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Subtipos clínicos da demência frontotemporal

Clinical subtypes of frontotemporal dementia

Resumos

Três formas clínicas distintas podem ocorrer na demência frontotemporal (DFT): os subtipos desinibido, apático e estereotípico. Cada um apresenta padrão específico de achados clínicos, neuropsicológicos e de neuroimagem, além de manifestar as características centrais desta forma de demência. São relatados três casos clínicos, cada um ilustrando um subtipo da DFT, que foram avaliados neuropsicologicamente e por neuroimagem. Mesmo os casos apresentados sendo exemplos prototípicos de determinado subgrupo, compartilham também algumas características dos outros subgrupos. Assim, pacientes com quadro predominantemente desinibido ou estereotípico podem apresentar um fundo apático, bem como pacientes predominantemente apáticos ou desinibidos podem exibir comportamentos ritualísticos estereotipados. O estágio final da DFT é geralmente dominado por comportamento apático.

demência frontotemporal; neuroimagem; neuropsicologia


Three distinctive clinical presentations can occur in frontotemporal dementia (FTD): disinhibited, apathetic and stereotypic subtypes. Each one shows a specific pattern of clinical, neuropsychological and neuroimaging findings, besides manifesting the core features of this form of dementia. We report three clinical cases, each one an example of a subtype of FTD, that were evaluated by neuropsychological and neuroimaging methods. Even the reported cases being a prototype of a specific subgroup, they can share some features with the others subtypes. According to this, patients with predominantly disinhibited or stereotypic behavior can also show apathy, in much the same way as predominantly apathetic or disinhibited patients can manifest stereotypic ritualistic behavior. The final stage of FTD is generally dominated by apathetic behavior.

frontotemporal dementia; neuroimaging; neuropsychology


SUBTIPOS CLÍNICOS DA DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL

Leonardo Caixeta1 1 Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo SP, Brasil: Médico colaborador; 2 Professor adjunto. , Ricardo Nitrini2 1 Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo SP, Brasil: Médico colaborador; 2 Professor adjunto.

RESUMO - Três formas clínicas distintas podem ocorrer na demência frontotemporal (DFT): os subtipos desinibido, apático e estereotípico. Cada um apresenta padrão específico de achados clínicos, neuropsicológicos e de neuroimagem, além de manifestar as características centrais desta forma de demência. São relatados três casos clínicos, cada um ilustrando um subtipo da DFT, que foram avaliados neuropsicologicamente e por neuroimagem. Mesmo os casos apresentados sendo exemplos prototípicos de determinado subgrupo, compartilham também algumas características dos outros subgrupos. Assim, pacientes com quadro predominantemente desinibido ou estereotípico podem apresentar um fundo apático, bem como pacientes predominantemente apáticos ou desinibidos podem exibir comportamentos ritualísticos estereotipados. O estágio final da DFT é geralmente dominado por comportamento apático.

PALAVRAS-CHAVE: demência frontotemporal, neuroimagem, neuropsicologia.

Clinical subtypes of frontotemporal dementia

ABSTRACT - Three distinctive clinical presentations can occur in frontotemporal dementia (FTD): disinhibited, apathetic and stereotypic subtypes. Each one shows a specific pattern of clinical, neuropsychological and neuroimaging findings, besides manifesting the core features of this form of dementia. We report three clinical cases, each one an example of a subtype of FTD, that were evaluated by neuropsychological and neuroimaging methods. Even the reported cases being a prototype of a specific subgroup, they can share some features with the others subtypes. According to this, patients with predominantly disinhibited or stereotypic behavior can also show apathy, in much the same way as predominantly apathetic or disinhibited patients can manifest stereotypic ritualistic behavior. The final stage of FTD is generally dominated by apathetic behavior.

KEY WORDS: frontotemporal dementia, neuroimaging, neuropsychology.

A demência frontotemporal (DFT) constitui uma forma pré-senil de degeneração primária que atinge preferencialmente as regiões pré-frontais e temporais anteriores do encéfalo1,2. Seu quadro clínico é caracterizado principalmente por alterações de personalidade e do comportamento (manifestações inaugurais e que se mantêm durante toda a evolução), diante de relativa preservação, por anos, das funções mnésticas e vísuo-espaciais, o contrário portanto do que se observa na Doença de Alzheimer3-5.

Embora os pacientes com DFT compartilhem os sintomas centrais que de modo mais importante a caracterizam (início e curso insidiosos com comprometimento precoce da conduta social e pessoal, do insight e das emoções), eles estão longe de constituir um grupo totalmente homogêneo6. Três grandes subgrupos podem ser identificados: 1) desinibido, 2) apático e 3) estereotípico7. O modo como estes diferentes subgrupos evoluem e a sobreposição entre eles no mesmo paciente tem sido pouco descrito na literatura.

MÉTODO

Três pacientes do Ambulatório de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo foram diagnosticados como DFT segundo os critérios de Neary et al.8 e acompanhados longitudinalmente por um período mínimo de 4 anos, com avaliação neuropsicológica e através de métodos de neuroimagem estrutural (TC e/ou RM) e funcional (SPECT - Tomografia Computadorizada por Emissão de Fóton Único).

Caso clínico I (subtipo desinibido)

Aos 52 anos, MC, dona-de-casa semi-analfabeta, inicia alterações de comportamento de forma progressiva. Seus filhos começaram a perceber que sua personalidade havia mudado quando deixou de mostrar contentamento ou qualquer outra emoção com a visita dos filhos, ficando indiferente com a chegada deles. Gradualmente, foi se tornando inadequada, escondendo comida por debaixo da cama, impulsiva, agressiva com os netos (menos tolerante que antes), apresentando prejuízo no insight, elação do humor, hiperoralidade (consumir bebidas alcoólicas, colocar objetos do lixo na boca), descuido da higiene pessoal, pressão de discurso, discurso desconexo, desinibição (conversar com estranhos sem receios, tirar a roupa em locais públicos, demonstrar não saber como se portar em situações sociais), com tendência compulsiva a andar a esmo, insônia, risos imotivados, usando o vaso sanitário para lavar as mãos e beber água. Concomitantemente, exagerava na quantidade de comida que cozinhava, confundia o filho com o marido e vice-versa, queria levar utensílios para a mãe já falecida. Aos 52 anos, "virou criança" (palavras do filho), com incontinência urinária, manipulando o conteúdo das lixeiras e recolhendo restos alimentares e produtos não comestíveis para consumi-los. Confundia sabão com rapadura e comia tudo que se lhe apresentava. Tinha compulsão para manipular os objetos quando colocada em um recinto não familiar. Reduziu progressivamente a produção verbal. Ao ouvir alguma criança chorando, tirava o peito para amamentá-la (comportamento de utilização?). Confabulava (geralmente se utilizando de elementos relacionados à sua vida passada na zona rural) ao ser questionada a respeito de seus atos. Apresentava vários comportamentos repetitivos: manipular as pontas de suas vestes como se as estivesse dobrando, contar os objetos que manipulara, visitar frequentemente o banheiro (sem motivo aparente). Foi primeiramente atendida num serviço de psiquiatria, onde recebeu o diagnóstico de DA. Até há 1 ano saia só de casa e achava o caminho de volta sem problemas.

Ao exame neurológico encontravam-se presentes os seguintes sinais: reflexos nasopalpebral, oro-orbicular, masseteriano, preensão (++/4+), paratonia bilateralmente, discinesia orolingual (provavelmente secundária ao uso de neurolépticos), hipermetamorfose (comportamento de exploração compulsiva de novos ambientes).

Avaliação neuropsicológica ¾ o escore no mini-exame do estado mental (MEEM) caiu de 3 pontos (acertou apenas a nomeação do relógio e da caneta e dobrou a folha de papel ao meio) em abril de 1998 para 1 (junho de 1998) e zero (dezembro de 1998). Dificuldade de controle mental (não conseguiu posicionar os meses do ano numa ordem inversa). No VOSP (teste que avalia habilidades vísuo-espaciais), pôde realizar apenas a bateria de contagem de manchas. Varredura perfeita de todas as pranchas. Conseguiu contar corretamente o número de manchas em praticamente todas as pranchas, porém em três perseverava na contagem e recontava manchas que já havia contado (quando solicitada a realizar novamente a tarefa, fazia-a corretamente). Muitas respostas impulsivas (respondia aleatoriamente, às vezes perseverando na resposta anterior, sem nem mesmo olhar as pranchas); ao ser solicitada uma nova resposta auxiliando na focalização da atenção, acertava a contagem. Não reconheceu fotos de pessoas famosas (Papa, Roberto Carlos, Fernando Henrique Cardoso, Pelé), porém o marido de mesmo nível cultural também não o fez. Reconheceu fotos de si mesma, tanto recentes quanto antigas. Dificuldade grave de abstração e seqüenciação.

Os exames de neuroimagem são mostrados na Figura 1.


Caso clínico II (subtipo apático)

Aos 63 anos, W., secretária aposentada com escolaridade de 11 anos, inicia alteração do comportamento e da linguagem caracterizadas por apatia crescente e perseverações de frases e idéias. Aproximadamente um ano depois, surge progressivamente dificuldade para falar, com redução da produção verbal, bem como bradilalia, disprosódia e latência muito aumentada para respostas. Concomitantemente, se torna mais lenta e indiferente à realização dos afazeres domésticos, mostra traços obsessivos relacionados à limpeza da casa (recolhe partículas ínfimas de sujeira do chão) que convivem contraditoriamente com descuido da higiene pessoal. Engaja-se em comportamentos repetitivos tais como: apagar as luzes da casa, desligar o gás. Exagera na maquiagem (perseveração). Eventualmente, aborda desconhecidos para conversar. Apresenta risos imotivados e pueris. Foi inicialmente diagnosticada como sendo portadora de DA, em decorrência do que fez uso de tacrina até 40 mg/dia por três meses, sem qualquer benefício. Aos 65 anos, surgem incontinência urinária e fecal. O quadro se agravou progressivamente e a paciente se tornou cada vez mais dependente de cuidadores, mesmo para as necessidades mais elementares. A redução da produção verbal evoluiu para mutismo total e surgiram fenômenos ecopráxicos.

Na avaliação neuropsicológica, encontramos um MEEM com escore de 21 pontos (em 30), perdendo um ponto na orientação espacial (nome de uma rua próxima), três pontos na evocação, quatro pontos no cálculo e um ponto na escrita. Lentificação psicomotora importante. "Span" atencional reduzido (apenas quatro dígitos no subteste dígitos diretos do WAIS-R), bem como controle mental prejudicado, como detectado pelo dígitos inversos do WAIS-R. Parafasias semânticas na identificação de figuras, sem no entanto apresentar dificuldade na exploração do campo visual e nem fenômenos de negligência. Habilidade para cálculo dentro dos limites normais se utiliza lápis e papel, caso contrário encontra-se muito prejudicada. Dificuldades graves de abstração. Gnosias visuais, tácteis e para cores normais. Disprosódia, bradilalia. Compreensão normal, tanto quanto a repetição e a leitura. Escrita com alguns erros gramaticais. Fluência verbal para nomes de animais bastante reduzida (3 nomes em um minuto).

Os exames laboratoriais, o líquido cefalorraqueano e o EEG são normais. Os exames de neuroimagem são mostrados na Figura 2.


Caso clínico III (subtipo estereotípico)

Aos 56 anos, E., professora primária aposentada, começa a apresentar alterações de comportamento caracterizadas por suspeita em relação à fidelidade do marido (achava que ele tinha filhos com outra mulher), irritabilidade, desafeição gratuita a pessoas que lhe eram apresentadas, se indispunha freqüentemente com as vizinhas (tais comportamentos não chegavam a ser delírios persecutórios). Concomitantemente, apresentava ora inquietação motora, ora apatia (a primeira apresentação era mais comum), insônia, angústia, ansiedade. Nesta ocasião, fora feito diagnóstico de depressão por psiquiatra, o qual lhe receitou diferentes antidepressivos (imipramina, sertralina) em momentos diversos (o cuidador não se lembra do período nem das doses em que cada antidepressivo foi usado). A paciente ficou mais calma com a medicação, porém não apresentou qualquer outro benefício. Aos 58 anos, aproximadamente, inicia discurso estereotipado, interrogando o marido a respeito das mesmas questões: "que comida eu faço no almoço, o que eu vou fazer?" ou então : "que roupa eu vou usar, que vestido eu vou pôr?". A seguir reverberava até 10 vezes em seqüência: "eu não tenho roupa, eu não tenho roupa...". Quando questionada por que dizia isto (já que estava com o guarda-roupa lotado), respondia de modo reverbigerante: "eu estou assim porque eu não tenho roupa, eu não tenho roupa,...". Antes da doença, jamais questionava o marido a respeito dos pontos expostos acima. Progressivamente foi se tornando mais apática (várias horas deitada na cama, mesmo durante o dia), abolindo atividades que antes lhe geravam muito prazer (assistir TV, leitura), isoladdo-se socialmente, com reações catastróficas de Goldstein (intensa e desproporcional agitação psicomotora diante de problemas banais, como por exemplo quando soube que a empregada iria tirar férias), apresentando síndrome de Godot (excessiva preocupação antecipatória com acontecimentos futuros, por exemplo com a visita mensal ao médico), perdendo a espontaneidade, descuidando-se da higiene pessoal e dos afazeres domésticos, com redução da ingestão alimentar. Tornou-se muito "indecisa" ("dizia que iria para determinado lugar, mas pouco depois desistia" - sic) e dependente dos outros para ordenar atividades básicas ("vamos fazer janta hoje ?", pergunta ao marido, além de solicitá-lo inúmeras vezes ao dia), deixou de ser "briguenta" (sic), tornando-se mais dócil. Há 3 anos começou a apresentar choro imotivado, com mímica de sofrimento (quando interrogada por que chora, responde estereotipadamente: "porque não tenho roupa e não sei o que vai acontecer comigo"). A paciente refere, às vezes, estar com "moleza" ("eu não sei raciocinar") e "depressão", apesar de não saber o que é depressão (parece mais estar repetindo o que lhe foi falado por outrem) e nega outros sintomas depressivos (idéias de menos valia, culpa, suicídio). Apresenta alteração moderada do insight. Tanto a paciente quanto o marido negavam distúrbios de memória, desorientação, confusão de nomes ou de pessoas. Seu psiquiatra a encaminhou para nosso serviço com a hipótese de DFT, uma vez que a paciente apresenta sintomas que não são completamente contemplados pelo diagnóstico de depressão, bem como evolução deteriorante (nunca voltou a apresentar o nível de funcionamento sócio-cognitivo-comportamental pré-mórbido) e ausência de resposta satisfatória ao uso de antidepressivos.

Ao exame neurológico, apresentava reflexos axiais da face exaltados, reflexo de preensão esboçado bilateralmente e reflexo palmo-mentual presente bilateralmente.

Durante a avaliação neuropsicológica, avisava constantemente que queria ir embora, bem como dizia estar com medo por causa da ansiedade de desempenho. Chorou no decorrer da testagem e dizia: "eu não sei fazer nada". Seu MEEM evoluiu de 29 pontos (em 1997) para 28 pontos em 1998. Quanto aos processos atencionais, verificou-se adequada reprodução gráfica de desenhos alternados; todavia, o span atencional para repetição direta de dígitos estava deficitário em função de adição, omissão ou troca de números na resposta fornecida. O controle mental estava oscilante, independentemente de estimulação verbal ou visual. Conseguiu desempenho adequado na tarefa que requeria lidar com material bem conhecido na sua profissão (dizer as letras do alfabeto, p. ex.). O mesmo ocorreu com a seqüência de números através de adequada varredura visual. A repetição de dígitos em ordem inversa e a fluência verbal para a categoria nomes de pessoas situou-se na faixa média-inferior. Por outro lado, verificou-se que a fluência verbal para a categoria também ampla (nomes de animais) ou categoria restrita (letras do alfabeto), assim como o lidar com duas variáveis alternadamente (Teste de Trilhas B) estavam deficitárias. Quanto ao controle inibitório, a paciente necessitou de tempo para se habituar com a tarefa (mesmo quando mais complexa) para responder um tanto melhor. Observaram-se perdas do set que foram automaticamente corrigidas por ela, denotando certo prejuízo na automonitorização. Embora preservada a capacidade de formular conceitos abstratos, não conseguiu manter o controle adequadamente sobre a tarefa. A quantidade de erros (mesmo com orientação externa) não chegou a ser significativa, mas ocorram perdas de "set" que impediram melhor desempenho. As funções motoras estavam prejudicadas: apresentou dificuldade de alternância simultânea bimanual , além de contaminações do movimento anteriormente executado no exigido em determinado momento (perseverações). Quanto às funções visuais, houve adequada percepção de figuras claramente desenhadas, em silhueta, rabiscadas ou mesmo pontilhadas e sobrepostas. Contudo, a análise e síntese visuais, bem como a organização lógico-temporal de estímulos visuais estavam no limite inferior da normalidade, apontando algum prejuízo nesta área. A praxia construtiva estava adequada para cópia de figura tridimensional conhecida (Cubo de Necker) e para reprodução espontânea de desenhos sob comando respeitando a programação e a tridimensão. A transposição de modelo no plano bi para o tridimensional só se tornaria normal se não levássemos o tempo em consideração, por lentidão na execução, além de falta de engajamento para a atividade específica. No quesito memória, os déficits eram proeminentes quando requerida evocação de estímulos visuais; isto fazia com que não se beneficiasse da repetição do estímulo por erros na leitura da gestalt apresentada pelas figuras. A memória verbal para evocação (assim como o processo de aprendizagem áudio-verbal) estavam um tanto mais preservadas, situando-se na faixa médio-inferior na maior parte do teste. Vale salientar que a fixação dos estímulos verbais estava normal e a dos estímulos visuais ficava prejudicada pela ocorrência de falsos reconhecimentos. As funções cognitivas superiores que envolvem abstração verbal estavam preservadas e as que envolvem organização prática nos atos sociais diários situavam-se na faixa médio-superior. A eficiência intelectual estimada situava-se no momento na faixa média da população, com boa preservação da capacidade semântica.

Quanto à linguagem verificamos oscilação na fluência verbal, com dificuldade em responder para categoria restrita (conforme mencionado anteriormente). A nomeação por confronto visual estava prejudicada pela existência de paragnosias visuais (Boston). A capacidade de denominar palavras encontrava-se bastante preservada, sendo bom índice do nível prévio da paciente (Vocabulário do WAIS-R).

Os exames de neuroimagem estão apresentados na Figura 3.


DISCUSSÃO

O subgrupo desinibido é caracterizado, como o nome indica, por um comportamento predominantemente desinibido, seja no seu aspecto motor (inquietação motora, necessidade reduzida de sono, tendência a andar a esmo), afetivo (jocosidade inadequada, elação do humor) ou instintivo (hipersexualidade, hiperfagia, agressividade). Este quadro pode ser confundido com a mória dos pacientes com neurossífilis ou a mania/hipomania dos pacientes portadores do Transtorno Afetivo Bipolar; no entanto na DFT falta a criatividade, o preciosismo, a megalomania dos pacientes bipolares. Nos exames de imagem funcional, estes pacientes geralmente mostram hipoperfusão das regiões orbitofrontais9,10.

O subgrupo apático apresenta um padrão de comportamento que, em muitos sentidos, é oposto ao do descrito anteriormente e, segundo alguns autores, esta oposição configuraria dois extremos (pólos) nos quais estaria situada uma parte dos pacientes (que seriam apenas desinibidos ou apenas apáticos), enquanto a outra parte estaria disposta entre os mesmos, ora mais próximo da desinibição, ora da apatia11-13. Ainda comparando estes dois subgrupos, o diagnóstico deste último tende a ser feito mais tardiamente que o dos pacientes desinibidos, uma vez que as famílias demonstram mais tolerância aos comportamentos apáticos que aos desinibidos (e, portanto, procuram auxílio médico mais precocemente quando diante destes últimos); além disso, estes comportamentos são mais chamativos, despertando a atenção dos familiares para a possibilidade de estarem presenciando um processo mórbido. Este subgrupo se caracteriza pela perda progressiva dos interesses apresentados pré-morbidamente, tornando-se mais isolados, econômicos nas suas manifestações verbais e emocionais, bem como alentecidos mentalmente. Este é o subgrupo que mais apresenta perseverações, sejam verbais ou motoras, como também alterações da prosódia7. Muito frequentemente estes pacientes são diagnosticados como deprimidos, porém a confusão geralmente diminui quando percebemos que a apatia carece de alguns elementos psicopatológicos muito importantes para um diagnóstico fenomenológico típico de depressão, quais sejam: a) o colorido negativista, por vezes catastrófico, que o paciente deprimido empresta ao seu discurso; b) ideação suicida e c) disforia (irritabilidade). O SPECT deste subtipo geralmente evidencia uma hipoperfusão frontal dorsolateral14.

O subgrupo estereotípico é caracterizado por comportamentos repetitivos que tomam grande parte do quadro clínico, além de geralmente exibirem sintomas extrapiramidais mesmo em estádios relativamente iniciais da DFT. Este subtipo está relacionado às alterações estriatais e temporais mais do que às corticais frontais7.

É preciso notar, no entanto, que tais subgrupos não são completamente puros, existindo sobreposição de sintomatologia, mormente nas fases intermediárias e tardias da doença, quando não é incomum encontrarmos, por exemplo: a) pacientes com um quadro predominantemente desinibido ou estereotípico, porém sobre um fundo apático (como no Caso I e III, respectivamente); b) pacientes predominantemente desinibidos ou apáticos com comportamentos ritualísticos estereotipados (como no Caso I e II, respectivamente).

Recebido 10 Janeiro 2001. Aceito 14 Abril 2001.

Dr. Leonardo Caixeta - Rua J62, quadra 115, lote 5, Setor Jaó - 74674-280 Goiânia GO - Brasil. E-mail: fabros@visars.com.br

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  • 1
    Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo SP, Brasil:
    Médico colaborador;
    2
    Professor adjunto.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2001
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Aceito
      14 Abr 2001
    • Recebido
      10 Jan 2001
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