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Ressonância magnética dos cavernomas intraventriculares: aspectos diagnósticos

Magnetic resonance imaging of the intraventricular cavernomas: diagnostic aspects

Resumos

Cavernomas são malformações vasculares que frequentemente acometem a substância branca dos hemisférios cerebrais e tronco encefálico. São angiograficamente ocultas e têm como principal método diagnóstico a ressonância magnética, em que tipicamente se observa nas sequências ponderadas em T2, um halo perilesional hipointenso devido a deposição de hemossiderina no tecido adjacente. A localização ventricular é considerada rara, e suas características de imagem na ressonância magnética diferem, podendo não apresentar tal halo. Apresentamos dois casos nos quais o diagnóstico foi feito somente com exame histopatológico, devido a ausência dos critérios de imagem que permitiriam a suspeita de tal lesão. Os cavernomas devem ser incluidos no diagnóstico diferencial dos processos expansivos intraventriculares, sendo a ressecção cirurgica completa a melhor modalidade de tratamento para estas lesões.

hemangioma cavernoso; cavernoma; neoplasias ventriculares cerebrais; ressonância magnética; malformações arteriovenosas cerebrais


Cavernomas are vascular malformations that typically affect the white matter of cerebral hemispheres and brain stem. They are angiographically occult lesions that depend on magnetic resonance imaging (MRI) for their diagnosis, presenting a hypointense perilesional ring caused by hemossiderin deposition as seen in T2 sequences. The ventricular location is rare, and image features may differ. We present two cases with diagnosis made only by histopathologic examination, due to a lack of classic image findings. Cavernous hemangiomas must be included in the differential diagnosis of intraventricular tumors, and total surgical resection is the treatment of choice. Perilesional ring as demonstrated by MRI, must not be expected when dealing with such lesions.

cavernous hemangioma; cavernoma; cerebral ventricle neoplasms; magnetic resonance; cerebral arteriovenous malformations


Ressonância magnética dos cavernomas intraventriculares

Aspectos diagnósticos

Magnetic resonance imaging of the intraventricular cavernomas:

Diagnostic aspects

Cláudio Esteves TatsuiI; Andrei KoerbelI; Daniel Monte-Serrat PrevedelloI; Ricardo Alexandre HanelII; César Vinícius GrandeII; Marlus Sidney MoroII; João Cândido AraújoIII

Serviço de Neurocirurgia do Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba PR, Brasil

IResidente em Neurocirurgia

IINeurocirurgião

IIINeurocirurgião Coordenador da Residência Médica em Neurocirurgia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Cláudio Esteves Tatsui Rua Alcides Munhoz 433 80810-040 Curitiba PR, Brasil E-mail: claudiotatsui@hotmail.com

RESUMO

Cavernomas são malformações vasculares que frequentemente acometem a substância branca dos hemisférios cerebrais e tronco encefálico. São angiograficamente ocultas e têm como principal método diagnóstico a ressonância magnética, em que tipicamente se observa nas sequências ponderadas em T2, um halo perilesional hipointenso devido a deposição de hemossiderina no tecido adjacente. A localização ventricular é considerada rara, e suas características de imagem na ressonância magnética diferem, podendo não apresentar tal halo. Apresentamos dois casos nos quais o diagnóstico foi feito somente com exame histopatológico, devido a ausência dos critérios de imagem que permitiriam a suspeita de tal lesão. Os cavernomas devem ser incluidos no diagnóstico diferencial dos processos expansivos intraventriculares, sendo a ressecção cirurgica completa a melhor modalidade de tratamento para estas lesões.

Palavras-chave: hemangioma cavernoso, cavernoma, neoplasias ventriculares cerebrais, ressonância magnética, malformações arteriovenosas cerebrais.

ABSTRACT

Cavernomas are vascular malformations that typically affect the white matter of cerebral hemispheres and brain stem. They are angiographically occult lesions that depend on magnetic resonance imaging (MRI) for their diagnosis, presenting a hypointense perilesional ring caused by hemossiderin deposition as seen in T2 sequences. The ventricular location is rare, and image features may differ. We present two cases with diagnosis made only by histopathologic examination, due to a lack of classic image findings. Cavernous hemangiomas must be included in the differential diagnosis of intraventricular tumors, and total surgical resection is the treatment of choice. Perilesional ring as demonstrated by MRI, must not be expected when dealing with such lesions.

Keywords: cavernous hemangioma, cavernoma, cerebral ventricle neoplasms, magnetic resonance, cerebral arteriovenous malformations.

Malformações vasculares se originam a partir do desenvolvimento anômalo da rede vascular no tecido nervoso durante a fase embrionária. Elas são classificadas em 4 grupos, sendo os cavernomas ou angiomas cavernosos um dos subtipos1. Eles tipicamente são encontrados na região subcortical próxima à fissura silviana, nos gânglios da base e no tronco encefálico2-4. A sintomatologia dessas lesões depende de sua localização e a história natural dos cavernomas tem sido melhor caracterizada nos últimos anos, especialmente após o advento da ressonância magnética (RM)5-8.

Até recentemente, haviam sido relatados 45 casos de cavernomas localizados no interior do sistema ventricular, em revisão da literatura9 . Dois novos casos são apresentados, ressaltando-se as características de imagem.

CASOS

Paciente 1. Mulher de 17 anos que apresentou queixa de três episódios de perda da consciência associada a movimentos involuntários dos membros, sugestivos de abalos tônico-clônicos. O seu exame neurológico era normal. Foi solicitada RM que revelou lesão de 15 mm, localizada no átrio do ventrículo lateral direito, isointensa ao córtex cerebral na sequência ponderada em T1 e hiperintensa em T2, com captação homogênea de contraste (Fig 1). Não havia evidência de deposição de hemossiderina nas sequências de proton density e T2–gradient–echo. Ela foi submetida a craniotomia. Através de acesso transcortical ao ventrículo lateral direito foi realizada a ressecção total da lesão. O diagnóstico histopatológico de cavernoma foi confirmado e, 18 meses após a cirurgia, a paciente está assintomática, sem déficits neurológicos.


Paciente 2. Homem de 52 anos com quadro de cefaléia intensa de início agudo, 6 dias antes da admissão. O exame físico revelou rigidez de nuca, sem outros sinais neurológicos. Devido à suspeita de hemorragia subaracnóidea, foi solicitada tomografia computadorizada (TC) que revelou massa de 15 mm de diâmetro, hiperdensa, contendo calcificações e localizada no interior do corno temporal do ventrículo lateral direito. A RM de crânio mostrou que a lesão era isointensa em imagens ponderadas em T1, e hiperintensa em T2. Nas sequências de T2-gradient-echo a lesão era hipointensa, denotando a presença produtos de degradação de hemoglobina no seu interior (Fig. 2). O diagnóstico de cavernoma foi suspeitado. Uma arteriografia cerebral foi normal, excluindo a possibilidade de aneurismas ou outras malformações vasculares associadas. O paciente foi submetido a craniotomia temporal direita e, com um acesso transcortical através do giro temporal médio, a lesão foi removida. O diagnóstico histológico de cavernoma foi confirmado. Vinte e quatro meses após a cirurgia, ele está assintomático e sem déficits ao exame neurológico.


DISCUSSÃO

Cavernomas são lesões bem delimitadas, formadas por múltiplos canais vasculares dilatados. Suas paredes são constituídas de células endoteliais simples e fina camada fibrosa de adventícia. Não possuem camada muscular, lâmina elástica e não existe tecido nervoso no seu interior1,3,5. Eles podem apresentar tromboses, calcificações e frequentemente são encontrados produtos de degradação sanguínea em vários estágios de evolução, sugerindo a ocorrência de repetidos sangramentos no interior da lesão8,10. O encapsulamento e a organização do sangue extravasado pode ser responsável pelo seu crescimento8,11, bem como pela ocorrência de cistos por vezes observados durante a realização de procedimentos cirúrgicos12.

Os cavernomas representam 5 a 16% das malformações vasculares intracranianas13. Eles são mais frequentemente encontrados na região subcortical dos hemisférios cerebrais, gânglios da base e ponte. Outras localizações também são descritas2,3. A topografia intraventricular é considerada rara. Numa recente revisão da literatura, havia 45 casos descritos9. A localização e evolução após o tratamento são demonstradas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.

Os cavernomas parenquimatosos podem causar sintomas relacionados a sangramento agudo, crise convulsiva e déficit neurológico progressivo10. Quando localizados no interior dos ventrículos se manifestam pelo efeito de massa, sangramento intraventricular ou sinais de hipertensão intracraniana por bloqueio da circulação liquórica9,10,12,14. Crises convulsivas são menos frequentemente relatadas14.

Acredita-se que, devido a lesão se localizar no interior da cavidade ventricular, não ser encapsulada e não ter parênquima cerebral circunjacente, ocorra a expansão da mesma por repetidos eventos hemorrágicos10. Alterações na dinâmica da pressão liquórica também podem estar associadas a aumento do tamanho dos cavernomas14. Uma característica marcante do cavernoma, apesar de sua natureza vascular é ser angiograficamente oculto. Na localização ventricular pode se apresentar como uma massa avascular, por vezes causando deslocamento da veia cerebral interna ou artéria cerebral anterior, como uma lesão expansiva suprida por artérias coroidais posteriores dilatadas, ou por acúmulos localizados (blush) observados na fase venosa da angiografia12.

Com o advento da TC, estas lesões passaram a ter seu diagnóstico mais frequentemente realizado. Tipicamente se apresentam como massas hiperdensas, captantes de contraste, podendo conter calcificações e às vezes componente hemorrágico recente12,15. A RM é o exame mais sensível para a sua detecção, permitindo também melhor avaliação das estruturas e relações anatômicas circunjacentes. Caracteristicamente possuem uma área central de hipersinal que corresponde a metahemoglobina, associada a áreas hipointensas causadas por calcificações e fibrose nas imagens ponderadas em T1 e T2. Um anel periférico hipointenso é causado pelo efeito paramagnético da hemossiderina depositada ao redor da lesão devido a repetidos episódios de sangramento prévio16. A captação de contraste pode variar de ausente a muito intensa17.

Nos cavernomas de topografia intracavitária, pode não haver deposição de hemossiderina nas porções da lesão que não mantêm contato com o parênquima cerebral, não ocorrendo assim o típico anel hipointenso perilesional em T214. Este fato, associado à ocorrência de áreas císticas e calcificações, pode levar a confusão diagnóstica e instituição de terapêutica sub-ótima, ineficaz, ou até mesmo deletéria ao paciente9,10. Nos dois casos em parte não havia a presença do anel perilesional hipointenso nas imagens de T2 da RM, a Paciente 1 tendo, como hipótese diagnóstica, um glioma ou um meningeoma.

A apresentação clínica também pode ser heterogênea, não havendo uma síndrome clínica definida9,12. Em nossos dois casos a lesão se localizava no interior dos ventrículos laterais, e não apresentava significativo efeito de massa. A ocorrência de desmaios e crises convulsivas na Paciente 1 pode se relacionar ao efeito obstrutivo ao fluxo liquórico. O Paciente 2 teve seu diagnóstico baseado na investigação de quadro sugestivo de hemorragia subaracnóidea, com TC de crânio demonstrando lesão hiperdensa calcificada no interior do corno temporal do ventrículo lateral direito.

No caso dos cavernomas intraventriculares o diagnóstico diferencial se faz com papiloma de plexo coróide, meningioma, craniofaringioma, ependimoma, astrocitoma pilocítico, adenoma de hipófise, teratomas, neurocitoma central e malformações vasculares14.

O tratamento cirúrgico com a abordagem direta propiciou a ressecção total das lesões e resolução completa dos sintomas apresentados no pré operatório em ambos os pacientes. Estes resultados vão de acordo com a literatura9,10,12,18 e reforçam a indicação cirúrgica destas lesões, cujas melhores evoluções são obtidas com sua ressecção completa. A ausência do halo perilesional hipointenso nas sequências em T2, característico dos cavernomas, não deve necessariamente excluir a possibilidade da presença destes na análise do diagnóstico diferencial por imagem dos processos expansivos intraventriculares.

Recebido 23 Maio 2002, recebido na forma final 15 Agosto 2002.

Aceito 3 Setembro 2002.

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  • Endereço para correspondência
    Dr. Cláudio Esteves Tatsui
    Rua Alcides Munhoz 433
    80810-040 Curitiba PR, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2003

    Histórico

    • Aceito
      03 Set 2002
    • Recebido
      23 Maio 2002
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