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Granuloma eosinofílico de coluna cervical: relato de caso

Eosinophilic granuloma of the cervical spine: case report

Resumos

Granuloma eosinofílico (GE) é condição benigna de proliferação histiocitária localizada ou multifocal. A ocorrência de lesões na coluna cervical pode variar entre 1,5% e 20% dos casos de GE. Relatamos caso de menina de sete anos de idade e história de cervicalgia há cerca de um mês, torcicolo persistente e postura viciosa do pescoço, com desvio cefálico para esquerda. A tomografia computadorizada revelou lesão expansiva, osteodestrutiva ao nível da hemilâmina esquerda de C2, com invasão do canal raquiano e do plano muscular a este nível. A paciente foi submetida a laminectomia cervical com retirada da lesão com pós-operatório favorável, e melhora da sintomatologia. Foi feita quimioterapia com prednisona, vinblastina e etoposide. Após seis meses, o protocolo foi mantido e associado a metotrexate. A paciente segue sem recidiva há 36 meses.

granuloma eosinofílico; histiocitose-X; coluna cervical; torcicolo


Eosinophilic granuloma (EG) is a benign condition of histocytes proliferation localized or multifocal. It is presents in the cervical spine in 1.5%-20% of the cases of EG. We report the case of a seven-year-old girl that presented with a one month history of cervical pain, persistent wryneck and vicious posture of the neck. A computerized tomography was performed and confirmed the presence of spreading lesion, ostheodestructive to the level of the left laminae of C2, with invasion of the spine and the muscular tissue. A laminectomy was underwent for removal of the lesion. The patient had a good post-operative recovery with improvement of the symptoms. Chemotherapy with prednisone, vinblastine and ethoposide was administred. After six months, this protocol was repeated associaded to methotrexate.The patient improved and had no new symptoms in a follow-up of 36 months.

eosinophilic granuloma; histicyocitosis X; cervical spine; wryneck



Granuloma eosinofílico de coluna cervical

Relato de caso

Eosinophilic granuloma of the cervical spine:

Case report

Manoel Baldoino Leal FilhoI; Aline de Almeida Xavier AguiarII; Bruno Ribeiro de AlmeidaII; Karoline da Silva DantasII; Marcelo Adriano da Cunha e Silva VieiraII; Ricardo Keyson Paiva de MoraisII

Hospital Getúlio Vargas e Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina PI, Brasil

INeurocirurgião

IIEstudante de Medicina da UFPI

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Manoel Baldoino Leal Filho Rua Thomaz Tajra 1222, Edificio Excalibur Apto. 300 64048-380 Teresina PI, Brasil E-mail: manoelbaldoino@uol.com.br

RESUMO

Granuloma eosinofílico (GE) é condição benigna de proliferação histiocitária localizada ou multifocal. A ocorrência de lesões na coluna cervical pode variar entre 1,5% e 20% dos casos de GE. Relatamos caso de menina de sete anos de idade e história de cervicalgia há cerca de um mês, torcicolo persistente e postura viciosa do pescoço, com desvio cefálico para esquerda. A tomografia computadorizada revelou lesão expansiva, osteodestrutiva ao nível da hemilâmina esquerda de C2, com invasão do canal raquiano e do plano muscular a este nível. A paciente foi submetida a laminectomia cervical com retirada da lesão com pós-operatório favorável, e melhora da sintomatologia. Foi feita quimioterapia com prednisona, vinblastina e etoposide. Após seis meses, o protocolo foi mantido e associado a metotrexate. A paciente segue sem recidiva há 36 meses.

Palavras-chave: granuloma eosinofílico, histiocitose-X , coluna cervical, torcicolo.

ABSTRACT

Eosinophilic granuloma (EG) is a benign condition of histocytes proliferation localized or multifocal. It is presents in the cervical spine in 1.5%-20% of the cases of EG. We report the case of a seven-year-old girl that presented with a one month history of cervical pain, persistent wryneck and vicious posture of the neck. A computerized tomography was performed and confirmed the presence of spreading lesion, ostheodestructive to the level of the left laminae of C2, with invasion of the spine and the muscular tissue. A laminectomy was underwent for removal of the lesion. The patient had a good post-operative recovery with improvement of the symptoms. Chemotherapy with prednisone, vinblastine and ethoposide was administred. After six months, this protocol was repeated associaded to methotrexate.The patient improved and had no new symptoms in a follow-up of 36 months.

Keywords: eosinophilic granuloma, histicyocitosis X, cervical spine, wryneck.

Granuloma eosinofílico é doença descrita como condição benigna de proliferação histiocitária localizada ou multifocal, acometendo, principalmente, os ossos do crânio, costelas, mandíbulas, fêmur e coluna vertebral, sendo mais frequente em crianças e adolescentes1-5. Representa 50-60% de um grupo de enfermidades denominadas histiocitose X, cujo denominador comum é o desenvolvimento de lesões granulomatosas em diversos tecidos6,7. Estas enfermidades seriam diferentes expressões do mesmo processo patológico de origem ainda desconhecida3,6,8.

O presente relato tem como finalidade lembrar que uma criança com torcicolo persistente e achados de lesão óssea em coluna cervical, sem história prévia de trauma, pode apresentar granuloma eosinofílico.

CASO

Menina de 7 anos, admitida com história de cervicalgia há um mês, torcicolo persistente e postura viciosa do pescoço, com desvio cefálico para esquerda. A tomografia computadorizada (TC) revelou a presença de lesão expansiva, osteodestrutiva ao nível da hemilâmina esquerda de C2, com invasão do canal raquiano a este nível e do plano muscular (Fig 1). Não foi detectado outro sítio da lesão. A paciente foi submetida a laminectomia para tumor cervical com retirada da lesão, que confirmou os achados de neuroimagem. Foi ressecada a lesão e enviado o material para estudo anatomopatológico. O laudo foi de granuloma eosinofílico. A paciente teve boa evolução pós-operatória, com melhora da sintomatologia. À tomografia no pós-operatório, não foi detectada mais a lesão (Fig 2).



A paciente foi acompanhada pela equipe oncológica e submetida ao "Plano B" do protocolo Alemão de 1983, que consiste em indução e reinduções com prednisona (40mg/m2 por dia, em duas a três doses via oral entre o primeiro e quinto dia), vinblastina (6mg/m2 endovenoso no primeiro dia) e etoposide (150mg/m2 em infusão durante 60 minutos no quinto dia). Após seis meses de tratamento, durante a terapia de manutenção (monoterapia com 6-mercaptopurina 50mg/m2/dia, via oral, dose única a partir do 43º dia de tratamento até dez semanas após a última reindução), a paciente evoluiu com pancitopenia periférica. A medula óssea apresentou hipoplasia de todos os setores, associada à presença de histiócitos. Optou-se pela mudança do protocolo de quimioterapia para o "Plano C" (Plano B associado a metotrexate na dose de 500mg/m2 em infusão de 24 horas no primeiro dia, seguido de manutenção). A paciente evolui bem, terminando a terapia 18 meses após a cirurgia. O exame de reavaliação de coluna cervical não evidenciou recidiva. A paciente não teve sinais de recidiva da lesão em seguimento de 36 meses.

DISCUSSÃO

Histiocitose X é um grupo de doenças de origem desconhecida, caracterizado por proliferação anormal de histiócitos, que inclui a doença de Letterer-Siwe, Hand-Schuller-Christian e o granuloma eosinofílico (GE)1,6,8. O GE seria a forma mais benigna das histiocitose X, acometendo principalmente crianças e adolescentes 6,8,9.

O GE do relato foi encontrado em uma criança do sexo feminino. Na literatura, o GE é mais prevalente em indivíduos de cor branca e gênero masculino3. Embora tenham sido relatados casos em pacientes do gênero feminino2,7,8. A proporção entre homens e mulheres com GE é de aproximadamente 2:14. Oitenta por cento dos pacientes com diagnóstico de GE têm menos de 20 anos4,8,10. Foram descritos raros casos em adultos2,8. A dor é o sintoma mais frequente4,6,11 e aparece em 87% do casos3,4. Podem ocorrer sinais flogísticos no local da lesão6. Quando o GE se localiza na coluna vertebral, podem aparecer comprometimento neurológico e fraturas ou restrição de movimentos3-6,8.

O GE, neste caso, foi encontrado ao nível da hemilâmina esquerda de C2, com invasão do canal raquiano a este nível e do plano muscular. As lesões do GE, geralmente, são confinadas ao esqueleto, deixando os outros órgãos aparentemente intactos6. A participação visceral é rara, mas foram encontrados casos de lesões pulmonares de aspecto nodular do GE sem lesões ósseas associadas6. A coluna vertebral está acometida em 7-15% dos casos, mas o GE pode ser encontrado em outros ossos e tecidos frouxos9. O GE de aparecimento unifocal costuma apresentar-se como lesão solitária no fêmur, crânio, costelas, pélvis ou vértebras8,12. Segundo Silva8, lesões solitárias em uma única vértebra acontecem em 10% dos casos vertebrais; a localização torácica acontece em 54% dos casos e a lombar em 35%. Somente em 11% dos casos a coluna cervical é afetada. Sherk7 acha que o acometimento lombar é mais frequente que o dorsal. O acometimento da coluna cervical, segundo Davidson1, é provavelmente mais frequente que o relatado na literatura.

Ao exame de radiografia simples, o aspecto mais comum do GE em ossos é o de lesão lítica primária de aspecto irregular6. No GE de coluna vertebral, os achados através de radiografia simples e TC costumeiros são: vértebra plana3,13, osteólise de centro ou arco6,10 ou apenas rarefações ósseas6. No GE de coluna cervical, encontram-se frequentemente lesões envolvendo o corpo vertebral, embora muitos autores tenham descrito o acometimento dos elementos posteriores da coluna8,12. Há casos de GE de coluna vertebral sem vértebra plana, com imagem radiológica revelando lesão lítica dos arcos neurais posteriores, apêndices e porção posterior dos corpos vertebrais6.

A intervenção inicial em pacientes com GE na coluna cervical consiste em imobilização com colar cervical, de média a longa duração, e tração cefálica, como medidas antiálgicas4,5,9. A ocorrência de complicações ou progressão da lesão indica a necessidade de se utilizar terapêutica mais agressiva, como radioterapia, quimioterapia e até cirurgia. Neste caso, a paciente foi submetida a laminectomia para tumor cervical e exerese da lesão.

A biópsia pode revelar proliferação histiocitária, infiltrado de eosinófilos, células gigantes multinucleadas e focos de necrose1,4. Alguns autores acreditam que lesões típicas do GE não necessitam de biópsia para o diagnóstico, satisfeitos apenas pelos achados radiográficos5,8. Devido ao desconhecimento da etiologia das lesões ósseas, a biópsia deve ser realizada para o diagnóstico diferencial das seguintes patologias: neuroblastoma, leucemias, sarcomas de tecidos moles, hemangiomas, infecção (como tuberculose), cisto ósseo aneurismático, neurofibromas, schwannomas, doença de Paget, osteoblastomas, sarcomas, doenças imunoproliferativas e doença metastáticas7,13.

A maioria dos autores tem recomendado a prática cirúrgica em GE apenas em casos reservados, como em expansões extra-ósseas com compressão da medula espinhal ou ainda em casos de instabilidade vertebral, com necessidade de reconstrução ou enxerto2,5,8. A indicação cirúrgica pode acelerar ou desencadear a progressão da doença para a forma de Hand-Schuller-Christian, devendo então, ser utilizada somente como método diagnóstico (biópsia)6. A cirurgia, quando indicada, pode ser limitada a biópsia percutânea ou curetagem; a descompressão da medula pode ser conduzida por abordagem via anterior, próximo à espinha cervical, com retirada total ou parcial do corpo vertebral e fusão dos corpos vertebrais vizinhos, ou com laminectomia8.

A corticoterapia revela bons resultados, quando utilizada em período prolongado6. As experiências de uso em curto prazo têm demonstrado boa resolução das lesões em comparação a períodos mais duradouros, entretanto, revela maior taxa de recidivas8. Por outro lado, alguns autores defendem que a corticoterapia em GE é controvertida, sendo necessários ainda estudos para a demonstração da eficácia deste tratamento4. Entretanto, estas mesmas correntes admitem a possibilidade de utilização de corticóides associados a vinblastina, no tratamento inicial de lesões unifocais em crianças.

A radioterapia não é rotina no tratamento das Histiocitose X, estando reservada a casos como: lesões localizadas onde a curetagem é difícil ou resulta em perda de função; lesões grandes onde a curetagem pode ser incompleta; recidivas ou progressão da lesão pós-cirurgia; vértebra plana sintomática e resistência à quimioterapia1,3,4,6,8,10. Há consenso entre a maioria dos autores em relação à faixa de radiação: 450 a 2000 rads, na qual o desaparecimento da sintomatologia ocorre em média com duas semanas de tratamento1,6,8. Entretanto, outros autores relatam a necessidade de doses maiores, de 3000 rads3e 4000 rads2. O desaparecimento dos achados radiográficos geralmente ocorre em período de dois meses a dois anos1,5,10. A recorrência da lesão no mesmo local é mínima; entretanto, o aparecimento de lesões unifocais em outras localidades é comumente relatado6. As principais críticas à radioterapia baseiam-se no fato de o GE unifocal ser benigno e geralmente auto-resolutivo3, devendo a radioterapia ser indicada apenas em pacientes com lesões multifocais biopsiadas8.

A variedade de sinais inespecíficos em pacientes jovens, sem trauma prévio, com história de cervicalgia, torcicolo persistente e lesões osteolíticas ao exame radiológico, deve levar os médicos à suspeita de granuloma eosinofílico de coluna cervical como possível diagnóstico. No presente relato, o tratamento cirúrgico e a complementação com a quimioterapia foram suficientes para resolver o caso.

Recebido 1 Maio 2002, recebido na forma final 21 Agosto 2002

Aceito 5 Setembro 2002.

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  • Endereço para correspondência
    Dr. Manoel Baldoino Leal Filho
    Rua Thomaz Tajra 1222, Edificio Excalibur Apto. 300
    64048-380 Teresina PI, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2003

    Histórico

    • Recebido
      01 Maio 2002
    • Aceito
      05 Set 2002
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