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Proposta de uma versão brasileira para a escala ADCS-CGIC

A Brazilian Portuguese version for the ADCS-CGIC scale

Resumos

Com o crescente volume de pesquisas sobre novas terapias para as demências, em particular a doença de Alzheimer, tornou-se evidente que a avaliação mais tradicional, centrada nas alterações da cognição, não seria suficiente para detectar algumas das alterações significativas que novos tratamentos podem trazer. Deste modo, foram acrescentadas escalas para avaliar alterações do comportamento e da dependência funcional. Ainda assim, restavam mudanças, percebidas pelos familiares, que poderiam não ser captadas por essas escalas. As escalas de impressão clínica de mudança (CIGIC) baseiam-se nas informações fornecidas pelo informante, no que é observado durante a consulta, e, se necessário, em breves testes de cognição. Apresentamos a versão de uma escala deste tipo, largamente utilizada, desenvolvida para a doença de Alzheimer (ADCS-CIGIC), que foi obtida pelo método recomendado de tradução, retro-tradução e versão final por consenso.

escalas de avaliação; CGIC; doença de Alzheimer; demência


Given increasing research into new therapies for dementia, especially for Alzheimer disease, it has become clear that traditional methods of evaluation, centered on cognition, have proved insufficient. Thus, scales for behavioral disturbances and activities of daily living have been added. Nevertheless, some observations of clinical significant changes, as reported by caregivers, could be overlooked. Clinician's impression of global change scales (CIGIC) are based on broader information and may detect more subtle changes. Typically they take into consideration caregiver information, that which is seen by the health professional during the interview, and may also include brief cognitive tests. We present a Brazilian Portuguese version of a widely used scale of this type, specifically designed for Alzheimer disease (ADCS-CGIC), being the result of the recommended method of translation, back-translation and version by panel consensus.

evaluation scales; CGIC; Alzheimer disease; dementia


Proposta de uma versão brasileira para a escala ADCS-CGIC

A Brazilian Portuguese version for the ADCS-CGIC scale

Paulo H.F. BertolucciI; Ricardo NitriniII

IProfessor Adjunto, Departamento de Neurologia e Neurocirurgia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo,(EPM-UNIFESP) São Paulo SP, Brasil

IIProfessor Associado, Departamento de Neurologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, (FMUSP) São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Com o crescente volume de pesquisas sobre novas terapias para as demências, em particular a doença de Alzheimer, tornou-se evidente que a avaliação mais tradicional, centrada nas alterações da cognição, não seria suficiente para detectar algumas das alterações significativas que novos tratamentos podem trazer. Deste modo, foram acrescentadas escalas para avaliar alterações do comportamento e da dependência funcional. Ainda assim, restavam mudanças, percebidas pelos familiares, que poderiam não ser captadas por essas escalas. As escalas de impressão clínica de mudança (CIGIC) baseiam-se nas informações fornecidas pelo informante, no que é observado durante a consulta, e, se necessário, em breves testes de cognição. Apresentamos a versão de uma escala deste tipo, largamente utilizada, desenvolvida para a doença de Alzheimer (ADCS-CIGIC), que foi obtida pelo método recomendado de tradução, retro-tradução e versão final por consenso.

Palavras-chave: escalas de avaliação, CGIC, doença de Alzheimer, demência.

ABSTRACT

Given increasing research into new therapies for dementia, especially for Alzheimer disease, it has become clear that traditional methods of evaluation, centered on cognition, have proved insufficient. Thus, scales for behavioral disturbances and activities of daily living have been added. Nevertheless, some observations of clinical significant changes, as reported by caregivers, could be overlooked. Clinician's impression of global change scales (CIGIC) are based on broader information and may detect more subtle changes. Typically they take into consideration caregiver information, that which is seen by the health professional during the interview, and may also include brief cognitive tests. We present a Brazilian Portuguese version of a widely used scale of this type, specifically designed for Alzheimer disease (ADCS-CGIC), being the result of the recommended method of translation, back-translation and version by panel consensus.

Key words: evaluation scales, CGIC, Alzheimer disease, dementia.

As demências e, em particular, a doença de Alzheimer (DA), costumam ser definidas em termos de alteração cognitiva. De fato, os dois critérios diagnósticos mais usados para a DA dão ênfase a estes aspectos da doença. Assim, o critério dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos - Associação de Doença de Alzheimer e Doenças Relacionadas (NINCDS-ADRDA)1 considera como provável DA o declínio na memória e pelo menos numa outra área da cognição, desde que afastadas outras causas de demência e outros distúrbios com impacto sobre o sistema nervoso central. O Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria, em sua última versão, DSM-IV2, do mesmo modo, requer prejuízo da memória e pelo menos de uma outra área da cognição, mas adicionalmente é necessário que estes déficits interfiram no funcionamento social e ocupacional. Este último aspecto é importante, porque incorpora o conceito de declínio a partir de um nível de funcionamento prévio, algo que pode ser perdido em uma avaliação exclusivamente cognitiva. Os testes cognitivos são extremamente úteis para o diagnóstico das demências, e já existe extensa literatura sobre a sensibilidade de diferentes testes, tanto para o diagnóstico precoce da DA, como para o valor preditivo da probabilidade de demenciação a curto prazo. Mostraram seu valor neste sentido tanto testes de rastreio, como o Mini-exame do Estado Mental3, quanto sub-testes de baterias completas, como o item de similaridades da Escala Wechsler de Inteligência para Adultos (WAIS). Apesar de sua utilidade, estes procedimentos podem apresentar falhas em dois sentidos: uma pessoa pode apresentar mau desempenho nos testes sem que isso necessariamente signifique declínio e possibilidade de demência, como ocorre, por exemplo, ao avaliar pessoas com baixa escolaridade4,5 ou embotamento intelectual. Por outro lado, uma pessoa altamente intelectualizada pode estar claramente apresentando declínio em relação a seu funcionamento prévio, e ainda assim apresentar desempenho dentro do esperado 6. Isto não significa que os testes de avaliação não sejam úteis no diagnóstico das demências, mas sim que pode haver falhas em determinadas situações e que podem ser necessários outros métodos.

Além dos aspectos diagnósticos, as escalas servem também para avaliar o efeito de intervenções terapêuticas. Aqui, o uso de escalas que focalizam as alterações na atividade funcional e no comportamento são fundamentais, pois estas são as áreas que tornam as demências mais desgastantes para o cuidador. Por esta razão, a agência americana responsável pela aprovação de novas drogas (Food and Drug Administration - FDA) requer evidência de efeito em uma escala objetiva (tipicamente a bateria de avaliação cognitiva da Alzheimer Disease Assessment Scale - ADAS-cog) e uma escala que leve em consideração atividade funcional e comportamento7. As escalas de impressão de mudança, desde os primeiros estudos de drogas para a DA, mostraram-se os indicadores mais sensíveis de mudanças, quando comparadas com outros instrumentos8.

Um aspecto fundamental no planejamento destas escalas é que elas devem medir mudanças clinicamente significativas, diferentemente, por exemplo, das escalas cognitivas, que, em princípio, detectam qualquer mudança. Assim, o clínico que indica mudança neste tipo de escala em um indivíduo, está indicando "mudança clinicamente significativa e definida"9. Ainda em relação à estrutura da escala, quando mais detalhada ela se tornar, maior a chance de detectar mudanças mais sutis, que podem não ter significado clínico. Portanto o sucesso destas escalas depende de um equilíbrio entre: serem genéricas, mas não a ponto de permitir grau excessivo de subjetividade por parte do investigador e variação muito ampla entre examinadores; e detalhadas, mas não tanto que se tornem "métricas", como as escalas objetivas usadas habitualmente na avaliação cognitiva, que podem detectar mesmo modificações muito pequenas. Deste modo, o maior desafio em relação às escalas de impressão clínica de mudança tem sido manter sua capacidade de descartar modificações sem relevância, mas sem perder a reprodutibilidade.

O uso de escalas de impressão de mudança nas demências começou os primeiros estudos de avaliação do efeito da tacrina10, onde a melhora detectada por um instrumento deste tipo foi selecionada como um dos objetivos alvo. Com a posterior multiplicação de ensaios clínicos, várias escalas diferentes passaram a ser usadas, o que levou o FDA a especificar ainda mais os requisitos para escalas de impressão global de mudança. Neste sentido surgiu a Clinical Interview Based Impression of Change (CIBIC-plus), que avalia o estado clinico global do paciente, em comparação com a linha de base, a partir de entrevista com a própria pessoa e com um cuidador. Mas, ainda assim, a variabilidade dos resultados levantava sérias dúvidas sobre os resultados deste tipo de escala.

A necessidade de realizar estudos em larga escala de novas drogas para demência levou a que, em cooperação com o FDA, fosse criada uma nova escala para avaliar o efeito da tacrina, a Clinician Interview Based Impression (Impressão Baseada na Entrevista Clínica - CIBI)11. Diferente de escalas anteriores, esta define oito itens específicos que devem ser abordados e julgados de acordo com uma escala variando de 1 (muito pior) a 7 (muito melhor). Quase ao mesmo tempo, o Instituto Nacional para o Envelhecimento financiava o Alzheimer's Disease Cooperative Study, consórcio multi-cêntrico entre cujas responsabilidades estava a de "avaliar e, se necessário, melhorar os instrumentos existentes para testar drogas na doença de Alzheimer" 9. Foi como parte deste esforço que a escala ADCS-CGIC (Alzheimer's Disease Cooperative Study – Clinical Global Impression of Change) foi criada. A escala avalia uma série de domínios, para os quais são salientados pontos específicos que podem ser úteis como indicadores de mudança clínica salientados. Considerando a utilidade desta escala, decidimos fazer sua versão para o português.

Método para a tradução: A versão original do ADCS-CGIC 12 foi traduzida para o português por uma empresa especializada em tradução de textos médicos. Esta versão foi em seguida traduzida de volta para o inglês, de modo independente, por dois neurologistas experientes em escalas para demência e fluentes em inglês. As diferenças de tradução foram identificadas e discutidas em painel, considerando as razões para as diferenças e cotejando-as com a forma original em inglês, chegando-se à forma apresentada em anexo.

Método de aplicação da escala: É determinado o estado basal, a partir de entrevistas com o paciente e um informante, sendo considerado informante qualquer pessoa que conheça bem e conviva com o paciente, geralmente o cônjuge ou um filho. É preenchida a primeira parte da escala (CIBIS basal – anexo 1 anexo 1 ) , cujas informações vão servir de referência para determinar, em avaliações posteriores, se houve mudança ou não. Esta avaliação baseia-se na observação de 15 domínios da cognição, comportamento, funcionamento social e atividades da vida diária. Apesar de haver poucos requisitos formais em relação a esta primeira entrevista, é recomendável a avaliação do estado mental, que pode ser feita com testes breves.

Uma vez que a entrevista inicial seja concluída, deve ser registrada a fonte das informações obtidas, que poderá ser a entrevista com o paciente, entrevista com o informante, testes neuropsicológicos, ou outras.

Em cada avaliação subseqüente, o examinador deverá usar um método semelhante para entrevistar o paciente e o informante, o que deve ser realizado separadamente. Além das normas da entrevista de base, o examinador deve ser instruído para não se basear em outros instrumentos de estudo e para não perguntar sobre a impressão do paciente e do informante sobre os efeitos do tratamento ou sobre efeitos colaterais. Também não deve ser discutido o nível de funcionamento do paciente com outros profissionais de saúde que estejam atendendo o paciente. Em estudos experimentais, o avaliador faz duas avaliações de mudança, uma para cada entrevista e são obtidos dois escores, de modo que seja possível determinar qual foi a contribuição do paciente e do informante para o escore final do ADCS-CGIC (anexo 2 anexo 2 ) em cada visita.

O escore do ADCS-CGIC é feito a partir de uma escala com a seguinte graduação:

1 - melhora marcada; 2 - melhora moderada; 3 - melhora mínima; 4 - sem mudança; 5 - piora mínima; 6 - piora moderada; 7 - piora marcada.

Enquanto o tempo para o preenchimento do CIBIS basal pode ser variável, não havendo restrição alguma neste sentido, a obtenção de informações e preenchimento do ADCS-CGIC estão limitados a 20 minutos15.

Considerações finais: Embora a primeira impressão possa ser de que a escala permite um grau excessivo de subjetividade, estudos anteriores 9, acompanhando prospectivamente pacientes com DA, mostraram: confiabilidade tanto a curto como a longo prazo; correlação modesta com outras escalas, como o Mini-exame do Estado Mental 13 e a escala GDS14. Deve ser lembrado que estas são escalas para avaliar gravidade da doença, e não mudança. Seu uso continuado em protocolos de avaliação de terapêutica mostra que este é um instrumento confiável e de fácil aplicação.

Recebido 20 Fevereiro 2003

Recebido na forma final 28 Março 2003

Aceito 14 Abril 2003

Dr. Paulo H.F. Bertolucci - Disciplina de Neurologia, UNIFESP - Rua Botucatu 740 - 04023-900 São Paulo SP - Brasil. E-mail - paulohb@neuro.epm.br

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anexo 1

anexo 2

  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2003

    Histórico

    • Recebido
      20 Fev 2003
    • Aceito
      14 Abr 2003
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