Accessibility / Report Error

Hemangioblastomas: achados clínicos, epidemiológicos e anatomopatológicos em 14 casos

Haemangioblastomas: clinical, epidemiological and pathological findings in 14 cases

Resumos

Relatamos os achados clínicos, epidemiológicos e anatomopatológicos de 14 casos de hemangioblastoma. Sessenta e quatro por cento ocorreram em pacientes do sexo masculino, com idades variando de 16 a 60 anos, com média de 34,4 anos. Nove localizaram-se no cerebelo. Os sintomas mais comuns foram cefaléia (n=7) e tontura (n=7), com período médio de evolução de 70 dias. O diagnóstico de síndrome de von Hippel-Lindau (vHL) foi feito em 3 pacientes. Onze pacientes foram submetidos a ressecção cirúrgica total e 3 a exérese parcial. Evidenciou-se recidiva em 28% dos casos, em 3 anos de acompanhamento. Os pacientes com vHL apresentaram recidiva em 66% dos casos. Estes achados aproximam-se dos encontrados na literatura, enfatizando a morbidade deste tumor quando associado à vHL.

hemangioblastoma; sistema nervoso central; tumores; facomatoses


We report the clinical, epidemiological and pathological findings of 14 patients with haemangioblastoma. Sixty-four percent occurred in males, with ages ranging from 16 to 60 years, with an average of 34,4 years. Most of the tumours were confined to the cerebellum (n=9). The most frequent symptoms were headache (n=7) and dizziness (n=7), with a mean duration of 70 days. Von Hippel-Lindau syndrome (vHL) was diagnosed in 3 patients. Eleven patients were submitted to total surgical removal and in 3 the tumour was partially ressected. A relapse rate of 28% in 3 years of follow-up was found. The patients with vHL showed recurrence in 66% of the cases. These findings corroborate those in current medical literature, showing an increased morbidity of this tumor when associated with vHL.

haemangioblastoma; central nervous system; tumours; phacomatosis


HEMANGIOBLASTOMAS

ACHADOS CLÍNICOS, EPIDEMIOLÓGICOS E ANATOMOPATOLÓGICOS EM 14 CASOS

EMERSON LEANDRO GASPARETTO* * Estudo realizado na Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia, Serviço de Anatomia Patológica, Hospital de Clínicas, UFPR, Curitiba, PR: Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia; ** Médico do Serviço de Anatomia Patológica; *** Professor Titular de Anatomia Patológica. Aceite: 6-dezembro-1999. , LEONARDO NERCOLINI FAORO* * Estudo realizado na Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia, Serviço de Anatomia Patológica, Hospital de Clínicas, UFPR, Curitiba, PR: Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia; ** Médico do Serviço de Anatomia Patológica; *** Professor Titular de Anatomia Patológica. Aceite: 6-dezembro-1999. , JORGE SÉRGIO REIS FILHO** * Estudo realizado na Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia, Serviço de Anatomia Patológica, Hospital de Clínicas, UFPR, Curitiba, PR: Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia; ** Médico do Serviço de Anatomia Patológica; *** Professor Titular de Anatomia Patológica. Aceite: 6-dezembro-1999. , LUIZ FERNANDO BLEGGI TORRES*** * Estudo realizado na Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia, Serviço de Anatomia Patológica, Hospital de Clínicas, UFPR, Curitiba, PR: Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia; ** Médico do Serviço de Anatomia Patológica; *** Professor Titular de Anatomia Patológica. Aceite: 6-dezembro-1999.

RESUMO - Relatamos os achados clínicos, epidemiológicos e anatomopatológicos de 14 casos de hemangioblastoma. Sessenta e quatro por cento ocorreram em pacientes do sexo masculino, com idades variando de 16 a 60 anos, com média de 34,4 anos. Nove localizaram-se no cerebelo. Os sintomas mais comuns foram cefaléia (n=7) e tontura (n=7), com período médio de evolução de 70 dias. O diagnóstico de síndrome de von Hippel-Lindau (vHL) foi feito em 3 pacientes. Onze pacientes foram submetidos a ressecção cirúrgica total e 3 a exérese parcial. Evidenciou-se recidiva em 28% dos casos, em 3 anos de acompanhamento. Os pacientes com vHL apresentaram recidiva em 66% dos casos. Estes achados aproximam-se dos encontrados na literatura, enfatizando a morbidade deste tumor quando associado à vHL.

PALAVRAS-CHAVE: hemangioblastoma, sistema nervoso central, tumores, facomatoses.

Haemangioblastomas: clinical, epidemiological and pathological findings in 14 cases

ABSTRACT - We report the clinical, epidemiological and pathological findings of 14 patients with haemangioblastoma. Sixty-four percent occurred in males, with ages ranging from 16 to 60 years, with an average of 34,4 years. Most of the tumours were confined to the cerebellum (n=9). The most frequent symptoms were headache (n=7) and dizziness (n=7), with a mean duration of 70 days. Von Hippel-Lindau syndrome (vHL) was diagnosed in 3 patients. Eleven patients were submitted to total surgical removal and in 3 the tumour was partially ressected. A relapse rate of 28% in 3 years of follow-up was found. The patients with vHL showed recurrence in 66% of the cases. These findings corroborate those in current medical literature, showing an increased morbidity of this tumor when associated with vHL.

KEY WORDS: haemangioblastoma, central nervous system, tumours, phacomatosis.

Os hemangioblastomas são tumores benignos de histogênese incerta, classificados como grau I pela OMS e correspondem a 1-2% dos tumores intracranianos1. Habitualmente ocorrem no cerebelo, em adultos jovens. Ao exame histológico são compostos por rede capilar e células estromais vacuolizadas. Em 10-40% dos casos encontram-se associados à síndrome de von Hippel-Lindau (vHL).

Relatamos os achados anátomo-patológicos e clínico-prognósticos de 14 casos de hemangioblastomas diagnosticados entre 1990 e 1997.

MÉTODO

Este estudo deriva de uma linha de pesquisa denominada "Banco de Patologia Tumoral do Sistema Nervoso Central (SNC) da População da Cidade de Curitiba", que tem como objetivo tabular todos dados (sexo, idade, localização e diagnóstico histológico) referentes aos tumores do SNC que acometem a população dessa cidade e sua região metropolitana. A pesquisa tem o intuito de analisar epidemiologicamente os principais tumores do SNC. Para tanto, foram pesquisados os livros de registros ou arquivos de biópsias do período de 1990 a 1997 dos Serviços de Anatomia Patológica dos principais hospitais da cidade de Curitiba que são responsáveis por mais de 95% da rotina neurocirúrgica do município. Os dados clínicos, como história, tempo de evolução, exame físico, tratamento e evolução foram obtidos a partir dos prontuários. Todas as biópsias foram preparadas conforme técnicas histológicas convencionais, sendo revisadas por um mesmo neuropatologista (LFBT), utilizando-se os critérios da Classificação da Organização Mundial de Saúde2 para o diagnóstico de hemangioblastoma.

RESULTADOS

Entre 1990 e 1997 foram realizadas 3318 biópsias de SNC, sendo que 2427 (73,14%) corresponderam a neoplasias primárias do SNC. Dentre estas, 29 (1,19%) tiveram diagnóstico histológico de hemangioblastoma; 15 não apresentaram dados clínicos prognósticos suficientes para a inclusão no estudo. Dos 14 pacientes analisados, 9 (64,28%) eram masculinos e 5 (35,72%) femininos. As idades variaram entre 16 e 60 anos, com média de 34,43 anos. Em relação à localização, 9 foram cerebelares e 5 intramedulares. Os tumores de cerebelo apresentaram-se predominantemente nos hemisférios (n=6), havendo ainda dois casos em ângulo ponto-cerebelar e um no verme cerebelar. Os intramedulares localizaram-se com maior frequência na medula cervical (n=3), um caso estendendo-se de C3 a T2 e um de T7 a T9. Três pacientes (21,5%) tiveram diagnóstico de vHL (Tabela 1). Os sinais e sintomas observados incluíram cefaléia (n=7), tontura (n=7), alteração de sensibilidade nos membros inferiores (n=6), vômitos (n=5), ataxia da marcha (n=4), dismetria (n=4) e disdiacocinesia (n=2). O período de evolução dos sintomas variou entre 20 dias e 12 meses, com média de 70 dias. Onze pacientes (78,57%) foram submetidos a ressecção cirúrgica total e 3 (21.43%) a exérese parcial. Evidenciou-se taxa de recidiva tumoral total de 28% (n=4) em 3 anos de acompanhamento clínico. Dois (66%) dos três pacientes com vHL apresentaram recidiva tumoral.

DISCUSSÃO

Os hemangioblastomas, também denominados hemangioblastomas capilares, são tumores benignos, classificados como grau I pela OMS, altamente vascularizados e com frequência císticos1, 3. Correspondem de 1 a 2% dos tumores primários do SNC1, 4 , sendo, em nosso estudo responsáveis por 1,19%. Como encontrado em nossa casuística, são mais comuns em crianças e adultos jovens, com pico de incidência entre 35 e 45 anos2. Há predominância de pacientes masculinos na relação de 2:11. A fossa posterior é a região mais acometida, seguida da medula espinhal e ocasionalmente de lesões supratentoriais5. Na fossa posterior os tumores localizam-se no verme e hemisférios cerebelares, bem como no quarto ventrículo6. Por se apresentarem como massa de crescimento lento na fossa posterior, estes tumores manifestam-se clinicamente pela obstrução do fluxo do líquor e consequente hipertensão intracraniana. Os sinais e sintomas mais frequentes são cefaléia, vômito, tontura, ataxia e distúrbios da marcha1,6-8, sendo estes os mais referidos por nossos pacientes. A angiografia, revelando lesão altamente vascularizada em fossa posterior, bem como a ressonância nuclear magnética e tomografia axial computadorizada (Fig 1), demonstrando nódulo impregnado por contraste nesta mesma topografia, são os métodos de neuroimagem de escolha para o diagnóstico de hemangioblastomas9-11.


Cerca de 10 a 40% dos hemangioblastomas estão associados à vHL8-10,12,13 . Em nosso estudo, 21,43% dos pacientes eram portadores desta síndrome, uma rara doença autossômica dominante com penetrância completa e expressão variável. Foi descrita por Tuner em 1887, e posteriormente por Lindau em 1926, o qual relatou hemangioblastomas no cerebelo, retina e medula espinhal, carcinoma e cistos renais e pancreáticos, e feocromocitoma8,12,14,15.

O aspecto macroscópico é de lesão bem delimitada, composta por nódulos avermelhados altamente vascularizados, com frequência localizados na parede de grandes cistos1,4,16. Algumas porções podem apresentar-se amareladas devido ao alto conteúdo lipídico das células tumorais. Ao exame histológico, são compostos por células estromais vacuolizadas e por rede capilar exuberante1,3,6 (Figs2 e 3 ). As células estromais, que representam o verdadeiro componente neoplásico, têm núcleo de tamanho variado, apresentando ocasionais atipias ou hipercromia, e caracterizam-se por conterem numerosos vacúolos citoplasmáticos de conteúdo lipídico. Devido ao alto componente vascular, hemorragias intratumorais são frequentes. Necrose e calcificação são incomuns.


A histogênese dos hemangioblastomas ainda é incerta1,8,17. A origem das células estromais é controversa. A origem glial destas células é sugerida por filamentos intermediários no citoplasma, identificados pela microscopia eletrônica (ME), mas não confirmados pela IHQ17. As células estromais podem demonstrar diferenciação macrofágica através da ME pela presença de lisossomos, o que também não é confirmado pela imuno-histoquímica (IHQ)10. A origem pial pode ser excluída pela falta de interdigitações características das células meningoteliais12. Recentes observações por ME de grânulos secretórios nas células estromais levantam a hipótese da origem neuroendócrina18, confirmada por alguns estudos IHQ, mas ainda não aceita universalmente17.

Os hemangioblastomas , apesar de benignos, apresentam taxa de recidiva acima de 25%1,4. Entre nossos pacientes, esta foi de 28% em 3 anos de acompanhamento clínico. Pacientes jovens, com menos de 30 anos no momento do diagnóstico, síndrome de von Hippel-Lindau e tumores multicêntricos associam-se a maiores índices de recidiva1.

Dr. Luiz Fernando Bleggi Torres - Serviço de Anatomia Patológica, Hospital de Clínicas UFPR - Rua General Carneiro 181 - 80060-900 Curitiba PR - Brasil. Fax 041 264 1304. E-mail: bleggi@hc.ufpr.br e lftorres@uol.com.br

  • 1. Adams JP, Duchen L. Greenfield's neuropathology. 5Ed. London: Edward Arnold, 1993.
  • 2. Kleihues P, Burger PC, Scheithauer BW. The new World Health Organization classification of brain tumours. Brain Pathol 1993;3:255-268.
  • 3. Jonge JC, Wilmink JT, Janevski BK. Cerebellar hemangioblastoma. J Belge Radiol 1998;81:236-246.
  • 4. Bleggi-Torres Lf, Almeida R, Avila S, Alessi S, Freitas R. Brain tumors in South Brazil: a retrospective study of 438 cases. Arq Neuropsiquiatr 1990,48:279-285.
  • 5. Emery E, Hurth M, Lacroix-Jousselin C, David P, Richard S. Intraspinal hemangioblastoma: apropos of a recent series of 20 cases. Neurochirurgie 1994;40:165-173.
  • 6. Julow J, Balint K, Gortvai P, Pasztor E. Posterior fossa haemangioblastomas. Acta Neurochirurg 1994;128:109-114.
  • 7. Yamamoto T, Wakui K, Kobayashi M. Hemangioblastoma in the cerebellar vermis: a case report. Acta Cytol 1996;40:346-350.
  • 8. Bleggi-Torres LF, De Noronha L, Fillus J Neto, Telles E, Madalozzo LE. Von Hippel-Lindau disease: report of three cases and review of the literature. Arq Neuropsiquiatr 1995;53:782-788.
  • 9. Bakshi R, Mechtler LI, Patel MJ, Lindsay BD, Messinger S, Gibbons KJ. Spinal leptomeningeal hemangioblastomatosis in von Hippel-Lindau disease: magnetic resonance and pathological findings. J Neuroimaging 1997;7:242-244.
  • 10. Choyke PI, Glenn GM, Walther MM, Patronas NJ, Linehan WM, Zbar B.Vvon Hippel-Lindau disease: genetic, clinical, and imaging features. Radiology 1995;194:629-642.
  • 11. Grand S, Maruelle P, Boubagra K, Passagia JG, Le Bas JF. MRI aspects of cerebellar hemangioblastomas: apropos of 9 cases. J Neuroradiol 1995;22:20-27.
  • 12. Kume H, Kameyama S, Tanaka Y, Kitamura T. Cerebellar hemangioblastoma as a late manifestation of sporadic von Hippel-Lindau disease. J Urol 1999;161:911-912.
  • 13. Richard S, Martin S, David P, Decq P. Von Hippel-Lindau disease and central nervous system hemangioblastoma. Neurochirurgie 1998;44:258-266.
  • 14. Maher ER, Kaelin WG. von Hippel-Lindau disease. Medicine (Baltimore) 1997;76:381-391.
  • 15. Zbar B, Kaelin W, Maher E, Richad S. Third International Meeting on von Hippel-Lindau disease. Cancer Res 1999;1;59:2251-2253.
  • 16. Fukushima T, Sakamoto S, Iwaasa M et al. Intramedullary hemangioblastoma of the medulla oblongata: two case reports and review of the literature. Neurol Med Chir 1998;38:489-498.
  • 17. Omulecka A, Lach B, Alwasiak J, Gregor A. Immunohistochemical and ultrastructural studies of stromal cells in hemangioblastoma. Folia Neuropathol 1995;33:41-50.
  • 18. Isotalo E, Niemela M, Pyykko I. Hemangioblastoma and oculomotor pathology. Acta Otolaryngol 1997;(Suppl)529:119-122.
  • *
    Estudo realizado na Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia, Serviço de Anatomia Patológica, Hospital de Clínicas, UFPR, Curitiba, PR:
    Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia;
    **
    Médico do Serviço de Anatomia Patológica;
    ***
    Professor Titular de Anatomia Patológica. Aceite: 6-dezembro-1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Aceito
      06 Dez 1999
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org