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Eclerose tuberosa: relato de caso com estudo histopatológico e ultraestrutural

Tuberous sclerosis: case report with histological and ultrastructural study

Resumos

O complexo esclerose tuberosa constitui grupo de desordens autossômicas dominantes caracterizadas por hamartomas e lesões neoplásicas benignas que invariavelmente acometem o sistema nervoso central. Relatamos um caso de esclerose tuberosa que é o primeiro com descrição dos achados ultraestruturais na literatura latino-americana. A paciente era feminina, tinha 2 anos de idade e apresentava síndrome de West não responsiva ao tratamento clínico com vigabatrina, trileptal e clonazepan, sendo submetida a lobectomia frontal esquerda. Os achados histopatológicos e ultraestruturais foram condizentes com esclerose tuberosa. Estes resultados aproximam-se daqueles discutidos na literatura e auxiliam na eventual compreensão desta controversa facomatose, bem como alertam para a apresentação clínica como síndrome de West.

esclerose tuberosa; facomatose; sistema nervoso central


Tuberous sclerosis complex is a group of autosomal disorders characterized by hamartomas and benign neoplastic lesions that invariably affect the central nervous system. We report a case of tuberous sclerosis that is the first presenting ultrastructural findings of this phacomatosis in the Latin American literature. The patient was a 2 year old girl presenting West syndrome non responsive to the clinical treatment with vigabatrin, trileptal and clonazepan, and undergoing left frontal lobectomy. The histopathological and ultrastructural findings were compatible with tuberous sclerosis. These results may help to further understand this controversial phacomatosis, warning to the clinical presentation as West syndrome.

tuberous sclerosis; phacomatosis; central nervous system


ECLEROSE TUBEROSA

RELATO DE CASO COM ESTUDO HISTOPATOLÓGICO E ULTRAESTRUTURAL

JORGE SERGIO REIS FILHO* * Estudo realizado no Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR). Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia (SMENP) e do SAP do HC/UFPR, Bolsista do Programa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq; ** Estagiária da SMENP e do SAP HC/UFPR; *** Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Nossa Senhora das Graças; **** Professor do Departamento de Pediatria da UFPR e Médico Neuropediatra do HC/UFPR; ***** Chefe do SAP do HC/UFPR, Professor Adjunto da Disciplina de Anatomia Patológica da UFPR. Aceite: 30-junho-1998. , MÁRIO R. MONTEMÓR NETTO* * Estudo realizado no Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR). Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia (SMENP) e do SAP do HC/UFPR, Bolsista do Programa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq; ** Estagiária da SMENP e do SAP HC/UFPR; *** Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Nossa Senhora das Graças; **** Professor do Departamento de Pediatria da UFPR e Médico Neuropediatra do HC/UFPR; ***** Chefe do SAP do HC/UFPR, Professor Adjunto da Disciplina de Anatomia Patológica da UFPR. Aceite: 30-junho-1998. , JULIANA G. LOYOLA NETTO** * Estudo realizado no Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR). Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia (SMENP) e do SAP do HC/UFPR, Bolsista do Programa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq; ** Estagiária da SMENP e do SAP HC/UFPR; *** Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Nossa Senhora das Graças; **** Professor do Departamento de Pediatria da UFPR e Médico Neuropediatra do HC/UFPR; ***** Chefe do SAP do HC/UFPR, Professor Adjunto da Disciplina de Anatomia Patológica da UFPR. Aceite: 30-junho-1998. , JOÃO CÂNDIDO DE ARAÚJO*** * Estudo realizado no Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR). Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia (SMENP) e do SAP do HC/UFPR, Bolsista do Programa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq; ** Estagiária da SMENP e do SAP HC/UFPR; *** Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Nossa Senhora das Graças; **** Professor do Departamento de Pediatria da UFPR e Médico Neuropediatra do HC/UFPR; ***** Chefe do SAP do HC/UFPR, Professor Adjunto da Disciplina de Anatomia Patológica da UFPR. Aceite: 30-junho-1998. , SÉRGIO ANTONIUK**** * Estudo realizado no Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR). Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia (SMENP) e do SAP do HC/UFPR, Bolsista do Programa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq; ** Estagiária da SMENP e do SAP HC/UFPR; *** Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Nossa Senhora das Graças; **** Professor do Departamento de Pediatria da UFPR e Médico Neuropediatra do HC/UFPR; ***** Chefe do SAP do HC/UFPR, Professor Adjunto da Disciplina de Anatomia Patológica da UFPR. Aceite: 30-junho-1998. , LUIZ FERNANDO BLEGGI TORRES***** * Estudo realizado no Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR). Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia (SMENP) e do SAP do HC/UFPR, Bolsista do Programa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq; ** Estagiária da SMENP e do SAP HC/UFPR; *** Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Nossa Senhora das Graças; **** Professor do Departamento de Pediatria da UFPR e Médico Neuropediatra do HC/UFPR; ***** Chefe do SAP do HC/UFPR, Professor Adjunto da Disciplina de Anatomia Patológica da UFPR. Aceite: 30-junho-1998.

RESUMO - O complexo esclerose tuberosa constitui grupo de desordens autossômicas dominantes caracterizadas por hamartomas e lesões neoplásicas benignas que invariavelmente acometem o sistema nervoso central. Relatamos um caso de esclerose tuberosa que é o primeiro com descrição dos achados ultraestruturais na literatura latino-americana. A paciente era feminina, tinha 2 anos de idade e apresentava síndrome de West não responsiva ao tratamento clínico com vigabatrina, trileptal e clonazepan, sendo submetida a lobectomia frontal esquerda. Os achados histopatológicos e ultraestruturais foram condizentes com esclerose tuberosa. Estes resultados aproximam-se daqueles discutidos na literatura e auxiliam na eventual compreensão desta controversa facomatose, bem como alertam para a apresentação clínica como síndrome de West.

PALAVRAS-CHAVE: esclerose tuberosa, facomatose, sistema nervoso central.

Tuberous sclerosis: case report with histological and ultrastructural study

ABSTRACT - Tuberous sclerosis complex is a group of autosomal disorders characterized by hamartomas and benign neoplastic lesions that invariably affect the central nervous system. We report a case of tuberous sclerosis that is the first presenting ultrastructural findings of this phacomatosis in the Latin American literature. The patient was a 2 year old girl presenting West syndrome non responsive to the clinical treatment with vigabatrin, trileptal and clonazepan, and undergoing left frontal lobectomy. The histopathological and ultrastructural findings were compatible with tuberous sclerosis. These results may help to further understand this controversial phacomatosis, warning to the clinical presentation as West syndrome.

KEY WORDS: tuberous sclerosis, phacomatosis, central nervous system.

Esclerose tuberosa (ET) é uma doença autossômica dominante com incidência de 1:100001-5, caracterizada por tumores benignos hamartomatosos envolvendo múltiplos órgãos1,2,5. Inicialmente descrita no sistema nervoso central (SNC) por Bourneville, em 1880, o acometimento sistêmico fora demonstrado por Vogt et al. no seu clássico estudo da tríade retardo mental, epilepsia e adenomas sebáceos2,5. Estudos subsequentes acabaram por evidenciar a natureza sistêmica desta entidade, a qual faz parte do grupo das facomatoses ou síndromes neurocutâneas que incluem as neurofibromatoses I e II, a síndrome de Von Hippel-Lindau e a doença de Sturge-Weber1-3,5.

Relatamos um caso de ET manifestando-se clinicamente como síndrome de West, que é o primeiro com estudo ultraestrutural da literatura latino-americana indexada.

RELATO DO CASO

Paciente feminina, com idade de 2 anos e 4 meses, procurou o Serviço de Pediatria do Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba, apresentando há 1 ano e 7 meses atraso do desenvolvimento neuropsicomotor associado a crises mioclônicas resistentes ao tratamento clínico com vigabatrina, trileptal e clonazepan. O exame eletrencefalográfico mostrou hipsarritmia, sendo firmado o diagnóstico clínico de síndrome de West. A análise neuro-radiológica evidenciou tubérculo cortical em região frontal.

A paciente foi submetida a exérese cirúrgica do tumor, macroscopicamente representado por segmento de tecido cerebral, medindo 5,5x5,3x3,5 cm, parcialmente recoberto por meninges acinzentadas com vasos congestos, apresentando-se homogêneo, firme e friável. O exame histopatológico por técnicas histológicas convencionais6 revelou tecido cerebral contendo área focal de perda da arquitetura geral, com distribuição neuronal aleatória, irregular, apresentando rarefação celular permeada por astrocitose. Evidenciaram-se células globóides com citoplasma amplo e eosinofílico, exibindo núcleos vesiculosos e nucléolos evidentes. Focos de palidez mielínica foram observados (Figs 1 e 2).



O material foi encaminhado à análise ultraestrutural por microscópio eletrônico de transmissão JEOL, após ser fixado em glutaraldeído, pós-fixado em ósmio aquoso, desidratado em álcool, incluído em resina araldite e corado por acetato de uranila e citrato de chumbo. Evidenciaram-se neurônios com alterações displásicas representadas por bizarrismo celular e perda de organelas citoplasmáticas, bem como astrócitos proliferados (Figs 3 e 4). Foi estabelecido diagnóstico definitivo de esclerose tuberosa.



DISCUSSÃO

A ET é uma das facomatoses mais frequentes da prática médica, sendo superada em frequência apenas pela neurofibromatose tipo 11-5,7. Caracteristicamente se manifesta no SNC por tumores benignos e nódulos subependimais que, quando possuem mais de 3 cm de diâmetro, são também chamados astrocitomas subependimais de células gigantes1-5,8. Com menor frequência há envolvimento do cerebelo e raramente observa-se comprometimento da medula espinhal4,5.

As manifestações neurológicas da ET variam desde sintomatologia leve, praticamente inexistente, até quadros extremamente graves com sequelas irreversíveis3-5,8. Há ampla variação sintomatológica tanto dentro de uma só família, como se forem comparadas famílias diferentes. O sintoma neurológico mais comumente encontrado é a crise epilética, como ocorreu no presente caso; porém, outras manifestações podem ser vistas como o retardo mental ou a hidrocefalia secundária a crescimento de astrocitoma subependimal de células gigantes. Salienta-se que a incidência do retardo mental é baixa quando há ausência de episódio de crise epilética3-5,8.

Os critérios diagnósticos para ET são divididos em primários, secundários e terciários de acordo com as suas especificidades diagnósticas (Tabela 1)1,5,8. Os sinais e sintomas da ET estão intimamente relacionados com a presença de hamartomas ou neoplasias benignas em um ou mais órgãos, sendo o SNC e retina, pele, coração e rins os mais frequentemente acometidos. Os principais achados sistêmicos de ET são sumariados na Tabela 21,8.

O acometimento do SNC pela ET está invariavelmente presente, sendo representado pelos hamartomas corticais, hamartomas corticais glioneurais, nódulos gliais subependimais e astrocitomas subependimais de células gigantes2-7. Os astrocitomas subependimais de células gigantes são tumores grau I da classificação da OMS os quais ocorrem em 6 a 16% dos casos confirmados de ET, acometendo predominantemente pacientes nas duas primeiras décadas de vida. Macroscopicamente, caracterizam-se por múltiplos giros circunscritos mais pálidos e firmes que o tecido cerebral normal, originado-se nas paredes dos ventrículos laterais. Ao estudo histopatológico, observam-se células neoplásicas heterogêneas, exibindo amplo espectro de fenótipos astrogliais, variando de células poligonais de citoplasma claro e abundante a células alongadas com abundante matriz fibrilar; astrócitos de aspecto ganglionar podem ser evidenciados2,4,5,9. Pleomorfismo nuclear, altas taxas mitóticas, bem como presença de proliferação vascular são achados frequentes, contudo não constituem indicadores de progressão anaplásica2,4,5,9. A análise imuno-histoquímica destes tumores exibe perfil variado, apresentando células com reatividade para marcadores gliais, como proteína S100 e GFAP, bem como células exibindo positividade para marcadores de diferenciação neuronal, como neurofilamentos e neuropeptídeos, sugerindo fenótipo misto glioneural5.

Os tubérculos corticais constituem outra manifestação frequente da ET, sendo representados por lesões que se sobressaem da ordenada laminação do córtex cerebral normal, sugerindo provável desordem de migração, proliferação e diferenciação celulares2,4,9,10. As bordas dos tubérculos são indistintas, apresentando aumento das fibras gliais e diminuição da densidade de fibras mielinizadas, o que se relaciona ao aumento da consistência ao exame macroscópico. Observa-se desorganização na distribuição da população neuronal, caracterizada por aumento na distância entre os neurônios, bem como pela presença de neurônios displásicos caracterizados por células grandes com fenótipo intermediário entre célula glial e neurônios, possivelmente decorrentes de distúrbios genotípicos que acabam por afetar o crescimento celular natural2,4,9,10.

A análise genética demonstra o envolvimento de duas regiões cromossomais, nos cromossomos 9q34 e 16p13, apresentando transmissão familial autossômica dominante com penetrância de 95%. Apesar de ser a alteração genética encontrada em duas regiões cromossomais diferentes não há qualquer diferença clínico-patológica entre os dois grupos, assim como não parece haver qualquer evidência do envolvimento de um terceiro cromossoma4,9,10.

Dr. Luiz Fernando Bleggi Torres - Hospital das Clínicas UFPR - Serviço de Anatomia Patológica - Rua General Carneiro 181 - 80060-900 Curitiba PR - Brasil. FAX: 55 41 264 1304. E-mail: lftorres@uol.com.br

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  • *
    Estudo realizado no Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR).
    Estagiário da Seção de Microscopia Eletrônica e Neuropatologia (SMENP) e do SAP do HC/UFPR, Bolsista do Programa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq;
    **
    Estagiária da SMENP e do SAP HC/UFPR;
    ***
    Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Nossa Senhora das Graças;

    ****

    Professor do Departamento de Pediatria da UFPR e Médico Neuropediatra do HC/UFPR;

    *****

    Chefe do SAP do HC/UFPR, Professor Adjunto da Disciplina de Anatomia Patológica da UFPR. Aceite: 30-junho-1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Set 1998

    Histórico

    • Aceito
      30 Jun 1998
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