimento do fluxo arterial intracraniano como forma de tratamento deste aneurisma.

aneurisma próprio; artéria comunicante posterior; oclusão arterial


True posterior communicating artery aneurysms are extremely rare with incidence ranges from 0.1% to 2.8% of all aneurysms. Cerebral aneurysm formation has been reported as a complication of artery occlusion by flow alteration. We present a 69 years old male patient presenting with subarachnoid hemorrhage with diagnosis of true right posterior communicating artery aneurysm. He had a left subclavian artery occlusion with flow theft from the right vertebral artery to the left vertebral artery. The patient underwent endovascular treatment with angioplasty and stent placement on the left subclavian artery and aneurysm occlusion result. We discuss the restablishment of cerebral blood flow as a treatment for this aneurysm.

true aneurysm; posterior communicating artery; artery occlusion


Aneurisma de hiperfluxo próprio da artéria comunicante posterior decorrente de efeito hemodinâmico em paciente com oclusão da artéria subclávia tratado por angioplastia

High flow"true" posterior communicating artery aneurysm due to hemodynamic effect in a patient with subclavian artery occlusion treated with angioplasty

José Maria Modenesi FreitasI; Marcos Antônio PieruccettiI; Guilherme Cabral de AndradeII; Ségio ListikII; Ricardo J. CostaII; José Carlos Rodrigues JrIII; Luis F. Haikel JrIII; Marcos Rogério GregoriniIII; Clemente Augusto B. PereiraIV

Serviço de Neurocirurgia e Neurorradiologia Intervencionista do Hospital Heliópolis São Paulo SP, Brasil

INeuroradiologista Intervencionista

IINeurocirurgião

IIIResidente em Neurocirurgia

IVChefe do Serviço de Neurocirurgia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Guilherme Cabral de Andrade Rua Monte Alegre 58 134 - 05014-000 São Paulo SP - Brasil E-mail: cabralnec@uol.com.br

RESUMO

Aneurismas próprios da artéria comunicante posterior são extremamente raros possuindo uma incidência que varia de 0,1 a 2,8% de todos os aneurismas. O surgimento de aneurisma intracraniano em virtude de alterações de fluxo por oclusão arterial é descrito na literatura. Apresentamos o caso de homem de 69 anos, vítima de hemorragia subaracnóidea, com diagnóstico de aneurisma próprio da artéria comunicante posterior direita. Havia também, oclusão da artéria subclávia esquerda com roubo de fluxo da artéria vertebral direita pela vertebral esquerda. Realizou-se tratamento endovascular com angioplastia e colocação de stent na artéria subclávia esquerda com conseqüente oclusão do aneurisma. Discutimos o restabelecimento do fluxo arterial intracraniano como forma de tratamento deste aneurisma.

Palavras-chave: aneurisma próprio, artéria comunicante posterior, oclusão arterial.

ABSTRACT

True posterior communicating artery aneurysms are extremely rare with incidence ranges from 0.1% to 2.8% of all aneurysms. Cerebral aneurysm formation has been reported as a complication of artery occlusion by flow alteration. We present a 69 years old male patient presenting with subarachnoid hemorrhage with diagnosis of true right posterior communicating artery aneurysm. He had a left subclavian artery occlusion with flow theft from the right vertebral artery to the left vertebral artery. The patient underwent endovascular treatment with angioplasty and stent placement on the left subclavian artery and aneurysm occlusion result. We discuss the restablishment of cerebral blood flow as a treatment for this aneurysm.

Key words: true aneurysm, posterior communicating artery, artery occlusion.

Aneurismas da artéria carótida interna no segmento próximo a artéria comunicante posterior, assim como da junção da artéria carótida com a comunicante posterior, são tradicionalmente nomeados como aneurismas da região da comunicante posterior1. Os aneurismas próprios da artéria comunicante posterior são de ocorrência rara, variando de 0,1 a 2,8% de todos os aneurismas intracranianos2,3. Após observação da anatomia microcirurgica, Krayenbühl e col.4, em 1972, descreveram 4 tipos de aneurismas da artéria comunicante posterior: a) aneurisma da junção da artéria carótida interna e artéria comunicante posterior; b) aneurisma fusiforme da artéria comunicante posterior; c) aneurisma sacular da artéria comunicante posterior; e d) aneurisma da artéria carótida interna. O termo aneurisma próprio da artéria comunicante posterior foi usado inicialmente em 1979 por Yoschida e col.5, para determinar os aneurismas que possuem origem direta da artéria comunicante posterior, aproximadamente 2 a 3 mm distal à junção com a artéria carótida interna. A anatomia vascular regional da artéria comunicante posterior é importante pela presença de ramos perfurantes que darão suprimento sanguíneo ao quiasma óptico, nervo oculomotor, corpo mamilar, tuber cinéreo, crura cerebral, tálamo anterior e porção rostral do núcleo caudado5,6.

O surgimento de aneurisma cerebral por alterações hemodinâmicas, tem sido descrito em modelos experimentais7,8, assim como após oclusão da artéria carótida interna9,10.

CASO

Homem de 69 anos apresentou quadro clínico de cefaléia súbita seguida de perda momentânea da consciência em 20/03/2004. Após 18 dias do evento foi encaminhado ao nosso serviço. À admissão queixava-se de cefaléia; ao exame físico geral apresentava diferença na medida da pressão arterial (PA) dos membros superiores com PA de 140 x 110 mmHg em MSE e 170 x 100 mmHg em MSD. Ao exame neurológico apresentava-se consciente e orientado e com paresia dos nervos cranianos III (oculumotor) e IV (troclear) à direita. Realizou exame de tomografia computadorizada de crânio, que evidenciava hemorragia sub-aracnóide Fisher III (Fig 1A). À angiografia digital realizada em 28/05/2004, no arco aórtico e nas artérias carótidas e vertebrais, foi diagnosticado aneurisma sacular próprio da artéria comunicante posterior direita (Fig 1B e 1C), oclusão da artéria subclávia esquerda (Fig 2A) e roubo de fluxo da artéria vertebral direita pela artéria vertebral esquerda (FIG 2B), além de estenose maior que 80% na emergência da artéria carótida interna direita. A discussão terapêutica foi baseada no fato de que o roubo da artéria subclávia era de tamanha importância que não havia contrastação do segmento superior da artéria basilar e dos seus ramos, e que este segmento seria suprido pela artéria comunicante posterior direita. Logo a possibilidade do aneurisma ter surgido em decorrência do alto fluxo por esta artéria, mesmo com a evidência de estenose importante na carótida interna direita, foi postulada. No entanto a hipótese de que a restauração do fluxo normal, com correção do roubo da artéria subclávia pela desobstrução do segmento ocluído da artéria subclávia esquerda, eliminaria o fluxo pelas artérias comunicante posteriores, havendo a possibilidade de exclusão do aneurisma da circulação por diminuição do fluxo. Em 08/06/2004 foi realizado recanalização por ATP (artériotromboplastia) e colocação de stent na artéria subclávia esquerda (Fig 3A), restaurando o fluxo sanguíneo pela artéria vertebral esquerda (Fig 3A), e enchimento de toda a árvore arterial vértebro-basilar e das artérias cerebrais posteriores (Fig 3B) e diminuição do fluxo pela artéria comunicante posterior com estagnação de contraste no interior do aneurisma (Fig 3C).




Em 01/09/04 o paciente apresentava-se em bom estado clínico e neurológico, com PA de 150 x 100 mmHg e pulsos simétricos em ambos os membros superiores. O estudo angiográfico de controle mostrou a patência da angioplastia da artéria subclávia esquerda com fluxo anterógrado na artéria vertebral esquerda (Fig 4A) e a angiografia carotídea mostrou a artéria comunicante posterior direita permeável, com exclusão do aneurisma (Fig 4B).


DISCUSSÃO

Aneurisma próprio da artéria comunicante posterior é um evento raro variando de 0,1 a 2,8%2,5, sendo alguns considerados como aneurismas de hiperfluxo11,12. O aneurisma próprio da artéria comunicante posterior possui considerações cirúrgicas especificas em virtude da presença de vários ramos perfurantes para estruturas vitais5,6, assim como a preservação do nervo oculomotor. Akimura13 preconiza a realização de trapping, com o intuito de preservar principalmente os ramos tálamo estriados. O estudo hemodinâmico do arco aórtico e de todo o polígono de Willis deve ser realizado, pela possibilidade do aneurisma ser formado por alteração de fluxo. Kaspera12 demonstrou, através de Doppler transcraniano, o aumento da velocidade e turbulência do fluxo sanguíneo na artéria comunicante posterior, em paciente com oclusão de artéria carótida interna que desenvolveu aneurisma próprio da artéria comunicante posterior. A alteração de fluxo ocorreu neste caso, em virtude da oclusão da artéria subclávia esquerda, com roubo de fluxo da artéria vertebral direita pela vertebral esquerda e conseqüente aumento de fluxo da artéria comunicante posterior direita, causando a formação de aneurisma sacular. Para o tratamento deste aneurisma optou-se pela correção do fluxo arterial da artéria subclávia ocluída, através de ATP e colocação de stent. Houve restauração do padrão circulatório normal e diminuição do fluxo na artéria comunicante posterior, com estagnação do contraste no interior do saco aneurismático observado em angiografia de controle imediatamente após o procedimento, levando a trombose espontânea do mesmo e sem que houvesse risco de recanalização, já que entendemos que a sua fisiopatologia por alteração de fluxo difere da dos demais aneurismas, havendo fragilidade da camada elástica interna e não sua descontinuidade. O controle angiográfico tardio, comprovou a exclusão do aneurisma.

Este caso confirma que alterações da hemodinâmica do polígono de Willis podem estar relacionadas à formação de aneurismas intracranianos. A análise hemodinâmica cerebral é fundamental para a realização de procedimentos eficazes com baixa morbidade. O tratamento do aneurisma próprio da artéria comunicante posterior foi obtido. A angioplastia e colocação de stent na artéria subclávia esquerda proporcionaram a recanalização arterial, eliminando o roubo de fluxo da artéria subclávia esquerda. A alteração da hemodinâmica do polígono de Willis permitiu a exclusão espontânea do aneurisma.

Recebido 16 Dezembro 2004, recebido na forma final 3 Março 2005. Aceito 18 Abril 2005.

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  • Endereço para correspondência
    Dr. Guilherme Cabral de Andrade
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    134 - 05014-000
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Recebido
      16 Dez 2004
    • Revisado
      03 Mar 2005
    • Aceito
      18 Abr 2005
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