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Instrumentos combinados na avaliação de demência em idosos: resultados preliminares

Combined instruments on the evaluation of dementia in the elderly: preliminary results

Resumos

OBJETIVO: Investigar se a combinação de uma escala de avaliação funcional com um teste cognitivo poderia melhorar a precisão do diagnóstico de demência. MÉTODO: Foram avaliados 30 pacientes com diagnóstico de demência leve a moderada, segundo critérios da CID-10 e DSM-III-R e 46 controles idosos, divididos em grupos segundo seu nível socioeconômico e educacional (alto, médio e baixo). Nos sujeitos foi aplicado o MMSE, e em seus informantes as escalas IQCODE e B-ADL. RESULTADOS: Pela regressão logística, o MMSE isolado classificou corretamente 86,8% dos pacientes e controles (sensibilidade 80% e especificidade 91,3%). A combinação MMSE + IQCODE classificou corretamente 92,1% dos sujeitos (sensibilidade 83,3% e especificidade de 97,8%), e a combinação MMSE + B-ADL classificou corretamente 92,1% dos sujeitos (sensibilidade 86,7% e especificidade 95,7%). CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que a combinação de um teste cognitivo a escalas funcionais pode melhorar a detecção de casos leves ou moderados de demência, mesmo em amostras de população heterogênea com relação ao nível sócio-econômico e educacional como a brasileira.

Demência; diagnóstico; teste cognitivo; escalas funcionais


OBJECTIVE: To determine if a functional scale combined with a cognitive test would improve the diagnostic accuracy of dementia. METHOD: Thirty patients with mild to moderate dementia, diagnosed according to ICD-10 and DSM-III-R criteria, and 46 elderly controls, divided into three groups according to their socioeconomic status and educational level (high, medium and low) were investigated. The subjects were assessed with the MMSE, and their informants were assessed with the scales IQCODE and B-ADL. RESULTS: On the logistic regression, the MMSE isolated classified correctly 86.8% of patients and controls (80% sensitivity and 91.3% specificity). The combination MMSE + IQCODE classified correctly 92.1% of the subjects (83.3% sensitivity and 97.8% specificity), and the combination MMSE + B-ADL classified correctly 92.1% of subjects (86.7% sensitivity and 95.7% specificity). CONCLUSION: The results suggest that the combination of a cognitive test with a functional scale can improve the detection of mild to moderate cases of dementia even on samples of a very heterogeneous population regarding its socioeconomic status and educational level, as the Brazilian.

dementia; diagnosis; cognitive test; functional scales


Instrumentos combinados na avaliação de demência em idosos: resultados preliminares

Combined instruments on the evaluation of dementia in the elderly: preliminary results

Sonia E. Zevallos BustamanteI; Cássio M.C. BottinoII; Marcos A. LopesI; Dionísio AzevedoI; Sérgio R. HototianI; Júlio LitvocIII; Wilson Jacob FilhoIV

Projeto Terceira Idade (PROTER), Instituto e Departamento de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil (FMUSP)

IPós-graduandos do Departamento de Psiquiatria da FMUSP

IIDoutor em Medicina pela FMUSP, Médico assistente, Coordenador do PROTER, FMUSP

IIIDocente do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP

IVDoutor em Medicina pela FMUSP, Diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clinicas da FMUSP

RESUMO

OBJETIVO: Investigar se a combinação de uma escala de avaliação funcional com um teste cognitivo poderia melhorar a precisão do diagnóstico de demência.

MÉTODO: Foram avaliados 30 pacientes com diagnóstico de demência leve a moderada, segundo critérios da CID-10 e DSM-III-R e 46 controles idosos, divididos em grupos segundo seu nível socioeconômico e educacional (alto, médio e baixo). Nos sujeitos foi aplicado o MMSE, e em seus informantes as escalas IQCODE e B-ADL.

RESULTADOS: Pela regressão logística, o MMSE isolado classificou corretamente 86,8% dos pacientes e controles (sensibilidade 80% e especificidade 91,3%). A combinação MMSE + IQCODE classificou corretamente 92,1% dos sujeitos (sensibilidade 83,3% e especificidade de 97,8%), e a combinação MMSE + B-ADL classificou corretamente 92,1% dos sujeitos (sensibilidade 86,7% e especificidade 95,7%).

CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que a combinação de um teste cognitivo a escalas funcionais pode melhorar a detecção de casos leves ou moderados de demência, mesmo em amostras de população heterogênea com relação ao nível sócio-econômico e educacional como a brasileira.

Palavras-chave: Demência, diagnóstico, teste cognitivo, escalas funcionais.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine if a functional scale combined with a cognitive test would improve the diagnostic accuracy of dementia.

METHOD: Thirty patients with mild to moderate dementia, diagnosed according to ICD-10 and DSM-III-R criteria, and 46 elderly controls, divided into three groups according to their socioeconomic status and educational level (high, medium and low) were investigated. The subjects were assessed with the MMSE, and their informants were assessed with the scales IQCODE and B-ADL.

RESULTS: On the logistic regression, the MMSE isolated classified correctly 86.8% of patients and controls (80% sensitivity and 91.3% specificity). The combination MMSE + IQCODE classified correctly 92.1% of the subjects (83.3% sensitivity and 97.8% specificity), and the combination MMSE + B-ADL classified correctly 92.1% of subjects (86.7% sensitivity and 95.7% specificity).

CONCLUSION: The results suggest that the combination of a cognitive test with a functional scale can improve the detection of mild to moderate cases of dementia even on samples of a very heterogeneous population regarding its socioeconomic status and educational level, as the Brazilian.

Key words: dementia, diagnosis, cognitive test, functional scales.

Novas estratégias terapêuticas têm surgido no tratamento da síndrome demencial e em especial da doença de Alzheimer, retardando a progressão dessa doença e possibilitando melhora na qualidade de vida dos pacientes e seus familiares. Essas novas abordagens terapêuticas e a pesquisa de fatores de risco para demência, em estudos epidemiológicos, têm estimulado a busca de instrumentos de rastreio, que permitam identificar na prática clínica e na comunidade os casos leves dessa doença. Infelizmente, muitos dos testes neuropsicológicos usados são extensos, muito complicados, ou necessitam de treinamento especial dos entrevistadores, o que dificulta e, às vezes, impossibilita sua utilização em outras populações1. Idealmente, um teste para exame do estado mental deve ser simples, de rápida aplicação, e passível de reaplicação2.

O uso de instrumentos combinados tem mostrado resultados promissores na melhora da precisão (ou percentagem de classificação correta) do rastreio de demência, em especial da demência leve. Pesquisadores têm investigado tanto a combinação de dois testes cognitivos3 quanto a combinação de um teste cognitivo com uma escala funcional, os quais seriam complementares para a avaliação dos pacientes com suspeita de demência3-5.

No presente estudo, foram combinados um teste cognitivo de utilização universal, o Mini Exame do Estado Mental (MMSE)6, e duas escalas de avaliação funcional, o "Informant Questionnaire of Cognitive Decline in the Elderly" (IQCODE)7 e a Escala Bayer de Atividades da Vida Diária (B-ADL)8, procurando a melhor combinação para identificar possíveis casos de demência. O MMSE foi escolhido por ser teste de fácil aplicação e boa confiabilidade, além de ser instrumento amplamente usado e estudado em vários países. Valores adequados de especificidade com o uso do MMSE no rastreio de demência foram encontrados em pesquisas prévias, com resultados piores em relação aos valores de sensibilidade para o diagnóstico dos casos leves9. O IQCODE é uma das escalas de avaliação funcional mais usadas nos estudos onde são avaliados familiares ou informantes, mostrando bons resultados na detecção de casos de demência, inclusive casos leves5,7. A escala B-ADL foi escolhida por ter sido idealizada para ser aplicada em populações de culturas diferentes, apresentando valores adequados de sensibilidade para a detecção de casos leves de demência8,10.

Os testes cognitivos são influenciados por variáveis sócio-demográficas, tais como idade, escolaridade e nível sócio-econômico2,10, o que dificulta a interpretação de seus resultados em populações heterogêneas, como a brasileira e de muitos outros países em desenvolvimento. A combinação de testes cognitivos e escalas funcionais pode resultar em um instrumento com alta sensibilidade e especificidade no rastreamento de possíveis casos de demência, mesmo numa população heterogênea do ponto de vista sócio-econômico e cultural.

O desenvolvimento de instrumentos adequados à nossa realidade é essencial para desenvolver estudos epidemiológicos consistentes em nosso meio e auxiliar na elucidação diagnóstica na prática clínica, identificando os pacientes em estágios precoces de demência, quando a intervenção terapêutica pode ser mais eficaz.

MÉTODO

Instrumentos

O MMSE6 é teste cognitivo que avalia cinco áreas da cognição: "orientação", "registro", "atenção e calculo", "recuperação", "linguagem". Um escore de 23/24 pontos ou menos, de um máximo de 30, tem sido considerado como indicativo de déficit cognitivo e possível demência. Neste estudo foi utilizada a versão em português para o Brasil traduzida por Bertolucci e colaboradores2.

O IQ-CODE7 é instrumento que avalia o declínio cognitivo, através de entrevista com um cuidador ou alguma pessoa próxima ao paciente. Esta entrevista compreende 26 questões, nas quais o informante avalia o desempenho atual do paciente em diferentes situações da vida diária comparado ao desempenho observado há 10 anos. O informante deve quantificar o desempenho como: "muito melhor", "melhor", "sem mudanças significativas", "pior" ou "muito pior". Os escores variam de 26 a 130 pontos, e o questionário demora cerca de 10 minutos para ser aplicado. A versão em português para o Brasil, usada neste estudo, foi traduzida por um psiquiatra e uma psicóloga com experiência em versão e tradução de textos, sendo essa versão inicial modificada a partir das sugestões de um consenso envolvendo todos os médicos participantes do presente estudo.

A escala B-ADL8 avalia o desempenho atual do paciente em atividades da vida diária. A escala compreende 25 questões, que devem ser completadas por um cuidador ou familiar próximo, numa escala de 1 a 10 pontos. Além da escala de 10 pontos, a categoria "não se aplica" pode ser utilizada naqueles casos nos quais a dificuldade ocorreria devido a qualquer transtorno não cognitivo. Quando o informante não consegue avaliar o paciente em alguma atividade, por não dispor da informação necessária, pode utilizar a categoria "não sabe". O escore total é composto pela soma dos pontos, excluindo as perguntas respondidas como "não sabe" ou "não se aplica" e a divisão desse total pelo número de itens que receberam pontuação. A versão em português para o Brasil utilizada neste estudo foi traduzida e adaptada pelo "MAPI Research Institute"11.

A classificação sócio-econômica dos pacientes nas categorias alta, média ou baixa foi feita utilizando-se os critérios da Associação Brasileira de Pesquisa de Mercado (ABIPEME)13.

A análise dos dados foi feita com o pacote estatístico SPSS for Windows, versão 11.0. Foi feita comparação das médias dos testes isolados, nos diferentes níveis de escolaridade, dividindo os indivíduos em três grupos: um, de baixa escolaridade, com até 4 anos de estudos formais; outro, de 5-11 anos, correspondente a escolaridade média; e um, de alta escolaridade, com mais de 11 anos de estudos. As médias foram depois submetidas ao Teste de Kruskal-Wallis para determinar a significância estatística Para analisar o desempenho dos instrumentos foram utilizadas as Curvas ROC ("Receiver Operating Characteristics") e a Regressão Logística14,15. A curva ROC é a técnica indicada para escolher os pontos de corte mais adequados de um determinado teste, especialmente em estudos com amostras populacionais heterogêneas15,16; indica os diferentes pontos de corte do teste ou escala, segundo seus níveis de sensibilidade (eixo Y) e especificidade (eixo X). As áreas abaixo da curva representam o poder do instrumento para classificar corretamente os indivíduos sadios e os doentes. A Regressão Logística é uma técnica estatística que permite a combinação de valores de variáveis contínuas para predizer o valor de uma variável dependente (p ex: o diagnóstico de demência)15.

O valor preditivo positivo é a proporção de doentes entre aqueles considerados positivos o valor preditivo negativo é a proporção de sadios entre aqueles negativos16.

Todos os participantes e seus familiares assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Sujeitos

Os critérios de inclusão para os pacientes foram: idade mínima de 60 anos; diagnóstico de demência leve ou moderada, segundo critérios da CID-1017 e DSM-III-R18, que tivessem um informante próximo disponível. Todos os pacientes foram recrutados do Ambulatório do Projeto Terceira Idade (PROTER) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), onde estavam em seguimento por pelo menos 6 meses. Antes da aplicação dos testes, os respectivos prontuários foram avaliados por um psiquiatra experiente (CMCB) que revisou os dados clínicos e os diagnósticos.

Os controles eram participantes do Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial (GAMIA) do Serviço de Geriatria do HCFMUSP, com idade mínima de 60 anos, sem doença psiquiátrica ou déficit cognitivo detectáveis pela escala "Self Reporting Questionnaire" (SRQ-20)19 e pelo teste cognitivo "Abbreviated Mental Test Score" (AMTS)20 A escala SRQ-20 mede predominantemente sintomas ansiosos e depressivos, com ponto de corte de 7, para distinguir indivíduos com e sem doença psiquiátrica, tendo sido validada no Brasil por Mari e colaboradores19. O AMTS20 é um teste com 10 questões, que avalia aspectos da cognição, tais como orientação, memória e atenção, com ponto de corte de 8. Os sujeitos selecionados deviam contar com um informante próximo que pudesse preencher as escalas IQCODE e B-ADL.

Três psiquiatras (SEZB, MAL, SRH) e um neurologista (DA), cegos para a avaliação clinica ou triagem inicial, que haviam sido treinados para a aplicação dos testes e escalas descritas acima, entrevistaram os pacientes e controles.

Foram investigados 30 pacientes com diagnóstico de demência leve ou moderada, de acordo com os critérios da CID-10 (17) e DSM-III-R (18), (14 homens e 16 mulheres, média de idade = 73,9 anos; DP= 5,9), e 46 controles (10 homens e 36 mulheres, média de idade = 68,8 anos; DP= 5,4). Os indivíduos foram divididos em três grupos segundo sua classe socioeconômica e nível educacional (alta, média e baixa), como apresentado nas Tabelas 1 e 2.

RESULTADOS

A média do MMSE foi diferente, segundo a escolaridade, apenas nos pacientes com demência, mas não nos controles, nos quais as médias tenderam à igualdade. Nos pacientes com escolaridade até 4 anos a média da MMSE foi de 17,93; nos pacientes com 5 até 11 anos de escolaridade, 20,5; e nos pacientes com alta escolaridade (acima de 11 anos), 25,33. Entretanto, essas diferenças não foram estatisticamente significativas (c2=2,3; p=0,31). Nos indivíduos sem demência não foram encontradas diferenças entre as médias do MMSE, nas várias faixas de escolaridade (c2=0,67; p=0,71). Nos outros instrumentos, em toda a amostra, não foram encontradas diferenças significativas, apesar de existir uma diferença aparente na escala B-ADL, no grupo de pacientes com maior escolaridade, no qual o escore médio foi maior (o que significa maior dificuldade para desempenhar as tarefas), mas sem atingir significância estatística (Tabela 3).

Na análise da sensibilidade e da especificidade de cada instrumento, utilizando a curva ROC, as áreas abaixo da curva dos instrumentos isolados foram muito similares entre si: MMSE = 0,929 (p<0,001); IQCODE = 0,933 (p<0,001); B-ADL = 0,943 (p<0,001) (Figuras 1, 2 e 3). Os respectivos pontos de corte que correspondiam aos pontos da curva mais próximos ao canto superior esquerdo dos gráficos (os pontos que refletiam maior sensibilidade e especificidade), foram: MMSE < 26 (sensibilidade 90%, especificidade 80,4%); IQCODE > 3,41 (sensibilidade 90%, especificidade 89%); B-ADL > 2,59 (sensibilidade 93,3%, especificidade 89%) (Figs 1,2 e 3).




Para comparar os instrumentos, isolados e combinados, foi utilizada a regressão logística, estratégia empregada na maior parte dos estudos que avaliaram a combinação de testes. A regressão logística privilegia a especificidade dos testes e escalas; nas curvas ROC, os pontos de corte tendem a um equilíbrio dos índices de sensibilidade e especificidade.

Quando os instrumentos foram avaliados isoladamente com a regressão logística, o MMSE classificou corretamente 86,8% dos pacientes e controles (sensibilidade 80% e especificidade 91,3%); o IQCODE classificou corretamente 89,5% dos indivíduos (sensibilidade 83,3% e especificidade 93,5%); e a B-ADL classificou corretamente 92,1% dos indivíduos (sensibilidade 83,3 % e especificidade 97,8 %).

Para investigar qual seria a melhor combinação possível, os instrumentos foram avaliados aos pares (MMSE + escala Funcional). Combinando o MMSE com o IQCODE houve melhora importante na precisão diagnóstica quando comparada ao desempenho destes instrumentos isolados - MMSE + IQCODE: precisão de 92,1% (sensibilidade 83,3% e especificidade de 97,8%). Com a combinação do MMSE e a B-ADL, foram classificados corretamente 92,1% dos sujeitos (sensibilidade 86,7% e especificidade 95,7 %) (Tabela 4), resultados superiores aos do MMSE isolado, mas semelhantes aos do desempenho da escala B-ADL isolada.

DISCUSSÃO

O rastreamento de Demência não é tarefa fácil, em especial devido à falta de um teste adequado, que possa servir como "padrão ouro". O teste mais estudado no mundo todo tem sido o MMSE, apesar de seu desempenho ser influenciado por diversos fatores sócio-culturais. Os valores do MMSE nos pacientes com demência no presente estudo foram muito similares aos do estudo publicado por Almeida21, feito no Brasil. Neste, os escores variaram entre 10 e 18 pontos para os pacientes com escolaridade até 4 anos; para os pacientes com até 11 anos de escolaridade, os valores variaram entre 10 e 25, e para os pacientes com escolaridade acima de 12 anos, entre 23 e 3021. No presente estudo, não foram observadas diferenças nos resultados do MMSE nas várias faixas de escolaridade nos controles, talvez devido ao fato de terem sido selecionados idosos livres de doença psiquiátrica. Trata-se, portanto, de amostra diferente daquela avaliada no estudo de Almeida21, que utilizou como controles pacientes com outros transtornos psiquiátricos, encontrando escores do MMSE que variaram nas diferentes faixas de escolaridade. Outra característica que poderia explicar esta discrepância seria o fato de nossos controles fazerem parte de um grupo de indivíduos idosos participantes do GAMIA, permanentemente estimulados e em atividade.

A média superior na escala da B-ADL, obtida nos pacientes com alta escolaridade, que não foi observada nos outros grupos, tanto pacientes quanto controles, pode ter ocorrido devido ao fato de que uma pessoa com escolaridade alta geralmente apresenta performance muito acima da média da população geral nas atividades da vida diária e, portanto, mudanças relativamente pequenas seriam percebidas pelos familiares como mais relevantes.

Os resultados das áreas abaixo das curvas ROC foram similares àqueles obtidos nos estudos publicados por Mackinnon e Mulligan4 e Del Ser8, para o MMSE (0,92). A área abaixo da curva da escala B-ADL foi muito semelhante àquela obtida por Erzigkeit et al. 10, para uma amostra da população espanhola, num estudo de validação da escala feito em três países europeus; a amostra espanhola era a de maior heterogeneidade social e cultural10.

Na análise dos instrumentos isolados, utilizando a regressão logística, os resultados foram similares àqueles obtidos em estudos anteriores, nos quais a performance das escalas funcionais mostrou-se semelhante ou até superior à do MMSE, na avaliação de pacientes com demência4,6,7,8,10.

A análise feita através da regressão logística mostrou melhora na detecção de demência com a combinação de um teste cognitivo a uma escala funcional, sugerindo que existe complementaridade entre esses instrumentos. Com as combinações feitas no presente estudo, a precisão, assim como seus respectivos valores preditivos positivo e negativo, foram muito similares aos de estudos prévios, como o de Mackinnon e Mulligan (MMSE + IQCODE)4. Neste estudo4 foram obtidos valores de sensibilidade de 93 %, especificidade de 81%, valor preditivo positivo de 86 %, e negativo de 91%. Já no estudo de Del Ser8, a sensibilidade foi de 84%, a especificidade de 93%, valor preditivo positivo de 97% e negativo de 70%. Cabe destacar, como já foi mencionado, que a heterogeneidade sócio-econômica foi mais evidente na amostra investigada por Del Ser8, o que poderia explicar ao menos em parte a variação dos resultados encontrada.

Os resultados do presente estudo sugerem que associar um teste cognitivo, como o MMSE, a escalas funcionais, forneceria mais informação do que os instrumentos utilizados isoladamente, melhorando a precisão diagnóstica na avaliação clínica dos pacientes, sem que isso aumente o tempo necessário para essa avaliação. Exceção deve ser mencionada, na amostra investigada, aos resultados obtidos com a escala B-ADL isolada. Entretanto, não se pode desconsiderar a importância da avaliação objetiva do paciente, que deve sempre ser realizada na investigação de um quadro de demência. As escalas funcionais podem ser respondidas pelos informantes, enquanto esperam a avaliação cognitiva de seus familiares, ou, no caso de pacientes desacompanhados, podem ser aplicadas por telefone, devido à sua simplicidade, sem que isso afete performance9.

Uma limitação do presente estudo foi o fato de ter sido feito com uma amostra de doentes em regime hospitalar. Os resultados poderam ser diferentes com amostras, de idosos na comunidade por exemplo. Em nosso meio, Herrera Jr. e colaboradores22 encontraram taxas gerais de prevalência muito semelhantes a taxas de estudos internacionais (7,1%), utilizando como estratégia de rastreamento a combinação do MMSE e uma escala funcional. Esses resultados corroboram os achados de estudos com escalas funcionais7,8, os quais têm demonstrado que estes instrumentos não estariam sujeitos a vieses derivados da escolaridade, o que reforçaria ainda mais a complementaridade com um teste cognitivo. Isto é de particular importância em estudos populacionais de demência, nos quais variações na sensibilidade e na especificidade dos instrumentos utilizados na avaliação determinam variações nas taxas de prevalência e de incidência obtidas. Ao mesmo tempo, as características da população a ser estudada influenciam os níveis de sensibilidade e especificidade dos instrumentos utilizados, o que torna a complementaridade uma estratégia especialmente interessante em população tão heterogênea, com relação ao nível sócio-econômico e educacional, quanto a brasileira.

Recebido 25 Setembro 2002, recebido na forma final 27 Janeiro 2003

Aceito 14 Fevereiro 2003

Agência Financiadora: FAPESP – Auxílio Pesquisa Nr. 01/05959-7

Dra. Sonia Edda Zevallos Bustamante - Instituto de Psiquiatria FMUSP - Rua Dr. Ovídio Pires de Campos sala 4035 - 05403-010 São Paulo SP - Brasil. E-mail: soniazevallos@hotmail.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003

Histórico

  • Revisado
    27 Jan 2003
  • Recebido
    25 Set 2002
  • Aceito
    14 Fev 2003
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