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Neuropatias do nervo acessório espinhal secundárias a cirurgias cervicais: estudo clínico e eletrofisiológico de sete casos

Extracranial spinal accessory nerve palsy following neck surgery: a clinical and electrophysiological study of seven cases

Resumos

Lesões do nervo espinhal são incomuns e na maioria das vezes iatrogênicas. São mais usualmente encontradas após procedimentos cirúrgicos no triângulo cervical posterior, principalmente biópsias de linfonodos. Apresentamos sete casos de neuropatia do nervo espinhal secundária a cirurgias, estudados mediante eletromiografia (EMG) quantitativa e exames eletrofisiológicos complementares. Em todos os pacientes estava afetado o feixe superior do trapézio, com ombro caído ou limitação para elevação do braço. Dor e queixas sensitivas estavam presentes em quase todos os pacientes e muito provavelmente decorriam de lesão associada dos ramos cutâneos do plexo cervical. O padrão de lesão correpondeu àquele da axonotmese, mas alguns pacientes exibiam sinais de compressão por tecido cicatricial. Salientamos a necessidade de exploração cirúrgica e reparo do nervo nos casos com recuperação lenta.

nervo acessório-espinhal; neuropatias iatrogênicas; eletrofisiologia; eletromiografia quantitativa; cirurgia cervical; triângulo cervical posterior


After innervating the sternocleidomastoid muscle, the spinal accessory nerve emerges and down crosses the posterior cervical triangle to innervate the trapezius. At the posterior triangle, the nerve is closely related to local lymph nodes and may be injured by their enlargement or surgical removal. Injury to this nerve is uncommom. Most cases are iatrogenically due to surgical procedures in the posterior cervical triangle, often following lymph nodes biopsies or benign turmors approaches. We present seven cases of post-surgical related spinal accessory nerve injury and discuss its clinical and electrophysiologycal profiles. The major motor signs were shoulder drop and paresis to raise arm. Pain and sensory complaints were almost universal and most probably due to concomitant injury of cervical plexus cutaneous branches, which are in direct relation to the spinal accessory nerve in the posterior cervical triangle. Lesion type is usually axonotmesis, but varied degrees of compression by cicatricial spurs are observed in some patients. Surgical approach and nerve repair must be considered for pacients with delayed recovery.

spinal accessory nerve; nerve injury; electrophysiology; quantitative electromyography; neck surgery; posterior cervical triangle


NEUROPATIAS DO NERVO ACESSÓRIO ESPINHAL SECUNDÁRIAS A CIRURGIAS CERVICAIS

ESTUDO CLÍNICO E ELETROFISIOLÓGICO DE SETE CASOS

JOSÉ L. ALONSO* * Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo "Francisco Morato de Oliveira" (HSPE). Chefe da Seção de Eletrodiagnóstico do Serviço de Neurologia do HSPE; ** Médico do Serviço de Neurologia do HSPE e do Setor de Eletromiografia da Seção de Eletrodiagnóstico do Serviço de Neurologia do HSPE. Aceite: 19-abril-2000. , ROGER G. REIS** * Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo "Francisco Morato de Oliveira" (HSPE). Chefe da Seção de Eletrodiagnóstico do Serviço de Neurologia do HSPE; ** Médico do Serviço de Neurologia do HSPE e do Setor de Eletromiografia da Seção de Eletrodiagnóstico do Serviço de Neurologia do HSPE. Aceite: 19-abril-2000.

RESUMO - Lesões do nervo espinhal são incomuns e na maioria das vezes iatrogênicas. São mais usualmente encontradas após procedimentos cirúrgicos no triângulo cervical posterior, principalmente biópsias de linfonodos. Apresentamos sete casos de neuropatia do nervo espinhal secundária a cirurgias, estudados mediante eletromiografia (EMG) quantitativa e exames eletrofisiológicos complementares. Em todos os pacientes estava afetado o feixe superior do trapézio, com ombro caído ou limitação para elevação do braço. Dor e queixas sensitivas estavam presentes em quase todos os pacientes e muito provavelmente decorriam de lesão associada dos ramos cutâneos do plexo cervical. O padrão de lesão correpondeu àquele da axonotmese, mas alguns pacientes exibiam sinais de compressão por tecido cicatricial. Salientamos a necessidade de exploração cirúrgica e reparo do nervo nos casos com recuperação lenta.

PALAVRAS-CHAVE: nervo acessório-espinhal, neuropatias iatrogênicas, eletrofisiologia, eletromiografia quantitativa, cirurgia cervical, triângulo cervical posterior.

Extracranial spinal accessory nerve palsy following neck surgery: a clinical and electrophysiological study of seven cases

ABSTRACT - After innervating the sternocleidomastoid muscle, the spinal accessory nerve emerges and down crosses the posterior cervical triangle to innervate the trapezius. At the posterior triangle, the nerve is closely related to local lymph nodes and may be injured by their enlargement or surgical removal. Injury to this nerve is uncommom. Most cases are iatrogenically due to surgical procedures in the posterior cervical triangle, often following lymph nodes biopsies or benign turmors approaches. We present seven cases of post-surgical related spinal accessory nerve injury and discuss its clinical and electrophysiologycal profiles. The major motor signs were shoulder drop and paresis to raise arm. Pain and sensory complaints were almost universal and most probably due to concomitant injury of cervical plexus cutaneous branches, which are in direct relation to the spinal accessory nerve in the posterior cervical triangle. Lesion type is usually axonotmesis, but varied degrees of compression by cicatricial spurs are observed in some patients. Surgical approach and nerve repair must be considered for pacients with delayed recovery.

KEY WORDS: spinal accessory nerve, nerve injury, electrophysiology, quantitative electromyography, neck surgery, posterior cervical triangle.

O XI nervo, depois da sair da cavidade craniana pelo orifício jugular, divide-se em dois ramos denominados anterior e posterior. O ramo posterior recebe o nome de nervo acessório e une-se ao X nervo ou nervo vago, distribuindo-se com ele . O ramo anterior, mais volumoso, recebe o nome de espinhal; depois de passar atrás da veia jugular interna e dos músculos digástrico e estiloióideo, inerva o esternocleidomastóideo. Emerge, então, no trígono cervical posterior subjacente a sua fáscia e cursa até à fossa supraclavicular, a uma distância de dois cm da clavícula, penetrando na porção superior do trapézio, inervando-o1. Ao longo desse percurso, o nervo espinhal está em estreita relação com a rede linfática cervical2. As extirpações de linfonodos para fins diagnósticos, especialmente daqueles situados no triângulo cervical posterior3-5, podem lesar esse nervo. Outros procedimentos cirúrgicos nessa área anatômica que podem provocar paralisias do nervo espinhal incluem cirurgias radicais do pescoço6, extirpação de lipomas3,4, linfangiomas4, fibromas, linfomas e sarcomas5. Cateterismos da veia jugular interna7, endarterectomias da carótida interna5,8,9, cirurgias plásticas da face5,8, contusões10, trações5,11, ferimentos cortantes e por armas de fogo5 e luxações traumáticas da clavícula12 são causas menos comuns de acometimento desse nervo. O nervo pode também ser afetado na hanseníase5 e, agudamente, na neuralgia braquial amiotrófica4. Paralisias isoladas, ocorrendo de forma espontânea, parecem representar formas focais da neuralgia braquial amiotrófica e provavelmente compartilham a mesma etiopatogenia13.

Os relatos de neuropatia do nervo espinhal são pouco frequentes. Donner e Kline5, na maior série publicada, coletaram apenas 83 pacientes num período de 12 anos. A maioria dos estudos publicados baseia-se, assim, em casos isolados ou séries pequenas de pacientes, a maioria deles não submetidos a estudos neurofisiológicos detalhados.

A finalidade deste estudo é apresentar os dados clínicos e eletrofisiológicos e comentar a provável fisiopatologia em sete pacientes que, depois de submetidos a cirurgias cervicais, apresentaram comprometimento do nervo espinhal. Alertamos para a possibilidade dessa neuropatia nos pacientes submetidos a cirurgias cervicais, principalmente as realizadas no trígono posterior.

MÉTODO

Avaliamos sete pacientes com lesões do nervo acessório espinhal, com envolvimento concomitante do plexo braquial em alguns deles, decorrentes de cirurgias cervicais. Foram submetidos a exame clínico neurológico e estudo neurofisilógico. Os exames de eletromiografia (EMG) foram realizados com eletrodos de agulha concêntricos Dantec 13L50, de 0, 65 milímetros (mm) de diâmetro e área de registro de 0.07 mm2. Os potenciais de ação de unidades motoras (pa) foram registrados durante o esforço leve e analisados pela técnica descrita por Alonso14,15 e usada em nosso laboratório. Nas medidas de neurocondução sensitivas e motoras dos demais nervos empregaram-se técnicas convencionais já estabelecidas, utilizando-se eletrodos de captação de superfície. A latência do nervo espinhal foi avaliada pela técnica descrita por Ma e Liveson16, utilizando o eletrodo de agulha citado acima.

Casos

Caso 1. Homem de 36 anos, examinado 90 dias após biópsia de linfonodo no trígono cervical posterior direito. Imediatamente depois da biópsia, notou dor no ombro e paresia da elevação do braço do mesmo lado. Observava-se ao exame: ombro caído, hipotrofia do feixe superior do trapézio (Fig 1), e cicatriz transversa da biópsia, rodeada por área anestésica (Tabelas 1 e 2). EMG: Hipotrofia neurogênica com pa sobreviventes de padrão neurogênico de reinervação no feixe superior do trapézio direito (Tabela 3). Eletromiogramas dos músculos deltóide direito e feixe superior do trapézio esquerdo normais. Redução grave da neurocondução do nervo espinhal direito (Tabela 4). Neurocondução dos nervos axilar direito e espinhal esquerdo normais. Sequela de degeneração axonal parcial, com sinais de provável compressão no nível da cicatriz cirúrgica, do nervo espinhal direito.


Caso 2. Homem, 52 anos, examinado 96 dias depois da extirpação de lipoma da base lateral direita do pescoço. Cerca de 30 dias após a cirurgia passou a apresentar dor moderada e contínua no ombro direito. Ao exame, cicatriz cirúrgica transversa de aproximadamente 4 cm e escápula direita algo mais saliente que a esquerda (Tabelas 1 e 2). EMG: Predomínio de pa de padrão neurogênico no feixe superior do músculo trapézio direito (Tabela 3) e eletromiogramas normais nos restantes músculos examinados. Medidas de condução motoras e sensitivas dos nervos mediano, ulnar, e radial superficial direitos normais. Sequela de degeneração axonal parcial do nervo espinhal direito.

Caso 3. Mulher de 38 anos examinada 274 dias após biópsia de grande linfonodomegalia cervical na porção anterior do triângulo posterior esquerdo. Imediatamente depois desse procedimento cirúrgico, apresentou paralisia do plexo braquial do mesmo lado. Trinta dias após a cirurgia recebeu 22 aplicações de radioterapia. Posteriormente foi internada e recebeu o diagnóstico final de linfoma não-Hodgkin, iniciando quimioterapia (Tabela 1). Apresentava dor no ombro e membro superior esquerdos. Observava-se extensa cicatriz transversa cervical, estendendo-se desde o ápice do triângulo posterior até a inserção esternal do músculo esternocleidomastóideo (Fig 2). No exame neurológico notava-se ptose palpebral à esquerda, paralisia e hipotrofia da mão esquerda (nervos ulnar e mediano), dos flexores e extensores do antebraço e da elevação do braço. (Tabela 2). Reflexos do membro superior esquerdo e aquileu direito abolidos, reflexos estilorradial e bicipital direitos e aquileu esquerdo hipoativos e demais normoativos. EMG: Desenervação completa dos músculos 1º interósseo dorsal da mão, extensor comum, e flexor superficial dos dedos esquerdos; desenervação parcial acentuada dos músculos tríceps e bíceps; hipotrofia com pa sobreviventes de padrão neurogênico de reinervação nos músculos deltóide, infraespinhoso e feixe superior do trapézio (Tabela 3) esquerdos. Inexcitabilidade dos segmentos distais sensitivos e motores dos nervos ulnar e mediano esquerdos e do nervo radial superficial direito; redução moderada da neurocondução sensitiva do nervo fibular superficial direito e do nervo espinhal esquerdo (Tabela 4). Degeneração axonal completa dos troncos médio e inferior e parcial, em estágio de restauração, do tronco superior do plexo braquial esquerdo. Sequela de degeneração axonal parcial, acompanhada de sinais de provável compressão no nível da cicatriz cirúrgica do nervo espinhal esquerdo, em paciente com indícios de polineuropatia predominantemente sensitiva.


Caso 4 . Homem de 42 anos examinado 115 dias depois de exérese de lipoma na base do triângulo cervical posterior direito. O procedimento cirúrgico seguiu-se de paralisia da elevação do braço direito, parestesias e dores intensas no ombro, braço e antebraço do mesmo lado. Cicatriz cirúrgica tranversa e dolorosa que se estendia desde a borda superior do ombro até a borda posterior do esternocleidomastóideo (Tabela 1 e 2). EMG: Predomínio de pa de reinervação (100% de pa polifásicos) no feixe superior do trapézio direito (Tabela 3). Nos músculos infraespinhoso e deltóide direitos eletromiogramas normais. Retardo grave da neurocondução do nervo espinhal direito (Tabela 4). Sequela de degeneração axonal parcial (axonotmese) do nervo espinhal direito em estágio de reinervação, provavelmente complicada por compressão pela cicatriz cirúrgica.

Caso 5. Homem de 28 anos examinado 118 dias após cirurgia de tuberculoma ósseo da cabeça do úmero direito. No pós-operatório, agravou-se uma paresia da elevação do braço direito que já apresentava anteriormente. Estava há três anos em tratamento de linfoma de Hodgkin. Havia sido submetido a cinco biópsias de linfonodos do triângulo cervical posterior direito, a primeira sete anos e a última dois meses antes do exame de EMG (Tabelas 1 e 2). EMG: Desenervação parcial acentuada do músculo deltóide direito, com pa sobreviventes de padrão neurogênico de reinervação avançada. No feixe superior do trapézio direito predominavam pa de padrão neurogênico de reinervação (Tabela 3). Redução grave da neurocondução do nervo axilar direito, com latência de 13 ms (normal até 4 ms), e moderada do nervo espinhal direito, com onda M acentuadamente dispersa (Tabela 4 e Figura 3) . Sequela de degeneração axonal parcial dos nervos axilar e espinhal direitos, esta última com mais tempo de evolução.


Caso 6. Mulher de 42 anos que depois de realizar biópsia de linfonodo no triângulo posterior direito do pescoço, que foi normal, apresentou dor intensa e queda do ombro do mesmo lado. EMG: Atividade espontânea de potenciais de ação de fibras musculares desenervadas (pontas positivas) no feixe superior do músculo trapézio direito. Apenas foram obtidos alguns pa distantes do eletrodo durante o máximo esforço (Tabela 3). O nervo espinhal direito era inexcitável quando estimulado proximalmente à cicatriz cirúrgica e excitável quando estimulado distalmente à mesma, com latência gravemente aumentada e onda M diminuída e dispersa (Tabela 4). Medidas de condução e ondas M dos nervos espinhal esquerdo e ulnar direito normais; ondas F do nervo ulnar direito normais. Neuropatia compressiva grave do nervo espinhal direito. A paciente foi submetida a exploração cirúrgica que confirmou diagnóstico de compressão do nervo espinhal por tecido cicatricial. Aos 159 dias da cirurgia reparadora realizou-se novo exame de EMG. Nessa ocasião a paciente continuava com o ombro caído e doloroso. A dor havia se acentuado e apresentava dificuldades para escrever. EMG: Ausência de atividade eletromiográfica espontânea e voluntária no feixe superior do trapézio direito (Tabela 3). Predomínio de pa normais no feixe médio do trapézio e 1o interósseo dorsal da mão à direita e no feixe superior do trapézio esquerdo. Nervo espinhal direito excitável a estímulos proximais à cicatriz da biópsia, tendo melhorado o tempo de latência e normalizado a duração da onda M, ainda que sua amplitude continuasse diminuída (Tabela 4). Persistia a neuropatia do nervo espinhal direito, por provável neuropraxia das unidades motoras do feixe superior do trapézio mas com melhora em relação ao exame de EMG pré-operatório. Após um período de 407 dias da cirurgia reparadora, a paciente sentia-se recuperada: a dor havia cessado e o trofismo e a força do trapézio direito estavam normais.

Caso 7. Mulher de 48 anos examinada 83 dias depois de biópsia de linfonodo do trígono cervical posterior. No pós-operatório imediato apresentou dor cervical e nucal. Nos dias subsequentes, houve intensificação do quadro doloroso e fraqueza para elevar o membro superior direito. Observava-se cicatriz cirúrgica, sem sinais inflamatórios, de aproximadamente três centímetros, acompanhando o eixo maior do triângulo posterior. Déficit do músculo trapézio direito, com paresia acentuada da elevação do braço acima do ombro. EMG: Na porção superior do músculo trapézio direito registrava-se numerosa atividade espontânea de fibrilações e escassa atividade voluntária constituída de pa de duração normal e amplitude diminuída durante o máximo esforço (Tabela 3). Ramo do nervo espinhal direito para o músculo trapézio inexcitável (Tabela 4). Eletromiogramas dos músculos dos membros superiores e do esternocleidomastóideo direito e demais medidas de neurocondução estavam normais. Degeneração axonal parcial grave do nervo espinhal direito. Examinada novamente aos 112 e 442 dias após a cirurgia, com exame evidenciando padrão neurogênico de reinervação avançada. Sequela de degeneração axonal parcial grave do nervo espinhal direito satisfatoriamente restaurada.

DISCUSSÃO

As características anatômicas do nervo acessório espinhal explicam por que os procedimentos cirúrgicos na região cervical, especialmente aqueles realizados no triângulo posterior, causam frequentemente paralisias desse nervo. A biópsia de linfonodos é o procedimento cirúrgico mais comum nessa região anatômica e responsável pela maioria das neuropatias iatrogênicas do nervo espinhal2-5, como aconteceu em cinco dos nossos sete casos. Os lipomas podem alcançar grandes dimensões difíceis de avaliar clinicamente13 e costumam envolver nervos periféricos. Por esses motivos, a extirpação de lipomas da região cervical é outra causa frequente dessas paralisias3,4, fato que se deu em dois de nossos pacientes (Tabela 1).

Na literatura consultada são poucas as referências a paralisias do plexo braquial secundárias a biópsias de linfonodos cervicais. Esta grave complicação se deu no Caso 3, no qual a incisão cirúrgica era incomumente extensa e profunda, envolvendo o ponto de Erb, onde se localizava a linfonodomegalia (Fig 2). Além disso, a paciente tinha diagnóstico de linfoma. Os linfomas18 têm a capacidade de comprimir ou infiltrar diretamente raízes e nervos, o que pode ter acontecido com o plexo braquial esquerdo de nossa paciente antes da biópsia . Os sinais de polineuropatia moderada e predominantemente sensitiva que também apresentava nossa paciente são descritos nos linfomas18. Essas duas patologias devem ter facilitado e agravado a paralisia do plexo braquial. O tratamento radioterápico não deve ter influenciado. As lesões plexuais secundárias à radioterapia5 se manifestam tardiamente, depois de anos de evolução, circunstâncias que não se deram neste caso.

As lesões dos nervos espinhais dos Casos 3 e 5 passaram despercebidas ao exame clínico e foram descobertas pelo exame de EMG. O exame foi motivado pelas graves paralisias de outros nervos periféricos apresentadas por estes dois pacientes. No Caso 3, a lesão do nervo espinhal deve ter sido provocada diretamente pela extensa incisão cirúrgica, que cruzava o trajeto do nervo (Fig 2). No Caso 5, a lesão do nervo espinhal foi relacionada com as cinco biópsias realizadas no triângulo cervical posterior do mesmo lado. As pequenas cirurgias do triângulo posterior precisam ser feitas cuidadosamente por cirurgiões experientes e em salas cirúrgicas bem equipadas. Evitando-se incisões transversas, e com o cuidado de não lesar o nervo espinhal, como propõem Leipzig e col.6 nas cirurgias radicais de câncer do pescoço.

Merece comentário o fato de seis dos nossos casos apresentarem distúrbios sensitivos no ombro e pescoço (Tabela 2). Os Casos 2 e 4 apresentavam respectivamente área anestésica e dor ao nível da cicatriz. Sintomas dolorosos costumam acompanhar as neuropatias iatrogênicas do nervo espinhal3,5,7-9 e são usualmente considerados como decorrentes da paresia do trapézio, que causaria alterações da biomecânica da cintura escapular e consequente tração das estruturas ligamentares e, talvez, do próprio plexo braquial. Contudo, nos parece mais provável que os sintomas dolorosos sejam causados pela lesão concomitante dos ramos sensitivos do plexo cervical. Todos os maiores nervos cutâneos do plexo cervical (occipital menor, auricular magno, transverso do pescoço e supraclaviculares) emergem próximo ao terço médio da borda posterior do esternocleidomastóideo, em relação estreita com o nervo espinhal. Apenas o Caso 5, com lesão dos nervos axilar e espinhal, não apresentava queixas sensitivas. Os seis restantes casos seriam mais corretamente considerados multineuropatias sensitivo-motoras resultantes de lesões do nervo espinhal e de ramos sensitivos do plexo cervical.

Os sintomas motores encontrados em nossos casos (Tabela 2) e os descritos na literatura2,9,11,19,20 não são uniformes. Os casos 1 e 3 apresentavam paralisia da elevação do braço e ombro, que no Caso 1 se acompanhava de hipotrofia grave do feixe superior do trapézio (Fig 1); os Casos 4, 5, e 7, paralisias da elevação do braço; o Caso 6 apenas déficit da elevação do ombro e o Caso 2, discutível escápula alada. Está demonstrado mediante a EMG que o músculo trapézio é responsável pela elevação do ombro e, por meio do seu feixe superior, participa do movimento de elevação do braço21,22.Todavia, nesse movimento participam também os músculos deltóide, principalmente seu feixe médio, supraespinhoso23 e infraespinhoso (observações pessoais). Por estes motivos, a paresia da elevação do braço secundária a mononeuropatia do nervo espinhal pode passar despercebida, ficando compensada pela ação dos restantes músculos elevadores do braço. Mas, quando todos ou vários desses músculos elevadores estão comprometidos, como aconteceu nos casos 3 e 5, as paralisias são graves e facilmente percebidas no exame clínico. O déficit de força da elevação do braço foi o sinal mais encontrado (Tabela 2). Alguns livros-texto de anatomia2 e neurologia19 referem como sinal principal de lesão do nervo espinhal a paralisia da elevação do ombro, que costuma ser o sinal mais pesquisado na semiologia neurológica. Achamos que é recomendável avaliar também a força da elevação do braço20 e conferir a possível presença de escápula alada.

Eletromiografia quantitativa (EMG)

Os eletromiogramas de esforço leve dos músculos trapézios afetados dos Casos 1, 2, 3, 4, 5 e 7 apresentaram desvios significativos de comprometimento neurogênico14,15,24. Esses desvios estavam constituídos de sinais de desenervação parcial, que se manifestavam pela diminuição do número de pa por segundo e pelo predomínio de pa de duração aumentada. A causa mais comum do aumento da duração dos pa resulta de fenômenos de reinervação intramuscular a partir de unidades motoras sobreviventes. Outro indicador dessa reinervação era o acentuado aumento da porcentagem de pa polifásicos nos Casos 1, 3, 4, 5,e 7 (Tabela 3).

Os achados de atividade involuntária de unidades motoras desenervadas e eletromiogramas de máximo esforço rarefeitos, em alguns dos músculos trapézios dos casos acima comentados, estavam de acordo e complementavam os resultados da análise de pa desses casos. Deste modo, fica bem definido que esse grupo de pacientes apresentava sequelas de degeneração axonal parcial acentuada, em estágio de reinervação, de acordo com tempo de evolução de 90 a 274 dias (Tabela 3). Esses fenômenos de restauração espontâneos indicam que não havia solução da continuidade anatômica dos nervos espinhais e, por conseguinte, o padrão de lesão correspondia ao da axonotmese. A evolução para a restauração completa, clínica e eletromiográfica, do Caso 7, demonstrada por três exames consecutivos realizados dentro dos primeiros 442 dias de evolução, pode servir de modelo de neuropatia por degeneração axonal grave por axonotmese do nervo espinhal.

Medidas de condução e ondas M do nervo espinhal

No primeiro exame realizado nos Casos 6 e 7 os nervos espinhais eram inexcitáveis no lado afetado. Mas, no Caso 6, quando novamente estimulado distalmente à cicatriz obtinha-se resposta de latência acentuadamente prolongada (Tabela 4). Constituía, portanto, um bloqueio acentuado da neurocondução no nível da cicatriz cirúrgica ou, com outras palavras, um forte componente de neuropraxia secundário a compressão do nervo espinhal por tecido cicatricial. Essa patologia tinha sido sugerida pelo exame de EMG que registrou no músculo trapézio alguns potenciais de fibras musculares desenervadas (pontas positivas) e escassa atividade voluntária distante do eletrodo e conseguida durante o máximo esforço (Tabela 3). O diagnóstico eletrofisiológico de neuropatia predominantemente compressiva do nervo espinhal foi confirmado pela exploração cirúrgica desse nervo. No caso 7 a inexcitabilidade do nervo espinhal estava de acordo com o quadro eletromiográfico de degeneração axonal grave desse nervo, como já foi comentado.

Em todos os casos, as latências mínimas dos nervos espinhais estavam aumentadas. Com exceção do Caso 7, esse aumento era de mais de 100%, em relação às latências obtidas no nervo espinhal do lado não afetado (Tabela 4). Ainda que a amostra de normais seja pequena, os resultados são semelhantes àqueles obtidos em 52 nervos espinhais de 28 pessoas normais por Ma e Gibfried (citado em Ma e Liveson16). Todas as ondas M dos nervos espinhais do lado afetado dos nossos casos apresentavam amplitudes significativamente diminuídas e durações aumentadas em relação às obtidas no lado não afetado (Tabela 4 e Fig 3). Estes resultados coincidem com os obtidos por Petrera e Trojaborg4 em quatro casos de lesões cirúrgicas do nervo espinhal, examinados em circunstâncias e técnica semelhantes às nossas, que interpretam como resultantes dos fenômenos de reinervação. Petrera28 encontra latências mais de 100% aumentadas em nervos motores de músculos parcialmente desenervados da cintura escapular de pacientes com sequelas de neuralgia braquial amiotrófica, que também relaciona como resultado da reinervação. Estamos de acordo com esses autores no que se refere ao papel da reinervação no retardo da neurocondução. Contudo, nas neuropatias do nervo espinhal secundárias a cirurgias, o aumento acentuado das latências e a dispersão das ondas M nos inclina a pensar também em fatores compressivos produzidos pelo tecido cicatricial no nível da incisão cirúrgica, agravando essas neuropatias. Isso provavelmente aconteceu no Caso 3 e foi demostrado no Caso 6. Gordon e col.29 apoiados na observação de que o comprometimento do nervo espinhal pode surgir tardiamente depois de procedimentos cirúrgicos, como consta na história do Caso 2 da nossa casuística, acham provável que a lesão do nervo espinhal possa também decorrer de compressão por tecido cicatricial.

Para concluir, insistimos que devem ser cuidadosamente avaliadas, programadas e realizadas as cirurgias no triângulo cervical posterior e, em geral, em todos os procedimentos cirúrgicos na região lateral do pescoço. Também recomendamos que mesmo as denominadas pequenas cirurgias, como as biópsias de linfonodos, devam ser realizadas por cirurgiões experientes e conhecedores dessa região anatômica e que devem-se evitar as incisões transversas ao trajeto do nervo espinhal. Em síndromes dolorosas cervico-braquiais ou paresia do trapézio após procedimentos cirúrgicos cervicais deve ser realizado exame de EMG do músculo trapézio e medidas de condução do nervo espinhal, para confirmar o diagnóstico e, especialmente, o prognóstico de prováveis neuropatias desse nervo. Deve-se considerar a indicação de cirurgia reparadora, especialmente quando a desenervação do músculo trapézio é grave ou há indícios de fatores compressivos pelo tecido cicatricial. Essa cirurgia deve ser realizada com urgência e, insistimos, por um profissional experiente em nervos periféricos. O prognóstico de restauração pode ser otimizado5, pois se trata de um nervo proximal e de trajeto curto.

Dr. José Luis Alonso Nieto - Rua Itapeva 490/12 - 01332-000 São Paulo, SP - Brasil.

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    Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo "Francisco Morato de Oliveira" (HSPE).
    Chefe da Seção de Eletrodiagnóstico do Serviço de Neurologia do HSPE;
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    Médico do Serviço de Neurologia do HSPE e do Setor de Eletromiografia da Seção de Eletrodiagnóstico do Serviço de Neurologia do HSPE. Aceite: 19-abril-2000.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Set 2000

    Histórico

    • Aceito
      19 Abr 2000
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